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Mark Twain - O Príncipe e o Mendigo

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Academic year: 2021

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O PRÍNCIPE E O POBRE

O PRÍNCIPE E O POBRE

MARK TWAIN

MARK TWAIN

PREFÁCIO PREFÁCIO

Vou-vos contar uma história tal como me foi contada por alguém que a ouviu do seu Vou-vos contar uma história tal como me foi contada por alguém que a ouviu do seu pai, cujo pai a tinha ouvido do pai DELE, este último tendo-a ouvido, da mesma maneira, pai, cujo pai a tinha ouvido do pai DELE, este último tendo-a ouvido, da mesma maneira, do pai DELE - e assim por diante, mais e mais para trás, este conto foi preservado durante do pai DELE - e assim por diante, mais e mais para trás, este conto foi preservado durante trezentos anos ou mais, ao ser passado de pais para filhos. Pode ser História ou pode ser só trezentos anos ou mais, ao ser passado de pais para filhos. Pode ser História ou pode ser só lenda, uma tradição. Pode ter acontecido ou pode não ter; mas PODIA ser verdade. Nos lenda, uma tradição. Pode ter acontecido ou pode não ter; mas PODIA ser verdade. Nos velhos tempos talvez só os sábios e os cultos acreditassem nele; ou talvez só gostassem velhos tempos talvez só os sábios e os cultos acreditassem nele; ou talvez só gostassem dele e o levassem a sério os ignorantes e os simples.

dele e o levassem a sério os ignorantes e os simples.

II

O NASCIMENTO DO PRÍNCIPE E DO POBRE O NASCIMENTO DO PRÍNCIPE E DO POBRE

Na muito antiga cidade de Londres, num certo dia de Outono do segundo quartel do Na muito antiga cidade de Londres, num certo dia de Outono do segundo quartel do sé

sécuculo lo XVXVI, I, nanascsceu eu um um rarapapazinzinho ho de de umuma a fafamílmília ia popobrbre e chchamamadada a CaCantnty, y, quque e nãnão o oo desejava.

desejava.

No mesmo dia, nasceu outra criança inglesa, essa de uma família rica, Tudor de No mesmo dia, nasceu outra criança inglesa, essa de uma família rica, Tudor de nome, que o desejava muito.

nome, que o desejava muito.

Toda a Inglaterra também o queria. O Reino tinha-o esperado tanto, e desejado tanto, Toda a Inglaterra também o queria. O Reino tinha-o esperado tanto, e desejado tanto, e rezado a Deus para que ele nascesse, que agora, que ele tinha realmente chegado, o e rezado a Deus para que ele nascesse, que agora, que ele tinha realmente chegado, o povo estava quase doido de alegria, a dançar nas ruas de felicidade e júbilo, a rir e a chorar povo estava quase doido de alegria, a dançar nas ruas de felicidade e júbilo, a rir e a chorar ao mesmo tempo. Todos se permitiram ter um dia de descanso, altos e baixos, ricos e ao mesmo tempo. Todos se permitiram ter um dia de descanso, altos e baixos, ricos e pobres, e fizeram festas, bailaram e cantaram até quase endoidecer; esta festa durou pobres, e fizeram festas, bailaram e cantaram até quase endoidecer; esta festa durou vá

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desfraldados em todas as varandas e telhados e esplêndidos cortejos a desfilar. À noite desfraldados em todas as varandas e telhados e esplêndidos cortejos a desfilar. À noite também valia a pena, com grandes fogueiras em todas as esquinas e grupos de foliões a também valia a pena, com grandes fogueiras em todas as esquinas e grupos de foliões a pular à volta delas. Não se falava noutra coisa em toda a Inglaterra senão no novo menino, pular à volta delas. Não se falava noutra coisa em toda a Inglaterra senão no novo menino, Edward, Príncipe de Gales (1), que dormia envolto em sedas e cetins, inconsciente desta Edward, Príncipe de Gales (1), que dormia envolto em sedas e cetins, inconsciente desta agitação, sem saber que grandes senhores e damas tomavam conta dele e o admiravam - e agitação, sem saber que grandes senhores e damas tomavam conta dele e o admiravam - e também sem se importar muito com isso. Mas ninguém falava do outro bebé, Tom Carity, também sem se importar muito com isso. Mas ninguém falava do outro bebé, Tom Carity, embrulhado nos seus pobres farrapos, a não ser na família de pobres que ele tinha acabado embrulhado nos seus pobres farrapos, a não ser na família de pobres que ele tinha acabado de importunar com a sua presença.

de importunar com a sua presença.

II II

OS PRIMEIROS ANOS DE TOM OS PRIMEIROS ANOS DE TOM

Deixemos passar alguns anos. Deixemos passar alguns anos.

Londres tinha cinco séculos e era uma grande cidade para a época. Contava com cem Londres tinha cinco séculos e era uma grande cidade para a época. Contava com cem mil habitantes - há quem diga que havia o dobro. As ruas eram muito estreitas, tortas e mil habitantes - há quem diga que havia o dobro. As ruas eram muito estreitas, tortas e sujas, especialmente na parte onde Tom Canty vivia, não muito longe da ponte de Londres. sujas, especialmente na parte onde Tom Canty vivia, não muito longe da ponte de Londres. As casas tinham sido construídas em madeira, com o segundo andar projetado para fora do As casas tinham sido construídas em madeira, com o segundo andar projetado para fora do primeiro e o terceiro com as ombreiras para fora do segundo. Quanto mais altas as casas primeiro e o terceiro com as ombreiras para fora do segundo. Quanto mais altas as casas fossem, mais largas ficavam. Pareciam esqueletos formados por toros de madeira, fortes e fossem, mais largas ficavam. Pareciam esqueletos formados por toros de madeira, fortes e cru

cruzadzados, os, com com argargamaamassa ssa cobcoberta erta de de estuestuque que aplaplicaicada da entrentre e elaelas. s. As As tratravesvessas sas eraeramm pintadas de encarnado, azul ou preto, conforme o gosto do dono, o que lhes dava um pintadas de encarnado, azul ou preto, conforme o gosto do dono, o que lhes dava um aspecto muito pitoresco. As janelas faziam-se pequenas, fechadas, com vidros em forma de aspecto muito pitoresco. As janelas faziam-se pequenas, fechadas, com vidros em forma de losango, e abriam para fora com dobradiças, como se

losango, e abriam para fora com dobradiças, como se fossem portas.fossem portas.

A casa onde o pai de Tom vivia chamava-se Offal Court, perto de Pudding Lane. Era A casa onde o pai de Tom vivia chamava-se Offal Court, perto de Pudding Lane. Era pequena, degradada e pouco firme, e estava pejada de famílias extremamente pobres. A pequena, degradada e pouco firme, e estava pejada de famílias extremamente pobres. A tribo dos Carity ocupava um quarto no terceiro andar. O pai e a mãe tinham uma espécie tribo dos Carity ocupava um quarto no terceiro andar. O pai e a mãe tinham uma espécie de estrado no canto; mas Tom, a avó e as duas irmãs, Bet e Nan, tinham o chão todo para de estrado no canto; mas Tom, a avó e as duas irmãs, Bet e Nan, tinham o chão todo para eles e podiam dormir onde quisessem. Havia ali restos de um ou dois cobertores e alguns eles e podiam dormir onde quisessem. Havia ali restos de um ou dois cobertores e alguns molhos de palha velha e suja, mas esses não podiam ser verdadeiramente chamados de molhos de palha velha e suja, mas esses não podiam ser verdadeiramente chamados de camas; de manhã, eram arrumados num monte e, à noite, podia-se escolher na pilha, para camas; de manhã, eram arrumados num monte e, à noite, podia-se escolher na pilha, para uso próprio.

uso próprio. Be

Bet t e e NaNan n titinhanham m ququininze ze ananos os - - gêmgêmeaeas. s. ErEram am menmeninainas s bebem m didispsposostatas, s, susujajas,s, vestidas com farrapos, * profundamente ignorantes. A mãe era como elas. Mas * pai e a vestidas com farrapos, * profundamente ignorantes. A mãe era como elas. Mas * pai e a avó eram um bom par de diabos. Embebedavam-se sempre que podiam; então avó eram um bom par de diabos. Embebedavam-se sempre que podiam; então zangavam-se um com o outro ou com alguém que zangavam-se lhes meteszangavam-se no caminho; bêbedos ou sóbrios, se um com o outro ou com alguém que se lhes metesse no caminho; bêbedos ou sóbrios, estavam sempre a dizer palavrões e blasfêmias; John Canty era um ladrão e a sua mãe estavam sempre a dizer palavrões e blasfêmias; John Canty era um ladrão e a sua mãe uma mendiga. Transformaram as crianças em mendigos, mas não conseguiram fazê-los uma mendiga. Transformaram as crianças em mendigos, mas não conseguiram fazê-los ladrões. No meio da terrível escumalha que morava na casa, mas sem fazer parte dela, ladrões. No meio da terrível escumalha que morava na casa, mas sem fazer parte dela, havia um velho padre q

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C) e que tinha o hábito de se esconder com as crianças e ensinar-lhes o bom caminho. O C) e que tinha o hábito de se esconder com as crianças e ensinar-lhes o bom caminho. O padr

padre Andrew também ensinou a Tom um pouco de latim e e Andrew também ensinou a Tom um pouco de latim e a ler e a ler e escreescrever; e teria feito over; e teria feito o mesmo com as meninas, mas elas tinham medo que os amigos fizessem troça perante uma mesmo com as meninas, mas elas tinham medo que os amigos fizessem troça perante uma instrução tão esmerada.

instrução tão esmerada.

