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PIERRE
GRIMAL
AS
CIDADES
ROMANAS
Io:
Título original: Les.villes romaines*0
If)© Presses Universitaires de France
Tradução: António LopesRodrigues
Revisão da tradução: Ruy Oliveira
CapadeEdições 70 Depósito Legal n.? 192275/03
ISBN9.72-44-1183-4
Todososdireitosreservadospara línguaportuguesa porEdições 70-Lisboa-Portugal
EDIÇÕES 70.LDA.
RuaLuciano Cordeiro, 123
-
2“Esq.”-1069-157LISBOA/Portugal Telef.: 213 190.240 •Fax: 213 190249'. E-mail: edi.70@mail.telepac.pt
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Estaobraestáprotegidapela lei Não pode serreproduzida notodoou em parte,qualquerque sejaomodo utilizado,
incluindo fotocópiaexerocópia, sem prévia autorizaçãodoEditor.
' ' : I
índice
:I
Introdução 9 CapítuloIPrincípios geraisdourbanismoromano
CapítuloII
Odesenvolvimento urbanode Roma
...
17
37 Capítulo III
Osmonumentosurbanostípicos
Capítulo IV
Algumasgrandescidades
51
97
!
Introdução
I
!
ForamosRomanos que,nasprovíncias ocidentais doseu
Império, fundaramasprimeiras cidades.Se, noOriente, por alturasdaconquistaromana,existiam desde há muito cidades florescentes ou célebres, o mesmo não aconteciana Gália,
na Grã-Bretanha, nas margens do Reno, em Espanha [em
Portugal] enamaiorpartedaÁfrica.Não há dúvidadeque
aspopulações celtasouibéricasdispunham,narealidade,de
povoações (cujos vestígios foram encontrados e estudados
nanossaépoca),delocaisderefúgio geralmente instalados
emsítioelevadoseprotegidos por muralhas frequentemente construídasempedrasossa.No interiordorecinto,comose
podever emAlésia(Les Laumes),haviacabanasagrupadas
embairros rodeados deamplosespaçoslivres ondesereali¬
zavamosmercadosetalveztambémasassembleias políticas;
masestesconjuntos,nosquaisaimplantaçãodashabitações parecefrequentementenãoterobedecidoaqualquerordena¬ mento prévio, não constituíam ainda cidades dignas deste
nome. Aocupação romanaintroduziueimpôsnovosmodelos
quedeterminariam durante séculos o habitat humano.
Estaevolução torna-seperceptível,porexemplo, através
das descobrtas queacompanharamaexploraçãodoplanalto
de Ensérune,ameio-caminho entreNarbonaeMontpellier.
Aí,acima daplaníciebemcultivada,localizava-seumacidade
influên-V * * « •( •“ .• V * 9 t ' » \ • • *• *- •* « • •
INTRODUÇÃO
ASÇiPAPESROMANAS
1
cia
longínqua
dos
modeloshelénicos
importadospelosciantes dascolóniasgregasinstaladasnacostamediterrânica,
entreMarselhaeAmpurias,e cuja acção sefazsentirtambém
noutrossítioscomo, por exemplo, emGlanum(Saint-Rémy). No entanto, quandoNarbona(NarboMartius) foi fundada pelosRomanos,emfinaisdoséculo
dois
antesda nossa era,aantiga cidadefortificadafoi
abandonada
emfavorda nova cidade.Épossívelqueesteabandonotenha sidoimpostopelosconquistadores, pouco interessados emdeixar permanecer
imediaçõesda estrada que garantia assuascomunicações
:umaEspanhairrequieta,
a.
ameaçadeumacidadesobran¬ceiranas mãosde populações
insuficientemente
pacificadas.Mas tambémécerto que oatractivo exercidopor Narbona
teveasuainfluêncianestaevolução.Acidaderomana trazia
nãosóumnovo habitat,mastambémconcepçõesdestinadas
a revolucionaromodo de vida tradicionale a organização políticae socialde todaaregião.
Se, de facto, opoder militar dos povos subjugados por
Romafoiquebrantadopelaslegiões,foiacidaderomana que
-
pelo menosnas províncias ocidentais-
assegurou a «ro-manização» do território conquistado. OsRomanos
não sedeixaram induzir
em erro e serviram-se do seu urbanismocomo deum poderoso
instrumento
político. Tácito pôs naboca do rebelde bretão Calgacus uma violenta invectiva
contraavida urbana quetransformavaprqfundamenteaalma
dosseuscompatriotasepoucoapoucoosacostumavaàescra¬
vidão. Mas todo este domínio não se deveu unicamente à
sedução do luxo, dosbanhos, deuma
alimentação
melhor,do ócioà sombra dos vencedores. Além de
rísticaurbana namedidaemqueosseushabitantesconseguem criar nela os instrumentos deumavidacolectiva:santuários,
locais de reunião, edifícios oficiais de qualquer natureza, chafarizespúblicosonde cadaqualvem tiraraáguanecessária paraavidaepara o cultofamiliar.Porfim, oprópriosoloda
cidadeestáconsagradoaosdeuseseconstituiumlocalsacro,
insubstituível
eimutável.Neste aspecto, as cidades romanas
-
e, muito particu¬larmente, as que foramfundadas especificamente por cida¬
dãosromanos separadosda metrópoleeàsquaissedáo nome de colónias
-
sãouma imagemdeRoma. Reproduzemtãofielmente quanto possível as instituições, os monumentos,
oscultosda cidade-mãe, aUrbs,aCidade porexcelência,e
encontramosem todaaparte,nos locais maisremotos das
províncias
mais longínquas, ascaracterísticas
essenciais dacapital.
Romaencontra-senointeriordeuma fronteirasagrada
-aoqual se dá onome de pomerium
-
e o seu territórioestáprotegidopordivindades eritos quelhe são
característicos.
Mesmonotempoemqueocrescimento contínuodapopula¬
ção já havia feitoaprópria povoaçãoultrapassaremmuitoo
pomerium original, a Cidade não tinha o mesmo estatuto
religiosoe
administrativo
doterritório envolvente. Mantinhauma
primazia
incontestadae era dela que emanava toda aautoridade
legal.Assim,por exemplo,todos os anos os côn¬sules, aotomaremposse, deviamsubiraoCapitólioonde pres¬
tavamjuramentoperanteJúpiter,o deus soberano daCidade.
Senãocumprissemestacerimónianãoficavamformalmente
investidos
da sua autoridade; e esta autoridade não era aandoexercidadentro ou fora dacidade.Absoluto,
princípio,foradorecintourbano,opoder consular encon¬ tra-se limitado por regras
constitucionais
muitoprecisasno interiordele. Noregressoda suacampanha,umgeneralvito¬ rioso estáproibidodepassaros limites dopomeriumduranteotempoquepretendercontinuara ser imperator, ou enquanto
aguarda,por exemplo,queoSenadoconsintaem ogalardoar as
honras do
triunfo.
Se,
mesmo inadvertidamente,colo-
comer-nas
com
representar um
determinado
número de comodidades materiais, a cidaderomanaerasobretudoosímboloomnipresentede umsistema
religioso, socialepolítico queformavaaverdadeiraestrutura
daromanidade.
qu
mesma
em
Efectivamente,
para umromano-
como, aliás, para umgrego - qualquer aglomeração humana não éuma cidade. Estanão seformapelapuraesimples junçãodehabitações
w
INTRODUÇÃO
ASCIDADES ROMANAS
da
cidade
exercem sobre osdo campoumaprimazia
comparávelàquetêmoscidadãos romanossobreoshabitantes
das
províncias.
E éaesteparalelismo
rigorosoentreRomae ascidadesprovinciais
abase de toda ahistóriadascidades romanas.O urbanismonão é,então,umaarteabstractapura¬mentetécnica.Oseuobjectivoédarumcorpo
material
aestarealidade essencialmenteabstractaeespiritual queé acidade.
1
tantes
casse umpénointerior dopomerium perderiaa suadignidade
ejánãopodiaaspiraràentrada triunfal.
Estespreceitoseoutrossemelhantesprovamqueaprópria
noção decidade édeíndoleessencialmente religiosaeespi¬
ritual. As considerações materiais, autárquicas, estratégicas
eeconómicas sóvêmdepois.Aindaantesdeserumlocalde
refúgiooude prazer,acidade romana é umcentrosagradoe umcentrojurídico,oque é bastantesemelhante. Aimplantação
decolóniasnasprovínciasconquistadastemcomoobjectivo
ecomoefeitoacriaçãode «pontosestáveis»nointerior dos territórios anexados. Desconfia-se dos “pagãos”,dos aldeões,
dos agricultores, de todos aqueles queestãodispersoseque
não vivemnempensam segundo ascategoriasromanas.
