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IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO: O CASO DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ALCOBAÇA, TUCURUÍ/PA¹.

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1 IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO: O CASO

DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ALCOBAÇA, TUCURUÍ/PA¹.

Neila de Jesus Ribeiro Almeida (UFPA/PA) Daniel dos Santos Fernandes (FIP/PA)

Voyner Ravena Cañete (UFPA/PA)

RESUMO

Esta pesquisa busca analisar os impactos socioambientais provocados pela construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí na Amazônia paraense, especificamente em uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaça. Levando em consideração que a implementação da hidrelétrica ocasionou sérios problemas socioambientais, como: processo migratório de populações de várias regiões do país, impactos negativos sobre o meio ambiente e em comunidades tradicionais que sobreviviam diretamente dos recursos extraídos da área atingida. Apesar do Governo vir tomando medidas para minimizar esses impactos, entre eles, a implantação de um mosaico de unidades de conservação criado em 2002, com o objetivo de proteger os recursos naturais, reduzir os conflitos sociais e garantir a melhoria da qualidade de vida da população local. O que pode ser observado atualmente é a ineficácia da gestão dessas áreas, a superexploração dos recursos naturais por meios ilegais e o agravamento dos problemas sociais pela falta de políticas públicas. Dessa forma a partir de pesquisas realizas com ribeirinhos da reserva de desenvolvimento sustentável Alcobaça, área atingida pela usina de Tucuruí, procuramos percorrer os aspectos históricos e a realidade contemporânea das populações tradicionais afetadas por mais um projeto desenvolvimentista na Amazônia brasileira a partir dos impactos socioambientais provocados por esse empreendimento. O que mostrou que os impactos socioambientais foram gerados pela gestão centralizada dos órgãos governamentais e pela falta de políticas de gerenciamento integrado, onde a população tradicional local não participa da tomada de decisões referente aos acordos sobre a extração dos recursos.

Palavras-chave: Impactos socioambientais. População Ribeirinha. Hidrelétrica de Tucuruí.

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¹Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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2 1 INTRODUÇÃO

Com uma baixa densidade populacional e uma pequena integração com o resto do país, a Amazônia até o final da década de 50 era caracterizada com a exportação de produtos primários. A incorporação da região à economia nacional foi anunciada com a mudança da capital brasileira para Brasília e com o desenvolvimento da malha rodoviária. A partir do início da segunda metade do século XX com a abertura de rodovias de acesso à Amazônia, houve o desenvolvimento de um grande número de centros populacionais, em consequência de uma melhor conexão inter-regional. As décadas de 60 e 70 no Brasil foram marcadas pela implantação das redes viárias e por grandes empreendimentos governamentais (ROCHA, ;CMB, 2000; JATOBÁ, 2006).

Nesse cenário de desenvolvimento, a Amazônia brasileira ofereceu diversas oportunidades de estratégias expansionistas, pelo seu largo cenário de fronteira. Nessa região, foram instalados diversos projetos de minério para atender o mercado internacional, assim tornou-se fundamental a produção de energia na região para atender as indústrias implantadas. Desta forma, é necessário construir uma grande barragem no meio da floresta – a Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT)- para subsidiar a extração de recursos minerais na Amazônia.

Com a construção da usina hidrelétrica na Amazônia, o processo de ocupação da região se intensificou, além da migração de várias regiões do país, principalmente do nordeste brasileiro, houveram deslocamentos internos na região. Pessoas oriundas de outras partes da Amazônia se deslocaram para a área da construção da usina a procura de serviços. De acordo com Ravena-Cañete et. al. (2010) das famílias entrevistadas no lago em torno de 62% correspondiam a sua origem de outras regiões do estado do Pará e aproximadamente 25% do estado do Maranhão.

Embora a maior parte dessa população não tenha encontrado emprego na região, permaneceram nos municípios entorno da área da usina, principalmente no município de Tucuruí contribuindo para ocupações desordenadas na região, e dividindo a área com as comunidades já existentes antes do início das obras.

