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QUE BRINCADEIRA É ESSA? A BRINQUEDOTECA MÓVEL NO HOSPITAL.

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Academic year: 2021

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QUE BRINCADEIRA É ESSA? A BRINQUEDOTECA MÓVEL NO HOSPITAL. Jorge Luís Ferreira Abrão, Mário Sérgio Vasconcelos, Carolina Cardoso Colhante, Fernanda de P. e S. Gonçalves, Giovana Silva T. Enes, Glaucia de Lima D’Alonso, Janaína Monteiro Ferrante, José Roberto Pacheco Filho, Juliana Aparecida Martini, Karina Kasai Lopes, Ligia Mara de C. Ortolan, Liana de Paula Merola*, Melina R. dos Santos, Nara Pratta, Nayara de Paula Feleiros, Paulo Roberto S. Bueno Filho, Verônica Elisa M. de Campos, Vanessa Cristina Belisário, Vivian Correia e Ribas

RESUMO: A hospitalização infantil é marcada por sofrimentos e angústias decorrentes do adoecer, da ruptura com o cotidiano e falta de atendimento institucional adequado no cuidado com a criança. Em muitos hospitais a criança encontra-se cercada por um ambiente tradicionalmente hostil, cuja prestação de serviços médicos e de enfermagem é deficitária, conferindo maior atenção ao sofrimento físico, dificultando um espaço voltado à valorização integral das necessidades da criança. Quase sempre é submetida a procedimentos invasivos e à ausência de informação a respeito dos mesmos, ficando privada de exercer sua autonomia e direitos na instituição. Considerando o brincar constituinte do desenvolvimento infantil e importante espaço simbólico gerador de autonomia, desenvolvemos, através da utilização de recursos lúdicos, um projeto de pesquisa/intervenção objetivando diminuir a angústia da criança hospitalizada e incentivar a valorização do brincar como fator inclusivo de desenvolvimento intelectual, emocional, social e cultural da criança. As intervenções ocorrem junto às crianças internadas na Santa Casa de Misericórdia de Assis, atendidas pelo Sistema Único de Saúde. A equipe é formada por dezessete alunos de Psicologia e dois supervisores/docentes do Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar da Unesp-Assis. Os alunos atuam diariamente no hospital, em grupo, por quatro horas, utilizando um carrinho móvel dirigido a cada leito, contendo brinquedos variados. As crianças escolhem espontaneamente os brinquedos, em interação com os estagiários, que valorizam nas atividades princípios do desenvolvimento infantil. Desde o início do projeto, em 2000, foram atendidas 3467 crianças, de ambos os sexos, com idade entre 0 e 13 anos. A partir de fragmentos do discurso das crianças, mães, acompanhantes e agentes institucionais, nossas análises permitem apontar que: a) as atividades lúdicas contribuem para a recuperação e possibilitam maior inclusão da criança na instituição; b) o brincar interativo possibilita a representação da realidade sócio-cultural infantil e auxilia na compreensão e elaboração da situação de exceção que a criança vive no hospital; c) a atuação da brinquedoteca móvel promove alterações no ambiente pediátrico, desfocalizando a “doença” e priorizando a idéia de promoção de saúde; d) a interação dos estagiários com as crianças estimula a aproximação e atividade participativa/interativa das mães ou acompanhantes com essas crianças, o que contribui para a diminuição dos aspectos negativos potencializadas pela hospitalização. Podemos concluir que a Brinquedoteca Móvel contribui para a humanização hospitalar, promovendo a saúde integral da criança e possibilitando um espaço de direitos, autonomia, atividade e expressão de subjetividade na instituição.

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Tradicionalmente o processo de hospitalização constitui-se em uma experiência invasiva e geradora de sofrimento para a criança, levando a vários tipos de reações como o medo, estresse e ansiedade (Costa Jr. 1999; Jasinski, 2000; Soares & Zamberlan, 2001). Tais reações podem se atribuídas ao distanciamento do ambiente familiar, à ausência de atividades cotidianas e escolares, ao trauma da doença, ao ambiente desconhecido, aos procedimentos médicos e cirúrgicos, à perda de controle e autonomia na situação e à inadequação da instituição hospitalar para o atendimento voltado às necessidades da criança, principalmente no que se refere aos aspectos psicológicos.

Para a maioria das crianças hospitalizadas no Brasil, esse quadro de angústia é agravado em função das precárias condições de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), cuja prestação de serviços não oferece um espaço que valoriza as particularidades infantis, contribuindo, dessa forma, para que as instituições hospitalares sejam reprodutoras de práticas excludentes, deixando de tratar a criança como um sujeito de direitos.

