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Linguagem como Ferramenta para a Compreensão de Conceitos Matemáticos. Language as a Tool for the Understanding of Mathematical Concepts

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Academic year: 2021

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EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL (UFMS)

ISSN 2359-2842 Volume 13, número 32 – 2020 DOI: 10.46312/pem.v13i32.9954

https://periodicos.ufms.br/index.php/pedmat/index perspectivas.educacaomatematica@gmail.com

Linguagem como Ferramenta para a Compreensão de

Conceitos Matemáticos

Language as a Tool for the Understanding of Mathematical

Concepts

Marisa Rosâni Abreu da Silveira1

RESUMO

Este texto tem o objetivo de apontar a linguagem como ferramenta para a compreensão de conceitos matemáticos, tanto nas atividades de ensino como de aprendizagem. Discutimos em primeiro lugar, a linguagem como caixa de ferramentas para a compreensão de conceitos, em segundo lugar, a atenção nas palavras utilizadas para ensinar conceitos matemáticos e por último, os possíveis jogos de linguagem nas aulas de matemática como uma forma de introduzir os alunos num diálogo com professor na busca de um mesmo horizonte discursivo. Para nossa discussão, nos apoiaremos na filosofia do segundo Wittgenstein, bem como em alguns de seus comentadores e educadores matemáticos que aderem a esta filosofia para pensar sua prática docente. Assim, nosso texto constitui um estudo bibliográfico. Nosso estudo aponta para o significado das palavras quando pretendemos ensinar e aprender matemática.

PALAVRAS-CHAVE: Conceitos Matemáticos. Ensino e Aprendizagem. Filosofia da Linguagem de Wittgenstein.

ABSTRACT

This text aims to point out language as a tool for understanding mathematical concepts, both in teaching and learning activities. We discuss, first, language as a toolbox; Secondly, we discuss the attention to the words used to teach mathematical concepts, and finally, the possible language games in math classes as a way to introduce students to a dialogue with a teacher in search of the same discursive horizon. For our discussion, we will rely on the philosophy of the second Wittgenstein as well as on some of his commentators and mathematical educators who adhere to this philosophy to think about their teaching practice. Thus, our text constitutes a bibliographic study. Our study points to the meaning of words when we intend to teach and learn mathematics.

KEYWORDS: Mathematical Concepts. Teaching and Learning. Wittgenstein's Philosophy of Language..

1

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas da Universidade Federal do Pará. E-mail: marisabreu@ufpa.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3147-9478.

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Introdução

A aprendizagem da matemática, há muitos anos, vem sendo debatida por professores e pesquisadores, principalmente em virtude do baixo desempenho dos estudantes brasileiros nesta disciplina, que é evidenciado pelos dados oficiais de avaliação da educação básica. Como alternativa de solução desta problemática, muitos professores e pesquisadores, que se dizem construtivistas, aderem as ideias que buscam êxito na construção de conceitos matemáticos pelo aluno. Esta construção se dá na sua interação do aluno com o objeto de aprendizagem, mais especificamente, na abstração reflexionante de sua ação sobre o objeto (PIAGET, 1995).

Nesse sentido, interessa o processo mental que o aluno compartilha na ação com o objeto. Outros professores e pesquisadores buscam solucionar o problema de aprendizagem com ênfase na linguagem do professor, do aluno ou da matemática, na qual também nos filiamos, pois, compreendemos que não podemos ter acesso ao pensamento do aluno, a não ser, por intermédio daquilo que ele diz ou faz. Para tanto, analisamos como a linguagem pode contribuir no êxito do ensino e consequentemente da aprendizagem em matemática, utilizando a filosofia da linguagem e da matemática do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein.

O primeiro Wittgenstein, como é chamado por seus comentadores, no

Tractatus Logico Philosophicus, admite a concepção da linguagem em que as palavras nomeiam objetos, ela espelha objetos da natureza, tal como no uso referencial da linguagem, já o segundo Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas, mostra a linguagem como imagem das palavras porque as palavras são consideradas conceitos e neste sentido reivindica a concepção de linguagem como ferramenta de sentidos. As imagens que fizemos das representações dos objetos são acionadas quando falamos sobre tais objetos. Assim, a linguagem é um instrumento, pois, é no uso das palavras que elas adquirem sentido.

