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Avaliação dos efeitos neuro e hepatotóxicos da homocisteína em ratos utilizando uma abordagem bioquímica e comportamental : papel antioxidante do ácido fólico

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Ciências Básicas da Saúde

Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas: Bioquímica

AVALIAÇÃO DOS EFEITOS NEURO E HEPATOTÓXICOS DA

HOMOCISTEÍNA EM RATOS UTILIZANDO UMA ABORDAGEM

BIOQUÍMICA E COMPORTAMENTAL:

PAPEL ANTIOXIDANTE DO ÁCIDO FÓLICO

Cristiane Matté

Orientadora: Profª Drª Angela Terezinha de Souza Wyse

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Ciências Básicas da Saúde

Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas: Bioquímica

AVALIAÇÃO DOS EFEITOS NEURO E HEPATOTÓXICOS DA

HOMOCISTEÍNA EM RATOS UTILIZANDO UMA ABORDAGEM

BIOQUÍMICA E COMPORTAMENTAL:

PAPEL ANTIOXIDANTE DO ÁCIDO FÓLICO

Cristiane Matté

Orientadora: Profª Drª Angela Terezinha de Souza Wyse

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas: Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial à obtenção do

título de Doutor em Bioquímica

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III

Dedico esta tese de doutorado ao meu marido, Sandro. Agradeço o companheirismo e o incentivo nesse período de muitos

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Agradecimentos

A minha orientadora, Angela, pela amizade, pela confiança em meu trabalho e profissionalismo com que coordena o laboratório de doenças metabólicas e

neuroproteção. Obrigada pela orientação precisa, que sempre visou o aprimoramento

científico desta tese.

Aos amigos do laboratório, pelas amizades verdadeiras que construímos e vou conservar para sempre. Em especial às pessoas que colaboraram para o

desenvolvimento desta tese: Vanize, Tiago, Francieli, Lenir, Emilene e Flávia. São anos de trabalho e muitas amizades construídas, quero agradecer aos que ainda fazem parte do laboratório e aos que passaram por aqui e mesmo não estando citados nos artigos que

compõe esta tese, deixaram sua marca no meu trabalho e na minha vida: Emílio e Alexandra, Siomara, Daniela, Débora, Caren, Fábria, Marcelo, Thiago, Cristiane Mattos, Bárbara, Andréa, Aline, Eduardo, Juliana, Janaína, Maira, Felipe, Andressa,

Fernanda, Lucas e Ana Paula.

Aos professores do grupo de Erros Inatos do Metabolismo, Clóvis, Dutra e Moacir, pelos ensinamentos e pelo ambiente agradável que proporcionam, acolhendo a

todos.

Aos muitos amigos dos laboratórios 34, 36 e 38, onde encontrei grandes colegas e amigos verdadeiros.

Aos professores, que colaboraram com meu crescimento profissional, seja pelas disciplinas ministradas ou por colaboração em experimentos.

Aos colegas de outros laboratórios, pelo comprometimento e tempo dedicados aos experimentos, que trouxeram mais do que resultados, mas também laços de

amizade.

Aos funcionários do Departamento de Bioquímica da UFRGS, pelos anos de convivência e apoio ao projeto de pesquisa.

A minha família, Sandro, Inês, Mainar, Fabiane e Aline, pela vibração em cada conquista e por acreditar que o estudo é o caminho do sucesso profissional e pessoal.

A força divina que nos protege a cada novo dia. Ao CNPq, pela bolsa concedida.

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V

"Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos."

