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PESO 3: EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO COM O 3ºE DO GINÁSIO PERNAMBUCANO

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Academic year: 2021

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PESO 3: EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO COM O 3ºE DO GINÁSIO PERNAMBUCANO

1. DISCIPLINAS PESO 3

No dia 22 de maio de 2017 iniciei meu estágio de observação no colégio Ginásio Pernambucano, um dos mais antigos e tradicionais do Recife. Mesmo sendo do curso de Letras, neste estágio eu teria de observar todas as aulas de uma mesma turma. Fui designado pela coordenação da escola para o 3ºE do ensino médio, e primeira impressão da turma foi de uma marcante heterogenia. As cadeiras eram organizadas em duplas e trios, deixando a sala disposta de uma maneira bem diferente ao que sempre estive acostumado a ver. Os alunos sentados uns ao lado dos outros eram de diferentes idades, gêneros, etnias, estilos e tribos urbanas. Rastafári, emo, hip-hop, brega; entre casacos de marca e roupas de brechó, o 3º E era um caldeirão efervescente.

Isso ficou evidente logo na primeira aula que observei: Química. Os alunos não fizeram silêncio nem por um segundo durante aqueles 50 minutos, e a professora parecia tranquila diante disso. Este padrão continuou durante algumas aulas, em outras, não. Salvo algumas exceções, o 3ºE foi sempre muito eufórico e barulhento. Nas palavras de José1, um dos alunos mais extrovertidos da sala, eles não haviam sido “afetados pela lavagem cerebral da escola” e tinham que “extravasar a pressão do ENEM”. Desde o primeiro dia, nenhum aluno se mostrou incomodado pela minha presença, pelo contrário, muitos deles vieram conversar por livre e espontânea vontade, seja nos intervalos ou mesmo na aula. José foi o primeiro a se aproximar, contando-me sobre suas expectativas de entrar numa universidade pública, sobre seu desejo de fazer Cinema e principalmente suas opiniões acerca da escola.

Uma das coisas mais intrigantes que José me disse foi: “em matéria que tem peso três, a gente presta atenção”. Com isso, uma frase que ele disse tão espontânea e corriqueiramente, ele quis dizer que, no ano do ENEM, dá mais atenção às matérias

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que serão específicas para sua entrada no curso desejado. Outra aluna, Maria, disse algo semelhante alguns dias depois. Segundo ela, a carga de conhecimentos do terceiro ano era alta demais para os alunos, e, por isso, era normal que eles priorizassem certas disciplinas em detrimento de outras. Questionei-os sobre quais matérias eles prestavam mais atenção e quais menos. No caso de José, que queria fazer Cinema, as matérias em que ele mais focava eram Português e História, no de Maria, Matemática, Física e Química.

Conversando com ambos, perguntei se haveria, então, alguém que desse mais atenção a Filosofia, Sociologia, Direitos Humanos, Artes e Empreendedorismo; disciplinas que ao longo da minha observação vi muito descaso por parte dos alunos. A resposta deles foi um sonoro “não”. Perguntei então se haveria algum motivo para isso além do ENEM. Eles esboçaram algumas respostas, meio sem jeito, mas não sabiam o que dizer. Nestas aulas, a atenção da sala era sempre dispersa, havia muita conversa paralela, alunos perambulando pelas cadeiras, saindo de sala. Numa das aulas de Empreendedorismo, apenas três alunos haviam feito a atividade para casa numa sala de quase cinquenta.

Nestas disciplinas preteridas pelos alunos, pude notar uma espécie de ciclo vicioso. O descaso e a falta de atenção da sala desestimulavam os professores, que, por sua vez, davam suas aulas já desacreditados que teriam alguma adesão. As aulas em sua maioria eram maçantes e os professores passavam muito mais tempo pedindo a atenção e o silêncio dos alunos que realmente dando seguimento aos conteúdos. Alguns nem pediam. O professor de Filosofia, cujo nome não fiquei sabendo na única aula dele que vi, foi o único dentre estes que realmente estava empenhado na sua proposta mesmo diante das circunstâncias adversas; tentava manter um diálogo com a turma, constantemente jogando para eles questionamentos sobre o assunto, pedindo suas opiniões, abrindo para o debate, tudo sem muito retorno. Nesta mesma aula, Leonardo, outro aluno que conversou muito comigo, admitiu que sentia uma certa

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inteligente e que conhecia “todos os assuntos”, que deveria estar “fazendo pesquisa” e não “sendo praticamente ignorado numa sala de aula”. Maria disse algo parecido quando debatíamos sobre a aula de Artes, já depois de termos conversado bastante durante a semana. Até meio repentinamente, ela admitiu que achava errado que a sala prestasse mais atenção em alguns professores que em outros, afinal, todos haviam estudado muito para se graduar e estar ali. Disse ainda que o professor de Artes tinha mestrado e especialização, e que não era tratado com o respeito que merecia, inclusive por ela mesma.