As palavras podem adquirir sentidos diferentes que dependem do jogo de linguagem em que estão inseridas, elas apelam para o sentido de acordo com as necessidades dos constituintes do jogo. Essas palavras apresentam diferentes finalidades, pois, não existe uma essência na linguagem e sim, diferentes usos que dependem dos contextos onde elas estão inseridas, monstrando assim, uma função prática das palavras. Para cada necessidade existe uma função, assim, nós buscamos, neste texto, tratar a linguagem como um apoio para o ensino e a aprendizagem de conceitos matemáticos.

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Não é apenas aquisição de palavras que envolve a aprendizagem, os estudantes herdam a linguagem constituída historicamente por nossa sociedade. Assim, podem aumentar seus repertórios de acordo com o desejo ou necessidade de captar palavras contidas nessa herança. Nesse sentido, o dicionário é uma amostra daquilo que dispomos para melhor nos expressar em comunidade. O uso de dicionários por Wittgenstein e Baruk foi discutido em Silveira, Meira e Silva (2014) em que apontam para a importância do uso das palavras por estudantes da educação básica.

Wittgenstein propõe uma terapia para compreendermos o uso que fizemos de determinadas palavras. Por exemplo, como somos professores, deveríamos nos perguntar como usamos a palavra ensino e a palavra aprendizagem? Nossa reflexão está pautada nessas perguntas, mas não pretendemos aqui respondê-las. Nosso interesse maior é tentar mostrar como podemos usar as palavras adequadamente para ensinar conceitos matemáticos. Para tanto, nos apoiaremos na filosofia do segundo Wittgenstein, bem como em seus comentadores e educadores matemáticos que também utilizam as ideias do filósofo austríaco para amparar suas práticas docentes. Em nosso texto, em primeiro lugar discutimos a linguagem como caixa de ferramentas, em segundo lugar a atenção no uso das palavras utilizadas para ensinar conceitos matemáticos e em terceiro lugar os jogos de linguagem nas aulas de matemática.

A linguagem como caixa de ferramentas

Wittgenstein tanto naturaliza quanto socializa os processos cognitivos, localizando-os primeiro na linguagem e depois como parte da atividade de uma cultura. O modo de diálogo, portanto, não é de demonstração (como frequentemente foi para Platão), mas de investigação. Assim, uma apreciação do estilo de Wittgenstein nos leva diretamente a uma compreensão da dimensão fundamentalmente pedagógica de sua filosofia. A leitura da obra de Wittgenstein coloca em relevo questões relativas a sua apropriação como filósofo que tinha algo a contribuir para a educação: não como um filósofo que fornece um método para analisar conceitos educacionais, mas como alguém que aborda questões filosóficas do ponto de vista pedagógico. O seu estilo de fazer filosofia é pedagógico. Um meio para mudar nosso pensamento, para nos ajudar a escapar do quadro que nos mantém cativos. É essa noção de filosofia como pedagogia que é uma característica definidora do pensamento do segundo Wittgenstein (PETERS; STICKNEY, 2017).

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Wittgenstein (2009b) propõe que olhemos a linguagem como ferramenta e a compara com as ferramentas utilizadas por operários, ferramentas para diversos propósitos.

Pense nas ferramentas dentro de uma caixa de ferramentas: encontram-se aí um martelo, um alicate, uma serra, uma chave de fenda, um metro, uma lata de cola, cola, pregos e parafusos. - Assim como são diferentes as funções desses objetos, são diferentes as funções das palavras. (E há semelhanças aqui e ali.).

O que nos confunde, sem dúvida, é a uniformidade de sua manifestação, quando as palavras não são ditas ou se nos apresentam na escrita e na impressão. Pois, seu emprego não é tão claro assim. Especialmente quando filosofamos! (WITTGENSTEIN, 2009b, §112).

Utilizar a linguagem como ferramenta pressupõe a verificação de seu funcionamento - como a palavra funciona em determinado contexto de aplicação - para compreendermos o seu significado, pois, quando muda o contexto, muda o significado da palavra. Malcolm (1989), comentando a filosofia de Wittgenstein, afirma que as palavras não são usadas com significados fixos e os conceitos não possuem limites nítidos.

Não se pode adivinhar como uma palavra funciona. É preciso que se

veja a sua aplicação e assim se aprenda. A dificuldade é, porém,

eliminar o preconceito que se opõe a este aprendizado. Não se trata de nenhum preconceito tolo. (WITTGENSTEIN, 2009b, § 340, itálico do autor).

