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A PRÁTICA PSI NOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE ATENDIMENTO À MULHER

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A PRÁTICA PSI NOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE ATENDIMENTO À MULHER

Emmanuela Neves Gonsalves1 Hebe Signorini Gonçalves2

Resumo: O presente trabalho objetiva promover uma reflexão sobre a prática psi diante da

interdisciplinaridade que fundamenta o exercício profissional nos Centros de Referência de Atendimento à Mulher, um equipamento da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Considera-se que violência de gênero constitui a expressão máxima das desigualdades de gênero, potencializando a perpetuação da ideologia patriarcal como base das relações sociais. Assim, a atuação dos Centros de Referência não se restringe a ações pontuais de combate à violência, mas promove ações de prevenção da violência, garantia de direitos e assistência à mulher. A partir da aproximação com a Subsecretaria de Políticas para as Mulheres do estado do Rio de Janeiro; do contato com Centros de Referência da mesma localidade e da inserção no Centro de Referência de Mulheres da Maré, único Centro de Referência que integra os programas de extensão de uma universidade pública, propõe-se a apresentação do trabalho interdisciplinar, especialmente no tocante à psicologia, nas diversas ações desenvolvidas pelos Centros de Referência, bem como uma reflexão sobre o conceito de clínica no que tange a sua interlocução com a política.

Palavras-chave: Psicologia. Interdisciplinaridade. Violência de Gênero. Clínica. Política. Introdução

O presente artigo objetiva promover a discussão sobre a prática da psicologia junto aos centros especializados de atendimento às mulheres em situação de violência. Para tanto, inicialmente, discute-se a construção da política de enfrentamento à violência contra as mulheres, no que tange à implementação dos centros especializados. Propõe-se, ainda, uma breve reflexão sobre o campo de atuação da Psicologia na contemporaneidade e os limites e possibilidades de atuação desta ciência nas políticas públicas, especialmente no que se refere às políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres.

Propõe-se, como campo de pesquisa, uma aproximação junto aos centros especializados do estado do Rio de Janeiro por meio de contato telefônico, para obter informações sobre a atuação da psicologia nestes serviços. À luz da experiência profissional no Centro de Referência de Mulheres

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

Brasil.

2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio

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da Maré Carminha Rosa (CRMMCR), busca-se a reflexão sobre o lugar da psicologia – que está em construção – nas políticas públicas voltadas para as questões de gênero.

O presente estudo pode contribuir para a promoção das reflexões sobre as práticas psicológicas empreendidas nos centros especializados de atendimento às mulheres em situação de violência, provocando discussões sobre a formação profissional, as possibilidades de intervenção da ciência psicológica nas políticas públicas, bem como sobre os desafios da interdisciplinaridade.

Breve contextualização das políticas voltadas para o enfrentamento à violência contra as mulheres

Para pensar a política voltada para as mulheres que tem sido desenvolvida na atualidade é importante compreender os caminhos percorridos pelas teorias feministas que influenciaram a construção desta política no Brasil.

De acordo com Nogueira (2012), parte-se da definição de três vagas no movimento feminista, apesar de considerar a dificuldade de delimitar, organizar e classificar todo o conhecimento produzido pelas diferentes teorias.

A primeira vaga feminista se refere ao período entre meados do século XIX e 1960. Este primeiro momento destaca-se pelas reivindicações de emancipação das mulheres. Buscava-se conferir às mulheres o lugar de cidadãs e de sujeitos de direitos (Nogueira, 2012).

Entre 1960 e 1980, fala-se de uma segunda vaga feminista. Neste período, tornam-se centrais as ideias de opressão feminina, especialmente no que tange ao lugar da mulher na família. Desconstrói-se o ideal do espaço familiar como seguro para seus membros, e reconhece-se a desvantagem da mulher em relação aos homens não só no âmbito público, mas no âmbito privado (Nogueira, 2012).

“Da preocupação típica da primeira vaga com os direitos civis (leis, direitos e cidadania), passa-se agora para aquilo que algumas autoras referem ser a política do interpessoal, daí a frase célebre dos movimentos feministas, “o pessoal é político”.” (NOGUEIRA, 2012, p. 45).

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Neste sentido, discutem-se primordialmente as causas da opressão das mulheres e as estratégias que podem ser criadas para a promoção da igualdade. Fala-se muito em violência doméstica contra as mulheres (Nogueira, 2012).