Afinal, em que aulas eles prestavam atenção? Quais eram as “disciplinas peso 3”? Pelo que pude observar durante minhas sessentas horas com a turma: Português e Matemática. Alguns alunos eram mais participativos nas aulas de Química, História e Geografia, mas as de Português e Matemática eram realmente algo totalmente diferente: silêncio total, atenção ao professor, atividades feitas – os que não faziam em casa tentavam fazer na hora ou pegar com alguém. Observei poucas aulas de Matemática, já que parte delas eram no contraturno da tarde, mas pude ter um panorama robusto das de Português.

Kátia, a professora de Português, me disse numa entrevista que sua relação com os alunos era maravilhosa, e talvez realmente fosse... para ela. Mas o que eu vi em minha semana de observação foi algo totalmente diferente. A partir do momento em que ela pisava em sala, o silêncio era total, quase fúnebre. Ninguém se atrevia a falar a menos que fosse para responder uma pergunta sobre a vida de Manuel Bandeira ou Oswald de Andrade. Alguns tinham por ela um profundo respeito, como o caso de Maria e José, outros, simplesmente morriam de medo. Era inegável que a presença de Kátia, uma professora experiente, era forte em frente da turma, sua forma de reger a aula era firme e sistemática. Apresentava-lhes os autores, as obras, as regras gramaticais, as exceções... era um grande monólogo. Poucas vezes vi um aluno levantar a mão, meio acanhado, para lhe tirar alguma dúvida.

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Naquela semana, fiquei pensando nas aulas de Kátia e do professor de Filosofia cujo nome não sei. Ela, rígida e pulso firme, professora de uma disciplina “peso 3”, mantinha a sala na linha por meio da imposição. Ele, mais jovem e aberto ao diálogo com a turma, professor de uma disciplina “sem peso no ENEM”, parecia nem ser notado pelos alunos. Maria Sueli, a diretora, me disse numa entrevista que os resultados da escola no SAEPE2 tinham aumentado consideravelmente desde a última gestão, tanto em Português quanto em Matemática, e que isso a deixava extremamente satisfeita. Estas duas pareciam ser as únicas disciplinas importantes.

2. O CASO ANA

Sinto que preciso falar sobre Ana, uma menina magrinha e com fortes tendências niilistas que ficou no meu encalço durante o estágio inteiro. Quando entrei na sala do 3ºE, Ana foi a primeira aluna a me cumprimentar e me perguntar, sem rodeios, se eu realmente queria ser professor. Como estava na frente da turma e acabara de chegar, respondi apenas que sim e me encaminhei para o fundo da sala, onde me sentei. Naquele mesmo dia, na aula de Empreendedorismo, Ana se aproximou novamente, apontou para a sala que naquele momento estava totalmente dispersa e me perguntou se era aquilo que eu queria para o resto da minha vida. Novamente respondi que sim, ela retrucou que eu deveria ter algum parafuso a menos.

Depois de algumas conversas, ela se convenceu de que eu realmente queria ser professor e me contou que também queria até dois anos atrás. Contou que queria fazer Biologia, mas que desistira no primeiro ano justamente após entrar no GP e ver como os professores de Biologia eram desvalorizados. Ana me disse ainda algo semelhante ao que outros alunos haviam dito durante a semana sobre outros professores: “Você parece muito inteligente, vai fazer outra coisa”. Perguntei se ela não gostaria de professores inteligentes e ela me respondeu que o melhor para ela

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seria ter pessoas inteligentes como professores, mas o melhor para pessoas inteligentes seria não ser professor.

Ana me contou que já conhecera muitos estagiários nos seus três anos de GP e que eu estava entre os mais legais. Disse que seria legal me ter como professor, mas que não era legal ter a turma 3ºE como alunos. Respondi que gostaria muito de lecionar àquela turma, e que seria um desafio mantê-los com atenção em mim e não no celular.

Sim, Ana, eu quero mesmo ser professor. Quero ser professor para convencer José de que nenhuma disciplina é sem importância; para ajudar muitas outras Anas a não desistirem de seguir caminho da docência, pois é um caminho tortuoso e difícil, mas muito gratificante. Neste caminho que pretendo trilhar, levarei muito do que aprendi com a turma do 3ºE.

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