Wittgenstein (1995) afirma que 300 não tem significado, porém, existem 300 homens neste colégio é o significado dado a 300. Não podemos tentar perceber o significado de uma palavra isoladamente de seu contexto. O filósofo austríaco, antes de sua experiência como professor de escolas primárias no interior da Austria, leu Tolstoi e ficou profundamente admirado com seus escritos. Não podemos afirmar que sua filosofia da linguagem tenha sido de alguma forma influenciada por Tolstoi, mas podemos fazer algumas intersecções entre os dois pensadores. Tolstoi afirma que, de acordo com suas experiências, é impossível explicar o significado de uma palavra e que é no uso que a palavra adquire sentido, não na tradução.

Tolstoi, com sua profunda compreensão da natureza da palavra e do significado, percebeu, mais claramente do que a maioria dos outros educadores, a impossibilidade de um conceito simplesmente ser transmitido pelo professor ao

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Sabemos da existência de diversas traduções e edições das obras de Wittgenstein, bem como dos debates que elas geram, sempre que possível damos preferência ao número do aforismo e não ao número da página daquilo que citamos, pois facilita a consulta do leitor interessado em buscar na própria fonte o aprofundamento do que está pesquisando.

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aluno. Ele narra as suas tentativas de ensinar a linguagem literária à crianças camponesas, “traduzindo” primeiro o seu próprio vocabulário para a linguagem dos contos folclóricos e traduzindo depois a linguagem dos contos folclóricos para o russo literário. Descobriu que não se poderia ensinar às crianças a linguagem literária por meio de explicações artificiais, por memorização compulsiva e por repetição, do mesmo modo que se ensina uma língua estrangeira (VIGOTSKI, 2003).

De forma similar ao pensamento de Wittgenstein quando afirma que não devemos perguntar pelo significado da palavra e sim pelo seu uso, Tolstoi nos alerta que uma vez a criança sinta necessidade de incorporar uma palavra em seu vocabulário, a palavra e o conceito lhe pertencem, ou seja, é no uso que a palavra adquire significado. Tolstoi escreveu cartilhas para o uso de crianças e Wittgenstein, juntamente com seus alunos, escreveu um dicionário que posteriormente foi publicado e utilizado por outros professores e estudantes da educação primária da Áustria. Isso prova o quão era importante o uso das palavras da linguagem ordinária por crianças no contato com a aprendizagem da língua materna.

A aplicação da palavra oferece o seu sentido, mas não é seu fundamento, assim como os números negativos dão sentido às nossas dívidas, às temperaturas negativas, etc. e não o contrário. Como veremos, a matemática e seus conceitos merecem um lugar privilegiado na filosofia de Wittgenstein, tanto que ele pode ser considerado filósofo da linguagem e da matemática, pois além de suas ideias terem contribuído com a virada linguística, seus pensamentos sobre a matemática foram muito discutidos em sua filosofia, como também foram muito importantes para a discussão dos fundamentos da matemática em oposição aos pensamentos de Frege, Russerl e outros filósofos de sua época.

Atenção no uso das palavras utilizadas para ensinar conceitos matemáticos Mal-entendido - não compreensão. A compreensão é efectuada pela explicação; mas também pelo exercício. (WITTGENSTEIN, 1989, § 186).

A preocupação com as palavras utilizadas, para ensinar conceitos matemáticos, precisa ser constante porque o êxito da explicação do professor depende de como oferece sentido aquilo que pretende ensinar. As proposições matemáticas, segundo Wittgenstein, são regras gramaticais que desempenham o estatuto de normas para a compreensão de sentidos. Assim, tais normas não podem deixar dúvidas para aquele que precisa aplicá-las em contexto escolar. Nesse

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sentido, 5 + 7 = 12, por exemplo, é uma regra gramatical, não é uma descrição, mas proporciona uma forma de representar objetos, regras que servem para nossas descrições, tais como 5 maçãs + 7 maçãs = 12 maçãs. Querer utilizar uma regra gramatical para dar sentido à uma proposição empírica, nem sempre convence o aluno que pode alegar que, tal como no nosso exemplo, as maçãs podem não ter o mesmo tamanho ou outra justificativa qualquer. Esse é um problema crucial, apontado por Wittgenstein, quando denuncia a falta de cuidado que temos com o emprego das palavras. No ensino da matemática, o apelo para a contextualização de conceitos matemáticos no cotidiano do aluno, pode trazer grandes prejuízos a aprendizagem, pois, pode haver confusão entre esses conceitos com regras matemáticas que estão em outro contexto de aplicação. Nesse sentido, Silveira et al. (2014) mostram como pode ocorrer tal confusão.