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SUMÁRIO Pág. RESUMO 2 ABSTRACT 3 LISTA DE ABREVIATURAS 4 I. INTRODUÇÃO 7

1. Erros inatos do metabolismo 7

2. Homocistinúria 8

3. Homocisteína 11

3.1. Aspectos tóxicos da homocisteína 13

4. Ácido fólico 17 5. Estresse oxidativo 21 6. Metabolismo energético 24 7. Sistema glutamatérgico 27 8. Memória 30 II. OBJETIVOS 34 Objetivo geral 34 Objetivos específicos 34 III. RESULTADOS 38 Capítulo I 38 Capítulo II 46 Capítulo III 55 Capítulo IV 92 Capítulo V 98 Capítulo VI 107 IV. DISCUSSÃO 116 V. CONCLUSÕES 141 VI. PERSPECTIVAS 144

VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 146

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RESUMO

A homocistinúria é um erro inato do metabolismo bioquimicamente caracterizado pela deficiência da enzima cistationina β-sintase, o que promove um bloqueio na via de transulfuração da homocisteína, e consequente acúmulo tecidual desse aminoácido. Clinicamente os pacientes apresentam retardo mental, crises convulsivas, alterações vasculares, oculares, esqueléticas e hepáticas. Embora a hiper-homocisteinemia seja uma característica marcante da homocistinúria, o aumento nos níveis de homocisteína tem sido detectados em uma série de doenças neurodegenerativas, cérebro e cardiovasculares, bem como hepáticas. Nesse contexto, o objetivo geral da presente tese foi avaliar o efeito da hiper-homocisteinemia sobre parâmetros comportamentais e bioquímicos (estresse oxidativo, metabolismo energético e captação de glutamato) em cérebro, sangue e fígado de ratos. Também investigamos o papel neuroprotetor do ácido fólico. A hiper-homocisteinemia crônica reduziu as defesas antioxidantes enzimáticas e não-enzimáticas, bem como aumentou o dano ao DNA e o nível de espécies reativas ao ácido tiobarbitúrico em córtex parietal. As defesas antioxidantes sanguíneas também foram afetadas, e o dano ao DNA observado em córtex foi reproduzido em células nucleadas sanguíneas. A administração crônica de homocisteína resultou em danos oxidativos no fígado, reduzindo as defesas antioxidantes e o conteúdo de grupamentos tiólicos, bem como aumentando a peroxidação lipídica. O tecido hepático apresentou ainda alterações histológicas, demonstradas pela presença de infiltrado inflamatório, fibrose e redução no conteúdo de glicogênio/glicoproteínas. As hiper-homocisteinemias aguda e crônica alteraram a atividade da citocromo c oxidase possivelmente devido a alterações oxidativas; bem como afetaram o sistema glutamatérgico, reduzindo a captação de glutamato e o imunoconteúdo dos transportadores gliais em córtex parietal de ratos. O tratamento com ácido fólico preveniu as modificações oxidativas em córtex parietal e sangue de ratos, bem como as alterações na atividade da citocromo c oxidase. A inibição da Na+,K+ -ATPase em córtex parietal e o déficit mnemônico espacial em ratos hiper-homocisteinêmicos também foram prevenidos pelo tratamento concomitante com ácido fólico, através de um mecanismo independente da redução dos níveis plasmáticos e cerebrais de homocisteína, e possivelmente relacionado à sua atividade antioxidante. A administração aguda de homocisteína resultou em déficit na consolidação da memória aversiva em ratos, associado à redução no imunoconteúdo de BDNF hipocampal. Esses efeitos foram prevenidos pelo pré-tratamento com ácido fólico. Em resumo, nossos resultados indicam que a homocisteína induz estresse oxidativo em córtex parietal, sangue e fígado de ratos; o que pode estar correlacionado com as demais alterações observadas nessa tese, tais como disfunção mitocondrial, redução na captação de glutamato e déficit mnemônico. Nossos resultados sugerem um efeito neuroprotetor do ácido fólico, prevenindo as alterações bioquímicas e comportamentais induzidas pela administração de homocisteína, possivelmente via ação antioxidante. Acreditamos que nossos achados possam colaborar para o esclarecimento dos mecanismos citotóxicos da homocisteína, bem como apoiar a avaliação da terapia com ácido fólico em pacientes hiper-homocisteinêmicos.