Para a desnaturalização dos lugares socialmente instituídos para homens e mulheres, constrói-se o conceito de gênero, que se refere à “[...] construção social do masculino e do feminino.” (Saffioti, 1999, p. 82). Esta noção fundamenta grande parte da teoria feminista desta época, possibilitando, assim, a construção de outros lugares sociais para o feminino e o masculino.

O conceito de gênero não traz consigo a ideia de desigualdade e de hierarquia entre os sexos. No entanto, outro conceito importante para a segunda vaga feminista, o patriarcado, especifica o lugar do masculino como dominador e do feminino como submisso:

“[...] patriarcado como um conjunto de relações sociais que tem uma base material e no qual há relações hierárquicas entre homens, e, solidaridedade entre eles, que os habilitam a controlar as mulheres. Patriarcado é, pois, o sistema masculino de opressão das mulheres (SAFFIOTTI, 2005, p. 41 apud HARTMANN, 1979, p. 232, nota 1).

Após os anos 80, fala-se em crise do feminismo, e no advento da terceira vaga, ou o pós-feminismo. Apesar de não haver consenso sobre o assunto, destaca-se para este momento histórico a desconstrução da noção de identidade e a negação de uma perspectiva essencialista de construção do conhecimento (Nogueira, 2012). Busca-se, ainda, a desconstrução da noção de binarismo sexual, e, para além da desnaturalização da construção social do gênero, a desconstrução da própria ideia de sexo como um a priori do gênero.

No que tange à construção da política para as mulheres no Brasil, observa-se que esta se fundamenta nos pressupostos da segunda vaga feminista, pois se trata da efetivação de ações baseadas na perspectiva de que as construções de gênero estão intimamente relacionadas à noção de patriarcado na sociedade. A Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (2006), documento que orienta o funcionamento dos centros especializados de atendimento às mulheres em situação de violência, aponta que “o atendimento deve pautar-se no questionamento das relações de gênero baseadas na dominação e

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opressão dos homens sobre as mulheres, que têm legitimado e perpetuado, as desigualdades e a violência de gênero.” (p. 15).

Importa para o presente trabalho a análise da política para as mulheres no que tange à questão da violência, que aqui será denominada violência de gênero: “[...] designa a produção da violência em um contexto de relações produzidas socialmente. Portanto, o seu espaço de produção é societal e o seu caráter é relacional.” (Almeida, 2007, p. 24).

De acordo com o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM (2006), a construção de casas abrigo para Mulheres em situação de violência era o foco das ações de enfrentamento à violência de gênero até o ano de 2002. A partir da implementação da Secretaria de Políticas para as Mulheres e das propostas para construção do PNPM pode-se observar uma mudança de paradigma. Verificou-se que uma política voltada para a implantação de casas abrigo não poderia se sustentar e se efetivar se desarticulada de outros serviços. Assim, as ações propostas pelo PNPM (2006) para o enfrentamento da violência de gênero estão ligadas, dentre outras, à ampliação das implantações de centros especializados no atendimento às mulheres em situação de violência nos municípios brasileiros.

A Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (2006) define este equipamento da Rede de Enfretamento à Violência contra as Mulheres da seguinte forma:

“Os Centros de Referência são estruturas essenciais do programa de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visa promover a ruptura da situação de violência e a construção da cidadania por meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social, jurídico, de orientação e informação) à mulher em situação de violência. Devem exercer o papel de articuladores dos serviços organismos governamentais e não-governamentais que integram a rede de atendimento às mulheres em situação de vulnerabilidade social, em função da violência de gênero [...]” (BRASIL, 2006, p. 11).

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A Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (2006) considera que o atendimento às mulheres será realizado em quatro fases: acolhimento e informações gerais; orientação à mulher em situação de violência – diagnóstico inicial e encaminhamento; diagnóstico aprofundado e atendimento; monitoramento do atendimento e encerramento do atendimento. De acordo com esta normativa, a participação do psicólogo será na segunda fase, momento em que se busca a escuta qualificada da mulher para a elaboração de um diagnóstico e de um plano de atendimento em conjunto com a mulher; e na terceira fase do atendimento, quando se propõe o aprofundamento do diagnóstico inicial a partir do atendimento psicológico e da arte-terapia. Ambos consistem em um processo de aprofundamento das questões individuais relacionadas à violência, com o objetivo de “[...] tratar possíveis sintomas de depressão e ansiedade crônica [...]” (p. 37).

