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Espaços de ser e de habitar Etnoterritorialidade e materialidades nos Musseques da Chicala, em Luanda - Xikola Yetu

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Academic year: 2021

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PESQUISA

ESPAÇOS DE SER E DE HABITAR: ETNOTERRITORIALIDADE E MATERIALIDADES NOS MUSSEQUES DA CHICALA, EM LUANDA

Áurea Andre, Jessica de Almeida Polito, Mario Marangoni Filho3

1. Brasil, Engenheiro Coelho, UNASP, Arquitetura e Urbanismo, Desenho Urbano, e-mail aureaandre16@hote-mail.com.

2. Brasil, Engenheiro Coelho, UNASP, Professora Doutora do Curso de Arquitetura e Urbanismo, Grupo de Pesquisa Desenho Urbano, e-mail - jessica.polito@unasp.edu.br

3. Brasil, Engenheiro Coelho, UNASP, Professor Doutor do Curso de Arquitetura e Urbanismo, Grupo de Pesquisa Desenho Urbano, e-mail mario.marangoni@unasp.edu.br

RESUMO

Em Angola, os musseques são bairros informais localizados maioritariamente em áreas peri-urbanas da capital, e fisicamente representam a segregação social no tecido urbano das cidades. Os musseques correspondem aos “caniços” em Moçambique, às favelas ou comunidades no Brasil e aos slums na África do Sul e na Índia. Apesar de serem considerados bairros desordenados existe uma forte influência da cultura rural atrelada a eles. No presente artigo, dentificou-se características da arquitetura vernacular por aspectos culturais e etnoterritorialidades nos bairros das Chicalas, levando-se em consideração a geodiversidade e os processos históricos que nortearam a formação deste fragmento de tecido urbano. Aponta-se para a necessidade de olhares mais humanizados e preocupados com a resistência da cultura tradicional, nas cidades contemporâneas.

Palavra-chave: Arquitetura Vernacular em Luanda, Musseque, Produção Territorial,

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ABSTRACT

In Angola, the musseques are informal neighborhoods located mostly in peri-urban areas of the capital, and physically represent social segregation in the peri-urban fabric of cities. The musseques correspond to the favelas in Brazil, the "caniços" of Mozambique or the slums of South Africa and India. Although they are considered disorganized neighborhoods there is a strong influence of the rural culture tied to them. In this article, characteristics of the vernacular architecture by cultural aspects and ethnoterritorialities in the Chicalas neighborhoods were identified, taking into account the geodiversity and historical processes that guided the formation of this fragment of urban fabric. One points to the need for more humanized and preoccupied looks with the resistance of the traditional culture, in the contemporary cities.

Keywords: Vernacular Architecture in Luanda, Musseque, Territorial Production,

Housing, Identity and Territory.

Introdução

Menezes (2000) afirma que “ao escrever sobre Angola, estão escrevendo também sobre o Brasil, pois estamos irremediavelmente ligados pelo cordão umbilical que alimentou a formação de nossa identidade e que nos coloca eternamente na condição de filhos da Mamma Angola” (p.29).

Luanda, a capital de Angola foi refúgio para muitos migrantes no período da Guerra Civil ocorrida entre os anos de, por ser não ter sido ela um território de batalha. O êxodo rural e o aumento de sua população contribuíram para um crescimento desordenado da cidade, tendo como subproduto deste processo um significativo aumento dos bairros informais.

Tendo em vista o recorte cultural sobre o qual este presente artigo se debruça, temos que em contexto angolano os bairros informais, geralmente assentado em zonas de gênese ilegal ou peri-urbana das cidades, são aqui denominados por musseques, conforme o vocábulo local. Em uma perspectiva comparativa, estes

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musseques correspondem ao que no Brasil é conhecido por favelas; na África do Sul na Índia por slums e, em Moçambique, por caniços. Conforme as classificações das Nações Unidas, estes são bairros que se enquadram dentro dos níveis de pobreza mais baixos estabelecidos pela ONU (UNHABITAT, 2003).

