INSTALAÇÃO EXPERIMENTAL E MODELAGEM MATEMÁTICA /
ANALYSIS OF PIPELINE NETWORKS: DEVELOPMENT OF EXPERIMENT ANDMATHEMATICAL MODELING
JORGE ANDREY WILHELMS GUT, TAH WUN SONG & JOSÉ MAURÍCIO PINTO Departamento de Engenharia Química, Escola Politécnica - USP
CEP 05508-900 São Paulo, SP Brasil - E-mail: jompinto@usp.br
Abstract
An experiment on Fluid Mechanics for educational purposes regarding pipeline flows and pump association is designed. Also, a mathematical model for steady-state, isothermal flow of an incompressible fluid is developed. The model is especially suitable for extensive pipeline networks. The solution method for the system comprised of non-linear algebraic equations is based on the quasi-linearization technique. Simulation results are discussed.
Keywords
fluid mechanics, pipeline networks, educational experiment, pipeline modeling, quasi-linearization / mecânica dos fluidos, redes de tubulação, experimento didático, modelagem de redes de tubos, quasi-linearização
1. INTRODUÇÃO
Inegavelmente, a Mecânica dos Fluidos constitui uma das ciências básicas para quase todas as modalidades de engenharia num curso de graduação. Por outro lado, a apresentação de certos tópicos, restritos a aulas expositivas, em geral com carga horária exígua, compromete uma consolidação segura dos conceitos envolvidos. Dentre estes tópicos, cita-se o estudo de um sistema de rede de tubulação e da operação de bombas em série ou paralelo. A disponibilidade de uma boa infra-estrutura de laboratório, então, constitui um eficaz suporte didático complementar.
A primeira proposta do presente trabalho consiste no projeto e montagem de uma instalação, concebida para experiências sobre escoamento de água em rede de tubos e associação de bombas, em série ou paralelo. Além disso, de acordo com o posicionamento das válvulas de bloqueio do sistema, pode-se realizar variantes desses ensaios. Assim, a cada grupo de alunos nas aulas de laboratório, pode-se solicitar um estudo ligeiramente diferenciado. Essa experiência proposta será incluída no curso de graduação em engenharia química da Escola Politécnica da USP.
Um outro aspecto didático relevante refere-se à comparação e discussão dos resultados obtidos experimentalmente com os calculados a partir de informações e correlações generalizadas, disponíveis na literatura.
Vários métodos de solução de redes de tubos já foram desenvolvidos. O primeiro a ser largamente utilizado é o método de Hardy Cross (Ingels e Powers, 1964; Daniel, 1966),
Casos simples, como o escoamento newtoniano incompressível em sistemas de tubulação horizontais, sem bombas, foram abordados por Carnahan et al. (1969), Coker (1991) e Cochran (1995). Em geral, as equações resultantes compõem um sistema algébrico não linear. Para a sua solução, pode-se aplicar métodos genéricos (Kahaner et al., 1989) ou, em alguns casos, algoritmos específicos tem sido propostos (Shacham e Mah, 1978; Mah, 1989). Recentemente, Houache et al. (1996) estudaram o escoamento de fluidos compressíveis, cuja solução foi obtida através de algoritmos da teoria de grafos.
Mas, para os cálculos nos casos de sistemas de tubulação mais complexos ou extensos, torna-se quase imprescindível o uso de recursos computacionais mais robustos. Atualmente, dispõem-se de diversos programas computacionais específicos para a simulação de redes de tubulação, como Pipe-Flo, Pipe-Pro, Pipecalc, Pipeline Multiphase Flow with Total Energy Balance ( CEP Annual Software Directory, 1997).
Entretanto, apesar dessa disponibilidade, é importante na formação do engenheiro a capacidade de representar e resolver matematicamente processos físicos e químicos de interesse. É fundamental que o engenheiro não se torne apenas um mero usuário dos programas computacionais disponíveis, mas que conheça sua estrutura e metodologia de modelagem matemática.
A segunda proposta deste trabalho é desenvolver um modelo matemático para a simulação de redes de tubos com fluido newtoniano incompressível, utilizando exclusivamente as equações de Mecânica dos Fluidos apresentadas nas aulas do curso de graduação.