Todo o beco de Offal Court era um cortiço igual à casa dos Carity. Bebedeiras, Todo o beco de Offal Court era um cortiço igual à casa dos Carity. Bebedeiras, desordens e discussões eram de Henrique VIII, ao separar-se da Igreja Católica e criar a desordens e discussões eram de Henrique VIII, ao separar-se da Igreja Católica e criar a Igreja de Inglaterra, expulsou dos templos e conventos os padres que se recusaram a Igreja de Inglaterra, expulsou dos templos e conventos os padres que se recusaram a converter-se, dando-lhes uma pensão simbólica.

converter-se, dando-lhes uma pensão simbólica.

praxe todas noites e durante quase toda a noite. Ali, as cabeças partidas eram tão praxe todas noites e durante quase toda a noite. Ali, as cabeças partidas eram tão habituais como a fome. Contudo, o pequeno Tom não se sentia infeliz. Tinha uma vida habituais como a fome. Contudo, o pequeno Tom não se sentia infeliz. Tinha uma vida muito difícil, mas não sabia. Era a mesma vida que tinham os outros miúdos de Offal Court, muito difícil, mas não sabia. Era a mesma vida que tinham os outros miúdos de Offal Court, portanto ele achava que era normal e confortável i À noite, quando voltava para casa com portanto ele achava que era normal e confortável i À noite, quando voltava para casa com as mãos vazias, já sabia que, primeiro, o pai ia insultá-lo e agredi-lo e que, quando tivesse as mãos vazias, já sabia que, primeiro, o pai ia insultá-lo e agredi-lo e que, quando tivesse acabado, seria a vez da avó fazer-lhe o mesmo, com mais requintes; e que, durante a acabado, seria a vez da avó fazer-lhe o mesmo, com mais requintes; e que, durante a noite, a sua mãe esfomeada lhe passaria às escondidas qualquer resto ou casca que tivesse noite, a sua mãe esfomeada lhe passaria às escondidas qualquer resto ou casca que tivesse conseguido guardar-lhe, mesmo passando ela fome, embora muitas vezes o marido lhe conseguido guardar-lhe, mesmo passando ela fome, embora muitas vezes o marido lhe batesse violentamente por causa disso.

batesse violentamente por causa disso.

Mesmo assim, a vida de Tom corria-lhe bastante bem, especialmente no Verão. Pedia Mesmo assim, a vida de Tom corria-lhe bastante bem, especialmente no Verão. Pedia apena

apenas s o suficiente para escapar do pior, pois o suficiente para escapar do pior, pois as leis as leis eram severaeram severas e s e os castigos pesados castigos pesados- os-então, podia ficar bastante tempo a ouvir o padre Andrew contar velhas lendas cheias de então, podia ficar bastante tempo a ouvir o padre Andrew contar velhas lendas cheias de en

encacantnto o e e fáfábulbulas as sosobrbre e gigigagantntes es e e fafadadas, s, ananões ões e e gêgêniniosos, , cacaststeloelos s encencanantatados dos ee maravilhosos reis e príncipes. A sua cabeça acabou por ficar cheia dessas coisas tão bonitas maravilhosos reis e príncipes. A sua cabeça acabou por ficar cheia dessas coisas tão bonitas e, muitas noites, enquanto estava deitado às escuras na palha pobre e suja, cansado, e, muitas noites, enquanto estava deitado às escuras na palha pobre e suja, cansado, esfomeado e com o corpo moído, dava asas à sua imaginação com imagens deliciosas da esfomeado e com o corpo moído, dava asas à sua imaginação com imagens deliciosas da vida agradável de um príncipe mimado, a morar num lindo palácio. Com o tempo, um vida agradável de um príncipe mimado, a morar num lindo palácio. Com o tempo, um desejo passou a persegui-lo noite e dia; queria ver, com os seus próprios olhos, um desejo passou a persegui-lo noite e dia; queria ver, com os seus próprios olhos, um príncip

príncipe e verdaverdadeiro. Um deiro. Um dia falou dia falou nisso aos seus camaradanisso aos seus camaradas s de Offal de Offal CourtCourt, , mas os mas os outrooutross miúdos riram-se dele e fizeram troça com tanta crueldade, que desde aí Tom resolveu miúdos riram-se dele e fizeram troça com tanta crueldade, que desde aí Tom resolveu guardar os seus sonhos para si mesmo.

guardar os seus sonhos para si mesmo.

Lia muitas vezes os livros velhos do padre e pedia-lhe para lhos explicar. Aos poucos, Lia muitas vezes os livros velhos do padre e pedia-lhe para lhos explicar. Aos poucos, os sonhos e as leituras provocaram-lhe algumas mudanças. As pessoas com que sonhava os sonhos e as leituras provocaram-lhe algumas mudanças. As pessoas com que sonhava eram tão finas que começou a lamentar-se das roupas esfarrapadas e da sujidade, a querer eram tão finas que começou a lamentar-se das roupas esfarrapadas e da sujidade, a querer ser mais limpo e estar mais bem arranjado. Continuava a brincar na lama da mesma ser mais limpo e estar mais bem arranjado. Continuava a brincar na lama da mesma maneira e não deixava de se divertir; mas, em vez de chapinhar no Tamisa só por gosto, maneira e não deixava de se divertir; mas, em vez de chapinhar no Tamisa só por gosto, começou a achar que também valia a pena pelos banhos a que dava ensejo.

começou a achar que também valia a pena pelos banhos a que dava ensejo.

Às vezes Tom presenciava algum acontecimento no mastro de Cheapside ou nas Às vezes Tom presenciava algum acontecimento no mastro de Cheapside ou nas fe

feirirasas; ; e e de de vevez z em em ququanando do a a crcriaiançnça a e e os os ououtrtros os hahabibitatantntes es de de LoLondndreres s titinhnhamam opo

oporturtunidnidade ade de de ver uma ver uma parparada militaada militar, r, quaquando alguém famosndo alguém famoso o que que tinhtinha a caícaído do emem desgraça era levado preso para a Torre por terra

desgraça era levado preso para a Torre por terra ou pelo rio.ou pelo rio. Num dia de Verão viu queimar, na pira de

Num dia de Verão viu queimar, na pira de SmithfieldSmithfield, a , a pobre Ana Askepobre Ana Askew e w e mais trêsmais três homens, ouviu o sermão que o bispo fez sobre eles, assunto que não lhe interessava. homens, ouviu o sermão que o bispo fez sobre eles, assunto que não lhe interessava. Realmente, a vida de Tom era variada e não desagradável de todo.

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Aos poucos, as leituras e os sonhos de Tom sobre a vida principesca tiveram um efeito tão forte sobre si próprio que, inconscientemente, começou a fazer o papel de príncipe. As suas conversas e maneiras tornaram-se curiosamente cerimoniosas e corteses, para grande divertimento dos amigos mais próximos. Mas agora a influência de Tom sobre esses miúdos crescia todos os dias e passaram a olhá-lo com respeito, como um ser superior. Parecia saber tanto! E conseguia dizer e fazer tantas coisas maravilhosas! E, além disso, era tão profundo e esperto! Os comentários e as representações de Tom foram relatados pelos rapazes aos adultos; e esses também passaram a conversar sobre Tom Carity e a achá-lo a mais prendada e extraordinária criatura. Os crescidos traziam as suas dúvidas a Tom para que lhes desse uma solução e muitas vezes ficavam surpreendidos com a esperteza e sabedoria das suas decisões. Na realidade tinha-se tornado um herói para todos os que o conheciam, menos para a sua própria família, que não lhe dava nenhum valor.

Ao fim de algum tempo, Tom organizou uma corte real em privado! Ele era o príncipe; os seus camaradas mais especiais faziam de guardas, chanceleres, palafreneiros, fidalgos, aias e família real. Todos os dias o príncipe, de brincadeira, era recebido com os complicados cerimoniais que Tom tirava das suas leituras cavalheirescas; todos os dias os grandes negócios do reino faz-de-conta eram discutidos no conselho real e diariamente sua majestade faz-de-conta lavrava decretos para os imaginários exércitos, armadas e vice-reinos; terminada a comédia, lá ia vestido de farrapos, recolhia algumas moedas na mendigagem, comia as côdeas, aturava os insultos e pancadas do costume e, finalmente, deitava-se num molho da palha pestilenta e voltava aos seus sonhos de vã grandeza.

Mesmo assim, o seu desejo de ver, pelo menos uma vez, um príncipe verdadeiro de carne e osso continuava a crescer-lhe lá dentro, dia a dia, semana a semana, até absorver todos os outros desejos e tornar-se a única paixão da sua vida.

Num dia de janeiro, na habitual volta da mendigagem, Tom andava com desânimo para cima e para baixo, na área à volta de Mincing Lane e Littie East Cheap. Estava descalço e com frio, olhava para as terríveis empadas de porco e outras invenções mortais que estavam nas montras - para ele eram delícias próprias dos anjos; quer dizer, a julgar pelo cheiro, porque nunca tinha tido a boa sorte de possuir e comer uma delas. Caía uma neblina fria; o ambiente era sombrio; estava um dia melancólico. Nessa noite, Tom chegou a casa tão molhado, cansado e esfomeado, que era impossível que o pai e avó não se comovessem com o seu aspecto desconsolado - à moda deles. Assim, deram-lhe logo uma estalada e mandaram-no para a cama. Durante muito tempo a dor e a fome, a gritaria e pancadaria que iam pelo prédio mantiveram-no acordado; mas, por fim, os seus pensamentos voaram para terras românticas e distantes e adormeceu na companhia dos príncipes cobertos de outro e jóias. E então, como de costume, sonhou que ele mesmo era um príncipe.