Contudo, apesar da conotação negativa que tais classificações possam inferir sobre eles e para além da atual dinâmica citadina de exclusão, é importante destacar que o termo musseque corresponde a um habitat onde o ser, o fazer, o morar e o conviver em grupo sustentam a unidade e o pertencimento destes indivíduos, em comunidade.

Em sua fase original, os musseques consistiam em habitações feitas de terra crua ou adobe, taipa de pilão, pau a pique, madeira ou de zinco. Deste modo, o conjunto dessas habitações acabava por seguir alguns critérios como a disponibilidade do material, o tipo do solo e os conhecimentos dos indivíduos – salientando o seu caráter vernacular.

Pelas limitações e atendimento às necessidades, dava origem a um padrão de assentamento, uma tipologia construtiva, cujos espaços edificados estavam profundamente atrelados às práticas daqueles indivíduos. São construções tipicamente africanas e rurais, e que resistiram ao próprio desenvolvimento urbano, apresentando algumas adaptações na medida em que os avanços tecnológicos da construção civil se tornam mais acessíveis. O significado de musseque antecede as classificações da ONU, posto que é um saber prático e cultural; uma tradição popular em construir e habitar consolidada por gerações e permeada de sutilezas.

Neste sentido, estudar um musseque não é apenas avaliar os dados tabulados, os índices de pobreza ou o impacto do crescimento urbano e valorização imobiliária sobre as áreas que ocupam; mas mergulhar em um fragmento urbano negligenciado, porém rico culturalmente – onde a miscigenação entre grupos se expõe no próprio léxico.

O termo musseque é uma toponímia originária do dialeto luandense Kimbundu e corresponde à descrição do primeiro assentamento realizado por grupos antecessores: “de terra ou areia vermelha”. Isto é, casas rurais – de campo - que rodeavam o centro urbano da antiga Luanda.Com o passar do tempo, o crescente desenvolvimento urbano de Luanda, e a inserção de seu mercado na dinâmica globalizada, os musseques passaram a englobar, em sua execução, materiais

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estrangeiros – sobretudo europeus - como o uso do cimento ao invés da terra crua. A utilização da terra ou do cimento pode ser compreendida como um indicativo de uma organização interna hierárquica atrelada às possibilidades de acesso a recursos financeiros.

Porém, apesar destas pontuais modificações, é possível identificar traços rurais na espacialidade das habitações e, principalmente, no modo de vida da população que nelas habitam. A atual área de musseque está relacionada às condicionantes topográficas do sítio que acabam por naturalmente dividir o relevo da cidade de Luanda em três grandes partes e todas elas com lógicas de ocupações diferenciadas. A primeira a ser mencionada, é onde estão os musseques- a orla marítima -, cuja altitude varia entre dos 2m a 5m acima do nível do mar, contendo também uma porção artificialmente plana - fruto de um processo de aterro.

A segunda, identificada por “cidade baixa”, era a orla natural, altitudes variam de 5m a 7m e atualmente é predominantemente ocupada por empreendimentos comerciais e industriais. E a terceira, a “cidade alta”, localizada em área de planalto, com altitude de aproximadamente 50m acima do nível do mar – onde se localizam o centro histórico de Luanda, casas em condomínios, empresas e demais construções de grande porte que apontam para o outro extremo da realidade: mais elitista. Sobre esta paisagem serão feitas algumas observações.

A primeira delas é que assim como muitas cidades de topografia acidentada, a lógica de ocupação e produção de cidades provenientes do colonialismo português fez prevalecer nas porções mais altas as sedes administrativas e de poder governamental ou religioso que organizavam e regiam a vida em sociedade.

Deste modo, esta relação espacial e de ocupação entre o “alto” e o “baixo” coloca Luanda em proximidade a outras cidades oriundas do mesmo processo colonial, tais como o Rio de Janeiro (RJ) e sua formação na área elevada no Morro do Castelo, e Salvador (BA) onde os termos “cidade alta” e “cidade baixa” se fazem presentes até hoje - ambas no Brasil. Por estratégia, visibilidade, comando ou distanciamento das áreas de possíveis ataques, as cidades de origem portuguesa apresentam o seu núcleo político e administrativo em local de destaque.