A seguir será descrito o experimento, com detalhes da instalação física e serão apresentados o desenvolvimento do modelo, o algoritmo de solução e resultados de um exemplo de simulação.
2. DESCRIÇÃO DO EXPERIMENTO
A instalação constitui-se de tanque de alimentação, bombas para recirculação da água pela rede de tubulação, tanque de recebimento, medidores de vazão, pressão e corrente elétrica. O esquema da instalação e as especificações dos equipamentos e dos componentes do sistema estão mostrados na Figura 1. Para os comprimentos das tubulações, pode-se consultar a escala representada na própria figura, válida para os trechos a jusante da válvula FV-11. Os diâmetros das tubulações estão compatíveis com os das válvulas, mostrados na Figura 1.
A instalação foi concebida para experiências sobre associação de bombas, em série ou paralelo, e escoamento de água em rede de tubos. Além disso, de acordo com o posicionamento das válvulas de bloqueio do sistema, pode-se realizar variantes desses ensaios. Assim, a cada grupo de alunos nas aulas de laboratório, pode-se solicitar um estudo ligeiramente diferenciado. Ao todo, o sistema permite 52 configurações distintas, todas com pelo menos duas saídas externas.
Para as bombas centrífugas usadas, é feito previamente o levantamento experimental das curvas características (altura manométrica, potência consumida e rendimento em função da vazão).
O nível de água no tanque de alimentação deve ser mantido constante. Estabelecido o regime permanente, medem-se, através dos respectivos rotâmetros, a vazão de escoamento na saída das bombas e as vazões em cada saída. Mede-se também a pressão antes da ramificação. O valor poderá ser usado como um dado de entrada para a simulação matemática a ser feita posteriormente. Os resultados medidos no laboratório serão comparados com os calculados através desta simulação matemática.
3. MODELAGEM MATEMÁTICA
O modelo matemático a ser desenvolvido representa o escoamento isotérmico, em regime permanente, de um fluido newtoniano incompressível, em uma rede de tubulação de um único material de construção.
Os dados gerais são a densidade ρ, a viscosidade µ do fluido e a rugosidade do material da tubulação ε.
Uma rede de tubulação pode ser representada por um conjunto de nós e arcos. Os nós podem ser as uniões de três ou mais tubos, as reduções ou expansões e as entradas e saídas de fluido da rede. Os nós são numerados de 1 até NNOS, e cada nó j é representado por um
conjunto de arcos (tubos) Ij a ele conectados, uma cota Zj e pela pressão do fluido Pj. E ainda,
se o nó for uma entrada ou saída, ele também será representado por uma vazão externa Fj.
Os arcos são ligações entre os nós e são formados por um tubo de diâmetro interno constante com as respectivas singularidades. Os tubos são numerados de 1 até NTUB, e cada
tubo i é representado pelo par de nós terminais (ji, ki), diâmetro interno Di, comprimento do
trecho reto Li, comprimento equivalente das singularidades Leqi e vazão de fluido Qi.
Serão aplicados o balanço de massa em cada nó e o balanço de energia mecânica (equação de Bernoulli) em cada arco. Ainda serão usadas especificações de pressões em alguns nós PJ, e de vazões externas FJ, conforme será discutido a seguir.
Como o sentido da vazão nos tubos é desconhecido, será adotado o sentido positivo de vazão no tubo como aquele que leva o fluido do nó de menor índice para o de maior índice. Quanto às vazões externas, seu sentido é dado como positivo se o fluido estiver entrando na rede.
As equações de balanço de massa são definidas para cada nó j e envolvem a somatória de vazões Qi dos tubos a ele conectados (definida pelo conjunto Ij) e eventuais vazões externas
Fj, dadas por: Qi F j N i I j j NOS ∈
∑
+ =0 =1,... (1)É importante observar que, para os nós internos, o termo Fj não aparece em (1).
A equação de Bernoulli de balanço de energia mecânica aplicada ao escoamento de um fluido incompressível, num tubo de diâmetro constante, é dada por:
ρ. .g ∆z+∆P+ .ρlwf = 0 (2)
Para simplificar a representação, define-se como pressão total PTj em um nó j como sendo
a soma da pressão estática do fluido Pj com o termo ρ. g . Zj .