Toda a noite privou com grandes senhores e damas, num brilho de luzes, a respirar belos perfumes, a beber ao som de música deliciosa; e, quando acordou de manhã e viu a miséria à sua volta, o sonho tinha tido o efeito habitual - intensificara mil vezes a sordidez daquele ambiente. Vieram então a amargura, a tristeza e as lágrimas.

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III

O ENCONTRO DE TOM COM O PRÍNCIPE

Tom acordou com fome e, esfomeado, foi vadiar, mas com os pensamentos ocupados nos esplendores imaginários do sonho dessa noite. Vagueou ao acaso pela cidade, sem reparar para onde é que ia. Por aqui e por ali, acabou por dar por si em Temple Bar, o mais longe de casa que já tinha ido, naquela direção. Parou e, por uns momentos, tomou consciência de onde estava, para cair de novo nos sonhos, enquanto passava para fora das muralhas de Londres. Nessa altura, o Strand já tinha deixado de ser uma estrada rural e considerava-se uma rua, mesmo pouco construída; pois, embora houvesse uma fileira bastante compacta de casas de um dos lados, do outro só se viam algumas grandes construções dispersas, que eram palácios de fidalgos ricos, com amplos e maravilhosos  jardins a estender-se até ao rio.

Foi então que Tom descobriu a aldeia de Charing, e sentou-se a descansar na bonita cruz ali erigida por um algum rei esquecido de outros tempos; depois passeou por uma bela e pacata estrada, passou pelo palácio monumental do grande cardeal e foi em direção a um palácio ainda mais imponente e majestoso - Westminster. E Tom ficou a olhar, agradavelmente surpreendido com o vasto volume de alvenaria, as alas que se abriam até ao longe, os carrancudos bastiões e torres, a imensa entrada de pedra com as suas barras douradas e magnífica fileira de leões de granito e as outras imagens e símbolos da realeza britânica. Como é que poderia não esperar ver, numa altura destas, um principe, um príncipe em carne e osso, se os céus o permitissem?

De cada lado do portão dourado estava uma estátua viva, quer dizer, uma sentinela empertigada, imponente e imóvel, coberta da cabeça aos pés com uma armadura de metal brilhante. A uma distância respeitosa havia muitos camponeses e pessoas da cidade, à espera de alguma oportunidade de espreitar a realeza. Magníficas carruagens, com magníficas pessoas dentro e magníficos lacaios fora, chegavam e partiam através de outras nobres entradas que se abriam na cerca real.

O pobre Tom, todo esfarrapado, aproximou-se mais * ia a passar lenta e timidamente pelas sentinelas, com * coração a bater e a esperança a aumentar, quando de repente viu uma coisa através das barras douradas e quase o fez gritar de alegria. Lá dentro estava um belo menino, de tez bronzeada, cujas roupas eram todas em seda e cetim, com jóias a brilhar; à cintura trazia uma pequena espada e uma adaga, ambas cobertas de brilhantes-calçava elegantes borzeguins com saltos vermelhos; e na cabeça trazia um garboso chapéu carmesim com as plumas presas por uma grande pedra brilhante. Oh! Era um príncipe -um verdadeiro e autêntico príncipe - sem sombra de dúvida; e o desejo do coração do pobre menino estava finalmente satisfeito.

A respiração de Tom tornou-se rápida e curta com a excitação e os olhos abriram-se de espanto e alegria. Na sua cabeça tudo se apagou perante um único desejo: aproximar-se do príncipe e comê-lo com os olhos. Antes que pudesaproximar-se perceber o que estava a fazer, tinha colado o rosto nas barras do portão. Imediatamente um dos soldados empurrou-o

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com rudeza, atirando-o para cima da multidão boquiaberta de simplórios do campo e desocupados da cidade. O soldado disse-lhe:

- Vê se tens maneiras, ó pedintezinho!

A turba gritou e riu-se; mas o jovem príncipe veio até ao portão com o rosto vermelho e os olhos a brilhar de indignação e gritou:

- Como vos atreveis a tratar assim o pobre miúdo? Como vos atreveis a tratar de tal modo o mais pequeno vassalo do rei, meu pai? Abri o portão e deixai-o entrar!

Deviam ter visto como a volúvel multidão tirou logo o chapéu! Deviam ter ouvido como eles davam vivas, a gritar «Longa vida ao Príncipe de Gales!»

Os guardas apresentaram armas com as alabardas, abriram o portão e fizeram outra vez continência quando o Príncipe da Pobreza entrou, com os seus andrajos esvoaçantes, para apertar as mãos do Príncipe da Abundância Ilimitada.

Edward Tudor disse-lhe:

- Pareceis cansado e com fome; vê-se que tendes sido maltratado.Vinde comigo.

Meia dúzia de lacaios aproximaramse imediatamente para fazer não sei o quê -interferir, com certeza. Mas foram afastados por um gesto real e pararam onde estavam, que nem outras tantas estátuas. Edward levou Tom para uma rica sala do palácio, a que chamava de seu gabinete. À sua ordem foi trazido um repasto tal que Tom nunca tinha visto, a não ser nos livros. O princípe, com educação e delicadeza principescas, mandou embora os criados, para que o seu humilde hóspede não se sentisse embaraçado com a sua presença depreciativa; então, sentou-se ao pé de Tom e fez-lhe perguntas enquanto ele comia.

- Como te chamas, meu rapaz?

- Tom Canty para vos servir, senhor. - Que nome estranho. Onde viveis?

- Na cidade, para vos servir, senhor. Offal Court, ao pé de Pudding Lane. - Offal Court! Na verdade, esse também é um nome estranho. Tendes pais?

- Pais eu tenho, senhor, e também uma avó que não aprecio muito, Deus me perdoe se é pecado dizê-lo, e também duas irmãs gêmeas, Nan e Bet.

- Então essa avó não é boa para vós, pelo que vejo.

- Nem é boa para mais ninguém, para servir vossa senhoria. Tem um mau coração e trabalhou como o Diabo no tempo dela.

- Ela maltrata-vos?

- Há alturas em que não se mexe, quando está a dormir ou tomada pela bebida; mas quando está acordada bate-me bastante.

Os olhos do príncipe brilharam de fúria e gritou: - O quê? Bate-vos?

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- Oh! Sim. Certamente, para vos servir, senhor.

- Bate-vos! E vós, tão frágil e pequeno. Escutai-me: antes que chegue a noite será atirada da Torre. O rei, meu pai...

- Na verdade, senhor, esqueceis a sua baixa condição. A Torre é só para os grandes. - Isso é verdade, certamente. Não tinha pensado nisso. Vou cuidar para que tenha outro castigo. E o vosso pai trata-vos bem?

- Não trata melhor do que a vovó Canty, senhor.

- Talvez os pais sejam todos iguais. O meu também não tem muito bom feitio. Castiga com mão pesada, embora me poupe; mas não me poupa com palavras, verdade seja dita. Como e que a vossa mae vos trata?

- Ela é boa, senhor, e não me dá nem tristeza nem dor de espécie nenhuma. E a Bet e a Na são como ela.

- Que idade têm elas?

- Quinze, para vos servir, senhor.

- Lady Elizabeth, minha irmã, tem catorze anos, e Lady Jane Grey, a minha prima é da minha idade e bastante bonita e graciosa; mas a minha irmã, Lady Mary, com a sua cara zangada... Dizei-me: as vossas irmãs proíbem os lacaios de sorrir, sob pena de o pecado destruir as suas almas?

- As minhas irmãs? Pensais, senhor, que elas têm lacaios?

Por um momento o pequeno príncipe contemplou o pequeno pobre com toda a seriedade e depois disse:

- Ora dizei-me, porque não? Quem as ajuda a despir à noite? E quem as veste quando acordam?

- Ninguém, senhor. Deveriam elas tirar a roupa para dormirem nuas, como os animais?

- A roupa! Mas só têm uma?

- Ah! Saiba vossa senhoria, o que fariam elas com mais? Na verdade só têm um corpo cada uma.

- Que pensamento estranho e fantástico! Perdoai-me, não queria fazer troça. Mas a vossa Nan e a vossa Bet, em breve, terão roupas e lacaios; o meu tesoureiro cuidará disso. Não, não me agradeceis; isto não é nada. Falastes bem; tendes uma prosa fácil. Estudastes?

Não sei se estudei ou não, senhor. O bom reverendo que se chama padre Andrew ensinou-me, com a sua bondade, a ler os livros dele.

Sabeis latim?

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- Pois aprendeí-o, meu rapaz; só é difícil ao princípio. O grego é mais difícil; mas não acho que nenhuma delas nem quaisquer outras línguas sejam dificieis para a Lady Elizabeth e para a minha prima. Deveríeis ouvir essas damas falarem! Mas contai-me do vosso Offal Court. Tendes lá uma vida agradável?

- Na verdade tenho, para vos servir, senhor, exceto quando se tem fome. Há espectáculos de fantoches e de macacos... Oh, que criaturas tão diferentes! E como se vestem! Quando se apresentam gritam e brigam até morrer. É muito divertido de ver e custa só um fartbíng. Embora seja difícil arranjar o farthing, para vos servir.

- Contai-me mais.

- Algumas vezes nós, lá em Offal Court, lutamos uns contra os outros com paus, à maneira dos aprendizes.

os olhos do príncipe brilharam. Disse: - Isso eu gostaria de ver! Contai-me mais.

- Fazemos corridas, senhor, para ver quem de nós é o mais rápido. - Isso eu também gostaria! Continuai.

- No Verão, senhor, chapinhamos e nadamos nos canais e no rio, e cada um empurra o mais próximo, e atira-lhe água, e mergulhamos, e gritamos, e corremos, e...

- Valeria o reino do meu pai alegrar-me assim pelo menos uma vez! Por favor continuai.

