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UMA EXPERIENCIA PROFILATICA A PREPARAÇÃO DE CRIANÇAS PARA ADOÇÃO*

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Academic year: 2021

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UMA EXPERIENCIA PROFILATICA

A PREPARAÇÃO DE CRIANÇAS PARA ADOÇÃO*

Betina Tabajaski**

Verônica Petersen Chaves***

Porto Alegre e Canela, Rio Grande do Sul, Brazil, 1997.

RESUMO

A adoção é uma das alternativas possíveis que se oferece às crianças em situação de abandono. Muitas vezes esta é uma solução que se apresenta após uma longa trajetória de privação e violência.

A travessia de uma criança até a entrada em uma família adotiva implica em cuidados especiais para seu sucesso. É necessário oferecer a ela o resgate de sua história pregressa e construir em seu imaginário um espaço a ser preenchido por esta nova família.

No Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre é realizado um trabalho de preparação destas crianças para adoção, buscando, de um forma profilática, ajudá-las na construção de novos vínculos.

As autoras utilizam o relato de sua prática na preparação de crianças para adoção, fazendo uma reflexão sobre o trabalho que realizam.

INTRODUÇÃO

As reflexões sobre o trabalho realizado ao longo de anos de experiência acumulada pela Equipe de Adoção do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre, fundamentam esta prática por nós hoje realizada e compartilhada neste evento.

Adoção é um tema complexo, que se avaliado e pensado em sua amplitude nos remonta a uma série de questões que vão desde o âmbito social até as necessidades individuais de construção do indivíduo. É difícil, pois ela inclui questões relacionadas a perdas e sofrimentos, falhas sociais, narcísicas, tocando apenas nos pontos mais evidentes desta questão.

Pensamos muito nas conseqüências de uma adoção. Sabemos que ela inclui uma série de problemas e dramas vividos por famílias inteiras que tem uma experiência adotiva, mesmo nas quais encontramos o sucesso de seu projeto adotivo.

Nos deteremos aqui em relatar a preparação de crianças para adoção. Um dos pontos de nosso trabalho que se propõe a facilitar e minimizar o sofrimento e dificuldades das crianças que são colocadas em adoção, falando principalmente em adoção tardia, ou seja, não a adoção de bebês, mas de crianças que tem uma história de abandono, institucional e que vivem de forma consciente sua adoção.

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As dificuldades quanto a adaptação, as dificuldades posteriores na família adotiva, principalmente relacionadas a poder conciliar a história pregressa da criança com seu status adotivo, motivou este trabalho. Ele se constrói da prática à teoria, enfrentando as dificuldades do pouco escrito até então a respeito. Trazemos aqui para que juntos possamos debater e aperfeiçoá- lo.

DISCUSSÃO

Atualmente, devido a um longo trabalho anterior de reflexão dos candidatos a adoção, existe a possibilidade de que se possa encontrar famílias para crianças em faixas etárias antes impossíveis. A preparação de crianças atinge portanto, uma faixa etária que vai de cerca de um ano e meio de idade, até os doze anos.

Tratam-se de crianças com histórias graves de negligência, abandono, violência e ainda com privações que se estendem ao sistema institucional ao qual são inseridas. Muitas vivem longos períodos de abrigamento, vítima da burocracia judiciária ou mesmo do caos familiar que impedem o desfecho final da Perda de Pátrio Poder.

É neste contexto em que encontramos as crianças que serão preparadas para adoção. Muitas dela s em estados de depressão e apatia em um ambiente insuficiente, outras com formações sintomáticas de protesto e sofrimento.

Nossa primeira tarefa junto a estas crianças é resgatar uma possibilidade de vinculação. Algumas, é claro, se encontram ávidas de qualquer contato que se ofereça, mas como as outras, com uma série de dificuldades em vincular-se de forma profunda, não confiando e não aceitando um novo objeto que se oferece.