Nem todasascidadesespalhadaspeloImpérioeramcoló¬ nias, ouseja,nemtodas foram originalmente povoadas por
cidadãos romanos.Muitasdelas, sobretudonoOriente ena
própriaItália,jáexistiamantesdaconquista,eRoma
tinha--selimitadoaimpôra suaautoridade à organização política anterior. Cadaumadascidades assim sujeitasaodomíniode Romaestavamobrigadas moralmente porumtratado quelhe
conferiaumestatutoparticular. Frequentemente as cidades conquistadas mantinhamumaautonomia bastante grandeem
relação a todos os assuntos locais e continuavam a dispor
dassuasassembleiaspolíticastradicionais. Omesmosucedia
com ascidadesindígenasque,no Ocidente, eramcriadas após
aconquista,mesmo sem ocontributo de cidadãos romanos.
Todavia, bem depressa essas cidades tenderam aadoptar o
modelodas colóniase aimitar as suasinstituições.Rapida¬
mentedeixou dehaver noImpério cidades quenãodispusessem
do seuSenado(aoqualsechamava ordem dos Decuriões), o
seucorpo eleitoralpopular, os seus magistrados agrupados
emcolégiosequecorrespondiamaos cônsules, aos censores
eaosedis de Roma.Assim,asprovíncias passaram pouco a
poucoaestarcompostasporummosaico de cidadesquecons¬
tituíamas suascélulas políticas. Cadacidadetemcomonúcleo
umaaglomeração queé ocentroadministrativoeàvoltadela umterritóriobastantevastoquelheestásubmetido.Os
habi-7
i
1
Desde quehámaisde um
século
seconstituiu
e afirmou umaarqueologia
científica, onossoconhecimento
dascidades
romanas
desenvolveu-se
e clarificou-se paraalém de todasas
expectativas.
Nãosepassaumano semquenovasdesco¬bertasvenhamacrescentaralgunstraçosao
quadro:
vestígiosdesenterrados
pelas escavações ou ummonumento liberto das construçõesparasitas
queoescondiam
oudesfiguravammostram-nos pouco apouco a
verdadeira
face dascidades
antigas. Apercebemo-nosentão de que, por todo olado,se
encontramedifícios que senão são sempre
semelhantes
nasuaforma,sãopelo menosanálogospelasua intençãoepela
sua função.Nocentro,o
fo
rum,praçapública,
comos seusanexos: oCapitólio, templodareligiãooficial, acurie
onde
serealizamas
assembleias
dosDecuriões, e a basilique,sededavidajudicial. Depois,umteatroou umanfiteatro(porvezes
ambos)paraos
espectãculos
eparaos jogos;santuários
dedi¬ cadosadiversasdivindades;astermas,vastosestabelecimen¬
tosdebanhosquedesempenham, comoveremos,umgrande
papelnavidasocial;osaquedutos,asfontesetodas asinsta¬
lações sanitárias
indispensáveis
aumagrupamentohumano relativamente vasto; finalmente, construções deprestígio,
arcos do triunfo, colunas votivas e estátuas ondeoespírito
cívicoencontrava asua expressão,indicadoresda ambiçãoe
da emulação comuns..
Frequentementea cidade,fundadaemperíodode conquis¬
ta,no meio de uma
província ainda
turbulenta,está
rodeada
13
!
INTRODUÇÃO
AS
CIDADES
ROMANASnão serompeu a continuidade entre apovoação antiga e a
que nos édado conhecer.Acontece ainda frequentementeque
oplano moderno deixaentreverasformasgeraisdo urbanis¬
moromano.Deste modo, cidadescomoParis,Lião,Bordéus,
Tolosa,Turim,Florença, Veronaemuitasoutrasdevem asua
orientação geraleo desenhodecertosquarteirõesaoantigo núcleoromano. Istodeveserpara nósuma razãosuplementar para procurar discernirno terreno,por comparaçãocom os
locaisantigos mais conhecidos,estapré-históriadas cidades
modernas queseencontradissimuladasob as casas e ospavi¬
mentosdasnossas ruas.Seja qual foronossopontode vista,
verifica-sequea«cidaderomana»presidiunaorigemaeste
fenómeno quesecontaentreosmais importantesdahistória
ocidental:aformaçãodefortespovoamentosurbanos.Istoé
particularmente verdade nas províncias de língua latina, a oeste do Adriáticoe dogolfo Cirenaico, onde o urbanismo romano não teve que se sobrepor ao urbanismo grego ou
oriental. Èpor isso que limitaremos o nosso estudo a este
territóriono interior doqual subsistem aindaalgures vastas
obscuras segundo o
grau
de desenvolvimento daspesquisasarqueológicas. EmAfrica, porexemplo,émaisfácil explorar as cidades antigas pois ninguém vemperturbar as
escavaçõesnumpaísonde atradição urbananãosemanteve
com amesma continuidadeque severificounaEuropa. Os
segredosdeLutécia,pelocontrário,continuamprofundamente
enterrados por baixo das diversas Paris que se sucederam através dos tempos.
Masoque desde já podemosperceber dascidades roma¬
nas,sejaqual forosítio ondeseencontrem,ésuficiente para
mostrarocunhopoderosodeixado por Romanosterritórios
queconstituíramo seuImpérioeaactualidadesempre activa da «romanidade».
demuralhas.E
mesmo
quando,maistarde,estasdefesas,tra¬tadascompouco cuidado, foramsubmetidasatodaaespécie
de vandalismospor partedos constructores privados chega sempreummomentoemqueénecessário restaurá-las: quando
a pazromanaseviuameaçadae asinvasões bárbaras
reintro-duziramainsegurançanoImpério.
São estes os elementos da vida urbana. Há apenas um
pequeno númeroe a sua repetição em todas ascidades não
deixamde originar alguma monotonia.Noentanto,nãoima¬ ginemos ascidades romanastodas semelhantesentre si. As
cidades naprovíncia da Áfricanão apresentavam
aspectodascidadesnaGrãÿ-Bretanha.
Algumas
variações lo¬caisintervinhameintroduziamalgumadiversidade.
Criaram--seestilosarquitectónicosmistoscom astradições indígenas
amodificarosmodelos clássicos importadospelosconstru¬ tores romanos. Isto toma-se evidente, principalmente, nos
edifíciosreligiosos.Verificá-mo-lotambémnas casasde habi¬ taçãomenossubmissasàs regrasoficiaisdoque osedifícios públicos. Masnãodemoramuitoaté que aprópriacidade se
aproxime de uma norma quase imutável à medida que se
adaptaaosprotótiposda capital.
Àscidadesromanas conheceramo seuapogeunosséculos
IeIIda nossa era.Foientão que sedesenvolverameatingiram
umamagnificência queé,paranós,dificilmenteconcebível.
Masestesséculos felizes foram seguidos de períodosde ins¬
tabilidadeede guerras que obrigaramascidades a
concentra-rem-seeaeliminaroselementosmaisvulneráveis. NaGália,
porexemplo,noúltimoterçodo século IIIvêmo-lasa
encer-rarem-senointerior de muralhas construídas apressadamente eapoiadas nos grandes monumentosexistentes. Anfiteatros
deparedesmaciças,túmulos,terraçosdos templos fornecem
sem grande custo elementos de defesa. Materiais impro¬
visados são retirados dos edifícios deixados fora do novo
recintoevotadosàdestruição.Formasseassim,nosprincípios
daIdade Médiae nomeiodomedoeda confusão, uma nova
cidadesobre umaparterestrita dacidade romana. Ainda mais
tarde, acidade medieval originaráacidade moderna.Assim,
o mesmo
Primeiro Capítulo
PRINCÍPIOS GERAIS DO URBANISMO ROMANO
Forçados, pelas exigências das suasconquistas,adesen¬ volver cidades já existentes ou a fundar outras novas, os
Romanos viram-se obrigadosaelaborarumaverdadeira dou¬
trina do urbanismo fornecendo apriori soluções uniformes
paratodos osproblemaspráticos..Talmostrou-se tantomais
necessárioquantofrequentementeasprimeiras pessoas envia¬
das como colonos eramantigossoldados, eles mesmospouco
capazesdeinventar,masdisciplinadosepersistentes. A
mão--de-obra indígenaeraabundantemasdesprovidadeformação profissional.Istofezcomqueseadoptassem técnicas simples
comoo empregomaciçodo cimento,mais rápidoemais fácil
do que aconstrução empedra de cantaria queerareservava
sobretudo para os acabamentosexteriores!Mas,mesmoantes
de construir os monumentos, é preciso planear a cidade, prever oseuordenamento geral, articularos seusdiferentes quarteirões, pôrnolugarpróprio os seus orgãos essenciais. Será que os fundadores, tal como o fazem os urbanistas modernos,estudavam sempre,minuciosamente, ascondições geográficas, demográficas,económicas,e seinspiravamno
clima, nalocalização,nas características geraisdo localou
daregião?Tantas precauções eramgeralmenteimpossíveis.