- Dançamos e cantamos no mastro de Cheapside; brincamos na areia, cobrindo-nos uns aos outros; às vezes fazemos bolos de lama - chafurdamos bastante na lama, senhor, com o perdão de vossa senhoria.

- Oh, por favor, não digais mais nada destas maravilhas! Se eu pudesse vestir-me com roupas iguais às vossas, descalçar-me e chafurdar na lama, uma vez que fosse, sem ninguém para me admoestar ou proibir, mesmo que tivesse de abdicar da coroa!

-E se eu me pudesse vestir ao menos uma vez, doce senhor, como vós estais vestido... Só uma vez...

- Oh, gostaríeis? Então assim será. Tirai os vossos a farrapos e colocai estes esplendores, meu rapaz! É uma curta felicidade, mas não será mais pequena por isso. Tê-Ia-emos enquanto pudermos e trocamos outra vez antes que alguém nos venha perturbar.

Minutos mais tarde, o pequeno Príncipe de Gales estava coberto com os esvoaçantes restos da roupa de Tom e o pequeno Príncipe da Pobreza via-se ataviado com a bela plumagem da realeza. os dois puseram-se ao lado um do outro em frente de um grande espelho e, veja-se, um milagre: não parecia que uma troca tinha sido feita! olharam um para o outro e depois para o espelho. Por fim, o príncipe disse surpreendido:

- Que achais disto?

- Ah, meu bom senhor, não me peçais uma resposta. Não é próprio da minha condição falar tais coisas.

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- Então falo eu. Vós tendes o mesmo cabelo, os mesmos olhos, a mesma voz e jeito, a mesma forma e estatura, o mesmo rosto e expressão, isso é o que vejo. Se estivéssemos os dois despidos, ninguém poderia dizer qual sois vós e qual é o Príncipe de Gales. E agora que estou vestido como vós estáveis, parece-me que estou mais próximo de sentir o que sentistes quando o bruto do soldado... Dizei-me, isto na.vossa mão, não é um arranhão?

- Sim, mas é uma coisa leve e vossa senhoria sabe que o pobre soldado...

- Calai-vos! Foi um ato cruel e vergonhoso! – gritou o pequeno príncipe, batendo com os pés descalços. - Se o rei... Não vos moveis daqui até eu voltar! É uma ordem!

Num instante apanhou e guardou um objeto de importância nacional que estava em cima de uma mesa e, saindo pela porta, correu pelos jardins do palácio em farrapos esvoaçantes, com o rosto vermelho e os olhos a brilhar. Assim que chegou ao portão agarrou-se às grades, tentando sacudi-Ias, a gritar:

- Abram! Abram o portão!

O soldado que tinha maltratado Tom obedeceu imediatamente; e, quando o príncipe passou pelo umbral, a deitar fumo com real fúria, o soldado mandou-lhe uma sonora estalada nas orelhas, que o atirou aos piparotes para a estrada, e disse-lhe:

-Toma lá, filhote de ladrão, pelo que me fizestes ouvir de Sua Majestade!

A multidão agitou-se às gargalhadas. O principe levantou-se da lama e avançou com energia para a sentinela, a gritar:

- Sou o Príncipe de Gales, a minha pessoa é sagrada; e vós sereis enforcado por me teres posto as mãos em cima!

O soldado apresentou armas com a alabarda e disse, em tom de brincadeira:

- Saúdo Vossa Graciosa Alteza. - E depois, zangado: - Vai-te embora, seu porco maluco!

Nesta altura, a multidão rodeou o pobre principezinho e correu com ele pela estrada abaixo, apupando-o e gritando «Passagem para sua alteza real! Passagem para o Príncipe de Gales!»

IV

COMEÇAM AS PROVAÇÕES DO PRÍNCIPE

Depois de horas de correria e perseguição obstinada, o pequeno príncipe foi finalmente abandonado pela turba e deixado sozinho. Enquanto tinha alimentado a fúria da multidão, ameaçando-a com uma pose real e dando ordens que só faziam rir, fora um bom motivo de diversão; mas quando o cansaço, finalmente, o obrigara a calar-se, deixou de ter interesse para os seus atormentadores, que foram à procura de divertimento noutro sítio qualquer. Olhou então à sua volta, mas não conseguia reconhecer o sítio. Estava dentro da

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tempo as casas começaram a rarear e os traseuntes a serem menos frequentes. Lavou os pés feridos no pequeno riacho que passava então onde agora é a Rua Farringdon; descansou alguns momentos e depois continuou até chegar a um grande espaço que tinha apenas algumas casas dispersas. Havia também uma igreja enorme, que ele reconheceu. Por toda a parte se viam andaimes e enxames de trabalhadores, pois estava a ser beneficiada com grandes obras. O principe encorajou-se imediatamente - sentia que os seus problemas estavam a acabar. Disse para si mesmo: «É a antiga igreja de Grey Friars, que o rei, meu pai, tirou aos monjes para fazer um asilo de crianças pobres e abandonadas, chamando-a agora de Igreja de Cristo (1). Com certeza que servirão com alegria o filho daquele que generosamente fez tanto por eles.»

Meteu-se logo no meio de um grupo de rapazes que corriam, pulavam, jogavam à bola, saltavam ao eixo e se divertiam noutras brincadeiras, com grande algazarra. Estavam todos vestidos de igual, segundo a moda dos operários e aprendizes naquela época - ou seja, com uma boina no topo da cabeça, chata e preta, do tamanho de um prato, de onde saía um franja até ao meio da testa, com o cabelo cortado a direito a toda a volta; um colarinho de padre à volta do pescoço; uma túnica azul justa, que ia pelo menos até aos  joelhos; mangas compridas e cinto largo encarnado; meias amarelas, presas por ligas

acima dos joelhos; e sapatos baixos, com grandes fivelas de metal. Era uma farda bastante feia.

Os rapazes pararam de brincar e juntaram-se à volta do príncipe, que lhes disse, com ingénua dignidade:

- Meus bons rapazes, dizei ao vosso mestre que Edward, Príncipe de Gales, deseja falar com ele.

Estas palavras provocaram grande gritaria e um deles, com modos rudes, disse-lhe: - Sois vós, mendigo, um mensageiro de Sua Graça?

Esta piada provocou mais gargalhadas. o pobre Edward empertigou-se orgulhosamente e respondeu:

- Eu sou o príncipe; e é de mau tom que vós, que viveis da bondade do meu pai, me trateis assim.

Estas palavras foram muito apreciadas, como se provou pelas gargalhadas. O jovem que tinha falado primeiro gritou para os seus camaradas:

- E vós, porcos, escravos, pensionistas do pai de sua principesca graça, onde estão as vossas maneiras? Vergai os ossos, todos vós, e prestai homenagem à sua nobre atitude e reais farrapos!

Com espalhafato e alegria todos se ajoelharam e fingiram que prestavam homenagem à sua vítima. O principe deu um pontapé ao que estava mais perto e disse-lhe, furioso:

- Tomai isto, até que amanhã chegue e vos mande fazer uma forca!

Ah, mas isto não tinha piada nenhuma - passava do engraçado! As gargalhadas pararam imediatamente, substituídas pela fúria. Uma dúzia deles gritou:

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- Agarrem-no! Para o bebedouro dos cavalos, para o bebedouro dos cavalos! Onde é que andam os cães? Aqui Leão! Ho, vem cá, Presas!

Seguiu-se coisa nunca antes vista em toda a Inglaterra - a sagrada pessoa do herdeiro do trono rudemente esbofeteada por mãos plebeias, atirada aos cães e mordida.

Quando chegou o entardecer desse dia, o príncipe viu-se bem no meio da área da cidade densamente construída. O corpo tinha nódoas negras, as mãos sangravam e os trapos estavam todos sujos de lama. Continuou a vaguear, cada vez mais desnorteado, tão cansado e fraco que mal conseguia arrastar um pé atrás do outro. Tinha deixado de fazer perguntas a quem quer que fosse, pois em vez de informações só lhe traziam insultos.

Dizia consigo mesmo: «Offal Court, é esse o nome; se conseguir encontrá-lo antes de gastar todas as forças e cair, então estou salvo - pois essas pessoas vão levar-me ao palácio e provar que não sou um deles, mas o verdadeiro príncipe, e voltarei ao meu lugar, Às vezes lembrava-se do tratamento que tinha recebido dos brutos do hospital de Cristo e dizia para consigo próprio: «Quando for rei, eles não vão ter apenas comida e abrigo, mas também o ensinamento dos livros; pois uma barriga cheia vale de muito pouco quando a mente e o coraçao estão famintos. Lembrar-me-ei sempre disto, para que a lição deste dia não se perca e o meu povo continue a sofrer; pois o conhecimento adoça o coraçao e traz boas maneiras e gestos caridosos.»

As luzes começaram a brilhar, veio a chuva, levantou-se o vento e a noite fez-se dura e tempestuosa. O desabrigado herdeiro do trono de Inglaterra continuava a andar, perdendo-se ainda mais no labirinto de becos esquálidos.

De repente, um enorme rufião bêbedo agarrou-o pelo pescoço e disse-lhe:

- Estou a ver que andas outra vez na rua a esta hora da noite e nem trouxeste um fartbing para casa! Se por tal coisa eu não partir todos os ossos do teu fraco corpo, então não me chame John Canty!

O príncipe soltou-se e disse-lhe, com um tom decidido:

- Oh, sois o seu pai de verdade? Permita o doce céu que sejais; então ide buscá-lo e devolver-me ao meu lugar!

- O seu pai? Não sei o que é que queres dizer; mas sei que sou o teu pai e em breve vais ter que te haver comigo...