Gonçalves (2010) nota que a presença da psicologia nas políticas públicas, em geral, está ligada ao atendimento clínico individual, prática tradicional da psicologia, e que os psicólogos participam pouco da implementação de outras ações promovidas pelos serviços.

Outra observação relevante para o presente trabalho se refere ao fato de que os psicólogos que trabalham nos serviços da política de assistência social conhecem pouco sobre os processos de elaboração e implementação da própria política. Conhecer o planejamento e a construção das políticas, os fenômenos sociais e estar próximo às populações atendidas são práticas fundamentais para a construção de uma “nova” psicologia (Oliveira, 2012).

Considera-se, portanto, que o desafio frente às novas demandas se refere a uma práxis comprometida com “[...] uma mudança na cultura profissional da Psicologia [...]” (Oliveira, 2012, p. 48), ligada à promoção da justiça social e dos direitos humanos.

No que tange ao conjunto dos serviços que compõem a Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, a pesquisa “Práticas profissionais dos(as) psicólogos(as) nos programas de atenção às mulheres em situação de violência”, realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), em 2010, constatou que a prática psicológica nestas instituições é diversificada: acolhimento/aconselhamentos; assistência/tratamento psicológico; orientação/educação; proteção à vida das mulheres; atendimento a homens autores de violência contra a mulher; supervisão psicológica; inclusão produtiva e geração de renda; gestão e formulação de políticas públicas; formação de educadores sociais/professores; análise/gestão de processos institucionais; e outras

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atividades não especificadas. A partir desta pesquisa é possível observar que a Psicologia está para além do atendimento individual nas instituições de atendimento às mulheres em situação de violência, sendo importante o estudo aprofundado da prática psicológica nestes outros espaços de intervenção.

A inovadora possibilidade da intervenção psicológica a partir de uma perspectiva de intervenção cultural no campo social se dá por meio da promoção dos Direitos Humanos, da garantia da proteção social, em busca de uma sociedade progressivamente mais solidária, respeitosa e justa. Desta forma, Gonçalves (2010) não rejeita o viés clínico da atuação psi, mas aponta para a necessidade de ampliar a noção de clínica, superando a visão individual e alcançando os fenômenos sociais:

“Nesse sentido, a clínica ampliada, como uma ferramenta das equipes, ajuda a romper com esses modelos tradicionais da Psicologia construindo um olhar sobre as questões individuais, familiares, sociais e institucionais, bem como possibilitando intervenções nas mais diversas situações cotidianas de forma a produzir cuidado ampliado. Esse fazer clínico acompanha a construção de um trabalho de promoção de cidadania junto à comunidade, que realmente opere na lógica da diminuição das vulnerabilidades sociais.” (REIS ET AL., 2012, p. 156 – grifo da autora).

Reflexões sobre as práticas psicológicas nos centros especializados de atendimento às mulheres em situação de violência

Com o objetivo de ampliar a compreensão do trabalho do psicólogo nos centros especializados de atendimento às mulheres em situação de violência do estado do Rio de Janeiro foram realizados contatos telefônicos3 junto às instituições em questão. Propõe-se uma análise dos dados da pesquisa empreendida a partir de reflexões relacionadas à experiência profissional no Centro de Referência de Mulheres da Maré Carminha Rosa.

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Foi elaborado um roteiro de questões ligado, essencialmente, à existência de psicólogos na instituição; quais atividades são desenvolvidas por esta classe de profissionais e que tipo de capacitação tem sido oferecido aos profissionais que ingressam nos serviços.

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A partir de consultas ao Dossiê Mulher 20134, documento do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro sobre os índices de violência contra as mulheres neste estado; à página eletrônica da Secretaria de Políticas para as Mulheres5; e à página eletrônica da Subsecretaria de Políticas para as Mulheres (SPMulheres) do estado do Rio de Janeiro6, foram contabilizados trinta centros especializados no atendimento às mulheres em situação de violência de gênero no estado do Rio de Janeiro.

Optou-se por não telefonar para o Centro de Referência de Mulheres da Maré, tendo em vista a inserção profissional da autora do trabalho nesta instituição. Não foi possível, ainda, empreender o contato telefônico com um centro especializado do estado, por não haver disponibilidade do número de telefone da instituição.

Das vinte e oito instituições contatadas, não foi possível realizar a pesquisa com cinco centros especializados. Sendo assim, o presente trabalho apresenta a análise das entrevistas empreendidas com vinte e três centros especializados no atendimento às mulheres em situação de violência. Duas instituições não forneceram informações sobre o trabalho, pois alegaram que dados sobre o serviço são sigilosos e só podem ser fornecidos por meio de contato eletrônico ou pessoalmente.