Ao longo dos 20 anos da construção da usina, a ocupação das áreas não parava, com a conclusão das obras da primeira fase no início dos anos 80, o cenário da região da usina era outro, um grande lago se formou e a população que residia na área do lago foram

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3 deslocadas para os loteamentos rurais e as novas vilas implantadas abrigava a população compulsoriamente deslocada. Nesse cenário de deslocamento houve uma mudança muito brusca na vida das famílias que ocupavam as margens do rio, aquela população ribeirinha2 que vivia da pesca e de pequena agricultura, tinha que se adaptar nos loteamentos rurais longe dos rios, e passar a sobreviver exclusivamente das atividades da agricultura, desencadeando inúmeros impactos socioambientais3. Magalhães (1997; 2005) destaca essa mudança, onde a inundação da área da usina se tornaria um outro cenário, e as famílias teriam que reconstruir outras identidades.

De fato desestruturação física do território advinda da inundação e as reestruturações sociais advindas das próprias transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que têm lugar neste contexto, provocam, elas mesmas, um processo de construção e reconstrução de múltiplas identidades (MAGALHÃES, 1997; 2005).

A forma trágica do deslocamento das famílias ao longo do tempo tornou-se um problema para a gestão da usina, pois as 1500 ilhas formadas com a inundação da área da barragem, foram reocupadas pelos antigos moradores e ocupadas pela população que migrava para o lago em busca dos recursos pesqueiros abundantes.

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Populações Ribeirinhas: Diegues e Arruda (2000) e Diegues (2001) categorizando populações tradicionais destaca o caboclo/ribeirinho amazônico, que neste trabalho será chamado de populações ribeirinhas, como aquelas populações que vivem nas várzeas e beiras de rio, dependendo fundamentalmente da pesca. Vivem, principalmente, à beira de igarapés, igapós, lagos e várzeas. Mesclam suas atividades pesqueiras com pequenas agriculturas (mandioca, milho e arroz) e com o extrativismo vegetal (castanha-do-pará, açaí e palmito). Ratificado por Pereira (2007) onde destaca que as comunidades ribeirinhas do Solimões-Amazonas vivem da pesca e alternam suas atividades com a agricultura e o extrativismo vegetal. Assim como Cañete e Ravena-Cañete (2010) discutem criticamente o conceito de população tradicional, destacando a população ribeirinha do rio Purus como aquela que desenvolve diversas atividades (pesca, agricultura e extrativismo) durante o ano inteiro.

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Impactos Socioambientais: Resolução nº 01 CONAMA (1986) Impacto ambiental é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais Neste texto serão considerados impactos socioambientais, todos os resultados negativos oriundos da implementação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí – UHT. Ou seja, os impactos ambientais, econômicos, culturais e sociais serão chamados de socioambientais.

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4 Esse cenário de destruição ambiental, perda da biodiversidade e deslocamento compulsório dos moradores da área se uniu com o cenário de conflitos entre os antigos moradores e os atuais ocupantes das ilhas, causando uma série de problemas socioambientais na região que ao longo dos anos só aumentava com a super-exploração dos recursos do lago.

Após aproximadamente 20 anos da inauguração da primeira fase da usina, o Estado a partir da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), na tentativa de mitigar esses impactos socioambientais em 2002 criou o Mosaico de Unidades de Conservação4 do lago de Tucuruí.

Baseado nesse contexto de ocupação da região da barragem, os desdobramentos dessa ocupação e os resultados da implantação da usina, este trabalho busca analisar os impactos socioambientais provocados pela construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí na Amazônia paraense, especificamente em uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaça e como se dá o processo de gestão nessa área do lago considerando os problemas de migração de populações de várias regiões do país, os impactos negativos sobre o meio ambiente e em comunidades ribeirinhas que sobreviviam diretamente dos recursos extraídos da área atingida.