- Oh, parai com isso, que não agüento mais. Levai-me ao rei meu pai, que ele vos fará mais rico que os vossos maiores sonhos. Acreditai-me, homem, acreditai-me! Não faleis mentiras, mas só a verdade! Estendei a vossa mão e salvai-me! Eu sou realmente o Príncipe de Gales!

O homem baixou os olhos para ele, estupidificado, e depois abanou a cabeça e murmurou:

- Está completamente maluco, como qualquer Zé então agarrou-o outra vez pelo pescoço e disse-lhe, com uma gargalhada brutal e um palavrão: - Mas maluco ou são, eu e a avó Carity vamos descobrir logo onde é que te dói ou eu não seja um homem a sério!

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Com estas palavras arrastou o principe, que tremia e se debatia inutilmente e Com estas palavras arrastou o principe, que tremia e se debatia inutilmente e meteu-se pelo pátio em frente, meteu-seguido por um enxame da ralé barulhenta e divertida.

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V V

TOM COMO UM ARISTOCRATA TOM COMO UM ARISTOCRATA

Tom Carity, sozinho no gabinete do príncipe, resolveu aproveitar bem a oportunidade. Tom Carity, sozinho no gabinete do príncipe, resolveu aproveitar bem a oportunidade. Ficou a virar-se para cá e para lá em frente do grande espelho, a admirar a sua elegância; Ficou a virar-se para cá e para lá em frente do grande espelho, a admirar a sua elegância; dep

depoisois, , afaafastostou-seu-se, , imitimitandando o a a atiatitude tude bembem-edu-educadcada a do do priprincipncipe, e, ainainda da a a obsobservervar ar oo resultado no espelho. A seguir, desembainhou a bonita espada e fez uma vênia, beijou a resultado no espelho. A seguir, desembainhou a bonita espada e fez uma vênia, beijou a lâmina e empunhou-a à frente do peito, como tinha visto fazer a um nobre cavaleiro, cinco lâmina e empunhou-a à frente do peito, como tinha visto fazer a um nobre cavaleiro, cinco ou seis semanas antes, quando saudava o oficial da Torre, ao entregar à sua guarda os ou seis semanas antes, quando saudava o oficial da Torre, ao entregar à sua guarda os grandes senhores de Norfolk e Surrey. Depois brincou com a adaga incrustada com pedras grandes senhores de Norfolk e Surrey. Depois brincou com a adaga incrustada com pedras qu

que e pependndia ia da da susua a cocoxaxa; ; ininspspececciciononou ou os os exextrtraoaordrdininárárioios s orornanamementntos os da da sasalala;; experimentou todas as suntuosas cadeiras e pensou como ficaria orgulhoso se a malta de experimentou todas as suntuosas cadeiras e pensou como ficaria orgulhoso se a malta de Offal Court pudesse espreitar pela fechadura e ver a sua grandeza. Perguntou-se se eles Offal Court pudesse espreitar pela fechadura e ver a sua grandeza. Perguntou-se se eles iriam acreditar no fantástico acontecimento quando lhes contasse, ao voltar para casa, ou iriam acreditar no fantástico acontecimento quando lhes contasse, ao voltar para casa, ou se abanariam a cabeça a dizer que a sua exaltada imaginação tinha, finalmente, tomado se abanariam a cabeça a dizer que a sua exaltada imaginação tinha, finalmente, tomado conta da cabeça.

conta da cabeça.

Devia ter passado meia hora, quando subitamente lhe ocorreu que o principe tinha Devia ter passado meia hora, quando subitamente lhe ocorreu que o principe tinha saído há muito tempo; começou a sentir-se solitário; logo a seguir parou de brincar com as saído há muito tempo; começou a sentir-se solitário; logo a seguir parou de brincar com as coisas bonitas que tinha à volta e ficou a ouvir ansiosamente os ruídos de fora; foi ficando coisas bonitas que tinha à volta e ficou a ouvir ansiosamente os ruídos de fora; foi ficando ne

nervrvososo, o, dedepopois is agagitaitado do e, e, popor r fimfim, , prpreoeocucupapadodo. . ImaImagiginene-se-se, , se se alalguguém ém viviessesse e e e oo apanhasse com a roupa do principe, sem que o príncipe ali estivesse para explicar. Não apanhasse com a roupa do principe, sem que o príncipe ali estivesse para explicar. Não poderiam eles enforcá-lo imediatamente e só depois inquirir sobre o seu caso? Tinha ouvido poderiam eles enforcá-lo imediatamente e só depois inquirir sobre o seu caso? Tinha ouvido dizer que os grandes decidiam depressa sobre os pequenos assuntos. O seu medo cresceu dizer que os grandes decidiam depressa sobre os pequenos assuntos. O seu medo cresceu mais e mais; e foi a tremer que abriu devagarinho a porta da antecâmara, resolvido a mais e mais; e foi a tremer que abriu devagarinho a porta da antecâmara, resolvido a correr e encontrar o príncipe, com a proteção e liberdade que ele lhe podia dar. Seis correr e encontrar o príncipe, com a proteção e liberdade que ele lhe podia dar. Seis maravilhosos cavaleiros e dois jovens pajens do mais alto nível, vestidos como borboletas, maravilhosos cavaleiros e dois jovens pajens do mais alto nível, vestidos como borboletas, levantaram-se num pulo e dobraram-se de alto a baixo à sua frente. Tom deu um pulo para levantaram-se num pulo e dobraram-se de alto a baixo à sua frente. Tom deu um pulo para trás e fechou a porta . Pensou: «Oh, estão a fazer troça de mim! Vão já contar tudo. Oh! trás e fechou a porta . Pensou: «Oh, estão a fazer troça de mim! Vão já contar tudo. Oh! Porque é que vim aqui para acabar com a minha vida?»

Porque é que vim aqui para acabar com a minha vida?»

Andava para um lado e para o outro, cheio de inomináveis receios, de ouvido atento e Andava para um lado e para o outro, cheio de inomináveis receios, de ouvido atento e olhos abertos ao menor ruído. Foi então que a porta se abriu e um pajem vestido de seda olhos abertos ao menor ruído. Foi então que a porta se abriu e um pajem vestido de seda lhe disse:

lhe disse:

- Lady Jane Grey! - Lady Jane Grey!

A porta fechou-se e um menina, com ar doce, ricamente vestida, fez-lhe uma vênia. A porta fechou-se e um menina, com ar doce, ricamente vestida, fez-lhe uma vênia. Mas parou imediatamente e disse-lhe, com voz preocupada:

Mas parou imediatamente e disse-lhe, com voz preocupada: - Estais triste, meu senhor?

- Estais triste, meu senhor?

Tom estava quase sem respirar, mas conseguiu dizer: Tom estava quase sem respirar, mas conseguiu dizer:

- Ah, tende piedade, vós! Na verdade não sou fidalgo, mas o pobre Tom Carity de - Ah, tende piedade, vós! Na verdade não sou fidalgo, mas o pobre Tom Carity de Offal Court, na cidade. Por favor deixai-me falar com o principe e ele, com a sua graça, me Offal Court, na cidade. Por favor deixai-me falar com o principe e ele, com a sua graça, me devolverá os meus trapos e me deixará sair imediatamente. Oh, sede misericordiosa e devolverá os meus trapos e me deixará sair imediatamente. Oh, sede misericordiosa e

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Nesta altura, o rapaz estava de joelhos, a suplicar tanto com os olhos e as mãos Nesta altura, o rapaz estava de joelhos, a suplicar tanto com os olhos e as mãos postas como com as palavras. A menina parecia aterrorizada. Gritou-lhe:

postas como com as palavras. A menina parecia aterrorizada. Gritou-lhe: - Oh, meu senhor, de joelhos? E perante mim!

- Oh, meu senhor, de joelhos? E perante mim!

Depois fugiu de medo; e Tom, atingido pelo desespero, deixou-se cair, murmurando: Depois fugiu de medo; e Tom, atingido pelo desespero, deixou-se cair, murmurando: «Não há ajuda possível, não há esperança. Agora eles vão vir para me levar.»

«Não há ajuda possível, não há esperança. Agora eles vão vir para me levar.»

Enquanto ele jazia dormente de terror, terríveis rumores corriam pelo palácio. O Enquanto ele jazia dormente de terror, terríveis rumores corriam pelo palácio. O segredo voou de lacaio para lacaio, de senhor para dama, por todos os longos corredores, segredo voou de lacaio para lacaio, de senhor para dama, por todos os longos corredores, d

de e ananddar ar pparara a aandndarar, , de de ssaalãlão o em em ssaalãlão: o: ««O O prpríníncicipe pe enenlolouququeuececeuu, , o o prpríníncicipepe enlouqueceu!» Rapidamente, todas as salas e todas as câmaras de mármore estavam enlouqueceu!» Rapidamente, todas as salas e todas as câmaras de mármore estavam cheias de senhores e damas a sussurrar animadamente e todos os rostos mostravam cheias de senhores e damas a sussurrar animadamente e todos os rostos mostravam consternação. Veio então um magnífico oficial, a andar de grupo em grupo, fazendo uma consternação. Veio então um magnífico oficial, a andar de grupo em grupo, fazendo uma solene proclamação:

solene proclamação:

- Em nome do rei!Que ningém dê ouvidos a este rumor falso e louco, nem o comente, - Em nome do rei!Que ningém dê ouvidos a este rumor falso e louco, nem o comente, nem o transmita, sob pena de morte. Em nome do rei!

nem o transmita, sob pena de morte. Em nome do rei! Os

Os murmurmúrmúrios ios acacabaabaram ram imedimediatiatamenamente, te, comcomo o se se os os que que sussussursurravravam am tivetivessemssem ficado mudos.

ficado mudos.

Logo a seguir, começou-se a ouvir em todos os corredores: «O principe! Vejam, o Logo a seguir, começou-se a ouvir em todos os corredores: «O principe! Vejam, o príncipe vem aí!»

príncipe vem aí!»