Eraprecisoandardepressae,uma vezdeterminadaalocali¬
zação da cidade futura, começara construção sem demora.
-Assim, os fundadores romanoscontentavam-se em aplicar umplanosimples,sempreomesmo,eque tinhaoméritode serfacilmente compreensível.
1
AS
CIDADES
ROMANAS PRINCÍPIOSGERAIS DO URBANISMO ROMANOUma cidade «normal», para os
Romanos, inscrevia-se
numquadrado ou num rectângulo atravessado por duas vias
perpendiculares traçadas segundo osmedianos.Destes dois
eixos,um está orientado denortepara sul. Temo nome de
Cardo (o que quer dizer polo ou gonzô pois segue a linha
ideal em volta da qual parece rodar a abóboda celeste). O
eixoeste-oesteéodecumanus,termode significado obscuro,
provavelmenterelacionadocom o número dez(*), sem que
possamosdiscernir claramentequalarazão.Aquando da fun¬ dação,ofundador,que eraummagistrado oficialmenteencar¬
regadodesta missão(ou,frequentemente,naprática, um agri¬
mensorseuadjunto)determinava,emprimeiro lugar,alocali¬
zação adaraocentrodafuturacidade. Nesseponto,ondese
cruzarão o decumanus e o cardo, ele implanta a groma,
instrumento
deagrimensor destinadoadeterminar, por mira,o traçadodo decumanus. Paraisso, começa por determinar exactidão onascerdo Soloque dáoOriente verdadeiro
nadata dafundação. Éfácil,em seguida,traçarocardo tirando
aperpendicular apartir do centro.Medem-se sobre os dois
eixos assim obtidosdistânciasiguaisapartir dasua
intersec-çãosegundoasuperfície que se pretende queacolónia tenha
e aíserão abertas asportas principais.Q traçado dorecinto
limitar-se-áamaterializaroquadrado de queocardoe ode¬
cumanus são osmedianos.Acidadeterá,assim,quatroportas,
em cada umdos pontos cardeais.Em seguida bastará
traçar asvias secundáriasemquadrícula.Obter-se-ão, desta
forma,osdecumanie oscardines secundáriosque são
respec-tivamente paralelos aos dois eixos principais. Os espaços assimdelimitados(as«casas»daquadrícula) serãodivididos
entreoshabitantes segundo
a
suacategoriae asuafunção.Tal procedimento é, evidentemente, muito artificial só
sendo aplicável num terreno desocupado e sem acidentes muitomarcantes.Era aqueleaque recorriam, todasastardes,
osoficiaisencarregadosdeestabeleceroacampamentoonde
se acantonavamas tropas em campanha. Sobestepontode
vista,acolónia pode aparecercomo o merodesenvolvimento
do sistema do acampamento onde a disciplina militar tinha
formado os veteranos.As vantagenssãoevidentes: oslotes
atribuídosacadaum sãocomparáveisoque satisfazoespírito deigualdadeque impeleoscidadãosromanos. Além disso,
umapovoação deste género é fácil de defender dada a sua
forma regular constituindomesmo otipo própriodascolónias
militares estabelecidasemregiõesmalpacificadassendo por isso queencontramosos seus exemplos mais característicos
emÁfrica, nomeadamenteemTimgad (fig.1).Ali estendem--se vastas planícies nas cercanias dos montes Aures. Não havia anteriormente qualquer aldeia indígena nestaregião
de nómadas sendo a fundação da cidade romana a única milhasemilhasem redor.Osprincípios puderamseraplicados
com todoorigor. Timgadnão é,pelomenos na suaorigem, mais do queum vastocampo de cimentoepedra implantado definitivamentenumdospostos avançados do Império.
Erraríamos, noentanto,seacreditássemos queoplanoem
quadrículae origor geométrico das fundaçõesdestetipo se
explicaminteiramente peloespíritomilitar dos Romanos. A
realidade émuitomais complexa.Há, na fundação deuma
cidade,umelementoqueadisciplina militarnão saberiater emconta:nenhuma consideração práticajustificariaaorien¬
tação do decumanus. Esta só pode resultarde umaintenção
religiosaeébem verdade que a fundação de uma cidade é
umactosagrado. Osautores antigos descreveram-nos abun¬
dantemente oritualqueacompanhavaeste acto.Dizem-nos
como o próprio fundador, envergando uma toga ornada à
moda antiga, começa por seservir dosauspícios afim de se
assegurar, através de sinais visíveis, que os deuses não se
opõem àimplantaçãode umacidade nolocalescolhido. A
seguir,agarraosrabelos deumacharrua comarelhaembron¬
zepuxadapor uma bezerra e um tourobrancos e abre uma
valaatodaavolta dafutura cidadenolocalonde devemser
erigidas as muralhas. Toma muito cuidado por fazer que a
terra
remexida
pela relha
caia
para o
interior do
recinto
e,com
uma
;
(*)Linha que vai deorienteparaocidente(falandodo trajectoaparentedo
PRINCÍPIOS GERAIS DO URBANISMOROMANO ASCIDADES ROMANAS
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0 50 100 1>>Fig. 1
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Planta de TimgadSegundo Ch. Courtois, Timgad(AntiqueThamugadi), Argel, s.d.
(1951)
Este, 10.Termas deNordeste, 11. Arcodito de Trajano, 12. Pequenas Termas doCentro, 13.Bairro Industrial,14. Grandes Termas doSul,15.
Pequenas Termas do Sul,16.Capitólio, 17. Termas doMercadode Sércio,
18.Mercado deSércio,19. Grandes Termas do Norte
1.Pequenas Termas do Norte, 2. Biblioteca pública, 3. Forum(vd.Fig. 9), 4. Teatro, 5. Templo de Ceres (?), 6.Templo de Mercúrio(?),7.
PRINCÍPIOS GERAIS DO URBANISMO ROMANO ASCIDADESROMANAS
atrás dele, os ajudantes recolhemos torrões queporventura
possamtercaído parao exteriorecolocam-nos ondeoritual
odetermina.Nolocal previstopara aspòrtas ofundadorle¬
vantaarelha para deixarumacessolivre dequalquerconsa¬
gração.
Quando
o fundador regressa aoponto de partida,acidadeestávirtualmente fundada.
O ritualda valateria sido praticado pelo próprio Rómulo emtornodaprimitiva Romaesabe-secomo.porter tentado
ridicularizá-lo,Remo, que tinha saltado deumpuloavalae
taludes emminiatura que a charrua acabara de formar, foi sovado mortalmente peloseuirmão. Oritualexplica-se muito bemporsi próprio. Temcomofinalidadesimbolizarafutura cidade em volta da qual a charrua comrelha de bronze (a
escolhaexclusivadeste metalremontaa umtempo emqueo
ferro aindanãoeracorrentementeutilizado)estabelece uma
linhadeprotecçãomágica. Daterrarevolvida pela relhaemer¬
gemasdivindadesinfernais queseapossamda valaeatornam
religiosamente intransponível. Todo aquele que nãotoma a
precaução deentrarnoterritório urbano pelasportas onde o
solo, deixado intacto, constituiuma protecçãoeficaz contra os deuses das profundezas, toma-se por isso mesmo sacer
[maldito]; fica devotado às divindades infernais edeve ser
rapidamente norto pois a mácula que assim contraiu é, de facto,umaameaçaparaacolectividade.SÓporsi,estacrença explicaavelhalendaque, nãosemescândalo,põe oassassínio deumirmãonaspróprias origens daCidade.
Este ritual dadelimitaçãodoterritóriourbanoeracomple¬
tado por doisoutrosrituais,ambos de consagração. Um era
destinado aosdeuses infernais.Numpontocentral da futura cidade era escavada uma fossa circular chamada mundus
(talvezporqueerasupostoreproduzir odesenhodaabóboda celesteque tinhaestenome) eondesedepositavam oferendas
«Aos deBaixo». Três vezespor ano, alaje quecobria esta
fossa era solenemente retirada. Nesses dias,suspendiam-se
todas asactividades oficiaisdacidade poisestando o mundus
abertoe acomunicaçãocomOsespíritos subterrâneos estabe¬
lecida,todo oempreendimento estaria votado aofracasso.