P = P +jT j ρ .g .Zj j = 1,...NNOS (3) Portanto a equação de Bernoulli para um trecho reto i que liga os nós ji e ki é dada por:
P - PjiT kiT + .ρlwf = i 0 i=1...NTUB (4) O termo lwfi para um tubo i genérico é dado por :
lwf =i 32 f .L .Q Q2 i i T i i π . ,... Di5 i=1 NTUB (5)
onde LTi é a soma do comprimento do trecho reto Li com o comprimento equivalente Leqi de
suas singularidades. Substituindo (5) na equação (4), tem-se:
P P L Q D Q i ,...N ji T ki T Ti i i i TUB - +ρ fi = = π 32 0 2 5 . . 1 (6)
É importante notar que a representação da vazão Qi na equação (6) permite
compatibilizar o sentido do escoamento com a variação das pressões nos nós (Bending e Hutchison, 1973). O fator de atrito de Fanning fi é função da vazão (variável) e da rugosidade,
densidade, viscosidade e diâmetro (parâmetros). Este fator pode ser calculado pela equação de correlação de Churchill (1977):
(
)
f A B i i i i = + + 2 8 1 12 3 2 1 12 Re (7a)onde os termos da correlação são dados por:
( )
Ai = − i + i Di 2 457 7 0 9 0 27 16 , .ln Re , , ε Bi i = 37 560. 16 Re (7b)E o número de Reynolds Rei, para um tubo circular, é definido por:
Re . . . . . . i i i i i D vb Q D =ρ = µ ρ π µ 4 (7c)
Tabela 1: Variáveis e equações envolvidas no problema.
Variáveis Número total Equações Número total
Fj NF Balanço de massa (1) NNOS
Pj
Qi
NNOS
NTUB
Bernoulli (6) NTUB
fi NTUB Correlação (7) NTUB
NVAR = NF + NNOS + 2 NTUB NEQ = NNOS + 2 NTUB
A Tabela 1 mostra as variáveis e as equações do sistema. Há portanto NVAR - NEQ = NF
especificações a serem definidas. Assim, para que o sistema seja determinado, é necessário que o número de especificações seja igual ao número de entradas e saídas do sistema (vazões externas Fj). Além disso, é importante verificar que, como a equação de Bernoulli (6) envolve
variações de pressões, pelo menos um valor de pressão deve ser conhecido, para a obtenção dos demais. Se nenhum dado de pressão for disponível, deve ser atribuído um valor de
referência a um dos nós, de modo que se possa calcular as variações de pressões. Neste caso, evidentemente, não serão obtidas as pressões absolutas nos nós.
As equações de balanço de massa (1) são lineares, envolvendo somatórias de vazões internas e externas. As equações (6) e (7) são não-lineares. O método adotado para a solução do sistema de equações não lineares é o quasi-linear. Este procedimento iterativo envolve a linearização do sistema a cada iteração (k) e posterior solução de um sistema linear. O balanço de energia mecânica (equação (6)) é linearizado na iteração (k) da seguinte forma:
PT ji( )k -PTki( )k +βi(k−1)Qi( )k =0 i=1,...NTUB (8) onde βi(k-1) é determinado a partir das vazões na iteração (k-1):
β π ρ i k i i k Ti i k i TUB f (Q ) . L . Q D i N ( ) ( ) ( ) ,... −1 − − = 1 1 5 = 322 . . 1 (9)
A cada iteração, o sistema linearizado, composto pelas equações (1) e (8) e pelas especificações, será resolvido pelo método da eliminação de Gauss com condensação pivotal, obtendo-se Qic, Pj(k) e Fj(k).
É importante notar que o procedimento proposto reduz a dimensão do sistema de equações a ser resolvido, principalmente quando o número de tubos que compõem a rede é elevado, pois o fator de Fanning f (Qi i(k−1)) é determinado pela equação (7), à parte do sistema linearizado.