No que tange o caso de Luanda, o desenvolvimento da cidade alta avançou sobre a área rural, ocasionando a expulsão de parte da população ali residente para

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as áreas baixas e periféricas, na orla – além dos muitos que para lá foram no período da Guerra Civil, como já comentado.

Figura 1. Identificação dos musseques, cidade baixa, cidade alta e condicionantes topográficas. Fonte: Elaborado pelos autores a partir de imagem aérea disponibilizada pelo software Google Earth,

sobre a qual foram acrescidas as indicações das três grandes áreas em destaque, a linha de corte e níveis. Corte ilustrativo, sem escala.

Desse processo de deslocamento, adaptação, miscigenação cultural e enraizamento dos indivíduos observa-se um segundo ponto: a consolidação de técnicas e modos de organização capazes de garantir, mesmo que sem os confortos do século XXI, a sobrevivência desse ente.

Um terceiro ponto a ser observado diz respeito às condições geológicas desta paisagem, já que a transição entre a zona litorânea e o planalto é feita de maneira brusca e abrupta, formando o que é conhecido em Luanda como sendo as “arribas” – grandes paredões ou barrancas que se impõem à paisagem natural (e cultural) como importantes barreiras – entre áreas ocupadas, entre o centro urbano e a periferia, entre os ricos e os pobres, entre a “cidade alta” e a “cidade baixa”, entre a ocupação ordenada e a ocupação espontânea.

É valido ressaltar que as referidas arribas são constituídas de solo argiloso e o processo natural de erosão contribuiu para que tais sedimentos se assentassem de

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modo superficial na orla marítima (Pires, 2015 p. 788). A importância deste dado está no fato de que a argila, enquanto material moldável e apropriado para a execução das habitações, é predominantemente encontrado na região de planalto.

Contudo, a erosão e a sedimentação deste material na porção litorânea favoreceram a continuidade da execução das moradias de terra também em região de orla e não apenas no planalto.

Ou seja, na medida em que os habitantes das áreas rurais mais elevadas foram sendo removidos e se realocaram nas áreas de aterro, encontraram ali matéria prima necessária a confecção de suas moradias. No entendo, por ser superficial e o crescimento dos musseques ser expoente, se fez necessário a substituição de parte desta matéria prima por cimento – justificando, assim, as alterações de materiais verificadas nas últimas décadas, como já comentado.

Nesta zona litorânea que antecede as arribas e disposta no que aqui foi identificado por áreas de musseques e a “cidade baixa”, encontra-se uma parte da atual zona urbana - mas que antes não era ocupada e nem tampouco correspondia ao interesse imediato da elite industrial.

Identificado na figura 1 por “musseques”, verifica-se uma gleba densamente habitada de modo espontâneo, subdividida em três bairros importantes a este estudo – as Chicalas I, II e III – que obedecem aos princípios socioculturais de seus habitantes e se estruturam em núcleos plurifamiliares (Mingas 2013, p. 23).

Por isso, cabe aqui esclarecer que musseque é o tipo de assentamento característico e tradicional de um grupo social específico e as “Chicalas” são estes mesmos assentamentos vistos sob a luz da contemporaneidade enquanto “bairros” e assim denominados e divididos entre I, II e III segundo o atual planejamento urbano de Luanda.

Do saber, do ser e do fazer em solo criado e no mar. As três Chicalas são musseques que surgiram de um aterro no litoral da baía de Luanda adjacente a baia da Samba. No princípio Chicala I foi a primeira a ser povoada, onde se desenvolve maioritariamente a pesca como atividade produtiva principal, já a Chicala II e III tem o comércio e a prestação de serviços básicos.

O processo migratório configurou um quadro multicultural nas Chicalas que, logo de início, pode ser observado mediante a gama de dialetos coexistentes. Este quadro se expressa quando observado o dialeto Kimbundo, associado às regiões mais

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próximas à Luanda; o dialeto Umbundo, frequente na região central de Angola e o Kikondo, falado entre os habitantes do norte de Angola (Bettencourt 2011, p.54). Juntamente ao vocabulário, vieram também atrelados os hábitos e os costumes de outras regiões, tanto urbanas quanto rurais, os quais foram somados à paisagem cultural que progressivamente se consolidava naqueles musseques.