O último ritual tinha por objectivo pôrafutura cidade sob
aprotecção dos deuses do Alto e, emespecial,deuma tríade
compostapor Júpiter, JunoeMinervaaquemeradedicado
umtemplocomum,comtrêscapelas, que constituíaoCapi¬ tólio(ouseja,aCabeça) da cidade. Paraestarrigorosamente
conforme as regras, este santuário devia localizar-se num ponto alto para que os seus divinos hóspedes pudessem abarcarcom oolharamaior áreapossíveldacidade. Éuma
velhacrença,efortemente enraizada, queaprotecção deum
deussó seexerceeficazmentenaáreaque elepodever.Assim,
quandonãoerapossível edificar ocapitóliono alto de uma
colina,eleeraerigidosobreumpodiumalto, umterraçoarti¬ ficial que substituíaacolina.Frequentemente,estecapitólio
era construído na orla da praça principal, exactamente no centrodacolónia.
Vê-se, por conseguinte, que as indicações transmitidas
pelos Antigos sobreafundaçãodas cidadescompreendeduas
sériesdistintasdeprescrições:umapartetécnica,de purageo¬
metriae,poroutrolado,umritualdecaracterísticas arcaicas;
mas nadanos garante que estes dois elementos estivessem
primitivamenteligados.Estão-no, de facto, nas construções
efectuadasnaépocaclássica, masserá que foi sempre assim?
Aconsagração do soloeotraçado da vala mágicanãoimpli¬
cam,deforma alguma, por sisós,queacidade tenhaforçosa¬
mentede teraformadeumquadradoetodoo seu território serdivididocomo umaquadrícula pelarede de ruas. Háum
só ponto comum: a determinação de dois eixos orientados segundoas«linhasdeforça»do universotalcomo entãoera
concebido. É provável queestaparticularidadetenhapermi¬ tidointegrar numritualmais antigouma técnica que,emsi
mesma,nadatinha de sagrado.
Sejacomo for,osautoresantigossãounânimesemafirmar
que o ritual da fundação, no seu duplo aspecto, prático e
religioso,foiensinadoaosRomanospelo povoetruscoenada
leva aque se duvide desta afirmação. A tríade capitolina é
etruscacomoetruscossãoostemplos detriplacella(detrês
atríbuí-ASCIDADES ROMANAS PRINCÍPIOSGERAIS DO URBANISMO ROMANO da às
divindades
subterrâneas,asprecauçõesquese tomavamcontra elas numesforço de controlar e utilizar o seupoder maléfico, tudo isso faz pensar na demonologia etrusca tal
como avemos representada nas pinturas funerárias de
Tar-quínia,porexemplo. Onome de gromadadoao
instrumento
de agrimensor éumtermomuitoprovavelmente etrusco
oritualconservaelementospropriamente latinos, anteriores
àinfluênciaetrusca,esseselementos foram cobertosporestes apontodeteremficado
irreconhecíveis.
Defacto, verifica-seque duascidades,
indubitavelmente
etruscasequeremontamaosfins do séculoVIantesdanossa
era,apresentamjáascaracterísticasgeraisdas colónias
nas.Aprimeira éacidadedita deMarzabotto,nome do local
ondeforamfeitasas escavações mascujonomeantigonãoé
conhecido.Elevava-senumplanalto suavementeinclinado,
namargem do Reno,a25kmasudoeste de Bolonha. As
ruasdesenhavamumtabuleirodexadrez perfeitodeterminado
com todo origor. Os quarteirões delimitados pelos decumani
e pelos cardines têm todos umcomprimento de 165 me a
sualargura variaentreos40e os60m.As duas ruasprincipais atingemumalargura de 15m;asruas secundáriassão cerca
de três vezes mais estreitas. O Capitólio estáerigido
colina que dominaacidadee aí,entre váriosmonumentos
religiosos, foi descobertauma fossacónica cheia de restos
sacrificiaisenaqualépreciso, sem dúvida,ver um mundus. A cidade de Marzabotto é inegavelmenteetruscatendo sido
possivelmente fundada por colonos
vindos
da poderosaBolonhaetrusca ou de Chiusi e aí instaladospara vigiar o valedo Renoe odesfiladeirodos Apeninos. Foibrutalmente
destruídaemmeados do século V a.C.sebem quetenhamos
nela um testemunho exacto do que podia ser uma cidade
etruscanotempoem queestepovoatingirao apogeuda sua
civilização
edoseupoderio.Aoutracidade éCápua.ACápuaantiganão seencontrava
local da moderna Cápua (que ocupa desde cerca
de856 d.C.odaCasilinumromana)mas nosítiodaactualS. Maria di CapuaVetere,nomeiode uma vastaplanície. Foi
fundada pelosEtruscoSaquando
da
suapenetraçãonaItáliameridional e,até ao fim,guardouos sinais doplanoque os
fundadores lhetinhamimpostooquetranspareceainda
artériasdopequenoburgomoderno cuja ruaprincipal,o
CorsoUmbertoI,
cobre
completamenteoantigo decumanusmaximus(fig.2)queatravessavaacidadedeoesteparaleste,
da Porta de Roma {Porta Romana) até à Porta Albana. O cardoprincipaldeveser
procurado
numa viaperpendicular
equidistante das muralhas estee oeste.Cardo edecumanus
cercaniasda actual PraçaS.Pedroe eralá queseencontrava,semdúvida, naAntiguidade,aCasaBranca
{Aedes Alba), sede do Senado da cidade. Outro ponto
importanteeraconstituído.pelaSeplasia,ocentrocomercial
ondeseinstalavamnomeadamenteosfabricantesdeperfumes
tãonumerososemCápua.EstapraçaeravizinhadoCapitólio
cujos altos monumentos dominavam a parte ocidental da
cidade (').
No entanto,se écerto que osEtruscos aplicaramde vez em quando,pelo menos na fundação das suas colónias, os
princípiosque virão a ser os.dourbanismo romanoprocede¬
ríamosmal,todavia,se partíssemosdoprincípiodeque todas
as cidadesetruscasforamconstruídassegundoumplanoem
quadrícula.Escavaçõesrecentes (2)mostram,porexemplo, queaetruscaVolsini cuja situação dominaaactualBolsena,
Itália central,nãoreproduziademaneiraalgumaoesquema
geométricodeCápua
e
deMarzabotto.Estavaconstruídanum terrenomuito irregular queapresentava umdesníveltotal de200 m e abrangia quatro colinas distintas. Numa delas foi
descoberto um templo, datando, sem dúvida do séculoIII
a.C.,que pareceterabrigado uma tríade divinasemque até
aopresente
possamos
saberse eleconstituíaoúnico«Capi¬tólio» da cidade. É
difícil
conceber que,emtais condições,eem tal local, o desenho das ruas (que, de resto, ainda nos
seus nas
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e seI
I i cruzavam-se nasí
roma-suas!
numai
na,1
nomesmo(') J.Heurgon,Recherchessur...Capouepréromaine.Paris,1942,p. 124eseg.
(J) R. Bloch, «Volsinieç élrusqúeet romaine», em Mélanges de 1’Êcole
AS
CIDADES
ROMANASPRINCÍPIOSGERAIS DO URBANISMO ROMANO
driculado rigoroso. As outrasutilizamomelhor que podem
o local escolhido a fim de tirarem dele o melhor partido
possívelno quedizrespeitoàdefesa. Mesmoaos olhos dos
Etruscos, a cidade«quadrada»,com os seusdois eixos per¬
pendiculares,a suarede deruas emquadrículaeas suasquatro portasé apenasumideal de que é necessário aproximar-seo
mais possível dentro dos limites permitidos pelas necessi¬ dadespráticas.
Anfiteatro Portade
Vultumo PortaJúpiterde MOm
r
J Termas Porta deRoma Porta Albanai
Casa Branca 11
!
*
Portade Juno4=
Praça[Seplásia
No interior da Itália central,ascidades regulares só apa¬
recem comoexcepção. Fora daszonassubmetidas à influência
etruscae, maistarde,àde Roma,nemsequer existem.Antes
davinda dos Romanos,ascidades dosmontanheses queocu¬
pavamosplanaltose asregiões interioresdos Apeninosnão
passavam de aldeias de pequena dimensão encostadas a
qualquertalude.Algunsrochedos ou uma falésia, constituíam umadefesanatural esó dificilmente tais refúgios mereciam
serchamadosdecidade. Atéumperíodo jábastanteavançado
como oinício danossa era,vastas regiõesmesmoàs portas
de Roma(asregiões dos Pelignos, dosVestinos, dos Marsos
e dos Marrucinos) não tinhamverdadeiras cidades.Mesmo
nosnossosdias, muitas povoações,nestasregiões,conservam
os mesmostraços.Visíveis de muitolonge,surgemempilha¬
dasno alto deumpico. O seuespaço encontra-serigorosa¬
menteestabelecidoeas suas ruas,estreitasesinuosas, fazem
maispensarnumlabirintodo quenabelíssimaordenaçãode
umquadriculado.