Marion (2008), ao discutir a filosofia da matemática de Wittgenstein, afirma que é essencial que nas provas sejam incorporadas as palavras de nossa linguagem cotidiana. Essas palavras são o que Wittgenstein chama de prosa cotidiana que acompanha o cálculo. A distinção entre "prosa" e "cálculo" foi vista como uma distinção fundamental de sua filosofia. O aparecimento da prosa é necessário, de acordo com Wittgenstein, pelo fato de que uma prova matemática nos mostra algo que ela não pode dizer por si mesma. Daí a necessidade, por assim dizer, de expressar o inexprimível - sendo este um excelente exemplo do que Wittgenstein chamaria de correr contra os limites da linguagem - e introduzir a prosa cotidiana na matemática, tal como quando dizemos que existem infinitos números. Nesse sentido, podemos afirmar que é muito importante distinguir o mais estritamente possível entre o cálculo e esse tipo de prosa, uma vez que tenha ficado clara essa distinção, muitas questões podem ser removidas.

Pensar que a matemática consiste em algo mais do que cálculos com signos significa que os signos podem ser pensados como substitutos ou "descrevendo" alguma coisa. Contra a tendência de pensar nesses termos, Wittgenstein insistiu repetidamente que não existe tal atividade matemática ou lógica como "descrever objetos". Em vez disso, os sinais "fazem" a matemática.

Lembremos que, na matemática, os próprios signos fazem matemática, não descrevem. Os signos matemáticos são como as contas de um ábaco. (…)

Não se pode escrever a matemática, só se pode fazê-la. (E, por essa mesma razão, não se pode “negociar" com os signos matemáticos.). (WITTGENSTEIN, 2005, §157, itálico do autor).

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Schroeder (2019), ao comentar a citação acima, afirma que podemos perceber as características essenciais das visões matemáticas de Wittgenstein, como a ênfase frequente na matemática como atividade e como cálculo e, acrescenta que o filósofo austríaco faz alegações um tanto excessivas, como por exemplo, de que não podemos escrever matemática, tal como podemos escrever história.

A matemática é composta inteiramente de cálculos.

Na matemática, tudo é algoritmo e nada é significado; mesmo quando não parece assim porque estamos usando palavras para falar sobre coisas matemáticas. Mesmo essas palavras são usadas para construir um algoritmo. (WITTGENSTEIN, 2003, p. 375, itálico do autor).

A matemática como atividade ou prática é vista como fenômeno antropológico quando inserida em uma determinada comunidade em que os homens podem fazer acordos que dependem das necessidades imediatas. Porém, quando ensinamos matemática, temos que nos apoiar em regras matemáticas válidas, tal como ver a hipotenusa de um triângulo como o seu maior lado, pois, ao maior ângulo se opõe o maior lado e, assim vamos educando o olhar do aluno para ver de acordo com as regras. Se se diz “Há homens que vêem”, então se segue a pergunta: “E o que é ‘ver’? E como se deve respondê-la? Ao ensinar-se a quem perguntou o uso da palavra ‘ver’?" (WITTGENSTEIN, 2009a, § 333)

Mas então como pode uma explicação ajudar na compreensão, se ela não é a derradeira explicação? Então a explicação jamais está terminada; portanto, não, entendo ainda e nunca vou entender o que ele tem em mente-E como se uma explicação, por assim dizer, estivesse pendurada no ar, caso uma outra não a sustentasse. Ao passo que uma explicação pode repousar sobre uma outra que se tenha dado, mas uma não precisa da outra-a menos que nós precisemos dela para evitar um mal-entendido que aconteceria sem a explicação; mas não aquele mal-entendido que eu posso imaginar. (WITTGENSTEIN, 2009b, § 87, itálico do autor).