O pobre Tom vinha a andar devagar por entre os grupos que o saudavam, a tentar O pobre Tom vinha a andar devagar por entre os grupos que o saudavam, a tentar responder aos cumprimentos e a olhar humildemente para aqueles ambientes estranhos, responder aos cumprimentos e a olhar humildemente para aqueles ambientes estranhos, com olhos deslumbrados e patéticos. Grandes fidalgos andavam ao seu lado, fazendo-o com olhos deslumbrados e patéticos. Grandes fidalgos andavam ao seu lado, fazendo-o apoiar-se neles e assim acelerando os seus passos. Atrás dele seguiam os médicos da corte apoiar-se neles e assim acelerando os seus passos. Atrás dele seguiam os médicos da corte e alguns lacaios. Então Tom viu-se numa sala ainda mais majestosa e ouviu a porta a e alguns lacaios. Então Tom viu-se numa sala ainda mais majestosa e ouviu a porta a fechar-se atrás dele. À sua volta estavam aqueles que'o tinham acompanhado.

fechar-se atrás dele. À sua volta estavam aqueles que'o tinham acompanhado.

À sua frente, a pouca distância, reclinava-se um homem muito grande e muito gordo, À sua frente, a pouca distância, reclinava-se um homem muito grande e muito gordo, com um rosto largo e balofo e uma expressão severa. A enorme cabeça tinha cabelos com um rosto largo e balofo e uma expressão severa. A enorme cabeça tinha cabelos brancos; e a barba, que ele usava a toda a volta do rosto, como uma moldura, também era brancos; e a barba, que ele usava a toda a volta do rosto, como uma moldura, também era branca. As roupas eram muito ricas, mas estavam velhas e um pouco esgaçadas nalguns branca. As roupas eram muito ricas, mas estavam velhas e um pouco esgaçadas nalguns sítios. Uma das pernas, inchada, apoiava-se numa almofada e estava toda envolvida em sítios. Uma das pernas, inchada, apoiava-se numa almofada e estava toda envolvida em ligaduras. Este inválido, de cariz severo, era o temível Henrique VIII! Começou a falar - e o ligaduras. Este inválido, de cariz severo, era o temível Henrique VIII! Começou a falar - e o seu rosto tornava-se doce enquanto dizia:

seu rosto tornava-se doce enquanto dizia:

- Como estais, meu senhor Edward, meu príncipe? Decidistes enganar-me, o bom rei, - Como estais, meu senhor Edward, meu príncipe? Decidistes enganar-me, o bom rei, vosso pai, com uma brincadeira sem graça?

vosso pai, com uma brincadeira sem graça? O

O popobrbre e ToTom m ououviviu u o o cocomemeço ço dedestste e didiscscururso so o o memelhlhor or quque e as as susuas as fafacuculdldadadeses entorpecidas o permitiam; mas, quando as palavras, «a mim, o bom rei», entraram nos entorpecidas o permitiam; mas, quando as palavras, «a mim, o bom rei», entraram nos seus ouvidos, ficou branco e caiu instantaneamente de joelhos, como se tivesse levado um seus ouvidos, ficou branco e caiu instantaneamente de joelhos, como se tivesse levado um tiro. Levantando as mãos, exclamou:

tiro. Levantando as mãos, exclamou:

- Vós, o rei? Então estou verdadeiramente perdido! - Vós, o rei? Então estou verdadeiramente perdido!

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Este discurso pareceu deixar o rei pasmado. Os seus olhos passearam de rosto em rosto, sem se fixarem, e depois detiveram-se, surpreendidos, no rapaz à sua frente. Depois disse, num tom de profunda desilusão:

- Que pena, tinha achado o boato exagerado; mas receio que não o seja. Deu um pesado suspiro e disse, com voz suave:

- Vinde ao vosso pai, criança: vos não estais bem.

Tom foi ajudado a levantar-se e aproximou-se de Sua Majestade de Inglaterra, trémulo e humilde. O rei segurou o rosto assustado entre as mãos, olhou-o com determinação e amor durante um tempo, como se ali pudesse encontrar algum sinal de razão, e deu-lhe umas palmadas carinhosas. Então disse-lhe:

- Não reconheceis o vosso pai, criança? Não quebreis assim o meu coração de velho: dizei que me reconheceis. Vós reconheceis-me, não é verdade?

- Sim; vós sois o rei meu senhor, que Deus conserve!

- Verdade, verdade, está muito bem, descansai, parai de tremer assim- não há aqui ninguém que vos possa ferir; não há aqui ninguém que não vos ame. Estais melhor agora; o mau sonho já passou, não é verdade? E agora sabeis quem sois, não é verdade?

- Suplico a vossa graça que me acrediteis, não falei senão a verdade, meu temido senhor; pois nasci pobre e somente por uma amarga confusão aqui me encontro, embora nada tivesse feito de que possa ser culpado. Sou muito novo para morrer e vós podeis salvar-me com urna só palavra. Oh senhor, falai!

- Morrer? Não faleis assim, doce principe, vós não ides morrer! Tom caiu de joelhos com um grito de alegria:

- Deus recompense a vossa generosidade, oh meu rei, e vos preserve por muito tempo para abençoar esta terra!

Então, levantando-se num pulo, virou o rosto sorridente para os dois fidalgos que estavam mais perto e exclamou:

- Vós ouvistes! Não vou morrer; foi o que o rei disse!

Não aconteceu nada, exceto que todos fizeram uma vênia com profundo respeito; mas ninguém falou. Tom hesitou, um pouco confundido, e depois virou-se timidamente para o rei e disse-lhe:

- Agora posso ir-me?

- Ir-vos? Certamente, se o desejais. Mas porque não vos atardeis mais um pouco? Onde poderíeis vós ir?

Tom baixou os olhos e respondeu humildemente:

- Por ventura me enganei; mas, julgando-me livre, pensei em procurar outra vez o canil onde nasci e cresci na desgraça, mas onde vivem a minha mãe e irmãs, e portanto é

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o meu lar; enquanto a estas pompas e esplendores não estou acostumado; oh senhor, por favor, deixai-me ir!

Durante algum tempo, o rei ficou silencioso e pensativo e o seu rosto mostrava uma crescente tristeza e incómodo. Depois disse, com um tom de esperança na voz:

- Talvez que ele esteja louco só neste aspecto e mantenha o juízo são no que toca a outros assuntos. Deus faça que assim seja! Vamos fazer uma experiencia.

Então fez uma pergunta a Tom em latim e ele respondeu bastante mal na mesma língua. O rei mostou-se deleitado. Os fidalgos e doutores também manifestaram a sua satisfação. O rei disse:

- Não foi de acordo com a sua educação e possibilidades, mas mostrou que a sua mente está apenas doente e não fatalmente atingida. Que dizeis vós, senhor?

O fisico interpelado fez uma grande vênia e respondeu:

- É minha convicção, senhor, que estais certo no que adivinhastes.

O rei pareceu satisfeito com este encorajamento e continuou bem disposto: - Agora reparai todos: vamos experimentá-lo mais.

Fez uma pergunta a Tom, em francês. O miúdo ficou um momento calado, envergonhado pelos muitos olhos que estavam fixados nele, e falou com acanhamento:

- Não tenho conhecimentos dessa língua, preze a vossa majestade.

O rei atirou-se para trás na cadeira. Os presentes correram a assisti-lo; mas ele afastou-os e disse:

- Não me perturbem: não é nada senão uma vil tontura. Levantai-me! Assim, chega... Vinde cá, criança; isso, descansai a essa pobre cabeça, assim perturbada, perto do coração do vosso pai, e descansai. Em breve ficareis bom. - Depois, virou-se para a corte; o seu lado terno desapareceu e faíscas malignas começaram a dançar nos seus olhos. Disse assim:

- Ouvi todos vós! Este meu filho está louco; mas não é permanentemente. Excesso de estudo foi o que provocou isto e também confinamento um pouco exagerado. Que fique longe dos livros e dos professores, é o que deveis cuidar! Satisfazei-o com desportos, distraí-o com atívidaes saudáveis, para que a sua saúde volte.

Levantou-se mais alto e continuou com toda a energia:

- Ele está louco; mas é o meu filho e o herdeiro de Inglaterra; e, louco ou são, todavia reinará! E ouvi o que mais digo e proclamai-o: aquele que falar da sua perturbação estará a agir contra a paz e a ordem deste reino e irá para a masmorra! ... Dai-me de beber; estou a queimar por dentro; esta dor enfraqueceu as minhas forças... Aqui, levai a taça... Segurai-me... Aqui, assim está bem. Ele está louco? Estivesse ele mil vezes mais louco, contudo é o Príncipe de Gales e sou eu, o rei, quem o afirma. Amanhã mesmo será sagrado na sua dignidade principesca, como deve ser, segundo o antigo costume. Dai imediatamente as ordens convenientes, meu Lord Hertford (1).

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Um dos nobres ajoelhou-se em frente da cadeira real e disse:

- Sua majestade o rei sabe que o Grande Marechal Hereditário de Inglaterra jaz detido na Torre. Não seria próprio de um preso...

- Chega! Não insulteis meus ouvidos com esse odiado nome. Deverá esse homem viver para sempre? Deverei ser contrariado na minha vontade? Deverá o príncipe deixar de ser sagrado porque até agora o reino não tem um marechal livre da mancha da traição, que o possa investir nas suas honras? Avisai o Parlamento para que me traga a condenação de NorfoIk antes que o Sol nasça de novo, ou então terão que responder pela ofensa!

