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Curso: Direito Penal – Parte Especial
Aula: Estelionato
Professor: Marcelo UzedaArt. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. 1. BEM JURÍDICO TUTELADO
O bem jurídico tutelado é o patrimônio em geral (bens móveis, imóveis, direitos etc), bem como as relações sociais, que exigem confiança indispensável entre os membros da comunidade.
2. SUJEITOS DO DELITO (CRIME COMUM)
SUJEITO ATIVO – pode ser qualquer pessoa. “Stellio” significa camaleão.
SUJEITO PASSIVO – é qualquer pessoa determinada que tenha discernimento (proprietário, possuidor ou qualquer prejudicado).
Se for um numero indeterminado de pessoas, pode caracterizar crime contra a economia popular (Lei 1521/51, Art. 2º. "bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes ou contra as relações de consumo (lei 8078/90).
3. TIPO OBJETIVO
A) NÚCLEO - Obter significa alcançar, adquirir. B) OBJETO MATERIAL
Vantagem ilícita (Bens móveis, imóveis, direitos etc) em prejuízo alheio. C) MODOS DE EXECUÇÃO
INDUZINDO - fazer nascer o erro (conduta comissiva) ou MANTENDO – sabe que a vítima está em erro e a mantém nessa situação, aproveitando-se para obter a vantagem (admite modalidade omissiva).
Em erro (falsa representação da realidade) D) MEIOS DE EXECUÇÃO
Artifício – produto de arte (aspecto material) – palavras, gestos, atos. Pode ser ostensivo ou tácito, explícito ou implícito.
Ardil – manha, sutileza, reticência maliciosa (aspecto intelectual) – dirige-se a psiqué, ao intelecto, ao sentimento ou à lógica.
Súmula n. 17 do STJ - "Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido“.
4. TIPO SUBJETIVO
É o dolo (animus fraus), vontade livre e consciente de obter a vantagem ilícita em prejuízo de terceiro, que deve ser anterior à eventual posse da coisa.
Exige-se o especial fim agir de obter ilícita vantagem patrimonial para si ou para outrem. Não há modalidade culposa.
5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Crime material e instantâneo, consuma-se o estelionato com a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio (binômio).
Admite-se a tentativa, por se tratar de crime plurissubsistente. ESTELIONATO PRIVILEGIADO
§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
STJ: No caso de concurso de crimes, a aferição do pequeno valor do prejuízo, para fins de aplicação do art. 171, § 1.º, do Código Penal, deve considerar o valor total do prejuízo causado em todos os ilícitos, de modo que, ultrapassado o VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO, torna-se inviável o reconhecimento do benefício. Precedentes. (AgRg no REsp 1858223/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 21/05/2020)
MODALIDADES ESPECIAIS/FORMAS EQUIPARADAS § 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA
I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria; Polêmica: o sujeito pratica furto/roubo e depois vende a coisa a terceiro de boa fé.
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Alienação/oneração fraudulenta de coisa própria
II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;
ATENÇÃO!
A mera promessa de compra e venda não foi listada no inciso II.
O ato de vender não se confunde com a promessa de venda (Bitecourt). Greco entende pode configurar estelionato do caput.
DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR
III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.
Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.
FRAUDE NA ENTREGA DE COISA
IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;
Comete o crime descrito no art. 171, § 2°, IV, do CP aquele que, juridicamente obrigado a entregar coisa a alguém, adultera sua substância, qualidade ou quantidade dolosamente, de forma a obter vantagem ilícita.
(REsp 1698785/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 27/10/2017)
FRAUDE PARA RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO OU VALOR DE SEGURO
V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.
Súmula 244 do STJ
Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos.
Súmula 521 do STF
O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.
Súmula 48 do STJ
Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato COMETIDO MEDIANTE FALSIFICAÇÃO DE CHEQUE.
Causa de aumento de pena
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
STF e STJ:
distinção da natureza do estelionato previdenciário a partir de quem o pratica:
• se o próprio beneficiário for o autor da fraude, a infração penal terá natureza permanente;
• se a fraude for implementada por terceiro para que outrem obtenha o benefício, tratar-se-á de crime instantâneo de efeitos permanentes.
(AgRg no AREsp 1106508/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 23/03/2018)
STJ:
A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, embora entenda inaplicável o princípio da insignificância em caso de estelionato praticado contra entidade de direito público, admite o reconhecimento da figura do estelionato privilegiado, se de pequeno valor o prejuízo causado. 2. O fato de o crime de estelionato ter sido cometido em detrimento de entidade de direito público (art. 171, § 3º, do CP) não obsta, por si só, o reconhecimento da figura do privilégio, que pressupõe, para sua incidência, tão somente os requisitos previstos no § 1º do artigo 171 do Código Penal, quais sejam, a primariedade do agente e o pequeno valor do prejuízo. Demais disso, a posição topográfica dos §§ 1º e 3º do artigo 171 do Código Penal não torna impossível a configuração do estelionato qualificado privilegiado, se presentes as circunstâncias fáticas da
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(AgRg no AREsp 954.718/GO, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 12/02/2020)
ESTELIONATO CONTRA IDOSO
§ 4o Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso. (Incluído pela Lei nº 13.228, de 2015)
Lei 10741/2003
Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
AÇÃO PENAL
§ 5º Somente se procede mediante REPRESENTAÇÃO, SALVO se a vítima for: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) I - a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. NORMA HÍBRIDA:RETROAGE PORQUE É FAVORÁVEL. POLÊMICA NO STJ
STJ:
Esta Quinta Turma passou a entender que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo, ao mais quando se constata que foi demonstrada a intenção da vítima em autorizar a persecução criminal, caso dos autos.
(AgRg no REsp 1872308/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 21/09/2020)
Outrossim, quanto a pretendida aplicação retroativa da regra do §5º do art. 171 do CP, acrescentado pela Lei n. 13.964/2019, esta colenda Quinta Turma já decidiu que "além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo
que a retroatividade da representação no crime de deve se restringir à fase policial, não alcançando o estelionato processo",
pois, "do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade". (EDcl no AgRg nos EDcl no AREsp 1681153/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
STJ (SEXTA TURMA)
A retroação do § 5º do art. 171 do Código Penal alcança todos os processos em curso, ainda sem trânsito em julgado, sendo que essa não gera a extinção da punibilidade automática dos processos em curso, nos quais a vítima não tenha se manifestado favoravelmente à persecução penal. Aplicação do art. 91 da Lei n. 9.099/1995 por analogia.
(...) devendo ser a vítima intimada para manifestar interesse na continuação da persecução penal em 30 dias, sob pena de decadência, em aplicação analógica do art. 91 da Lei n. 9.099/1995. (HC 583.837/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 12/08/2020)
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do HC n. 583.837/SC, da relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, firmou entendimento pela necessidade de aplicação imediata aos processos em curso do comando normativo insculpido no § 5.º do art. 171 do Código Penal, com a redação da Lei n.13.964/2019.
In casu, entretanto, não se aplica a citada compreensão, na medida em que A CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE - REPRESENTAÇÃO - PODE SER DEPREENDIDA DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA E DA PORTARIA POLICIAL.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está fixada no sentido de que a representação é ato que dispensa maiores formalidades, sendo suficiente que a vítima ou quem a represente legalmente apresente manifestação para que os fatos sejam devidamente apurados, tal como ocorre na hipótese dos autos.
(AgRg no AREsp 1668091/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 04/09/2020)