Mesmo que a explicação do professor não seja a chave das respostas às perguntas dos alunos, é dela que o professor dispõe para ensinar, aliás, ele , conforme o filósofo, dispõe de exemplos e explicações. Uma explicação não será a derradeira porque dela vão se derivar outras e mais outras, desde que o professor esteja atento aos sentidos que suas palavras fazem eco para a escuta dos alunos, ou seja, durante a explicação as palavras do professor precisam tocar na compreensão de seus alunos. Uma das maneiras de fazer que isso aconteça é tentar captar a atenção dos alunos por meio de jogos de linguagem. Jogo de linguagem é um dos principais conceitos da filosofia de Wittgenstein. A analogia

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entre jogo e linguagem - jogo de linguagem - permite que as palavras tenham forma de vida para os participantes do jogo, de forma que de uma parte dizemos as palavras e de outra agimos de acordo com elas.

Jogos de linguagem nas aulas de matemática

Uma das principais fontes de nossa falta de compreensão é que não dominamos com uma clara visão o uso de nossas palavras. Falta à nossa gramática uma disposição clara. Uma exposição de conjunto transmite a compreensão, que consiste exatamente em "ver conexões". Daí a importância de se achar e de se inventar conectivos. (WITTGENSTEIN, 2009b, §122).

As práticas docentes são desenvolvidas por atividades orientadas pelas regras matemáticas que o professor pretende ensinar e assim, são sistematizadas pelo uso que o professor faz delas, principalmente, quando mostra aos alunos, por meio de exemplos e explicações como são aplicadas em diferentes contextos da própria matemática. Porém, nos questionamos como o professor usa as palavras para ensiná-las? Conforme Wittgenstein, é preciso que tenhamos certa vigilância com as palavras, pois, elas são ambíguas e podem gerar confusões. A nossa linguagem nos prega peças quando pretendemos dizer alguma coisa para alguém, pois, podemos não encontrar as palavras adequadas para comunicar aquilo que almejamos dizer.

Quando o professor pretende ensinar uma regra, tal como aquela da adição de números naturais, busca no algoritmo amparo para suas explicações e recorre a alguns exemplos, porém se o professor pretende ensinar a série dos números ímpares, começa por nomeá-la e espera que o aluno continue.

Mostra-se-nos então que, se a compreensão correta da regra for concebida como sendo uma ocorrência na mente do aprendiz (nomeadamente, aquela que concorda com aquilo que estava na mente do professor no momento em que deu a ordem para a continuação da série), as explicações dadas pelo professor (sejam elas quais forem) são sempre compatíveis com mais do que uma compreensão, e não somente com aquela intencionada por ele, uma vez que todo o aprendiz é incapaz de ter qualquer sequência infinita na íntegra em sua mente. Mesmo que o aluno demonstre certa competência dentro de qualquer segmento finito de uma dada série, nunca poderemos definitivamente ter a certeza de que ele compreendeu a regra corretamente. Ou seja, se a compreensão de uma regra for concebida como uma representação mental, nunca seremos capazes de dizer se a resposta do aluno concorda ou não com a regra dada. (ARRUDA JUNIOR, 2017, p. 102).

Como o professor pode saber se aquilo que ensinou ao aluno foi realmente interpretado da maneira em que intencionava ensinar? Estas questões põem em suspensão as palavras ditas pelo professor durante sua explicação, exatamente

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porque a nossa linguagem é ambígua e polissêmica, as palavras têm diversos sentidos que dependem do contexto em que são expressas, como também dependem da idiossincrasia do aluno. Compreender o que o aluno interpretou das explicações do professor apenas por uma prova escrita, não é garantia de que as respostas dos alunos mostrem o que foi interpretado, pois, muitas vezes, a resposta de uma questão errada, não evidencia o motivo que os levaram a cometer tal erro.

Wittgenstein (2009b) afirma que a intuição não caminha com o material morto da escrita. Baseados neste pensamento do filósofo, podemos afirmar que as respostas escritas pelo aluno não mostram aquilo que interpretou de maneira equivocada das explicações do professor, e assim, na prova escrita, o professor não pode compreender os erros dos alunos. Uma das formas de o professor compreender o que o aluno compreende, é oferecer a palavra para que possa expressar o compreendido. A oportunidade de uma comunicação entre professor e aluno abre espaço para uma compreensão mútua.

