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A Sonoridade e a Visualidade como elementos constituintes da poética de Arnaldo Antunes 1

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Academic year: 2021

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A Sonoridade e a Visualidade como elementos constituintes da poética de Arnaldo Antunes1

Bárbara Mourão ARANHA (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG) 2 Resumo

O presente projeto buscou estudar o texto poético-musical de Arnaldo Antunes, através da análise do jogo sonoridade/visualidade, e sondar seus efeitos estéticos e de sentido, analisando poemas constituídos por elementos sonoros e visuais e pesquisando como se dá a composição dos poemas do autor sob tais aspectos. Visou mostrar o quanto eles podem enriquecer um poema, demonstrando que podem ser considerados ferramentas de apoio em seu ato composicional. O projeto voltou-se para o estudo acerca da linguagem pseudo-infantil que Arnaldo Antunes utiliza como estratégia para aproximar-se da origem da linguagem e do primitivismo das palavras. Para esse recorte, exploraram-se as composições presentes em dois de seus livros: As Coisas, 1992 e Nome, 1993 em que há muito a respeito da visão de mundo a partir da óptica infantil.

Palavras-chave: Sonoridade, Visualidade, Significante, Significado.

A poesia como uso primário da linguagem

O trabalho ―A Sonoridade e a Visualidade como elementos constituintes da poética de Arnaldo Antunes‖ iniciou-se a partir de uma reflexão do autor, presente em ―Sobre a Origem da Poesia‖, em que ele relata que a origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem, uma vez que a poesia é capaz de restituir laços mais íntimos entre os signos e as coisas que designam, apontando para um uso muito primário da linguagem.

Como corpus de estudo deste trabalho exploraram-se as composições presentes em dois de seus livros: As Coisas, 1992 e Nome, 1993 em que há muito a respeito da visão de mundo a partir da óptica infantil. Além de retratarem exatamente as duas principais instâncias primárias da linguagem: as coisas enquanto objeto material e o nome/a palavra dado(a) a estas coisas. O livro As Coisas foi ilustrado pela filha do autor que, na época de sua publicação, possuía apenas três anos de idade. O livro Nome foi um projeto composto de vídeo, livro e um CD de áudio.

Arnaldo Antunes complementa que a poesia é capaz de restituir, através de um uso muito específico da linguagem, a integridade entre nome e coisa, considerando que:

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―a manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mínimos flashbacks de uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado‖. (ANTUNES, 2000)

Para explorar ―essas duas metades‖ mencionadas acima pelo autor foi necessário um estudo acerca da obra de Ferdinand de Saussure, em que trata da natureza dos signos linguísticos, dos conceitos de significante e significado.

“Essas duas metades”: significante e significado

Em seus estudos, Saussure definiu que o signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica, que seria a representação natural da palavra. Ele considera o signo como a combinação do conceito (significado) e da imagem acústica (significante). Seu livro póstumo, Curso de Lingüística Geral, fruto das anotações de aulas de seus discípulos, apresenta o seguinte exemplo:

Buscando exemplificar tais conceitos na obra de Arnaldo Antunes, retirou-se o capítulo intitulado “Nome Não”, do vídeo produzido juntamente com o livro “Nome”, em que se têm imagens correspondentes ao texto abaixo:

―Os nomes dos bichos não são os bichos. Os bichos são: macaco, gato, peixe, cavalo... [imagem]. Os nomes das cores não são as cores. As cores são: preto, azul, amarelo, verde, vermelho, marrom... [imagem]. O nome dos sons não são os sons. Os sons são... [vários sons]. Só os bichos são bichos, só as cores são cores, só os sons são sons. Nome não, nome não, nome não...‖

Pode-se então verificar que, de acordo com o vídeo, tem-se, por exemplo, a palavra

cavalo como significante e o cavalo, enquanto animal real, como significado. Tem-se a

palavra azul como significante e a cor azul, enquanto cor real que se pode ver, como significado.

A palavra/imagem que designa o conceito

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Significante Significado

Uma faceta interessante

Na composição de seus poemas, Arnaldo Antunes se apropria da linguagem realizando uma verdadeira brincadeira de criança. Joga com os sons, a visualidade e o sentido, para realizar uma retomada do olhar desautomatizado diante das coisas do mundo. Assim afirma André Dick, em sua resenha intitulada “O olhar primitivo de Arnaldo Antunes”:

“(...) sua [de Arnaldo Antunes] faceta talvez mais interessante: a do poeta que lida com a palavra que se sustenta no papel e se utiliza de imagens desintegradas, de lugares-comuns, de uma linguagem pseudo-infantil, sob um olhar desautomatizado, que nos leva a um certo primitivismo (...)” (DICK, 2008).

Tal faceta é, claramente, percebida no poema abaixo, extraído do livro As Coisas, pois nele o poeta aborda ―reflexões‖ simples sobre ―as coisas‖ do mundo, ―de lugares-comuns‖. Seria, talvez, o modo como uma criança interagiria com a linguagem para se expressar sobre ―as coisas‖ que, de certa forma, ainda não consegue ―explicar‖.