E, noentanto, estespequenosburgositalianossão,geral¬
mente,osherdeiros directosdeumacidaderomana.Masaía
fundaçãoromana nãofez mais do que seguiradisposiçãode
umaprimitivapovoação indígena de que conservouocapri¬
choso ordenamento. Trata-se frequentemente de «colónias
latinas» estabelecidasnumadata relativamenteantiga(entre
os
séculos IV e III
a.C.),cujos
habitantes,sem
serem
assi-i
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Fig. 2.- Plantade Cápua antiga
A tracejado: traçadoteóricodasestradas antigas
Atraçocheio: traçadodas estradas modernas
SegundoJ.Heurgon,Capoueprérotnaine.yAcitado.
escapa)tenha podidoadaptar-seao quadriculado
impostopela teoria.Emtodo ocaso,aprópria muralhanão é rectangular
mas segue um trajecto irregular com
numerosas
aberturas
para
facilitar
a defesa sendode crer que à disposição das
ruasse adaptava aos
movimentos
doterrenocomoainda agora
severificaem Vetulonia,outracidade
etruscaque, também
ela,não corresponde aosprincípios
do ritual.
Tanto
para ascidades
etruscas comopara ascidades ro¬
manasconvém,
evidentemente,
distinguir
entreasfundações
estabelecidas
emplanícieSóas primeiraspodemsersumetidas àqueseligam
disciplina
auma acrópole.deumASCIDADES ROMANAS PRINCÍPIOS GERAIS DO URBANISMOROMANO
milados
aoscidadãos
romanos, beneficiavam de algumasprerrogativasjurídicas. Durante muitotempo, asguarnições romanas permaneceram aí instaladas,aoabrigode surpresas
e foi só após o fimda segunda guerrapúnica (noinício do século IIa.C.) que osRomanos empreenderam a ocupação
da planície fundando cidades dotipogeométrico.As antigas
povoaçõesperderamentão a suaimportânciaemfavor das
suasrivaismaisfacilmente acessíveisesituadasmais próxi
das rotas comerciais. Não é menos verdade que, durante
séculos,existiu,naprópria Itália,umtipo decidadescomple¬
tamentedifererentesdascidadesetrusco-romanas,cidadelas
com acrópole,
cidades-fortalezas
que não têm nadade comum com as colónias «regulares» (3). Lá, as formas clássicas dourbanismoromano tiveram,tantoparao bemcomopara o
mal, deseadaptar àscondiçõeslocais do que resultaramcom¬
promissos que deramàscidadesromanas da Itália central,o seucaráctertãopeculiar: Assis,naÚmbria, continuouencos¬
tada à suacolina; Tusculum (hojeFrascati),TiburePraeneste
(Tivoli ePalestrina),nohorizonte de Roma,conservamainda hojeumairregularidadeurbanísticaque testemunha
longínquas origens.
Aprópria concepção deumacidade«quadrada» estáem contrasteevidentecom as tendências de numerosascidades
italianasefoi preciso importá-lanamaiorparteda península
eimpô-lapela conquista. Muito gostaríamos desabercomo
é que ela nasceu mas, no que a tal serefere, temos de
reduzir aconjecturas.
Há cerca de oitenta anos, a atenção dos arqueólogos foi
atraídapor descobertas que derama sensação, por um mento,detrazerumasoluçãoparaoproblema.Tratava-sede
umasérie depovoaçõesremontandoa umperíodo quesees¬
tendiaentreofim dosegundomilénioe cercado século VIII
antesdanossaera(4).Estas«cidades»,deuma extensãogeral¬ mentemedíocre,estavamdisseminadasnapartemeridional
da planície do Pó
revelando-se
numerosas nas regiões deMântua, Parma e Modena onde ôs seus vestígios formam
camadas deterra especialmentericasemdetritos orgânicos
que oscamponesesusavam como estrume eàqualdavamo
nome de«terramara».Este nomeficou ligadoaestasaldeias
pré-históricasnasquais,durantemuitotempo,sepretendeu
ver cidades fundadas pelos antepassados dos Latinos no
decorrer dalenta migração que os trouxe daEuropacentral
até ao Lácio. Acreditou-se, com
efeito»
que as cabanas dequeelassecompunhamestavamdispostassegundoasregras
tradicionais das cidadescomdecumanusecardo.
Naverdade,osfactossãomuitomenosclaroseconvincen¬
tesdoque se disse. Aimaginaçãodosarqueólogos,noentu¬
siasmo dasprimeirasdescobertas,levou-os frequentemente
aelocubrarconclusõesprematurassendoumadelasade que
estaspobres estaçõesarqueológicas, limitadasaumaregião
bem definida da Itália setentrional, apresentam já todos os
elementos deumacidadeetruscaouromana.Sejacomo for,
ignoramos se as populações das terramare são os antepas¬
sados dosLatinos. Tudoleva acrer quenão e,de qualquer
forma, sóporumahipótesesemfundamentosepodeatribuir,
aestepovopré-históricode quesabemos poucomais doque
nada,oritualtãocomplexocomqueos Etruscos rodeavama
fundação das cidadeseque,evidentemente,seligavaatoda
umaconcepção,puramenteetrusca,douniverso.
Nãoé, sem dúvida, naprópriaItália queéprecisoprocurar
a origem da cidade «quadrada» mas no interior de todo o
mundo mediterrânico.Sabemosqueascidadesdeplantageo¬
métrica,muito semelhantés,graças ao seu traçadogeral, às
colóniasetruscas,surgiramnoOrientebemantesdafundação
deMarzabotto e Cápua. O mais tardar cerca dos finais do
século VI a.C.omesmoestilourbanojáse impuseranaJónia
e daí tinha irradiadoumpouco por toda a parte.
Quando
amo
as suas
nos
mo-:
(5)Porexemplo Norba,nasfaldas dosmontesLepinos. Cf. G.SchmiedteF. Castagnoli,em L‘Universo,XXXVII(1957),p.125-148.Ver tambémAlbaFucens
(F.deVisscher,F.deRuyt..., Lesfouillescl'Alba Fucens,Bruxelas, 1955). (4)Gosta Salund, LeTerremarc,Kund-Leipzig,1939,p.233eseguintes.
I
\
PRINCÍPIOSGERAIS DOURBANISMOROMANO ASCIDADESROMANASemHalicarnasso. Verifica-seemPriene queoplanorectan¬
gular, aplicado muito rigorosamente paraodesenhodas ruas,
não exerce qualquer influênciana disposição geral da mu¬
ralha,quecontornaacidadesemnenhum rigoreaproveitaa
configuração do terreno tal como em Volsini. O templo de
Atena Polis (adivindadeprotectoradacidade)eleva-senum
terraçoquedominaapraça central(aagora)maisoumenos
da mesmamaneiraque oCapitóliodeMarzabottodominava
orestodacidade.
Estesexemplosde cidades«regulares» fundadaspor
arqui-tectosgregosdeformaalgumaselimitamàsregiões orientais. Mesmo sem ser necessáriofalar deTurio,fundadabastante
tarde,verificamos queascolónias gregasdaCampânia,
Posi-cidade
de Mileto foi reconstruída, em 479 a.C., depois da sua destruição totalpelosPersas em494,os habitantes tra¬çaramumapantacómpletamente nova,emquadrícula, sem
tomaremconsideraçãoo seuanteriorordenamento.E,já
ante-riormente,os mesmosMilesianos
tinham
adoptadoamesmaconfiguraçãopara a suacolónia de Olbia, no PontoEuxino
(o Mar Negro), que fora devastada
por
um incêndio e queeles tiveram de reconstruir completamente. Nada se opõe,
assim,aqueosarquitectosetruscostenhamsofridoainfluên¬ cia jónica: o que é verdadeiro para a escultura, para a ce¬
râmica, para apinturae para amitologia pode ser também
verdadeiroparaourbanismo.AsrelaçõesentreaEtruriae as
regiões orientais eram tão estreitas que esta hipótese não apresenta,emsi, nadadeinverosímil.
Atradição, apoiadanumabreve passagem deAristóteles,
rendeemgeralhomenagemaoarquitecto HipódamodeMileto
queexerceu a suaactividade por meadosdoséculoV.C.,pela
invençãoedivulgaçãodoplano geométriconomundo grego.
Mas asdatas contradizem-se.
Quando
muito podeadmitir-seque ele foioseuprincipal divulgadoreointrodutornaprópria Grécia (nomeadamente no Pireu) assim comonas colónias fundadasnessaépocacomo, por exemplo, Túrio,colóniade
Atenas na Itália meridional (fundada em 443) e talvez em
Olinto(naCalcídica,a umacentenadequilómetrosasudoeste
da actual Salónica). A partir dessa altura, o plano
«hipodâ-mico», como foichamado, torna-se. habitual na fundação e
reconstrução das cidades,triunfandonoperíodohelenístico.