Assim este texto começa fazendo uma abordagem introdutória da pesquisa, em seguida mostra as áreas atingidas pela usina, bem como apresenta a área de estudo, depois percorre pelo contexto da construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e os impactos socioambientais causados e a criação de um Mosaico de Unidades de Conservação na área atingida pela barragem com o intuito de mitigar os impactos e conflitos. Logo após se refere aos aspectos dos modos de vida da população na Unidade de Conservação Alcobaça, especialmente em 4 comunidades da reserva, discutindo o processo de gestão da reserva e a relação da população ribeirinha com os órgãos gestores.

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Mosaico de Unidades de Conservação: O Sistema Nacional de Unidades de Conservação – Lei 9985/2000, Art. 26. Diz que constitui um mosaico de UCs. quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas.

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5 2 APRESENTAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

2.1 REGIÃO DA ÁREA DE ESTUDO

O município de Tucuruí dista aproximadamente 280 km em linha reta, e 426 km por via terrestre de Belém, localiza-se no sudeste do estado do Pará. A UHT fica aproximadamente 7 km da sede do município e o mosaico de UCs localiza se a montante da UHT. (IBGE, 2012) (Mapa 01).

Mapas 01: Localização da área de estudo

Fonte: Laboratório de Análise e Informação Geográfica-UFPA, 2014.

2.3 COLETA DE DADOS

A coleta de dados para este artigo se deu a partir de pesquisas de campo realizadas entre maio e junho de 2013, foram feitas entrevistas roteirizadas com representantes governamentais que gestam a reserva Alcobaça e com a população ribeirinha. Pelo tempo de permanência em campo, foi necessária a escolha de quatro comunidades, entre as 17 existentes na Reserva Alcobaça. A estratégia utilizada para esta escolha deu-se a partir da localização de cada comunidade na reserva. As comunidades escolhidas para levantamentos de dados foi a comunidade Cametá e a comunidade Água Fria por estarem localizadas mais próximas do porto do Km 11, porto onde é feita a comercialização do pescado. E a comunidade Boa Vida e Ouro Verde, por estarem geograficamente mais afastadas de áreas comerciais.

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6 3 EFEITOS DA USINA HIDRELÉTRICA DE TUCURUÍ E O MOSAICO DE UCs.

3.1 A USINA HIDRELÉTRICA DE TUCURUÍ E OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí (Figura 01) está localizada aproximadamente na latitude 03° 45’ Sul e longitude de 49° 41’ Oeste, no baixo Rio Tocantins, atualmente é parte da concepção integrada do aproveitamento hidrelétrico das bacias dos rios Tocantins e Araguaia, e o seu dimensionamento energético leva em conta a configuração final prevista para estas bacias com a implantação de 15 aproveitamentos hidrelétricos. “Esta configuração conta com um volume útil acumulado de aproximadamente 128 bilhões de m³ e uma potência total de cerca de 20 500 MW, sendo que 25% do volume útil e 35% da potência instalada (1ª e 2ª Etapas) correspondem à Usina Hidrelétrica de Tucuruí”. (CMB, 2000).

De acordo com Jatobá (2006) como usina foi construída antes da lei que exige a realização de Estudo de Impacto Ambiental e de Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), as obras foram liberadas sem muitos critérios de avalição de impactos, logo foi possível perceber os inúmeros problemas causados pela falta de avaliação sobre os impactos tanto no ambiente quanto na população que vivia as margens do rio Tocantins.

Figura 01 – Usina Hidrelétrica de Tucuruí Fonte: Almeida - Pesquisa de campo, 2013.

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7 Como a construção da hidrelétrica foi liberada facilmente, as obras foram aceleradas constituindo um processo de retirada da população que residia na área e em contrapartida centenas de pessoas de outras regiões do Pará e do Brasil foram atraídas para a região da usina. Com o barramento do rio Tocantins, formou-se o lago de Tucuruí (Figura 02) que corresponde uma área de 2.875 km2, com cerca de 100 km de extensão por 18 km de largura formando aproximadamente 1500 ilhas, abrangendo parte dos municípios de Tucuruí, Breu Branco, Goianésia, Novo Repartimento, Jacundá, Nova Ipixuna e Itupiranga, todos localizados no estado do Pará (ARAÚJO; ROCHA, 2008).