Todos os serviços acessados por meio do contato telefônico informaram que havia psicólogos em exercício profissional na instituição. Importante destacar que em um dos serviços, uma das psicólogas da instituição ocupa a posição de coordenadora do centro especializado no atendimento às mulheres em situação de violência.

Esta informação inicial aponta para novidades na configuração das práticas psicológicas. Fato é que, em relação às políticas públicas, tem sido necessário que se reinvente a Psicologia: “Nesse sentido, a gestão atrelada à psicologia potencializa essa mudança como uma possibilidade de indicar novos caminhos e rumos, principalmente no que diz respeito à própria Psicologia.” (Scisleski e Fernandes, 2012, p. 123).

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TEIXEIRA, Paulo Augusto Souza; PINTO, Andréia Soares e MORAES, Orlinda Claudia R. (Orgs). Dossiê Mulher 2013. Instituto de Segurança Pública, Rio de Janeiro: Riosegurança, 2013. 77p. Disponível em:

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5 Disponível em: <https://sistema3.planalto.gov.br/spmu/atendimento/busca_subservico.php?uf=RJ&cod_subs=4>.

Acesso em 01 de julho de 2013.

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A orientação da Norma Técnica (2006) de que a equipe mínima dos centros especializados seja composta por psicólogos, assistentes sociais e advogados, e a efetiva presença dos psicólogos em todos os centros especializados do Rio de Janeiro, torna flagrante a necessidade de se discutir a formação destes profissionais. De acordo com a presente pesquisa, a formação dos profissionais tem sido realizada pela Subsecretaria de Políticas para as Mulheres do estado do Rio de Janeiro, a partir de cursos de capacitação, e aproximadamente 25% dos centros oferecem capacitação interna para os profissionais que ingressam na instituição. Gonçalves (2010) aponta a distância entre a formação da psicologia e a realidade brasileira: de fato, a formação acadêmica tem sido omissa no que tange às discussões sobre as questões de gênero e políticas públicas.

A capacitação e a formação da equipe técnica do CRMMCR constitui uma das frentes de trabalho desta instituição. Considera-se que o atendimento especializado pressupõe a formação específica e aprofundada da equipe em determinada temática. Neste sentido, o trabalho nos centros especializados de atendimento às mulheres em situação de violência requer ampla formação dos profissionais em temáticas ligadas às questões de gênero, violência, políticas públicas, etc. A experiência nas capacitações iniciais e na formação continuada da equipe do Centro de Referência de Mulheres da Maré aponta para a importância desta prática institucional interna, que não exclui a importância das capacitações empreendidas pelos órgãos gestores das políticas, mas que não pode ser substituída por estas, tendo em vista as peculiaridades de cada território e população.

As atividades desenvolvidas pelos psicólogos nestes espaços de intervenção, em geral, se referem ao atendimento individual interdisciplinar ou psicológico. Atividades com grupos de reflexão e grupos terapêuticos, também, foram mencionadas durante a pesquisa.

Observa-se que a psicologia tem construído outros espaços de intervenção no exercício da profissão junto às políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero. Falou-se sobre a participação dos psicólogos em palestras e ações que aproximam os centros especializados da comunidade e na implementação de projetos voltados para discussões temáticas junto às mulheres. Tendo em vista o conceito de enfrentamento que compreende os eixos do combate, da prevenção da violência, da assistência e da garantia de direitos, como proposto pela Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011), considera-se importante que as ações da psicologia nos centros de referência extrapolem o âmbito do atendimento interdisciplinar individual às mulheres em situação de violência. Observa-se que as ações da psicologia no CRMMCR são amplas e compreendem atividades de grupo, intervenções individuais, ações voltadas para a geração

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de renda, dentre outras. O foco da intervenção psicológica está na promoção dos Direitos Humanos, do exercício da cidadania feminina e, portanto, no enfrentamento à violência de gênero.

Outro tópico importante para a discussão se refere ao tema da interdisciplinaridade. Apesar de assumirem que a constituição interdisciplinar de uma equipe não é de fácil implementação, Reis et al (2012) apontam que apenas a composição interdisciplinar das instituições pode aproximar a efetivação das políticas públicas de uma perspectiva ético-técnico-política de garantia de Direitos Humanos.