As escavações italianas efectuadas em Camiro, na ilha de
Rodes,dão-nos a conhecer uma cidadedeste tipo:dominada
poruma acrópole arcaica, ondese agrupamossantuários,a
cidade ocupaumaencostaligeiramentecôncava queseesten¬
de até ao mar.Asruaslongitudinais seguemaslinhasdemaior
declive enquanto as transversais se estendem segundo as
curvasde nível.O conjunto dáaimpressãodeum vastoteatro
cuja cenaseriamoportoeo mar. A mesmadisposição geral
encontra-seemPriene,naÁsiaMenor(fig.3) que foi com¬
pletamente reconstruídanofimdoséculoIV a.C., bemcomo
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(I DE3 1313ÍM]Fig.3.
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Planta de PrieneASCIDADES ROMANAS AS CIDADES ROMANAS
donia(actualPaestum, a suldeSalerno) e aprópriaNápoles
foram concebidas segundoumplano análogo. Demonstrou-se,defacto, queahelénicaNeapolis (Nápoles)erapercorrida
por três viasprincipais orientadas de leste paraoeste e que
intersectavam, aespaços regulares, as ruasperpendiculares semelhantes aos cardines. De igual modo, a muralha de Paestumapresentaquatroportasprincipaisnasquais termi¬
navamquatro ruasdispostas emcruz, comoéevidente.Ora,
nem emNápolesnem em Paestumpodiaterhavido,naaltura
da suafundação(cercados finaisdoséculo VIa.C.), amais
pequena influênciaetruscaquefosse. Omesmo sepodedizer noqueserefereaSelinunte,naSicília, que foi inteiramente
reconstruída nosúltimosanosdo século V a.C.
Os Etruscos encontraram-seentão, aquando dassuas in¬
cursõesnaCampânia,perantecidades geométricas cuja moda se iria generalizar. Temos um exemplo em Pompeios, esta
cidadedaCampânia quea erupção do Vesúvio,em79 d.C.,
fossilizou, por assim dizer, e nos entregou quase intacta.
Pompeiaapresenta,também ela,umplanoemquadrícula (fig.
4) que não está orientado segundo as regras da disciplina
etruscamascujoparentesconão é, por isso, menos evidente
com o das cidadesetrusco-romanas. Tem-se hoje acerteza,
diga-seoquesedisser,quePompeiosnuncaconheceuqual¬
quer «fase etrusca» por insignificante que fosse. Pompeios
foi fundada, nos finais do século VIa.C.,pelaspopulações
indígenas, os Oscos, expostos à influência cultural directa das colóniasgregas dasredondezas. Os fundadores, fiéisaos
métodos dos engenheiros gregos, começaram por cercar a
suacidade comumamuralha em pedra decantaria de tipo
inteiramente helénico (5). Asportasinstaladasnaalturapro¬
vamquearedede viasurbanas jáera,nas suasgrandes linhas,
a que devia permanecer até aofim.
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5 Sá(4)Gosta Salund,LeTerremare,Kund-Leipzig,1939, p. 233 eseguintes.
(5)A. Maiuri,«StudieRicerche sulla Fortificazione di Pompei»,em
Monu-menti Antichi...,XXIII(1929), p. 113-286; Id„«Grecied EstruschiaPompei»,
emAttidella Reale Acc.d'ltalia, 1944,p.121-149.
|
5
33 32
PRINCÍPIOS GERAIS DOURBANISMO ROMANO PRINCÍPIOSGERAIS DOURBANISMOROMANO
A análise
destas diversas
questõespermite,sem dúvida,entrever as origens doplano das colónias etrusco-romanas.
Pareceevidente que osexemplosfornecidos,naprópriaItália,
pelas colóniasgregas,contribuíram largamenteparaassegurar
oseu êxito.Seríamosmesmolevadosapensarnaturalmente
que, sob a sua forma tradicional, talcomo o encontramos
aplicadonas colóniasromanas fundadas, apartir do século
IV a.C., à beira-mar (nomeadamente em Óstia, vd. fig.5),
ele resulta deumcompromissoentreas exigênciasdo ritual
easinovaçõesdosarquiteçtosgregos.Pelo ritual explica-se
a proeminência dadá ao cardo e ao decumanusprincipais,
mastodoorestoresultadeumatécnica
que
nãotemnada deanormal em Itália.Mesmonessestemposrecuados,astrocas
culturaisecomerciaisentreasduas metadesdo mundo
medi-terrânicoerammais importantesdo que,hojeem dia, somos
levadosacrer.Como todaa suacivilização,ourbanismode
Roma é oresultado de
uma
sínteses fecundae não odesen¬volvimento autónomo de sabe-se lá que entidade mítica e
preexistente.
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SegundoCapítulo
ODESENVOLVIMENTOURBANO DE ROMA
Se é verdadeque ás colóniasromanas nãopassavam,na
ideia dosseus fundadores,deimagens da metrópole),temos
denosinterrogarsobreospróprios princípiosquepresidiram
à criaçãoe aodesenvolvimentourbanodeRoma.
Aí, os dados arqueológicos e os factos históricos ainda
estão longe de ser claros. Háuma tradição segundo a qual
Roma foi fundadacerca do séculoVIII(em753a.C.,segundo
acronologiageralmenteadoptada)por colonos latinos vindos
daregião de Alba (auma trintenade quilómetros a leste de
Roma),sobocomando de doisirmãos,RómuloeRemo,que
edificaram no Palatino uma aldeia de pastores. Admite-se
tambémque Rómulo, depoisdeterusadoosauspícios,traçou
em torno da colina a vala ritual e que esse foi o berço de
Roma. Depois, como outras aldeias se tinham igualmente
instalado nas colinas vizinhas, todas acabaram, pouco a
pouco, porconstituirumafederaçãocomocentroemterreno
«neutro», napequenaplanície,oumelhor dizendo,nofundo do vale ondehojeseencontraoForum. Uma muralhacons¬
truídaem volta das diferentes aglomerações e
abrangendo--as atodas teria entãoacabado por conferir a sua unidade à
nova cidade. Assim, convém situar noPalatino a primeira
Roma,a«Romaquadrada»,aúnica conformeao ritual eàs
regras dafundação (').
(') Sobreestesproblemas verR. Bloch,Lesorigines de Rome,colecção
«Quesais-je?», n° 216.
1
AS
CIDADES
ROMANAS O DESENVOLVIMENTO URBANO DE ROMAMas
estatradição
depara commuitos
obstáculos. Comcertezaque existiuaaldeiadepastores.noPalatinovisto que aíforamencontradosvestígiosdassuascabanas. Emcontra¬
partida,nãoexiste nenhum vestígioindiscutívelda primitiva
alha que teriasidoconstruídapelosseushabitantestalvez
pelo lendário Rómulo em pessoa. Tem sido em vão que se
procuram asportasnaextremidadedoque deveriatersidoo
clecumanuseocardo.Émuitoprovávelque a «cidadepala¬ tina» sejaumalenda que apareceu tardiamentepor razõesde
oportunidade política. Não se descortina, de resto, mesmo
no âmago datradiçãoqueacabámosdeexpôr,comoé que as
populações latinas teriam podido, já nessa altura, pôr em
prática rituais cujocarácter etrusco éinegável. Oranós sa¬
bemos, nos dias dehoje-o que os historiadores romanos,
porpatriotismo,nembem nem mal tanto seesforçaram por
esconder-, queRoma teveumperíodoetrusconaaltura em
que reinavam osTarquínios,umséculoemeio depoisda data
tradicionalmenteatribuídaàprimeira fundação,sendoacolina etrusca, por excelência, não o Palatino mas o Capitolino
(oficialmente denominado Monte Tarpeio, ou «monte dos
Tarquínios») e a cidade «orientada» e regular encontra-se
precisamente, e ainda reconhecível, no sopé da colina. Foi noForum,naplanície,queRoma foi fundadacomocidade.
Aí, com efeito, foi mantida a memória de quatro portas
muito antigas que,naépocaclássica,não teriamcabimento
mas que testemunham umasituação mãisremota.Umadelas
abria-seanortedo Forum. EraaPorta deJanus.Asul, ficava
aPorta Romana.Aleste, a que era chamada,naépocaclássica, a«Trave daIrmã»(poralusãoálenda dos Horácios.Foi por ali que o jovemHorácio, assassino de sua irmã, entrarana
Cidade efoi aí queterásidopurificadoapósasuaabsolvição
pelopovo). A oeste,umaporta «maldita», de mau augúrio,
alcandorada, poressa razão, numrochedoinacessível,noiní¬
cioda encostado Capitolinoequeestavasempre aberta, se
bem queninguémapudessefranquear,de ondeo seunome
de PortaPandana, a«Porta aberta». O decumanusera a rua
que viria mais tarde a ser a Via Sacra e o cardo uma via
transversal que, na época clássica, seprolongava, anorte,
pela Argileta, e, a sul, pela «Rua dos Etruscos», o Viscus
Tuscus.