Figura 02 – Lago formado com o represamento do rio. Fonte: Almeida - Pesquisa de campo, 2013.

A ocupação das ilhas se deu em função de pessoas atraídas pela abundância de três elementos fundamentais para a sobrevivência das populações ribeirinhas: terra, água e peixes. Muitas dessas populações tinham sido deslocados da beira do rio para assentamentos distantes da água, como para os atuais municípios de Breu Branco e Novo Repartimento. Os idealizadores do projeto ofereciam um lote e uma casa, mas não ofereciam as condições de vida pelo menos próximas de que a população vivia antes. Outras pessoas saíram da área rural e foram para as cidades, atraídas pelos empregos criados pelo grande empreendimento no rio Tocantins. No entanto, tiveram que retornar quando estes empregos se foram com o término das obras da barragem e a cidade, super-habitada, não mais oferecia oportunidades. No essa população se reaproximavam da vida

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8 ribeirinha, da pesca como principal meio de sustento, da terra onde podiam fazer suas roças, da floresta que oferecia madeira para as suas casas, frutos e caça para a sua alimentação. Logo outros ocupantes vieram, atrás do peixe farto, com seus barcos de pesca comercial; da madeira abundante, extraída para o comércio ilegal; da terra, para criar gado e fazer pastagens derrubando a mata; da bela paisagem, para montar projetos turísticos (JATOBÁ, 2006; MAGALHÃES, 1997).

Essa ocupação das ilhas do lago foi constituída tanto por pessoas que vinham de outras partes do país em busca de emprego, como por pessoas que vinhas de regiões que foram atingidas com o barramento do rio, e também por antigos moradores que tinham sido deslocados e procuravam um processo de reconstrução da identidade, os quais, através de sua fixação no lago poderiam se reaproximar da vida ribeirinha, da pesca como principal meio de sustento, da terra onde podiam fazer suas roças, da floresta que oferecia madeiras para as suas casas, frutos e caça para sua alimentação (BARBOSA ET. AL., 2008). Porém esse processo de ocupação das ilhas por diferentes grupos sociais buscando os mesmos recursos naturais de formas diversas, não poderia resultar além de impactos e conflitos socioambientais.

3.2 A CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO LAGO DE TUCURUÍ À população, atingida pelo represamento, restou frutos negativos oriundos de em impactos socioambientais e conflitos com a população que migrou para a área em busca de recursos, principalmente atraído pela atividade pesqueira (MAGALHÃES, 1997).

No intuito de minimizar os problemas social, cultural, ambiental e na tentativa de fiscalizar os recursos do lago, em 2002 a Secretaria Estadual de Meio Ambiente – SEMA criou o Mosaico de Unidades de Conservação do Lago de Tucuruí (Mapa 02) (ARAÚJO; ROCHA, 2008).

O mosaico de unidades de conservação do lago de Tucuruí (Tabela 01) é composto pela Área de Proteção Ambiental (APA) que se estende por todo o lago, por duas Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Alcobaça e Pucuruí-Ararão, e pelas duas Zonas de Proteção da Vida Silvestre- ZPVS.

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9 Tabela 01- Mosaico de Unidades de Conservação do Lago de Tucuruí-PA

Fonte: Adaptado da Secretaria Estadual de Meio Ambiente - SEMA, 2002.

4 MODOS DE VIDA DA POPULAÇÃO RIBEIRINHA E A GESTÃO NA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO

4.1 A POPULAÇÃO RIBEIRINHA DA RESERVA ALCOBAÇA

Embora os impactos socioambientais tenham sido gigantescos, a população ribeirinha do lago de Tucuruí, foi se adaptando aos poucos, pois quando se leva em consideração as especificidades das interações entre as comunidades ribeirinhas com os ecossistemas, pode-se fazer uma leitura de uma interação menos agressiva e prejudicial aos recursos do reservatório.