Oferecer um novo modelo de relação é uma das tarefas básicas do terapeuta, porém com estas crianças, muitas vezes é necessário um modelo que não existiu ainda. Exercer funções as quais elas ainda desconhecem. Não apenas gratificar, adaptar-se, ajustar-se as suas necessidades como se pensava antes ser o papel da mãe ao início do pensamento analítico. Ora, este é um papel que a instituição exerce, mas em tal modelo não parece haver nenhuma idéia de acréscimo para o enriquecimento interno individual.

Anne Alvarez (1994) destaca as palavras input e estimulação como inadequadas, ligadas ao modelo comportamentalista que ignora as implicações das relações objetais. Mas são contrapesos úteis para a continência. Uma atitude reclamatória é considerada por ela como uma das formas de resgatar da apatia e da depressão bebês que se encontram desconectados de seu objetos.

O primeiro contato com as crianças que se encontram por longa data institucionalizadas já as diferencia das demais em seu abrigo residencial. Poderíamos quase dizer que ele funciona como um mecanismo de reclamação desta criança para um contato íntimo e individual. É um primeiro resgate da criança de um estado de depressão, o início de um processo.

Na maior parte das vezes, percebemos crianças sedentas de um espaço como este e que lutam para que ele seja mantido e continuado. Qualquer ameaça de quebra de contrato pode novamente significar um abandono ou ataque. A toda hora, todo instante, reasseguramos nossa presença, justificamos nossa saída e marcamos nosso reencontro. Com outras, é preciso antes criar um significado para este tipo de relação desconhecida.

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Existem diferenças entre os processo de lembrar e de pensar sobre. Anne Alvarez (1994) explica que, enquanto certos pacientes precisam ser ajudados a aprender sobre a condição de ser separado e as diferenças entre eles e seu objeto, de modo a tomar consciência da vida presente neste objeto, outros podem precisar aprender acerca de sua disponibilidade, familiaridade e similaridade. Chegadas e retornos podem ser tão estimulantes e provocadoras de seu pensamento quanto as partidas, especialmente se o paciente está mais acostumada a partidas do que com retornos.

Este encontro com a criança, esta nova relação que se estabelece, favorece a que possamos falar sobre seu abandono. a cada separação representamos a mãe que se foi e a cada reencontro alimentamos a esperança de seu retorno. Iniciamos o processo de transformar em idéias o que antes era só sofrimento. Muitas pessoas, é claro, encontram com estas crianças. Não é uma experiência sui generis para elas, mas a questão é que poucas retornam.

Winnicott (1958) nos fala a respeito dos efeitos da separação. Diz que o princípio primeiro ao trabalhar com crianças que sofreram privação é que a doença não resulta da própria perda, mas da decorrência da perda em um estágio do desenvo lvimento emocional em que a criança ou bebê ainda não são capazes de uma relação madura com ela. O ego imaturo não pode lamentar a perda, não pode sentir o luto. Ele ressalta que, mesmo para um indivíduo que chegou a este estágio, são necessárias certas condições para elaboração do processo de luto. O ambiente deve permanecer sustentador durante um certo tempo, enquanto a elaboração ocorre, e o indivíduo também deve estar livre da espécie de atitude que torna a tristeza impossível.

Ao ingressarem na instituição, pouco ou quase nada é falado a respeito de sua história pregressa, permanecendo um silêncio prolongado que é rompido no momento em que iniciamos a preparação. Oferecemos então a criança um espaço, uma base segura para este resgate. Percebemos o qua nto é importante para as crianças poder conversar sobre sua história com alguém que a conhece, mesmo que não de todo, ou que, pelo menos, se ofereça para ouvir o que sabe.