Este quadro expressa o que Milton Santos (2002) apontou sobre a consolidação de um território a partir dos saberes, fazeres, vivencias, laços de afetividade e sentido de comunidade que fazem desses migrantes agora se reconhecerem enquanto uma unidade e serem desta comunidade – o pertencimento. Nesse sentido, o autor comenta sobre a existência de relações entre as construções humanas e o território onde estão inseridas.

O território agrega características simbólicas ao longo do tempo em que o homem estabelece suas vivencias, afetividades, e o reorganiza dentro das suas características culturais (Sack, 2013). Desta forma, tendo por estudo os musseques de Luanda, pode ser salientado que no território coabitam relações de comunidade e identidade de forma continua, contudo, ele é um resultado de relações socioculturais e econômicas, mas também um formador dessas relações.

Portanto no território dos musseques observa-se uma relação dialética entre espaço, identidade e o sujeito que nele habita – ingredientes importantes aos debates sobre a formação territorial. Compreender as relações entre a geodiversidade, a variedade cultural, os processos históricos que envolvem indivíduos e o espaço que ocupam corrobora para o vislumbre de um modo de perceber e sentir o mundo bem característico.

Este mundo ganha forma e contornos na medida em que os habitantes dotam o espaço que ocupam de significado e atribuem símbolos que os permitem leitura, autoidentificação e reconhecimento do espaço que é seu. Na perspectiva da geografia, este cenário é o objeto de estudo da etnoterritorialidade (Polito, 2018, p.27). Deste modo, as Chicalas I, II e III, mantendo suas características de musseques, podem ser compreendidas como etnoterritórios.

Elementos como a prática de produção agrícola, a pesca, a construção de edifícios religiosos, de cemitérios ou de organização de cômodos dentro das habitações tendem a variar de musseque para musseque, segundo a influência étnica de cada povo predominante. Além disso, ora as resistências e ora as influências da

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dinâmica capitalista se faz sensível em ou outro musseque, conforme a abertura ou as necessidades de seus habitantes.

Este quadro, por si só leva a variações que se somam ao apego e/ou transmissão de saberes da vida rural, agora em contexto urbano. Por exemplo, apesar de na Chicala I a fonte de produção e renda estar vinculada a pesca, na Chicala II e III as atividades produtivas se voltaram para o comercio, sem, entretanto, perder por completo as características da vida rural.

Por isso, é necessário esclarecer que a vida em meio rural não é aqui observada como um modo de vida enraizado numa tradição imutável ou num modo de vida arcaico, mas sim como um modo de vida que apesar de não estar estabelecido no rural, continua, no presente, a construir a sua história no urbano sem descartar, a tradição e heranças rurais.

O sociólogo Vitor Cordova (2018) ressalta que territorialidade dentro do o conceito de território praticado e usado, está relacionado a capacidade de transformar o próprio sentido da ação e dos fundamentos que instituem a vida social, não se limitando a estrutura comunitária, mas se expande à outros padrões de vivencia (Cordova, 2018, p.131-132).

Desta forma, neste trabalho a etnoterritorialidade é um híbrido entre as territorialidades de musseques, a vida rural e hábitos e costumes de diversas etnias angolanas dentro de um território onde a relação com a terra e as atividades de reprodução do povo que nele habita são transferidas pela produção familiar de alimentos, pequenas propriedades, práticas de agricultura tradicional, entre outras características se encontram e contribuem para uma vida coletiva.

O habitat no musseque da Chicala/ Arquitetura Vernacular

Os atuais musseques marcam uma transição irreversível no processo de urbanização angolano. Sendo a natureza de uma construção influenciada pelo modo de vida de quem nela habita e pela cultura do povo que a constrói, é possível identificar uma forte influência rural nas técnicas construtivas das habitações, ambiente e organização sócio-espacial dos bairros das Chicalas/ musseques.

Segundo Jose Redina, (figura1) a evolução da tipologia de habitação angolana mais antiga é denominada cubata, que inicialmente dispôs-se de uma planta circular

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que em seguida se desenvolveu para uma planta baixa retangular e posteriormente retangular.