A população atual da reserva Alcobaça tem inúmeras dificuldades de acesso à água potável, a energia elétrica, a saúde, a segurança, a educação e ao transporte, suas habitações são geralmente construídas de madeira e bem próximas aos cursos d’água (Figura 03). Os ribeirinhos das comunidades pesquisadas, Cametá, Boa Vida, Ouro Verde e água Fria não utilizam modos agressivos quando se trata da exploração de recursos. Embora as comunidades estejam inseridas em uma Unidade de Conservação, onde a gestão deveria legalmente ser feita por órgãos governamentais, os ribeirinhos tem a certeza de que qualquer agressão ao ambiente retornará de forma negativa às comunidades, principalmente quando se trata da exploração sem critérios dos recursos.

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10 Figura 03 – Habitação de ribeirinho, lago de Tucuruí.

Fonte: Almeida - Pesquisa de campo, 2013.

A principal atividade dos ribeirinhos da reserva Alcobaça é a pesca (Figura 04), que mesmo no período de reprodução das espécies recebendo o seguro defeso5, exercem a atividade pesqueira como forma de subsistência, ou seja, apenas para o consumo familiar. Assim como afirmado por; Diegues e Arruda (2000); Diegues (2001); Pereira (2007); Cañete e Ravena-Cañete (2010), além do exercício da pesca durante todo o ano, os ribeirinhos da Alcobaça também desenvolvem a agricultura, como pequenos roçados de mandioca, criação de pequenos animais para consumo familiar, como galinhas e porcos, e praticam o extrativismo vegetal, como a retirada de óleos e coletas de frutas nas áreas das ilhas do lago.

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Período de defeso: período em que as atividades da pesca esportivas e comerciais ficam proibidas. Este período é estabelecido pelo IBAMA de acordo com o tempo de reprodução dos peixes. Na reserva Alcobaça a fiscalização é feita pelo IBAMA e SEMA/PA. Objetiva a conservação das espécies. - Seguro Defeso: Proventos recebidos em dinheiro do Governo durante o período de defeso, geralmente de Novembro a Fevereiro, trata-se de uma Concessão do Benefício de Seguro Desemprego, durante o Período de Defeso, ao Pescador Profissional que exerça sua atividade de forma artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de parceiros, fará jus ao benefício de seguro-desemprego, no valor de um salário-mínimo mensal, durante o período de defeso de atividade pesqueira para a preservação da espécie (LEI Nº 10.779/2003).

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11 O que define os modos de vida dos ribeirinhos da reserva é a condição do nível do reservatório. Todas as atividades estão ligadas diretamente ao nível da água, não apenas a atividade pesqueira, mas atividade da agricultura, de criação de animais domésticos, no ir e vir dos estudantes e de todos os residentes e nas pequenas tarefas do dia a dia.

Figura 04 – Pescador ribeirinho, lago de Tucuruí – RDS Alcobaça. Fonte: Almeida - Pesquisa de campo, 2013.

Segundo a percepção dos ribeirinhos o lago começa a encher no início do mês de Dezembro, a cada dia a população observa a elevação da água e começam a se adaptar as especificidades do ecossistema. Ao longo dos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio o lago enche e no início de Junho alcança o mais alto nível de elevação. São nesses meses que a vida dos residentes do lago se torna mais fácil. O acesso de uma ilha para outra é feito por embarcações, desde de uma simples visita a um parente, até uma ida a igreja é feita de forma simples. O barco escolar apanha os estudantes na frente das suas residências, a água para o consumo e para os afazeres domésticos é capturada a alguns passos da cozinha. Os apetrechos de pesca estão armados próximos as residências, as mulheres e crianças estão fazendo a pesca do camarão, todas as atividades desenvolvidas próximas as casas. Em meados do mês de Junho os pescadores começam a observar que a cada dia o nível da água desce e as dificuldades começam aumentar, as crianças tem cada vez mais de andar um pouco mais para apanhar o barco escolar, as donas de casa tem que ir cada vez mais distante apanhar água para o consumo e os afazeres domésticos, sendo que muitas

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12 preferem lavar as roupas na beira do lago por terem dificuldades de carregar água cada dia mais distante.