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ABSTRACT

Homocystinuria, an inborn error of metabolism, is biochemically characterized by cystathionine β-synthase deficiency and homocysteine tissue accumulation. Patients frequently present mental retardation, seizures, vascular, skeletal, ocular, and hepatic complications. Moreover, hyperhomocysteinemia has emerged as an important risk factor for neurodegenerative, vascular and hepatic diseases. In this context, the main objective of this doctoral thesis was to evaluate the effect of hyperhomocysteinemia on behavioral and biochemical parameters (oxidative stress, energy metabolism, and glutamate uptake) in brain structures, blood and liver of rats. We also investigated the neuroprotective role of folic acid. Chronic hyperhomocysteinemia reduced enzymatic and non-enzymatic antioxidant defenses, as well as increased DNA damage and the level of thiobarbituric acid reactive substances in parietal cortex of rats. Antioxidant defenses were also altered in blood of hyperhomocysteinemic rats, who presented increased DNA damage in blood nucleated cells. Chronic homocysteine administration induced oxidative stress in liver of rats, reducing antioxidant defenses and total thiol content, as well as increasing lipid peroxidation. Histological analyses revealed inflammatory infiltration, fibrosis and reduced glycogen/glycoprotein content in hepatic tissue. Acute and chronic hyperhomocysteinemia resulted in changes in cytochrome c oxidase activity, as well affected the glutamatergic system, inhibiting the glutamate uptake and reducing glial transporters immunocontent in parietal cortex. Folic acid administration prevented the oxidative alterations elicited by homocysteine in parietal cortex and blood of rats, as well the modifications on cytochrome c oxidase activity. Na+,K+-ATPase inhibition in parietal cortex and the spatial mnemonic deficit in hyperhomocysteinemic rats were prevented by folic acid concurrent administration, by a mechanism independent of homocysteine plasmatic and cerebral concentration reduction, and possible dependent of its antioxidant potential. Acute homocysteine administration induced a significant deficit in consolidation of aversive memory, associated to a reduction in hippocampal BDNF immunocontent. Folic acid pretreatment prevented both effects. In summary, our results showed that homocysteine administration induced oxidative stress in parietal cortex, blood, and liver of rats; which could be related to biochemical and behavior alterations found in this thesis, such as mitochondrial dysfunction, reduction in glutamate uptake, and mnemonic deficit. Our data suggest a neuroprotective effect of folic acid, preventing the biochemical and behavior alterations elicited by homocysteine, possible by its antioxidant properties. We believe that our data could collaborate for the explanation of homocysteine cytotoxicity mechanisms, as well support the evaluation of folic acid therapy in hyperhomocysteinemic patients.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADP - difosfato de adenosina ALT- alanina aminotransferase

AMPA - ácido α-amino-3-hidróxi-5-metil-4-isoxazol-propiônico AST - aspartato aminotransferase

ATP - trifosfato de adenosina

BDNF - fator neurotrófico derivado do encéfalo BHMT - betaína homocisteína metiltransferase BHT - di-terc-butil metil fenol

CAT - catalase

CBS - cistationina β-sintase CGL - cistationina γ-liase CK - creatina quinase COX – citocromo c oxidase

CREB - elemento de ligação responsivo ao AMPc e- - elétron

EAAC - carreador de aminoácidos excitatórios EAAT - transportador de aminoácidos excitatórios EIM - erros inatos do metabolismo

Erk - quinase regulada por sinal extracelular ERO - espécies reativas de oxigênio

FADH2 - flavina adenina dinucleotídeo (forma reduzida) G - proteína G

GLAST - transportador glial de glutamato Gln - glutamina

GLT-1 - transportador glutamato-aspartato dependente de Na+ GLUT - transportador de glicose

GPx - glutationa peroxidase GR - glutationa redutase

GSH - glutationa (forma reduzida) GSSG - glutationa (forma oxidada)

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5 HCU - homocistinúria

Hcy - homocisteína HNE - 4-hidroxinonenal H2O2 - peróxido de hidrogênio

HPLC - cromatografia líquida de alta eficiência

HPLC/MS-MS - HPLC acoplado à espectrometria de massas em tandem IL - interleucina

IP3 - inositol trifosfato Lac - lactato

LDH - lactato desidrogenase

LDL - lipoproteínas de baixa densidade LTM - memória de longa duração LTP - potenciação de longa duração