Muito provavelmente foi assimque Roma começou:coló¬
niaetrusca,simplesmercadodominadoevigiado pelaguar¬
niçãoacantonadanasalturas do Capitolino. Aíseencontraram
pela primeiravez, emtomodoscomerciantes vindos daItália central e meridional, os habitantes das aldeias espalhadas pelas colinas vizinhas. Osal constituía, sem dúvida, um dos
principaisobjectosdo comércio,talcomoosprodutos fabri¬
cadosimportados do SuledaEtrúria.Depois,cercadosfinais
do século VIa.C.,quandoopoderioetrusco,fragilizado,se
confinou aonortedo Tibre, opovoromanoadquiriuainde¬
pendênciaeRomatornou-seumacidade autónoma.
Foi mais ou menos nessaépocaqueosseus reis construí¬
ram avastamuralha atribuídaaumdeles,Sérvio,eque ultra¬
passavalargamente oslimitesdaprópriapovoação.O«muro
Serviano» abrange,com efeito, as setecolinas tradicionais,
ouseja, além dos trêsmontes-Capitolino, PalatinoeAventino
-mais quatrocabeços alongados que,emboa verdade, não são mais do que prolongamentos do planalto Esquilino, e
quese chamavamQuirinal,Viminal,OppiuseCélio(fig. 6).
A disposição geral destas fortificações lembra a que já en¬
contrámos emVolsini.
Quer
num quer noutro caso trata-sede defender um terreno cortado por pequenos vales tendo em conta apenas as necessidades militares.Há,por conse¬
guinte,umdivórcio totalentreacidade religiosa, fechadano
interior do seupomerium (2), e a cidade militar demarcada por uma cintura de muralhas de dimensões consideráveis.
Entre as duas ficaaverdadeira povoação, instaladanas en¬
costas, concentrada ao longodos caminhos que conduzem docentroparaas portas.Bemdepressadistinguimososquar¬
teirões em vias de formação: os patrícios habitam natural¬
mente oPalatino ouas alturasdo
Quirinal.
A arraia-miúdaamontoa-se no estreito vale de Subura entre o Viminal e o
mur
A ASCIDADES
ROMANAS
O DESENVOLVIMENTO URBANODE ROMAA velhacidade orientada, totalmente orlada, continua a
ser ocentrodacidade. Éláque ficao Forwn
-
apraça pública-
onde sãoconvocadas periodicamenteasassembleiaspopu¬lares que serealizamnorecinto doComitium,especialmente
dedicadoàAssembleia eleitoral do povo romano. Não muito longe estáaCuria,o localhabitual de reunião doSenado.O
restodapraça está cheio de lojas:uma fiada, anorte,as
Ta-bemae Novae(ouLojasNovas),umaoutra,asul, asTabemae Veteres (as Lojas Antigas). Primitivamente, era no Forum
que serealizava oprincipalmercado,para a carne eparao
peixe. Pouco a pouco, aí se instalaram outras actividades
comerciais e, naépoca clássica, encontramos aí exclusiva¬
mentecambistas, ourives e.comerciantes depreciosidades.
Os mercados devíveresrecuaram e agruparam-se imediata¬
menteanortedo velhoForum.
OForumnãofoi a únicapartede Romaquepermaneceu
livrede construções.Mesmono interiordasmuralhas, o longo
vale que seestende entre oPalatino c o Aventinochamado
Valedo Grande Circo{CircusMaximus)ficou reservado para
acelebraçãodedeterminados jogosenomeadamentepara as
corridas de cavalos, um dos
rituais
mais antigosda práticaromana. Alémdisso, mesmoaopédas muralhas,imediata¬
mente a norte do Capitolino havia uma grande planície, a
mais vasta do local,que uminterdito religiosos excluía da
Cidade: consagradoaòdeus da guerratinhaonomedeCampo
de Marte {CampusMartius). Limitada a sul pela muralha
quecoroavaaabruptaescarpado Capitolinoe,depois,ado
Quirinal, terminava, a oeste, na margem dorio e, anorte e
nordeste,juntoaosprimeiros declivesdoOuteirodas hortas
(actualmente o Pincio). A lendapretende que essaplanície
pertenceu aos últimos reis de Romaeque, apósa expulsão
dos tiranos, foi«nacionalizada»,ouseja,dedicada exclusiva¬
mente aoserviçodaçolectividade. Era lá que seagrupavam
ossoldados eque os.jovens faziama aprendizagemdavida
militar.
Quando
aevoluçãodasinstituições republicanaslevouosRomanosaconsideraremcomoamaisimportantee aúnica
eficaz das suas assembleias populares a que agrupava os
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Fig. 6
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Planta de RomaOppius. São sobretudoos plebeus que habitam o Aventino
cujaposiçãopouco central o votoudurante muito tempo a
só receber umapopulaçãomuitadispersa.Nadepressãoentre
oCapitolinoeoPalatino, duasruascomerciais,o Vicus
Ju-gariuseo Vicus Tuscus,estãoladeadasporlojasequitandas
ondetrabalhamos artesãos.Nas margens do Tibre
encontram--seas feiras,nolocalondeacampamosboieiroseondede¬
sembarcamosmarinheirosque sobemorio.Aí estãoo«mer¬
cado dosbois»{ForumBoarium), o«mercado das hortaliças»
{ForumHortus)e,embreve, aparecerá oportode Roma,o
Emporium.
I
ODESENVOLVIMENTO URBANO DEROMA
ASCIDADESROMANAS
territórios situados na margem direita do Tibre. Este
últimodesenvolvimentosó seproduziutardiamente.Sebem
que Roma seja,nosnossos dias, umacidadefluvial, oTibre
parece,primitivamente,ter sidomais factordeatrasodoque
dedesenvolvimento. A primeiraponteconstruída pelos Ro¬
manos por cima das suas águas tinha apenas como função
permitir
um acesso fácil ao bastião avançado de defesa instaladonoalto dacolina Janículo: inteiramentede madeira,podiaserrapidamente destruídaem casodealerta.Durante
séculos, aolongo de todootempoemqueosEtruscos foram
senhores da margem direita,Romapermaneceu obstinada¬
mente fiel à protecção que o rio lhe proporcionava e não poderia ser,de forma alguma, considerada, pelomenos nas suasorigens,como uma«cidade-ponte». Ocoraçãoda Cidade estánoForumenãonorio.
cidadãos
em centúrias, era no Campo de Martequesereali¬ zavamasreuniõescenturiaiseque,por conseguinte, se pro¬cedia às eleições e à votação das
leis.
Dessemodo,o velho Comitium foi abandonado no momento preciso em que se tomoudemasiadopequeno paracomportaracrescentemulti¬dão decidadãos.
A cidade republicana articula-se e ordena-se,então,
voltadoForum. Oplano«orientado» deixadeserperceptível. O cardoeo deeumanusperdem-se sobolajedo da praçae,
pouco a pouco,começaa desenhar-seumplano emestrela.
As ruas,divergindoapartirdasquatro portasprimitivas, diri¬
gem-separaasdo recinto serviano(*) edesenhamumarede
radialquepassaráaser,apartirdaí,aestruturadacidade. Na
Porta deJanus nascem duasviasprincipais,a Vicus Longus
(a Rua Comprida) que atinge a Porta Colina seguindo os
declives do
Quirinal
e, daí, se dirige para a região sabina;depois,aRuadeSuburaque,subidooEsquilino dá acesso à
região latina,pelaPorta Esquilina.Na extremidade oriental
do deeumanus liga-se,como era dc esperar, arua que leva,
pela Porta Capena, ao antigo santuário federal dos montes Albanosonde, todososanos,umaprocissão conduzida pelos
mais altos magistrados ia, aquando daSFeriaeLatinae(festas emhonrade Júpiter),ofereceraJúpiterumsacrifíciosolene. A estas estradas primitivas embrevesejuntaram outras
novas, à medidaqueaumentavamasrelações deRoma
asregiões vizinhas. Foi ocaso, para onorte,da Via Lata (a
Rua Larga), queatravessavaoCampo deMartee quemais
não era do que o trajecto urbano da estrada (chamada Via
Maminia,do nomedoseuconstructor)que punha Roma
comunicaçãocom as suasprimeiras conquistas setentrionais.