Passam-se os meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro, os pescadores percebem que para realizar a pesca o sacrifício é grande, pois tem que caminhar quilômetros para encontrar um cardume ou para apanhar a embarcação que pouco ajuda nessa época na pescaria. A pesca praticada com redes (Figura 04) passa a ser realizada com anzol, o que reduz a quantidade de pescado capturado e aumenta o esforço dos pescadores. Alves e Bartem (2008) destacam a dificuldade na pesca do tucunaré (Cichla) quando o rio está seco.

Quando o rio está muito cheio, o peixe se esconde nas galhadas de onde sai apenas na época da vazante. A mesma dificuldade em capturar os “tucunarés” ocorre quando o rio está muito seco, nessa época do ano eles estão no canal do rio nas águas mais profundas, e apenas com a subida d’água, vão se deslocando para os ambientes invadidos pela água (ALVES; BARTHEM, 2008 p.556)

A população ribeirinha em questão destaca que a dinâmica das águas está diretamente ligada ao período chuvoso e as fases da lua, as comunidades não relacionam o período de cheia e de seca do reservatório com a produção de energia, ou seja, o abrir e fechar das comportas. Pode-se observar que os mesmos só conseguem fazer uma relação com a usina hidrelétrica, a partir das regras impostas pelo sistema de gestão da Unidade de Conservação, observa-se que para os ribeirinhos o lago é um ecossistema natural e que o subir e o baixar das águas está ligado aos fenômenos naturais.

4.2 A GESTÃO NA RESERVA ALCOBAÇA

Estudos mostram que a gestão das áreas naturais pode estar intimamente ligada à visão de práticas culturais das comunidades locais. Muito já se falou nos impactos irreparáveis deixados pelas implantações de barragens, porém poucas pesquisas são realizadas do ponto de vista da gestão participativa, e mínimos estudos mostram a

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13 importância das comunidades locais nessa gestão (DIEGUES e ARRUDA, 2000; DIEGUES, 2001; MEDEIROS, 2006).

Os impactos podem ser reduzidos se medidas de mitigação forem implantadas a tempo e em condições adequadas. Normalmente, as consequências no ambiente aquático são mais dramáticas nos primeiros anos de funcionamento das barragens. No reservatório, o ambiente lótico é rapidamente substituído por ambiente lêntico e as espécies adaptadas à água corrente são forçadas a procurar outros ambientes ou podem sofrer drásticas reduções em suas populações, afetando todas as comunidades que vivem dos recursos pesqueiros.

Do ponto de vista de Araújo e Rocha (2008) o discurso da Eletronorte, estatal responsável pelo aproveitamento energético do lago, as comunidades que vivem nas ilhas distribuídas no lago de Tucuruí, exerciam práticas de manejo dos recursos naturais inadequadas, causando impactos que, segundo a empresa, comprometeria a capacidade de armazenamento do reservatório no futuro. Os ribeirinhos conviviam com a possibilidade de serem retirados a qualquer momento de suas residências. A Eletronorte, por sua vez, relacionou os problemas surgidos com o uso e ocupação dessas ilhas, principalmente, a retirada indevida de madeira, queimadas, pecuária, agricultura de subsistência, moradias, caça de animais silvestres, dentre outras.

A partir de estudos realizados por Ravena-Cañete et. al. (2010) do ponto de vista das políticas públicas setoriais que deveriam ordenar o entorno dos grandes lagos originados pelas barragens, uma estranha relação se instala. Isto se dá pela simultaneidade da presença e da ausência do Estado na área do reservatório. A presença forte do Estado se dá através da Eletronorte, que realiza a operação da usina hidrelétrica, e da relação desta com os entes federativos, como estado e municípios, através da compensação financeira pela produção de energia elétrica. Por outro lado, a ausência marcante desse mesmo Estado é percebida quando a interação federativa que ocorre a partir da compensação financeira não logra êxito nas políticas públicas direcionadas às populações que ocupam as margens da represa.