Figura 2. Alguns exemplos de habitações nativas dos vários grupos étnicos, seguindo a ordem

evolutiva, até ao modelo suburbano

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A arquitetura angolana arcaica teve seu uso inicial no abrigo, cuja função pontual limitou o tamanho destes espaços (Redinha, 1964, p. 7). Os assentamentos eram divididos em dois grupos, um primeiro, designado de Lubata e correspondente ao centro do poder político e outro que era a Senzala, correspondente a aldeia ou assentamento que possuía uma estrutura social aonde o povo habitava por meio dos vínculos familiares e laços amistosos.

Observa-se, então na (figura2) que as cubatas são distribuídas de uma forma em que a casa do rei (soba) ou patriarca da família estivessem ao centro e o jango - lugar aonde acontecem as reuniões importantes e cerimonias- no meio. A cubata seguia um modelo que se adequava à realidade poligâmica, evidenciando a presença da figura paterna e sua primeira esposa na casa do meio e, ao redor, as casas das outras esposas e seus respectivos filhos. (figura3)

Figura 3. Alguns exemplos de habitações nativas dos vários grupos étnicos, seguindo a ordem

evolutiva, até ao modelo suburbano

Fonte: Novo conceito de habitação Kimbopolis. Arq Ilidio Daio.

Essa estrutura supracitada foi levada aos centros urbanos e consolidada nos musseques. Frente a estas descrições, compreende-se aqui que os musseques são, atualmente, o lugar aonde o urbano e o rural se encontram. Onde o europeu e o africano se mesclam - um espaço heterogêneo de raças, etnias e culturas.

Mediante essa análise histórica habitacional podemos afirmar que o modelo de vivência com a família alargada foi levado ao meio urbano, e o uso do quintal ou pátio nas habitações da Chicala é uma herança vernacular. É importante salientar a

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presença constante dos pátios, vistos como local dos encontros, da convivência, dos acordos, dos plantios, da criação dos animais, do preparo do alimento, do lazer e das tarefas diárias em família.

O pátio é o polo centralizador das atividades diárias e ordenador do fluxograma existente nestas edificações – dele partem e se sustentam todas as lógicas do habitar e a sua presença é vital para a perpetuação dos saberes e do continuar sendo – enquanto indivíduos no mundo. Ele, deste modo, ganha especial destaque, pois serve também de lugar de convívio e de estreitamento dos laços e vínculos entre famílias e vizinhos - uma característica originária das antigas cubatas.

Como pode ser observado na figura 3, a implantação de tais residências pode variar. No entanto, o pátio se faz presente e afirma a identidade local. Dentre as variações possíveis e para além da existência do pátio, outros aspectos comuns aos três modelos devem destacados: a frequente superlotação de agregados familiares em uma só casa e um número elevado de membros da família dormindo no mesmo quarto; o espaço de armazenamento de alimentos ou espaço de refeições e estar localizados nos espaços externos cobertos.

O interior da casa, perde destaque na dinâmica destes espaços, servindo como suporte a pernoite e ao guardar dos bens, segundo a prática da cultura camponesa.

Planta 1. Planta baixa de uma moradia na

Chicala.

Planta 2. Planta baixa de uma

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Planta 3. Planta baixa de uma moradia na Chicala.

Figura 4. Identificação das tipologias de residência na Chicala, Luanda. Fonte: Observatório da Chicala. Workshop de Arquitetura Social, Paulo Moreira, 2011.

Como já comentado, a paisagem dos musseques vem sofrendo alterações em consequência das dinâmicas urbanas contemporâneas. Com o aumento populacional, nem todas as casas permaneceram como os modelos apresentados na Figura 1, em alguns casos, os musseques se densificaram e as áreas dos quintais diminuíram. Moradores e familiares que perderam suas habitações devido as demolições decorrentes dos planos de urbanização do Governo de Luanda e foram construindo edículas dentro dos seus quintais ou outras áreas livres dentro dos lotes dos seus familiares.

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Figura 4. Esquema da evolução das habitações nos musseques. Fonte: Plano Diretor Geral Metropolitano de Luanda, 2015, p. 69.