Os irmãos Claudio, 7 anos, Claudia, gêmea deste e João com 5 anos, estavam sendo preparados para serem acolhidos por uma família italiana. Encontravam-se há quatro anos abrigados, após um longo processo de destituição do pátrio poder. Desde então, não haviam tido mais nenhum contato com seus pais biológicos. Tratava-se de uma família, como tantas outras, desestruturada e em situação de miséria. Falar a elas sobre suas diversas internações hospitalares anteriores devido a desnutrição, as andanças com os pais pelas ruas deu um outro sentido a seus medos. O “bicho-papão” que temiam já não os ameaçava tanto, quando puderam falar do medo do retorno a esta vida anterior. Ao contar sobre seu desenho, João fala que o “bicho-papão” preto que havia batido em sua janela na noite anterior era o pai que havia se transformado e procurava por eles e pergunta se eu sei qual era o nome de seu pai.

Nem sempre encontramos alívio ao falar em sua história pregressa. O medo e a ansiedade aparecem no temor a possibilidade em reviver, relembrara sue sofrimento. Ao mesmo tempo, coexiste a curiosidade, uma necessidade de integração de sua trajetória de vida até hoje não revelada.

Anderson, 5 anos, encontrava-se institucionalizado desde bebê, com visitas esporádicas da mãe biológica ao longo destes anos. ao iniciarmos sua preparação para adoção, contamos ao menino como e onde foi seu ingresso, sendo que no dia seguinte solicita: conta mais tia, aquela história de quando eu era bebê.

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Nosso objetivo aqui é de integrar junto a criança sua história. Não temos a presunção de poder curar todas as suas feridas, apenas oferecer algum sentido ao seu sofrimento e, se possível, despertar alguma esperança. É sem dúvida um trabalho terapêutico em seu sentido amplo. como define Bowlby (1987) o papel do terapeuta é o de capacitador. Deve-se oferecer ao paciente alguma segurança para que a terapia possa começar. neste caso específico, não se trata de uma terapia, mas de uma nova possibilidade de relação.

Quanto mais a criança encontrar receptividade para sua dor, maior será a confiança estabelecida com a mesma o que poderá estabelecer contatos mais imediatos. Alvarez (1994) nos diz não haver dúvida de que a receptividade da mãe ao apego revelado pelo bebê ou do terapeuta a transferencia do paciente é uma função materna e analítica fundamental.

Ao entrarmos em contato com a realidade, o fato duro e cruel, ou em alguns casos acalentador de que aqueles a quem ela conhecia como família não mais retornarão, provoca a seguinte pergunta: “o que vai acontecer agora comigo, já que meus pais não podem mais cuidar de mim?”

Chegar a este estágio com uma criança com sérias dificuldades de simbolização e consequentemente de imaginação é uma tarefa árdua, como nos coloca Alvarez (1994). Algumas mal são capazes de desenhar ou de brincar, e muitas são quase incapazes de imaginar, mesmo brincando que a vida poderia ser diferente ou de que elas poderiam exercer mais controle sobre seu destino.

Mas os brinquedos de casinha surgem, os pedidos para que as desenhemos e ensinemos como fazê- las. Mesmo os meninos começam a cuidar de bebês e alimentá- los. Algumas chegam a verbalizar: “Tu vais ser a minha mãe.” Esse é o momento de introduzir à criança que seu desejo poderá ser realizado, que nós poderemos encontrar para ela pessoas que possam ser seus pais e cuidar delas como elas gostariam.

É essencial que estejamos alertas aos momentos em que emergem da depressão, e que, diferenciemos as identificações narcisistas dos pacientes genuínamente maníacos, baseados na onipotência dos primeiros sinais de novas identificações e novas internalizações, baseadas em fantasias de potência nas crianças que talvez tenham estado clinicamente deprimidas durante todo a vida. Ambas as motivações podem coexistir num único paciente a mesmo tempo, mas não devem ser confundidas.