No meio dessa ausência e presença do Estado, está uma população que depende dos recursos naturais dessa região para sobreviver, no caso deste trabalho, centenas de pescadores, e as barragens têm vários efeitos sobre a vida dos peixes. O primeiro é a interferência na sua migração e procriação. As barragens alteram o fluxo dos rios e criam

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14 enormes obstáculos (barreiras físicas) para o ciclo migratório (piracema) e até mesmo para a sobrevivência das espécies. O segundo está relacionado com a temperatura da água, que pode fazer com algumas espécies simplesmente desapareçam por causa da sua não adaptação às novas temperaturas. Há ainda a questão da concentração de poluentes nos reservatórios que faz com que possa aumentar a variedade e quantidade de doenças nos peixes. Além disso, existe ainda a questão da introdução nos lagos de espécies exóticas, que acabam competindo com as nativas e até mesmo fazendo com que as nativas desapareçam por completo do reservatório e consequentemente do próprio rio (VIEIRA; VAINER, 2007).

O etnoconhecimento, bem como o conhecimento tradicional dos pescadores fazem com que eles escolham o método mais apropriado à pesca, a época e às suas necessidades. Em se tratando de um espaço onde a economia tem um apelo constante a palavra solidariedade possui várias vozes que ecoam nos campos social, político e mesmo no econômico. Desta forma, um olhar atento a respeito do uso da palavra solidariedade no contexto das barragens pode fazer-nos entender as possíveis intencionalidades das maneiras de social e econômica no espaço das comunidades estudas na UHE de Tucuruí.

Assim observa-se que a solidariedade nas populações estudadas ratifica um sentido de construir uma união afim de sobreviver a condição de migrantes. Este entendimento poderia possibilitar um sentimento de pertencimento entre os que estavam na mesma situação. Desta forma, poderiam atenuar e conseguir lutar por melhores condições de vida, ou seja a fuga da baixíssima condição socioeconômica.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As barragens ao terem força na migração compulsória da população residente, bem como, na população do entorno da região afetada pelo projeto atraem um número muito grande de pessoas, tanto como funcionários como as que são atraídas pela possibilidade de perspectivas de trabalho. O que não foi diferente com a UHE de Tucuruí. Muitos vieram, eram da região do Baixo-Tocantins e do estado do Maranhão, inicialmente.

Grandes impactos culturais, sociais e econômicas de comunidades residentes foram observados. Levando em consideração categorias como lugar, territorialidade e

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15 desterritorialização, podemos observar que questões relacionadas a biodiversidade reforçam a tensão espacial inscrita nas migrações compulsórias, dentro dos eventos de desterritorialização a partir da territorialização de barragens.

Considerando todo o processo de ocupação da região do lago de Tucuruí, em especial da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaça, o que pode ser observado atualmente são inúmeros meios de mitigação de conservação de recursos por parte de órgãos governamentais gestores/fiscalizadores, porém mais como um processo de imposição de regras à população ribeirinha, principalmente no que diz respeito a pesca, caça, agricultura e extrativismo vegetal.

Assim, nesse contexto a tendência é que o resultado seja negativo, pois os conflitos se intensificam entre a população da reserva e a população de outra área do lago. Primeira pela falta de gestão compartilhada e segundo pela imposição de regras e falta de fiscalização, ocasionando em um fracasso a implantação das UCs., o aumento dos impactos socioambientais, a escassez de recursos, comprometendo a qualidade de vida da população ribeirinha.

REFERÊNCIAS

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16 BRASIL. Lei nº 10.779, de 25 de novembro de 2003. Dispõe sobre a Concessão do Benefício de Seguro Desemprego, Durante o Período de Defeso, ao Pescador Profissional que Exerce a Atividade Pesqueira de Forma Artesanal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.779.htm>. Acesso em: 21 fev. 2013. BRASIL. Resolução CONAMA Nº 001, de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>.Acesso em: 16 Jul.2013. CAÑETE, T. M. R. ; RAVENA-CAÑETE, V. Populações Tradicionais Amazônicas: revisando conceitos. In: V Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2010, Florianópolis. Anais do V Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2010.

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Referências

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