Lord Herteford disse:

- A vontade do rei é lei - e, levantando-se, voltou para o seu lugar. Lentamente a ira foi-se afastando do rosto do rei, que disse:

- Beijai-me, meu principe. Aqui... que receais? Não sou o vosso pai bem-amado?

- Sois para mim melhor do que mereço, ó poderoso e gracioso senhor; isso eu sei, na verdade. Mas, mas... Entristece-me pensar naquele que deve morrer e...

- Ah, isso é bem vosso, bem vosso! Vejo que o coração ainda é o mesmo, mesmo que a mente tenha sofrido dano, pois sempre tivestes um gentil espírito. Mas este duque está entre vós e as vossas honras: colocarei outro no seu lugar. Descansai, meu príncipe; não preocupeis a vossa cabeça com este assunto.

- Mas não é verdade que assim apresso o seu fim, meu soberano? Quanto tempo poderia ele viver, se não fosse por mim?

- Não penseis nele, meu príncipe; não o merece. Beijai-me outra vez e ide para os vossos afazeres e divertimentos; pois a minha doença perturba-me. Estou cansado e devo repousar. Ide com o vosso tio Hertford e a vossa gente, mas voltai quando o meu corpo estiver restaurado.

Tom, com o coração pesado, foi levado da sua presença e sentia-se mais e mais preocupado, enquanto, passava por entre as faiscantes filas de cortesãos que o saudavam; pois percebia que agora estava prisioneiro e poderia ficar para sempre fechado naquela gaiola dourada, um príncipe triste e sem amigos, a menos que Deus na Sua misericórdia tivesse pena dele e o libertasse.

E, virasse-se para onde se virasse, aparecia-lhe a flutuar no ar uma cabeça cortada com o rosto do grande duque de Norfolk, que ele ainda se lembrava da Torre, com os olhos reprovadores fixados nele.

Os seus antigos sonhos tinham sido tão saborosos; mas a sua realidade era tão aterradora!

VI

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Tom foi levado para o salão de uns aposentos senhoriais e obrigado a sentarse -coisa que detestou, pois ficou rodeado de damas e cavalheiros mais velhos de alta estirpe. Pediu-lhes que se sentassem e eles limitavam-se fazer vênias e murmurar agradecimentos, mas ficavam de pé. Teria insistido mais, mas o seu «tio» conde de Hertford segredou-lhe ao ouvido:

- Por favor deixai de insistir, meu senhor; não próprio que eles se sentem na vossa presença.

Foi anunciado o Lord Saint John que, depois de fazer uma vênia a Tom, disse-lhe: - Venho a mandado do rei, para tratar de um assunto que requer privacidade. Fará vossa alteza real o favor de dispensar todos os que vos acompanham, com excepção do meu senhor, o conde de Hertford?

Ao reparar que Tom parecia não fazer idéia de como agir, Hertford segredou-lhe para assinalar com a mão e não se incomodar a falar, a não ser que lhe apetecesse. Quando os cavalheiros se retiraram, Lord Saint John disse-lhe:

- Sua majestade deu ordens de que, devido a importantes razões de Estado, sua graça, o príncipe, deve esconder a sua doença de todos os modos que lhe seja possível, até que ela passe e ele volte a ser como era antes. Deverá com toda a vontade jamais negar a quem quer que seja que é o verdadeiro príncipe e o herdeiro da grandeza de Inglaterra; deve manter a sua dignidade principesca e deve receber a reverência e o respeito que lhe pertencem, sem palavras ou sinais de protesto; que deixe de falar a qualquer dos plebeus que a doença trouxe para a sua imaginação perturbada, estragando-lhe o julgamento; deve lutar com insistência para trazer novamente à-sua memória aqueles rostos que tem por dever conhecer; e quando não conseguir lembrar-se deve ficar quieto, não deixando mostrar que se esqueceu nem pela aparência, nem pela surpresa, nem por nenhum outro sinal; quando das cerimônias oficiais, sempre que qualquer assunto o deixe em dúvida sobre o que deveria dizer ou deveria fazer, não deve mostrar nem ignorância nem nervosismo perante os curiosos que o olham, mas deve antes pedir conselho sobre esse assunto ao Lord Hertford, ou à minha humilde pessoa, que terrios ordens do rei para estar ao seu serviço e sempre perto dele, até que esta ordem seja revogada. Ao dizer tal, sua majestade o rei, que mandou saudações a sua alteza real, reza a Deus para que o sare rapidamente na Sua misericórdia e o tenha agora e sempre à Sua sagrada guarda.

O Lord SaintJohn fez uma reverência e ficou à espera. Tom respondeu-lhe, resignadamente:

- O rei falou. O rei será obedecido. Lord Hertford disse-lhe:

- No que respeita às ordens de sua majestade sobre livros e assuntos igualmente sérios, decerto agradará a vossa alteza que possa aliviar o vosso tempo com divertimentos

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leves, nao aconteça que fiqueis cansado com o banquete e possais sofrer dano por causa disso.

O rosto de Tom mostrou curiosidade e surpresa; e corou quando viu a pena com que o olhava o Lord Saint John. Sua senhoria disse-lhe:

- A vossa memória continua a enganar-vos e vós mostrastes surpresa; mas não deixeis que tal vos perturbe, pois esta é uma perturbação que se irá quando a vossa doença passar. O meu Lord Hertford falava no banquete da cidade que sua majestade, o rei, prometeu que vossa alteza assistiria, já faz dois meses. Lembrai-vos agora?

- Lamento confessar que realmente me tinha esquecido - disse Tom, com voz hesitante; e corou novamente.

Nessa altura foram anunciadas Lady Elizabeth e Lady Jane Grey. Os dois fidalgos trocaram olhares significativos e Hertford foi rapidamente até à porta. Quando as duas meninas chegaram, disse-lhes em voz baixa:

- Rogo-vos, senhoras, para fazerdes menção de não reparar nos seus humores, nem para mostrardes surpresa quando a sua memória falhar; decerto ficareis preocupadas ao ver como ele tropeça no mais pequeno pormenor.

Entretanto, Lord Saint John dizia ao ouvido de Tom:

- Por favor, meu senhor, tende sempre na mente os desejos de sua Majestade. Lembrai-vos do que puderdes; fazei menção que vos lembrais de todo o resto. Não deixeis que elas percebam que mudaste muito na vossa maneira, pois sabeis como vos querem com ternura as vossas amiguinhas e como ficariam perturbadas. Desejais, senhor, que eu permaneça? E o vosso tio?

Tom mostrou concordância com um gesto e uma palavra murmurada, pois já estava a aprender e no seu coração puro tinha resolvido comportar-se o melhor que pudesse, de acordo com as ordens do rei.

Apesar de todas as precauções, a conversa entre as crianças, às vezes, tornou-se um pouco embaraçosa. Mais do que uma vez, para dizer a verdade, Tom esteve quase a desistir e a confessar-se incompetente para o seu tremendo papel; mas o tato da princesa Elizabeth salvou-o, ou uma palavra de um dos dois atentos cavaleiros, dita aparentemente por acaso, teve o mesmo feliz resultado. Uma vez, a pequena Lady Jane virou-se para Tom e surpreendeu-o com esta pergunta:

-já hoje visitastes sua majestade a rainha, meu senhor?

Tom hesitou, mostrou-se preocupado e estava quase a gaguejar alguma coisa ao acaso, quando o Lord SaintJohn tomou a palavra e respondeu por ele, com a gentileza natural de um cortesão habituado a resolver sempre as mais subtis dificuldades:

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- já visitou de fato, senhora, e a rainha muito o animou no que respeita à situação de sua majestade; não é verdade, vossa alteza?

Tom murmurou qualquer coisa que ficou como uma concordância, mas sentiu que estava a cair num campo perigoso. Algum tempo depois mencionou-se que ele não deveria estudar mais nesta altura, ao que a pequena dama exclamou:

- Mas que pena, que pena! Estáveis a progredir tão bem! Mas esperai com paciência; não será por muito tempo. Sereis agraciado com sabedoria igual à do vosso pai e fareis a vossa língua dominar tantos idiomas como ele, meu bom príncipe!

- O meu pai! - gritou Tom, descaindo-se por um momento. - Digo-vos que não consegue falar nem o seu próprio idioma a não ser de um modo que só suínos que chafurdam no chiqueiro o conseguem entender; e quanto a conhecimentos de qualquer espécie que seja...

Olhou para cima e deu com o severo aviso que brilhava nos olhos de Lord Saint John. Parou, corou e, depois, continuou, em voz baixa e triste:

- Ah, a minha doença apanhou-me de novo e a minha mente perdeu-se! Não queria ofender sua graça, o rei.

- Nós sabemo-lo, senhor - disse a princesa Elizabeth, segurando a mão do «irmão» entre as suas. - Não vos preocupeis com isso. Não é vossa culpa, mas da vossa perturbação.

- Dais-me um gentil conforto, doce senhora - disse Tom, agradecido -, e o meu coração pede-me que vos agradeça pelo vosso esforço, se posso ser tão franco.

A graciosa LadyJane disse a Tom uma frase em grego. A perspicácia de Lady Elizabeth imediatamente viu, na serena impassividade do rosto de Tom, que este não tinha percebido nada e fez um comentário sobre ele em excelente grego, para depois desviar a conversa para outro assunto.