O adensamento é uma consequência do planejamento urbano atual, das ações imobiliárias sobre a terra, de avanço dos projetos de industriais e da elite sobre a área de orla que acabam por oprimir estes moradores e por isso a Chicala III virou um vazio urbano – é alvo de especulação e essa população que trabalha e depende do comercio local acaba por superlotar as próprias residências e construir dentro dos pátios para poderem se adequar à nova lógica de mercado.

Fazem isso como uma ação de resistência, pois a outra opção seria aceitar a casa cedida pelo governo, contudo essas habitações situam-se longe do centro, dos empregos e escolas.

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Conclusão

O sistema capitalista influencia diretamente no meio urbano, uso e ocupação do solo. O bairro da Chicala é um território altamente disputado pelo mercado imobiliário por ser um bairro informal situado em uma zona elitizada. O musseque, é considerado desordenado e é alvo de demolição, contudo, conforme constatado nesta pesquisa os musseques herdaram características da arquitetura vernacular e identidade rural. A etnia, história, atividade produtiva, laços familiares, afinidades e vizinha também são elementos que contribuíram na delimitação e identidade deste território.

Quanto mais a urbanização avança sobre este território já consolidado, sem considerar a cultura e os habitantes locais, mais essa população se distancia de suas tradições e costumes, mais ela perde a própria identidade e gradativamente mais deixam de ser um grupo e passam a ser meramente habitante às margens de uma sociedade capitalista, elitista e eurocêntrica - pois esta sociedade se torna cada vez mais incapaz de reconhecer os valores de sua própria matriz cultural. Passam a ver sua terra com os olhos da urbanística internacional sem ponderar sobre as consequências de tais impactos na sustentação e preservação do próprio ser angolano.

Este estudo nos permitiu perceber que há no território da Chicala uma identidade territorial e similaridades na organização espacial das cubatas na zona rural e as casas de quintal nos musseques. Por todas essas razões, a etnoterritorialidade dos musseques se faz pertinente e estesprecisam ser estudados e entendidos como um fragmento da própria historia urbana de Luanda.

BIO/CV:

Áurea Bianca Vasconcelos André

Graduação em Arquitetura e Urbanismo em andamento, pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo, campus Engenheiro Coelho/SP. Membro graduando do grupo de pesquisa Desenho Urbano, sob a orientação do Dr. Mario Marangoni Filho e a Dra. Jessica de Almeida Polito, envolvida com a realização de projetos e com a produção científica e tecnológica do grupo. Áreas de interesse: Planejamento Urbano

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e Regional, Políticas Públicas Habitacionais, Produção Territorial, Paisagem Cultural e Teoria e História do Urbanismo.

Jéssica de Almeida Polito

Mestra (2013) e Doutora (2018) em Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Arquiteta e Urbanista pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, FAU PUC-Minas (2007-2011). Destaque Acadêmico FAU PUC-Minas 2011. Professora nos cursos de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP EC) e da Universidade Paulista – UNIP. Atua nas áreas de Arquitetura e Urbanismo e Planejamento Urbano e Regional com ênfase em Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo e Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo, principalmente nos seguintes temas: paisagem cultural, urbanidade, história da urbanização e produção territorial.

Mário Marangoni Filho

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1974), mestrado em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (2002) e doutorado em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (2010). Profissional Autônomo e professor de ensino superior do Centro Universitário Adventista de São Paulo: UNASP-EC. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Projeto de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: projetos de arquitetura, planejamento urbano, plano diretor, uso do solo urbano e zoneamento urbano.

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Referencias:

Bettencourt, A.C.A (2011). Qualificação e reabilitação de áreas urbanas críticas. Os musseques de Luanda. (Dissertação de Mestrado em Arquittura). Universidade de Lisboa, Lisboa.

Cordova, S.V., Victal, J.; Zuben, N. A. V.; D'agostino, M. H. S.; Kirchner, R.; Marandola Junior, E. J. (2018). Casa, mundo, quintal: ser-arquitetura-da-arquitetura no modo de vida caipira. 2018. (Tese Doutorado em Programa de Pós-Graduação em Urbanismo - Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Menezes, S. (2000) MAMMA ANGOLA: Sociedade e Economia de um País Nascente.

EDUSP: São Paulo

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Referências

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