Ao falar dos sonhos e mentiras extravagantes de crianças com histórias de depressão crônica ou que sofreram abusos físicos, Anne Alvarez (1994) fala que o símbolo ou a representação as vezes podem representar uma realidade cheia de esperanças que ainda não existe, mas que talvez venha a existir efetivamente no futuro. Isto é, ela pode ser um dia possível, ou pelo menos pode ser percebido como algo falado, como algo que deveria ser assim. A ênfase excessiva na perda, na ausência, no abandono, nesses casos, pode interferir em importantes desenvolvimentos na formação de símbolos. A gramática do brincar talvez precise ser ampliada para além do passado e para além do presente, para incluir os tempos do futuro e condicional e o modo subjuntivo - isto é, para concluir o que poderá ser, o que poderia ser e mesmo o que deveria ser. essa gramática pode ter implicações interessantes no estudo psicológico da vontade.

Ao falarmos para a criança, enfim, de sua possibilidade real de adoção, apresentamos a ela uma nova vida que vem ao encontro de suas fantasias onipotentes. O desejo de troca dos pais anteriores por figuras parentais idealizadas fazem parte do imaginário de todos nós, é o romance familiar do neurótico, nos diz Freud (1908). Portanto, é necessário

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que a introdução dessas figuras parentais se dê antes em um nível imaginário. a criança terá acesso a fotos, nomes, presentes - antes de tomar contato real com estas pessoas.

Os relacionamentos humanos e a vida humana se constrói em um ritmo incessante de ganhos e perdas, de reuniões e separações. A mudança inesperada e que não é planejada por nós se transforma em traumática. Muitas pessoas, não somente aquelas com história de privação e não apenas com considerável inveja, tem tanta dificuldade com momentos de ganho quanto com os de perda.

A criança então se preparará para o momento do encontro com os pais, sabendo de todos os detalhes possíveis. será acompanhada e respaldada por nós o tempo necessário com o intuito de evitar surpresas e rupturas. Estaremos diponíveis na função de um objeto transicional que poderá ser abandonado assim que os novos vínculos comecem a sedimentar e que uma nova base segura comece a ser construída com seus novos pais.

CONCLUSÃO

Ao longo de nosso trabalho nos confrontamos com dificuldades que fazem surgir em nós o desejo de conhecer e estudar alguns fenômenos observados.

A literatura a este respeito é pouca. Pensar em como ocorre o ingresso de uma criança em uma família adotiva ou sobre outra mudança tão intensa e singular, ainda é novo em nossas tentativas de compreender as relações humanas.

Buscamos autores que nos auxiliem a compreender quem são essas crianças abandonadas e maltratadas candidatas a se inscreverem em uma nova vida, podendo de novo alcançar a condição de filiação. Olhando dentre aquelas crianças com as qua is pudemos realizar nosso trabalho de preparação para adoção, acreditamos que esta é uma tarefa necessária e protetora da saúde mental destas.

Concordamos com Alvarez (1994) quando diz que uma criança é mais do que seu presente e seu passado. Uma criança, mais do que qualquer adulto, está preenchida com as idéias sobre seu futuro - uma vez que não esteja severamente deprimida. A adoção é uma das alternativas possíveis a serem oferecidas a estas crianças. É evidente que pais e mães podem ajudar neste processo de desenvolvimento ou obstruí- lo. Mães e pais contém para a criança, não apenas a percepção do bebê que ele foi outrora, mas também a idéia do homem ou mulher que ele virá a ser e está se tornando.

Bibliografia

ALVAREZ, Anne. Companhia Viva. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994 BOWLBY, J. Uma Base Segura. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989 FREUD. Romances Familiares. (1908) Rio de Janeiro, Imago, 1994

WINNICOTT. A Família e o Desenvolvimento Individual. São Paulo, Martins Fontes, 1993 ___________. Privação e Delinqüência. São Paulo, Martins Fontes, 1987.

* Trabalho apresentado durante o Iº Congresso Internacional de Saúde Mental realizado em Canela – RS, 1997. ** Psicóloga membro da Equipe de Adoção do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre, especialista em Psicodiagnóstico.

*** Psicóloga membro da Equipe de Adoção do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre, especialista em pisotearia na infância e na adolescência, membro associado do CEAPIA - Centro de Estudos Atendimento e Pesquisas na Infância e Adolescência.

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