Os valores iniciais de vazão são estimados pela equação de diâmetro econômico, dada em unidades em S.I. (Sinnott, 1996):
Qi( )0 =10 137, .Di1 89, .ρ−0 302, i=1,...NTUB (10) Adota-se, no algoritmo, um fator α de amortecimento das variações de vazão, em iterações subseqüentes. Portanto ao fim da iteração (k), onde se determinou Qic, calcula-se:
( ) ( )
(
( ))
Qi k = Qi k-1 + Qα ic−Qi k-1 i=1,...NTUB (11) Ao final de cada iteração, todas as vazões são comparadas com os valores da iteração anterior para verificar a convergência, através de uma tolerância relativa dada. O algoritmo de solução da rede de tubos é dado por:
1) Ler os dados de entrada:
NNOS, Zj, NTUB, ji, ki, Li, Leqi, Di, NF, nós externos, Fj, ρ, µ, ε, pressões e vazões especificadas nos nós;
2) Ler fator de amortecimento α e erro relativo Tol para as vazões; 3) Calcular os comprimentos totais LTi e pressões totais PTj;
4) k = 0. Gerar a estimativa inicial de vazões Qi(0) pela equação (10);
5) Fazer k ← +k 1 . Montar a matriz linear de equações e o vetor de constantes;
6) Resolver o sistema por eliminação de Gauss com condensação pivotal, obtendo Pj, Qci, Fj
7) Se Qic - Qi( )k-1 Qi( )k-1 Tol≤ i=1,...NTUB então {PARE} Senão {calcular Qi(k) pela equação (11) e voltar para 5}.
4. EXEMPLOS DE SIMULAÇÃO
O modelo e o algoritmo de solução foram implementados em linguagem C. O modelo foi utilizado para simular a instalação experimental completa, cuja representação esquemática é mostrada na Figura 2. O sistema consta de 17 nós, 19 arcos, 4 vazões externas e três circuitos. O fluido adotado é água a 20oC e o material de construção é PVC (rugosidade adotada ε = 0.002 mm). As dimensões da rede são as mesmas da Figura 1. As especificações são a vazão na entrada da rede F1 (ver Tabela 2) e as pressões nos nós externos 10, 11 e 12, iguais a 1 atm.
Figura 2: Esquema da rede de tubos para a configuração simulada.
Como exemplo, dois casos com diferentes vazões F1 são ilustrados; os resultados para os
nós externos são mostrados na Tabela 2. Pode-se observar que uma menor pressão na entrada da rede (Caso II) é insuficiente para superar a perda de carga no sistema (F10 positivo). Este
comportamento não ocorre no Caso I.
Tabela 2: Resultados dos exemplos simulados.
Caso F1 (m3/h) F10 (m3/h) F11 (m3/h) F12 (m3/h) P1 (atm)
I + 3,000 - 0,786 - 1,046 - 1,168 1,184
II + 1,000 + 0,116 - 0,018 - 1,097 1,108
5. CONCLUSÕES
A experiência proposta, sobre escoamento em redes de tubos e associação de bombas, serve como um importante suporte didático em Mecânica dos Fluidos. Os resultados experimentais podem ser comparados com os calculados a partir do modelo matemático desenvolvido. O método de solução proposto baseia-se na técnica de quasi-linearização, reduzindo a dimensão do sistema de equações não-lineares, o que é sobremodo conveniente para redes extensas e complexas.
6. NOTAÇÃO
Índices
i índice de nós
j índice de tubos
ji , ki índice do nó j , k terminal do arco i
Parâmetros
Di diâmetro interno do tubo i
g aceleração da gravidade
Ij conjunto de tubos conectados ao nó j
LTi comprimento total do tubo i
Leqi comprimento equivalente das singularidades do tubo i
NEQ número de equações
NF número de vazões externas
NNOS número de nós
NTUB número de tubos
NVAR número de variáveis
Zj cota do nó j ρ densidade do fluido µ viscosidade do fluido
ε rugosidade do material de construção.
fi fator de atrito de Fanning no tubo i
Fj vazão externa no nó j
lwfi perda por atrito no tubo i
Pj pressão no nó j
PTj pressão total no nó j
Qi vazão no tubo i
Rei número de Reynolds no tubo i
vbi velocidade média no tubo i
α fator de amortecimento
βi coeficiente de linearização da equação (8)
AGRADECIMENTOS - Os autores agradecem o apoio financeiro da Fapesp (processo 96/12295-8) e do Padct-Capes (Projeto 1310/95-QEQ, 1995).
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