Mas não é apenas comunicar explicações, exercícios e respostas, é tentar entrar no mesmo universo linguístico que o aluno, ou seja, que as palavras proferidas por ambos tenham sentido, e, esta forma de vida dada às palavras só pode encontrar reflexo naquilo que Wittgenstein chama de jogos de linguagem. Jogo de linguagem para Wittgenstein (2009b) é, inclusive, traduzir de uma língua para outra, pois, traduzir é uma forma de interpretar. Assim, conforme o filósofo, podemos afirmar que quando o aluno interpreta adequadamente as palavras ditas pelo professor ocorre um jogo de linguagem. Porém, para sabermos que o aluno interpretou de forma correta tais palavras, é preciso que não apenas forneça respostas certas em uma avaliação, antes de tudo, é necessário que o professor escute seu aluno durante as tarefas de fazer e refazer exercícios que dependem de certo modo de um treino.

Outra questão oportuna, é que Wittgenstein (2009b) também afirma que não aprendemos tudo de uma só vez. A aprendizagem é um processo lento e comporta a elaboração de exercícios para que o aluno possa compreender um conceito matemático em diferentes contextos de aplicação. Estes contextos podem ser dentro da própria matemática, como também fora dela. Para aprendermos uma nova palavra precisamos olhar o seu significado no dicionário e tentar aplicá-la em diferentes situações de fala até que ela seja incorporada em nosso repertório, da mesma forma são os conceitos da matemática, é preciso o uso diversificado para que ele seja compreendido.

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Para ilustrar, o problema de comunicação entre professor e aluno, trazemos o episódio em que o professor explica que em trinta e sete, sete é unidade e três é dezena. Ao pedir para o aluno decompor setenta e três, o aluno diz que sete é unidade e três é dezena. Esse episódio nos aponta para o cuidado que devemos ter com as palavras quando ensinamos, isto não quer dizer que, não possamos também nos equivocar, isto faz parte do humano, o que temos que ter claro, é que podemos restituir o sentido daquilo que ensinamos, mesmo que para isso, tenhamos que redobrar nossa atenção e buscarmos palavras mais adequadas para que nossa explicação tenha sentido correto. Nesse caso, o professor deveria ter dito que trinta e sete tem três dezenas e sete unidades. No momento em que fixa a regra com sete “é” unidade e três “é” dezena, o aluno faz disso uma ordem e a repete, tal como foi dito pelo professor. O importante é salientar que o professor teve acesso à maneira que o aluno compreendeu sua regra, o grande problema seria se não tivesse tido esse feedback para poder retomar sua explicação e corrigir o mal-entendido. Assim, é importante salientar que a linguagem do professor não está imune a mal-entendidos, tal como quando alguém diz “a vaca da vizinha”. Não sabemos dizer se a vizinha tem uma vaca ou a pessoa considera a vizinha uma vaca, num tom pejorativo. Nossa linguagem é ambígua, polissêmica, oferecendo as nossas palavras interpretações inesperadas e no ensino e na aprendizagem da matemática isso não é diferente.

Um exemplo, relatado na pesquisa de Silva (2015), que ilustra a distância daquilo que o professor quer dizer e aquilo que o aluno compreende é quando uma professora de séries iniciais, ao explicar ao aluno o sucessor de um, levanta o dedo indicador e médio, pergunta, depois do um vem … ?, nesse momento, um aluno responde V. Tanto esta resposta, como a do aluno que decompôs 73, mostra que tem uma lógica, mas não a lógica da professora. Estas ilustrações nos apontam para problemas de linguagem em sala de aula que podem ser verificadas quando o aluno tem a oportunidade de se manifestar. A verdade é que não temos domínio de nossas palavras no que diz respeito a forma como elas são interpretadas, principalmente nós professores quando pretendemos ensinar nossos alunos conceitos, por meio da linguagem matemática que pode ser considerada como uma língua estrangeira. Como afirma Machado (1993), existe uma impregnação mútua entre a linguagem matemática e a linguagem natural, mas sabemos que algumas palavras do vocabulário matemático são quase exclusivas no seu próprio campo de

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conhecimento. A expressão “trinômio quadrado perfeito” é utilizada exclusivamente na matemática, assim como "trypanosoma cruzi” o é na biologia.