Foi comum, durante o contato telefônico com os centros, ouvir que “a psicologia participa de todas as atividades desenvolvidas pela instituição”. Esta fala recorrente pode sugerir tanto uma presença mais orgânica e efetiva da psicologia nas instituições e nas políticas públicas, quanto um desconhecimento das diferenças disciplinares no que tange às intervenções.

A efetivação da interdisciplinaridade no cotidiano é um grande desafio para a intervenção profissional no Centro de Referência de Mulheres da Maré Carminha Rosa. Considera-se que o atendimento interdisciplinar está para além do atendimento individual a uma mulher por uma dupla de profissionais de áreas do conhecimento diferentes. A constituição da interdisciplinaridade se refere ao intercâmbio entre as ciências, à construção de uma linguagem comum de análise, que apesar de ramificada, constitui um espaço de diálogo efetivo. As atividades planejadas, executadas e avaliadas em conjunto, as reuniões coletivas de planejamento, supervisão e estudos de caso, bem como o diálogo entre os profissionais das diferentes áreas no cotidiano sobre as intervenções propostas constitui um árduo caminho que vem sendo traçado na direção da construção da interdisciplinaridade nas ações do CRMMCR.

Considerações Finais

Pensar o lugar da Psicologia na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres a partir do contato com os centros especializados de atendimento às mulheres em situação de violência é importante para refletir sobre as relações que se estabelecem entre as políticas públicas e os sujeitos, no caso as mulheres atendidas por estes serviços e o que se produz a partir destes encontros.

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As análises sobre as políticas públicas voltadas para as mulheres devem levar em consideração o binarismo de gênero, bem como a constituição patriarcal das relações sociais como um forte viés de construção de subjetividades na sociedade atual. Assim, não cabe à Psicologia uma atuação individualizante, ao contrário, importa para a Psicologia a construção de uma clínica ampliada que leve em consideração o sujeito, este considerado provisório, não universal e coletivo. Propõe-se, em suma, que a via cultural que permite entender essas subjetividades é a mesma via que permite sua reorganização.

A ausência da formação no que tange às temáticas de gênero, violência e políticas públicas nos cursos de graduação em psicologia no Brasil constitui um obstáculo para a inserção orgânica destes profissionais nas instituições de atenção às mulheres em situação de violência. O número reduzido de instituições que implementam processos de capacitação internas para seus profissionais dificulta a própria construção de um lugar para a Psicologia nesta política de forma efetiva.

A reflexão sobre a intervenção psicológica no campo das políticas públicas para as mulheres, no que tange aos lugares institucionais da Psicologia, encontrou a interdisciplinaridade como um grande desafio no atendimento às mulheres em situação de violência.

As especificidades do Enfrentamento à Violência contra as Mulheres são desafiadoras para a prática psi. As questões políticas, sociais, educacionais e culturais atravessam cotidianamente o fazer do Psicólogo (a) no que diz respeito às subjetividades produzidas e reproduzidas neste âmbito. Acredita-se, portanto, que a ampliação do campo de trabalho da Psicologia demanda um aprofundamento nos estudos das práticas psicológicas que vêm sendo desenvolvidas nos diferentes espaços.

A inserção orgânica da psicologia nas diferentes propostas de frentes de trabalho da instituição e a recusa em restringir o saber psi a uma terapêutica clássica, seja no campo do atendimento individual seja nos processos terapêuticos grupais, apontam para novas formas de saber-fazer psi, especialmente no que diz respeito à consolidação de políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero.

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The psychologist’s role in Reference Centers for Women

Astract: This paper aims to encourage reflection upon the psychologist’s role in interdisciplinary

practice in Reference Centers for Women- a device created by the National Policy to Combat Violence against Women. It is considered that gender violence is the ultimate expression of gender inequalities and that it increases the perpetuation of patriarchal ideology as basis of social relations. Thus, the performance of the Reference Centers is not restricted to a single action to combat violence. It actually promotes actions to prevent violence, to ensure rights and to provide assistance for women. We intend to present interdisciplinary actions taken by various Reference Centers, with special concern to the role played by psychologists, based on the access to the Secretariat of Policies for Women in Rio de Janeiro, to local Reference Centers, and to the Centro de Referência de Mulheres da Maré (Reference Center for Women in Maré), which is the only equipment related to a public university. We also intend to present a reflection upon the concept of clinic regarding its dialogue with politics.

Referências

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