O tempo passava-se agradavelmente, sem grandes problemas, e Tom estava cada vez mais e mais à vontade, vendo que todos estavam tão enternecidamente empenhados em ajudá-lo e em não reparar nos seus erros. Quando veio à conversa que as jovens damas o deviam acompanhar, nessa tarde, ao banquete do alcaide, o seu coração deu um salto de prazer e alívio, pois sentia que não devia ficar sem amigos entre uma multidão de estranhos, enquanto uma hora atrás a idéia de elas também irem lhe teria provocado um insustentável terror.

os dois fidalgos, ou seja, os anjos da guarda de Tom, tinham passado a entrevista com muito menos tranqüilidade que os demais participantes. Parecia-lhes que estavam a conduzir um enorme navio por um perigoso canal. Estavam permanentemente atentos e percebiam que a sua missão não era uma brincadeira de crianças. Assim, quando a visita

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das damas estava terminada e Lord Guilford DudIey foi anunciado, não só acharam que a sua carga já era excessiva, como também que era melhor retroceder com o navio antes que começasse nova e perigosa viajem. Portanto, respeitosamente aconselharam Tom a dar uma desculpa, coisa que muito o alegrou, enquanto se notava uma sombra de descontentamento no rosto de Lady Jane Grey, ao ouvir que se negava a entrada do belo rapaz.

Seguiu-se uma pausa, uma espécie de compasso de espera, que Tom não conseguia compreender. Deu uma olhadela para Lord Hertford, que lhe fez um sinal que ele também não conseguiu perceber. A rápida Elizabeth veio em seu auxílio com a habitual graça. Fez uma reverência e disse:

- Temos autorização de sua graça, o príncipe, meu irmão, para nos irmos? Tom disse-lhes:

- Na verdade vossas senhorias podem ter de mim o que desejaram, bastando pedir; contudo, preferia dar-lhes qualquer outra coisa dentro dos meus pobres poderes, do que autorização para retirar a luz e a bênção que é a vossa presença aqui. Ide-vos então e que Deus esteja convosco! - Depois riu-se consigo próprio e pensou: «Não foi em vão que só lidei com príncipes nas minhas leituras e que ensinei à minha língua alguns dos truques da sua prendada e graciosa maneira de falar!»

Quando as ilustres meninas se tinham ido embora, Tom virou-se com determinação para os seus guardiões e disse-lhes:

- Permitam vossas senhorias que eu possa ir para algum canto e descansar! Lord Hertford respondeu-lhe:

- Sois vós que mandais e somos nós que obedecemos, para vos servir. De fato, é necessário que descanseis, uma vez que ides viajar para a cidade dentro em breve.

Tocou numa sineta e um pajem apareceu, recebendo ordens para convocar a presença de Sir William Herbert. Este cavaleiro veio imediatamente e levou Tom para uma sala interior. O seu gesto, quando entrou, foi para pegar uma taça com água; mas um lacaio vestido de seda e veludo apanhou-a primeiro, ajoelhou num joelho e ofereceu-a numa salva de ouro.

A seguir, o cansado prisioneiro sentou-se e começou a tirar os borzeguins, pedindo timidamente com os olhos que o deixassem sozinho, mas outro perturbador vestido de seda e veludo ajoelhou-se e fez-lhe o trabalho. Tom tentou mais uma ou duas vezes fazer as coisas sozinho, mas sendo sempre impedido no mesmo momento, finalmente desistiu, com um gesto de resignação, e murmurou: «Admira-me que não tenham também que respirar por mim!» De chinelos e envolvido num suntuoso robe, deitou-se finalmente para descansar, mas não para dormir, pois a sua cabeça estava demasiadamente cheia de

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pensamentos e o quarto apinhado de pessoas. Não podia afastar os primeiros, portanto deixou-os ficar; e não sabia como dispensar os segundos, logo esses também ficaram, para sua grande pena e pena deles.

A partida de Tom tinha deixado sozinhos os seus dois guardiães. Conversaram algum tempo, andando de um lado para o outro a sacudir as cabeças, e então Lord Saint John disse:

- Sem rodeios, o que é que vós achais?

- Sem rodeios então, penso o seguinte: o rei está perto do seu fim e o meu sobrinho está louco, louco subirá ao trono e louco continuará. Deus proteja a Inglaterra, pois vai precisar!

- De fato, assim parece ... Mas, não estais apreensivo quanto... no que respeita a ... Lord Saint John hesitava e finalmente parou de falar. Era evidente que sentia que estava a pisar um terreno delicado. Lord Hertf.ord parou à sua frente, olhou-o com olhos francos e diretos, e disse-lhe:

- Falai; não há ninguém a ouvir a não ser eu. Apreensivo sobre o quê?

- Receio muito dizer o que vai na minha cabeça, sendo vós de um sangue tão próximo dele, meu senhor. Mas, implorando perdão se estou a ofender, não parece tão estranho que a loucura tenha mudado de tal modo a sua postura e atitude? Não que a postura e a fala não sejam ainda as de um príncipe; mas que tenham mudado apenas num ou outro detalhe sem importância, em relação ao que ele era antes. Não parece estranho que a loucura tenha eliminado da sua memória as feições do próprio pai; os hábitos e regras que são o seu dever desde que se conhece; e que, deixando-o com o latim, o tenham feito esquecer o grego e o francês? Aterrorizou-me ouvi-lo dizer que não é o principe e, portanto...

- Por favor, meu senhor, estais a pronunciar uma traição! Esquecestes as ordens do rei? Lembrai-vos que, só por vos ouvir, sou cúmplice do vosso crime.

Sirjohn empalideceu e apressou-se a dizer:

- Errei, confesso-o. Não me denuncieis, concedei-me essa graça pela vossa cortesia, e não pensarei nem falarei mais em tal coisa. Sede clemente comigo, ou estarei arruinado.

- Estou satisfeito, meu senhor. Se não ofenderdes novamente, aqui ou aos ouvidos de outros, será como se não tivésseis falado. Mas não precisais de ficar apreensivo. Ele é o filho da minha irmã; não são a sua voz, o rosto e o corpo meus conhecidos desde o berço? A loucura pode provocar todos os pequenos pormenores conflituantes que vistes nele e muitos mais. Este é o próprio príncipe que eu conheço tão bem e que em breve será o vosso rei; pode ser vantajoso para vós lembrar-vos de tal coisa e preocupar-vos mais com isso do que com o outro assunto.

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Depois de mais alguma conversa Lord Hertfórd dispensou o seu colega guardião e sentou-se para ficar de vigia sozinho. Depressa caiu numa profunda meditação. Evidentemente que quanto mais pensava mais preocupado ficava. Aos poucos pôs-se a andar de um lado para o outro e a murmurar consigo próprio.

«Ora, tem que ser o príncipe! Alguém, em todo o reino, diria que pode haver dois tão maravilhosamente iguais, não sendo do mesmo sangue e condição? E, mesmo que isso fosse verdade, seria um milagre muito estranho que o destino colocasse um no lugar do outro. Não, isso é pura loucura!

A seguir disse-se: Se ele fosse um impostor e se intitulasse príncipe, isso seria natural; seria razoável. Agora, já alguma vez existiu algum impostor que, sendo chamado de príncipe pelo rei, pela corte e por todos, tenha negado essa dignidade e se declarado contra a sua confirmação? Não! Pela alma de santo Swithin, não! Este é o verdadeiro príncipe, que enlouqueceu!

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VII

O PRIMEIRO JANTAR REAL DE TOM

A certa altura, depois da 1 hora da tarde, Tom passou resignadamente pela provação de ser vestido para jantar. Viu-se ataviado com o mesmo luxo de antes, mas com todas as peças diferentes, desde o barrete até às meias. A seguir, foi levado com muita cerimônia para uma sala espaçosa e ornamentada, onde já estava posta mesa para um. O mobiliário era todo de ouro maciço, embelezado com desenhos que o tornavam de um valor incalculável, uma vez que era obra de Benvenuto. A sala estava quase cheia de nobres servidores. Um capelão fez as orações e Tom preparava-se para começar, pois a fome sempre fizera parte da sua natureza, mas foi interrompido pelo nosso senhor o conde de Berkeley, que prendeu um guardanapo à volta do seu pescoço; pois o grande lugar de colocador de guardanapo do Príncipe de Gales era um direito hereditário da sua nobre família. O escanção de Tom estava presente e antecipou-se a todas as suas tentativas de se servir do vinho. Também lá estava o provador de Sua Alteza o Príncipe de Gales, pronto para ser mandado provar qualquer prato suspeito e, assim, correr ele o risco de ser envenenado. O nosso senhor D'Arcy, primeiro-camareiro real, estava lá, para fazer sabe Deus o quê; mas estava, o que é o importante. O senhor mordomo-chefe também estava e ficava atrás da cadeira de Tom, acompanhando as solenidades conduzidas pelo senhor grande-camareiro e pelo senhor cozinheiro-chefe, que ficava ao pé dele. Além destes, Tom tinha mais trezentos e oitenta e quatro servidores; mas, evidentemente, não estavam todos na sala, nem sequer um quarto deles, nem Tom sequer sabia da sua existência.

Todos os que estavam presentes tinham sido bem treinados durante a hora precedente para terem em mente que o príncipe estava temporariamente ensandecido e para terem cuidado em não mostrar surpresa perante as suas excentricidades. Essas excentricidades» depressa lhes foram exibidas; mas a tristeza e a pena que sentiam não afetava o seu sangue-frio. Era com profundos cuidados que viam o seu querido príncipe tão alterado.

O pobre Tom comeu principalmente com os dedos; mas ninguém se riu, nem pareceu ter reparado nisso. Inspecionou o guardanapo com curiosidade e grande interesse, pois o tecido era muito belo e fino, e depois disse com simplicidade:

- Por favor levai-o, não vá a minha falta de jeito sujá-lo.

O colocador de guardanapos hereditário levou-o com uma atitude reverente, sem qualquer tipo de protesto.

Tom examinou os nabos e a alface com grande interesse e perguntou o que eram e se se deviam comer; pois só recentemente é que essas coisas eram plantadas em Inglaterra, em vez de serem importadas da Holanda como artigos de luxo. Esta pergunta foi

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