As pedras são muito mais lentas do que os animais. As plantas exalam mais cheiro quando a chuva cai. As andorinhas gostam de milho e de migalhas de pão. As chuvas vêm da água que o sol evapora. Os homens quando vêm do longe trazem as malas. Os peixes quando nadam juntos formam um cardume. As larvas viram borboletas dentro dos casulos. Os dedos dos pés evitam que se caia. Os sábios ficam em silêncio quando os outros falam. As máquinas de fazer nada não estão quebradas. Os rabos dos macacos servem como barcos. Os rabos dos cachorros servem como risos. As vacas comem duas vezes a mesma comida. As páginas foram escritas para serem lidas. As árvores podem viver mais tempo que as pessoas. Os elefantes e golfinhos têm boa memória. Palavras podem ser usadas de muitas maneiras. Os fósforos só podem ser usados uma vez. Os vidros quando estão bem limpos quase não se vê.

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curvas pra subir a serra. Crianças gostam de fazer perguntas sobre tudo. Nem todas as respostas cabem num adulto. (As Coisas. p.85)

O poema é composto de períodos curtos, o que representa a simplicidade e certa ―imaturidade‖ relativa à capacidade de articulação diante das palavras e também das coisas, uma vez que as frases, necessariamente, não possuem continuidade entre si.

Vale ressaltar o necessariamente, pois em alguns momentos do poema nota-se que as frases são articuladas com perfeita exatidão de continuidade. Seja pela jogo sonoro que produzem ou pelo sentido que revelam. Como em, ―Palavras podem ser usadas de muitas

maneiras. Os fósforos só podem ser usados uma vez.”. Aqui aparece a forte relação entre a

natureza dos signos linguísticos, a relação do significante o do significado. Tem-se que os fósforos enquanto objetos, enquanto coisa material, só podem ser usados uma única vez, mas, em contra partida, as palavras fósforos, enquanto representações do objeto, podem ser usadas de muitas maneiras. Outro bom exemplo é ―Os dentes quando a gente escova ficam brancos.

Cabelos quando ficam velhos ficam brancos.”, em que a relação entre cor e idade ultrapassa o

sentido da realidade, mas mostrando-se como algo possível de se associar. Afinal, se cabelos quando ficam velhos ficam brancos, os dentes por sua vez, após serem escovados, também ficam brancos e, portanto, velhos. Ou mesmo, se os cabelos só ficam velhos porque são escovados.

O poema representa uma mescla entre pensamentos infantis e reflexões adultas, já que ―As pedras são muito mais lentas do que os animais.”, pode vir a ser um pensamento infantil, mas ―Os sábios ficam em silêncio quando os outros falam.”, é algo tipicamente adulto.

Pode-se notar que o poema é essencialmente sonoro. O poeta trabalha com certa ―linearidade‖ por parte dos verbos, mantendo, em geral, verbos com terminações advindas de

am e em, conjugados na terceira pessoa do plural (como: nadam, formam, viram, ficam,

falam, comem, podem, comem, servem, etc.). Há, também, o jogo com a combinação sonora de algumas palavras, como por exemplo nos trechos: “As pedras são muito mais lentas do

que os animais. As plantas exalam mais cheiro quando a chuva cai.” ou, ―As andorinhas

gostam de milho e de migalhas de pão.” ou, “As máquinas de fazer nada não estão quebradas.” ou ―As vacas comem duas vezes a mesma comida. As páginas foram escritas

para serem lidas.”.

A visualidade neste poema se dá por permitir que o conteúdo de que trata seja, facilmente, pensado imageticamente.

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Considerações Finais

No corpus trabalhado, Arnaldo Antunes brinca com a linguagem, jogando com a natureza dos signos linguísticos para construir seus poemas. Utiliza amplamente aspectos sonoros e visuais para atingir seu objetivo final de trabalhar a forma do poema. Afinal, o que realmente importanta na poesia não é o seu tema ou seu conteúdo, mas sim a forma minuciosa de explicitá-los.

Referências bibliográficas

ANTUNES, Arnaldo. Sobre a origem da poesia. In: 12 poemas para dançarmos. São Paulo, 2000. ANTUNES, Arnaldo. As Coisas. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2000.

ANTUNES, Arnaldo. Nome. BMG: Rio de Janeiro, 1993.

ANTUNES, Arnaldo. Como é que chama o nome disso: antologia. São Paulo: Publifolha,2006. DICK, André. O olhar primitivo de Arnaldo Antunes. In http://www .cronopios.com.br/ site/resenhas.asp?id=2995 – acesso em 31/01/2008.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. Organizado por BALLY, Charles e SECHEHAYE, Albert. Ed. Cultrix. SP, 1974. 6ª edição.

Referências

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