Para sul, a Estrada de
Óstia
(Via Ostiensis) que nasciaporto deRoma, contornava o Aventino e se dirigia para o
mar.Finalmente,aparecendobastante maistarde,asestradas
queatravessavamorio,nosopédoCapitolino,e penetravam
nos
!
em
Nointeriordarede formadapelas grandesvias,osedifícios públicoseprivados desenvolveram-se durante muitotempo
que sepudesse discernir umplano bemdefinido.Não
parece que Roma,nos séculos V ouIV antes danossa era,
tenha sido dividida em «quarteirões» regulares. Todavia,
desdeoiníciodesteperíodo,vislumbra-seumatentativa para ordenarocentrodaCidade.
Oprimeiro esforçoincidiuna drenagemdo Forum.Para estefundodovale convergiam todas as águas provenientes
das colinas e,por vezes,também ascheiasdo Tibre sejun¬
tavam ao pântano. Para secar apraça foi aberto um canal,
primeiro acéu abertoe depois
-
talvez apartir do século IIa.C.,talvez maistarde-dissimuladosob umasólidacobertura
abobadada.EraaCloacaMaxima, ograndeesgotode Roma
cujos restos ainda subsistem. Um lajedo cobria o solo da
praçaehouve apreocupaçãodelhe dar umaformaregular.
Apartirdoséculo V a.C.,renunciou-seaorientá-losegundo
0
antigo
deeumanus
quenão
seguia
umalinha
natural
do
i
sem
com
cm
no
ORecinto rodeado por fortesmuralhasmandadas construirporSérvioTúlio,
]
AS
CIDADES
ROMANA?ODESENVOLVIMENTO URBANODE ROMA
terreno e tomou-se como base o sopé do
Capitólio
(fig.7).Aconstruçãodo templo deSaturnobem comoadoTemplo
de Castor
indicam
odelineamento
doconjunto e põem as
primeiras
balizas,
mas é sónoinício
do séculoIIa.C.que se
recomeçou
o lado norte dapraça quando secomeçaram
aedificar as grandes «basílicas». Com aBasílica Emiliana,o
Forumficatal qualo vemosagora,umvastoconjuntomonu¬
mental de planta sensivelmente rectangular (mas já não
«orientado»,ecom o novo alinhamento fazendoumângulo
notável com a mais antiga Via Sacra) que domina os dois
picosdomonteCapitolino.Asul,opicoCapitoliumpropria¬
mentedito,coroado pelo Templo deJúpiter OptimusMaxi¬
mus,centroe símbolodopoderioromano:anorte,o Arx(a
Cidadela), com o templo dc Juno Moneta. No princípio do séculoI a.C.,o ditador Sil.aligou0 Capitolium e oArx por
umsoberbo monumentoque deucomo queuma fachadaao
conjunto da colina e um «pano de fundo» ao Forum. Este
monumento chamado Tabularium, pois se destinava a con¬
servar os arquivos oficiais (as tabulae), chegou até nós. E
sobre os seus enormes envasamentos que Miguel Angelo
apoiaráos seuspalácios:
A últimaetapa no arranjo da praça foi a construção por
César da imensa Basílica Juliana destinada aproporcionar,
parasul,umasimetriacomaBasílicaEmilianae,daíemdiante
eaté aofimdoImpério,oForumpermaneceu inalterado.
Vê-se quão lentamente evoluiu o centro da Cidade. Até
ao fim da República, o urbanismo romano permaneceu
bastante atrasado não apenas relativamente ao das cidades
orientais mas também ao das cidades da Itália meridional.
Só em 54 a.C. é que foi inaugurado o primeiro teatro em
pedraconstruídoemRoma. Claro que. desde há mais de dois
séculos, todosos anos oprogramadosjogos incluía diversas
representações teatrais, mas umvelhocostumedeterminava
que as comédias e as tragédias fossem representadas em
teatros de madeira que se desmontavam depois das festas.
Pompeio, o Grande, sentiu-se súficientemente forte para
desprezar aresistência deum
Senado
tradicionalistaecons¬truiu noCampo deMarte um teatro semelhante aos que, já
desde há muito tempo, existiamnascidades da Itália meri¬
dional. Menos de dez anos mais tarde, César projectava
construir um segundo mas a morte impediu-o de consumar
taldesidério.É Augusto,seu filhoadoptivo,quemretomao
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AS CIDADES ROMANAS
Augusto,pararemediarisso,tentouencontrarterrenospara
construçãonolongínquoplanalto dos Esquilose,para isso,
acaboucom ovelho cemitérioqueexistianoexteriorda mu¬
ralha servianaoquefoiopiorquepodiafazer. De imediato,
alguns grandes senhores(entreosquaisMecenas,parentede
Augusto,deuoexemplo) construíram aí magníficos palácios;
todavia os Ésquilos ficavam demasiado longe do centro e
tornaram-se sobretudo um bairro de parques e jardins. A
grandemole doshabitantes teve de continuar aencaixar-se
emprédios que procuravam compensaremalturaoquelhes faltavaemsuperfície.Estas insulae apareciamemtodos os
sítios possíveis: nas escarpas abruptas do Capitolino oudo
Quirinal
e naspartesdoCampodeMarte que acabarampor serabandonadasoucedidas aosparticulares.Asantigas forti¬ ficações foram destruídas paradar lugar ahabitações. Toda¬ via, apesar de todosestes esforços,Roma continuou, atéao fim,a serdemasiado pequena.ComoImpérioe aconstituiçãodeumpoder forte
tomava--sepossívelactuarmais eficazmentesobreaCidade. Também osImperadoresnão sepouparamaesforços paraa embelezar e dar à vida públicaumenquadramento digno da grandeza
romana.Mas é sobretudono centroque a sua acção incide.
Assim,oForumJulium,ou Forumde César,serviu-lhesde
modelo tornando-se o primeiro de uma série de conjuntos monumentais, comunicantesentresi, quesedesignam sobo nomecolectivode Foraimperiais(fig.8). Nelesseenglobam
aspraças, deformasdiversas,construídas sucessivamente por
Augusto,Vespasiano,Domiciano,NervaeTrajano.Nocentro
de cada umaelevava-seumtemploconsagrado àdivindade
queopríncipehonrava comumadevoção particular.Emvolta
de cada uma, as colunatas ofereciam aos passeantes, aos
ociosos,aos comerciantes,tantosombracomoabrigocontra
asintempéries.Os anexos foram transformadosemsalas de
conferênciasoude leituras públicas,bibliotecas,escritórios afectos a diversos serviços oficiais. O mais recente destes
Fora
,
oForumerigidopara Trajano pelo arquitectoApolo-doro de
Damasco,foi completado por
umhemiciclo
para oprojectoeoexecuta,passadosvinteanos,dedicandooedifício
àmemóriado seuprópriosobrinho,ojovem Marcelo.
O problema principal que então se passa a pôr aos
Romanosé menos odeconstruiredifíciospúblicos doque o de encontrar espaços livres.Roma tinhapermanecido
pequena cidade aomesmo tempo que se tornava capital de
umimenso Império.Onúmero dos seus cidadãos tinhacres¬
cido
desmesuradamente
masosinstrumentosda vidapúblicacontinuavam ainda,no fimdaRepública, a ser aquilo que
eramdois séculosantes.O velho Fórumestavaatravancado; número semprecrescentede processos era apresentado aos tribunais que reuniamao ar livre,na praça pública. As duasbasílicasjánãoeramsuficientespara acolhervisitantes
ehomensde negócios. Assim, desde que seassenhoreoudo
poder,Césarapressou-seadelinear uravastoplano de urba¬ nismo.Verificandoqueoproblema seriafacilmenteresolvido
se seaceitassevoltaraignorarovelhointerditoeaocupar o
CampodeMarte,oditadordecidiudesviarocursodo Tibre
efazê-lopassar nosopé da colina Vaticana. Desse modoseria
anexadauma grandeplanície ondesecriariaumnovo«Cam¬
po deMarte». O antigoseriainteiramenteconstruído aosabor
dasnecessidadesdosparticulares.Alémdisso,oantigo Forum seria reforçado com um outro, niaís moderno, concebido segundoomodelodas agorai\aspraças públicas) das cidades
gregas.
Aindaosúltimos combatesem Áfricáe emEspanhanão
tinham terminadoejáoprojectoestavaemvias deexecução.
Césarmandaracomprar por
elevadíssimo
preçoos terrenosprivadosnas vizinhanças do Fórum.Começou-se
leitoartificialparadesviarorio. Mas, depoisdos Idos de
Março,oque haviademaisoriginalnoplano,a anexação da
planíciedoVaticanoea«recuperação»doCampodeMarte,
foi abandonada sob opretextodeescrúpulos religiosos.Ape¬ nas seefectuoua construçãodo novo Forum terminado por Augusto queodedicou à memória do seupai adoptivo.No
entanto, oproblemaprincipalnãoficararesolvido:Roma con¬
tinuavaaterfaltadeespaço.
uma um