Quanto ao estabelecimento de jogos de linguagem na prática docente, depende de como o professor pretende estabelecê-lo. Não existe uma receita de como constituir um jogo de linguagem com os alunos, isto vai de acordo com a criatividade de cada professor. Pedir que alguns alunos repitam a explicação que foi fornecida, que alguns alunos façam exercícios no quadro para posteriormente corrigir com toda a turma, reunir alunos em grupo para responderem algumas questões e após discutir com toda a turma qual grupo respondeu de maneira mais adequada, etc. Acreditamos que o importante é dar voz ao aluno, independentemente da estratégia adotada. Algumas pesquisas apontam para os diferentes jogos de linguagem, tais como Costa (2015) e Moreira (2015) que analisaram os jogos de linguagem estabelecidos entre os estudantes surdos, na tradução da linguagem matemática para a natural e no contato com estudantes ouvintes, respectivamente. Já Silva (2018) pesquisou os jogos de linguagem entre os estudantes cegos e o ensino de matemática. Silveira (2017) destaca a importância das pesquisas de Costa (2015) e Moreira (2015) para a educação matemática, dentre outras, que apontam para os jogos de linguagem como uma estratégia de compreensão dos problemas educacionais nas aulas de matemática.

Neste texto, sublinhamos a importância dos jogos de linguagem e a devida atenção que o professor precisa ter com suas palavras proferidas quando ensina matemática, isso porque, não temos acesso ao pensamento do aluno, a não ser por meio dos jogos de linguagem em que o aluno pode expor seus pensamentos em palavras ou gestos. Neste sentido, Wittgenstein (2009b) afirma que é possível sabermos o que pensa uma pessoa quando ela nos diz ou faz alguma coisa. Como o estudante não comporta em seu repertório muitas expressões do vocabulário da matemática, é possível que tenha dificuldade dizer o que não sabe. Palavras como

simplificar, muitas vezes, é substituída por cortar, denominador por número debaixo e assim, tantas outras palavras que acabam mais fazendo confusão que auxiliando na compreensão dos conceitos matemáticos. Sabemos que estas falhas na nomeação de objetos e operações da matemática também são cometidas por professores. Utilizar o vocabulário adequado, tanto pelo professor como pelo aluno, além de aumentar seus repertórios, contribui em suas exposições e colabora para o êxito nos jogos de linguagem. Retornando a nossa pergunta inicial: Como o professor usa as palavras para ensinar? Esta questão poderia ser um bom presságio

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para o professor antes de iniciar sua aula para que tenha sempre em mira uma certa vigilância com suas palavras.

Considerações finais

Nosso objetivo neste texto foi de apontar a linguagem como ferramenta para a compreensão de conceitos matemáticos, tanto nas atividades de ensino como de aprendizagem. Como vimos, Wittgenstein considera a matemática como uma atividade, tal como no uso de seus símbolos. Mais tarde, ele compara a matemática como atividade humana, um fenômeno antropológico. A linguagem como instrumento de ensino e aprendizagem, coloca a ênfase nas palavras ditas por professor e alunos. A atividade de lidar com símbolos matemáticos é necessária para que o aluno aprenda a ler e escrever textos matemáticos.

A palavra não é imagem do objeto, assim como a linguagem não é espelho da natureza. Imagens são conceitos, tal como o desenho de um triângulo representa o seu conceito. Segundo Panza e Salanski (1995), da definição do objeto triângulo, por exemplo, nasce o conceito de triângulo. Porém, é no jogo de linguagem que os seus participantes buscam os significados das palavras, pois, compreender uma palavra é saber usá-la adequadamente. Suponhamos que após a explicação do professor, ele escute seu aluno dizer “não entendi nada!” como resposta à pergunta "entenderam?”. Para o professor, isso é sinal de um mau presságio. No jogo de linguagem, o professor procura a participação do aluno durante a explicação, envolvendo o aluno num esquema de perguntas e respostas. Este esquema depende da criatividade do professor para buscar estratégias de envolvimento do aluno, pois, não basta a atenção nas palavras ditas para explicar um determinado conceito, é necessário que o professor compreenda como o aluno está compreendendo sua explicação. Esse feedback auxilia o professor na tarefa de rever sua explicação, saber o que falta nela para que o aluno a interprete corretamente.

A atenção nas palavras proferidas numa explicação, bem como nas respostas dos alunos durante o jogo de linguagem estabelecido pelo professor, podem direcionar as correções ou revisão de palavras com sentido que busque a compreensão do aluno. Temos que utilizar a linguagem como caixa de ferramentas que ora pode elucidar, ora questionar, ora afirmar, etc. O importante é nos interrogarmos sobre como usamos as palavras para ensinar matemática ao aluno.

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Submetido em abril de 2020. Aceito em: julho de 2020.

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