Levando em consideração estes aspectos, o Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCL/UNESP) e a Santa Casa de Misericórdia de Assis, firmaram, em 2000, um convênio com o propósito de desenvolver atividades no setor de pediatria atendido pelo SUS, a fim de diminuir o sofrimento das crianças internadas, colaborar com o processo de cura e promover a humanização hospitalar, evitando práticas excludentes.

Assumimos, então, essa parceria, dentro da perspectiva de que o atendimento hospitalar deve estar articulado com um ambiente de internação que corresponda às necessidades da criança, considerando os aspectos físicos, psicológicos e culturais que envolvem a pessoa internada. Desse modo, passamos a considerar como parâmetros

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para nossas atividades, fatores constituintes do desenvolvimento infantil. Dentre esses fatores, inclui-se o brincar.

Partindo do pressuposto de que o brincar é desenvolvimento, aprendizagem e importante espaço simbólico gerador de autonomia (Piaget, 1974; Oliveira, 2000) objetivamos, então, através da utilização de recursos lúdicos interativos, desenvolver um projeto de pesquisa/intervenção, buscando: a). diminuir o sofrimento da criança hospitalizada; b) incentivar a valorização do brincar como atividade geradora de desenvolvimento intelectual, emocional e social da criança, c) promover condições favoráveis à reabilitação de experiências adversas e excludentes prejudiciais ao desenvolvimento infantil e d) questionar o processo de hospitalização, no qual a criança perde o status de sujeito de direitos e desejos, submetendo-se a experiências invasivas. Com esses objetivos criamos a Brinquedoteca Móvel no Hospital.

Foram principalmente nas abordagens de Jean Piaget (1974), Lev Vygotsky (1989), Donald Winnicott (1975) e Melanie Klein (1997), que encontramos subsídios para a compreensão das dimensões do brincar. Mesmo considerando as diferenças epistemológicas entre esses autores, todos valorizaram a dimensão simbólica e lúdica das brincadeiras e as funções do brincar como elemento fundamental para a socialização, construção do conhecimento e elaboração afetiva da criança. Foi a partir dessas dimensões comuns, que destacamos a tese da importância da atividade lúdica e de um espaço para seu desenvolvimento no ambiente hospitalar. Para esclarecer esse ponto de vista, destacaremos as principais funções do brincar:

a). o brincar é desenvolvimento e promove o desenvolvimento. É a partir da ação

que a criança desenvolve sobre o meio físico e social que se desenvolve a inteligência e o pensamento da criança. Indissociável e análogo ao pensamento, o brincar da criança também é construído, isto é, são ações e representações simbólicas sobre o mundo,

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construídas num processo de interação ativa da criança com o ambiente em que vive (Piaget, 1974). Diante de um conflito ou uma novidade na brincadeira, a criança busca novas estratégias para resolver a questão, reorganizando assim suas estruturas e possibilitando o desenvolvimento de estruturas mais complexas. Brincando com conteúdos, essa produz formas para aprender a aprender.

b). as representações simbólicas permitem a elaboração afetiva: A criação

simbólica constrói conhecimentos e preenche necessidades e interesses da criança (Vygotsky, 1989). Todavia, é preciso considerar, numa perspectiva mais ampla, a dimensão afetiva presente no brincar. Riemenscheider (1997) destaca que o ato de criar e de brincar permite ao ser humano, no decorrer de seu desenvolvimento, lidar com suas frustrações, organizar sua realidade e exercitar suas potencialidades. A simbolização lúdica possibilita à criança transferir não apenas interesses, mas também fantasias, ansiedades e culpa a outros objetos além de pessoas. Ao brincar, a criança estará representando seus medos, suas angústias, suas ansiedades e seus desejos. Mediante a movimentação das imagens e sentimentos contidos na brincadeira, é possível promover uma ação no sentido de favorecer a superação de conflitos e frustrações (Winnicott, 1975).

c). O brincar permite conhecer a realidade: É preciso considerar elementos

sócio-culturais da brincadeira (Vygotsky, 1989; Brougère, 2000). O brincar gira em torno da

cultura lúdica que é, antes de tudo, um conjunto de procedimentos que tornam a

brincadeira possível, com a incorporação de aspectos da cultura em que a criança vive. A criança ao representar uma situação numa brincadeira, necessariamente o faz partindo das relações sentidas ou vivenciadas no ambiente e na cultura. Dessa forma, incorpora, nas brincadeiras as regras e os papéis sociais com os quais convive. Assim, inclui-se na cultura.

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d). ao brincar, a criança explora e expande o real: O brinquedo cria uma região

de tensão criativa, a qual Vygotsky (1989) denominou de zona de desenvolvimento

proximal; “região” de domínio psicológico em constante transformação, representada

pela distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. No brinquedo, a criança sempre age como se ela fosse maior do que é na realidade. Assim se aproxima de seu potencial. Esse é um aspecto prospectivo do brincar. “Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento de forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento” (Vygostky, 1989:117).

e). os jogos preparam para a convivência democrática: Sabemos que nos aspectos

envolvidos no brincar se processam elementos que permitem à criança sair do estado egocêntrico e centralizado em que vive, redirecionando sua percepção para o mundo exterior, para as propriedades existentes nos objetos, para as relações sociais, para as normas e as regras (Piaget, 1974). Isto significa que ao brincar a criança promove a diminuição de seu estado egocêntrico infantil e, através de um processo de descentralização, pode caminhar na direção do respeito ao ponto de vista das outras pessoas e, consequentemente, a desenvolver relações de cooperação e reciprocidade.

Partindo dessas considerações teóricas anteriores, elaboramos a proposta metodológica da Brinquedoteca Móvel no Hospital. Esta prevê intervenções, supervisionadas por dois docentes/pesquisadores, mediante atividades interativas que envolvem as crianças hospitalizadas e alunos do curso de Psicologia. Tais alunos atuam de segunda à sexta-feira, no período vespertino, em grupos que variam de dois a cinco estagiários, na pediatria do hospital, por aproximadamente quatro horas/dia, utilizando-se de um carrinho móvel dirigido a cada leito, contendo brinquedos diversificados. Na situação, as crianças internadas escolhem espontaneamente os brinquedos com os quais

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desejam brincar, sempre em contexto de interação com os alunos/pesquisadores que procuram valorizar nas atividades, princípios do desenvolvimento infantil, tais como: interação, atividade, simbolização e conhecimento social. Desde o início do projeto, em 2000, foram atendidas um total de 3467 crianças, de ambos os sexos, com idade variando entre 0 e 13 anos.

Nossas observações e o registro de fragmentos de discursos de crianças internadas, familiares e agentes institucionais, permitiram uma análise qualitativa dos dados na qual verificamos principalmente que: a) as possibilidades de interação, expressão e autonomia das crianças se ampliam na medida em que são disponibilizados recursos lúdicos; b). as atividades lúdicas interativas amenizam o ambiente invasivo e contribuem para a recuperação das crianças; c). o brincar proporciona uma melhor compreensão e elaboração da situação de exceção que a criança está vivendo no hospital; d). o lúdico possibilita à criança representar sua realidade cotidiana no contexto de hospitalização. e) a interação dos estagiários com as crianças estimula a aproximação e atividade participativa/interativa das mães ou acompanhantes com essas crianças, o que contribui para a diminuição da insegurança, ansiedade e angústias potencializadas pela situação de hospitalização. f) a atuação da brinquedoteca móvel, promove uma notável mudança no ambiente pediátrico, na medida em que desfocaliza a “doença” e prioriza a idéia de promoção da saúde, otimizando a humanização hospitalar. Além dessas contribuições enunciadas, as atividades interativas lúdicas proporcionam recursos para elaborações afetivo-cognitivas que podem auxiliar na saúde psicológica da criança egressa da situação de internação. Tais aspectos nos levam à premissa de que devemos, a todo custo, defender o direito de brincar para a criança hospitalizada.

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BIBLIOGRAFIA

BROUGÈRE, G. (2000) Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez.

COSTA JR. A. L. Psicooncologia e manejo de procedimentos invasivos em oncologia pediátrica: uma revisão de literatura. Psicologia Reflexão e Crítica. 12 (1), 107-118, 1999.

JASINSKI, D. M. (2000) Use of play therapy in same day pediatric surgery:

impact on patient and parent anxiety and level of parent satisfaction. The catolic

University of América, Degree DNSc.

KLEIN, M. (1997) A psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Imago.

OLIVEIRA, Vera B. (2000) O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Petrópolis: Vozes.

PIAGET, J. (1974) A Formação do Símbolo na Criança. Rio de Janeiro: Zahar.

RIEMENSCHEIDER, F. (1997) Espaço potencial e realidade virtual. In: SINGER. J. L. The child’s world of make believe. New York: Academic Press. SANTOS, Santa M. S. (org). (2000) Brinquedoteca: a criança o adulto o lúdico. Petrópolis: Vozes.

SOARES, M. R. & ZAMBERLAN M. A. (2001) A inclusão do brincar na hospitalização infantil. Estudos de Psicologia. Campinas: PUC, V. 18, n. 2, 64-69 p.

VASCONCELOS, M. S. (2001) Criatividade: psicologia, educação e

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Referências

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