MAPK - proteína quinase ativada por mitógeno MAT - metionina adenosiltransferase

MCP-1 - proteína quimiotática de monócitos 1 MDA - malondialdeído

Met - metionina

MMP - metaloproteinases MS - metionina sintase

NADH - nicotinamida adenina dinucleotídeo (forma reduzida)

NADPH - nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (forma reduzida) NADPH oxidase - nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato oxidase NFκB - fator nuclear kappa B

NMDA - N-metil-D-aspartato NO• - óxido nítrico

NO2• - dióxido de nitrogênio O2•- - superóxido

OH• - hidroxil

PARP - poli (ADP-ribose) polimerase PAS - ácido periódico de Schiff PGK -fosfoglicerato quinase PI3K - fosfatidil-inositol 3 quinase

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PKA - proteína quinase A PKC - proteína quinase C PKG - proteína quinase G Pi – fosfato inorgânico PPi - pirofosfato inorgânico PLCγ - fosfolipase C γ PLP - piridoxal fosfato Q - ubiquinona

RO2• - peroxil

SAH - S-adenosil homocisteína

SAHH - S-adenosil homocisteína hidrolase SAM - S-adenosilmetionina

SDH - succinato desidrogenase SNC - sistema nervoso central SOD - superóxido dismutase STM - memória de curta duração TAR - reatividade antioxidante total TIMP-1 - inibidor de MMP-1 TNF-α - fator de necrose tumoral α Trk - tirosina quinase

TBARS - substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico TRAP - potencial antioxidante total não-enzimático Vm - potencial de membrana

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I. INTRODUÇÃO

1. Erros inatos do metabolismo

Erros inatos do metabolismo (EIM) são doenças multifatoriais, majoritariamente autossômicas recessivas, que abrangem alterações genéticas e bioquímicas. São caracterizados pela síntese de produtos gênicos alterados, geralmente enzimas, porém a síntese de receptores, hormônios, fatores de coagulação e hemoglobinas anormais também caracteriza bioquimicamente diversos EIM. Essas desordens implicam num fenótipo químico alterado, como consequência do bloqueio de vias metabólicas onde essas enzimas anômalas estão inseridas (Scriver et al., 2001).

Os primeiros estudos envolvendo EIM foram desenvolvidos por Archibald Garrod, no início do século XX, com a descrição da alcaptonúria. Atualmente, o livro “The Metabolic & Molecular Bases of Inherited Disease” lista mais de 500 EIM, apresentando incrementos sucessivos a cada edição. Os EIM podem ser clinicamente classificados em duas categorias: (1) doenças que afetam um sistema anatômico ou funcional, ou ainda um único órgão, e (2) doenças nas quais a lesão bioquímica afeta uma via metabólica, que é comum em diversos órgãos ou é individual de um órgão, entretanto os efeitos são sistêmicos. A segunda categoria pode ainda ser dividida em 3 subtipos, individualizando o diagnóstico: (2.1) doenças que alteram a síntese ou catabolismo de moléculas complexas, tais como desordens lisossomais, peroxissomais, e alterações no processamento e tráfego intracelular de proteínas secretórias; (2.2) erros inatos do metabolismo intermediário, caracterizados pela intoxicação aguda e progressiva causada pelo acúmulo de compostos tóxicos em decorrência do bloqueio metabólico, incluindo aminoacidopatias, acidúrias orgânicas, defeitos congênitos do ciclo da uréia e intolerância a carboidratos; e (2.3) doenças caracterizadas por “deficiência energética”, onde ocorre um distúrbio na produção ou utilização de energia,

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como resultado de um EIM intermediário que atinge o fígado, miocárdio, músculo ou cérebro; incluindo defeitos na glicogenólise, gliconeogênese, acidemia lática congênita, defeitos na oxidação de ácidos graxos e na cadeia respiratória mitocondrial. Apesar da freqüência individual dessas doenças ser baixa, em conjunto atingem 1:1000 nascidos vivos (Scriver et al., 2001).

2. Homocistinúria

A homocistinúria (HCU) é um EIM dos aminoácidos sulfurados, associado à deficiência da enzima cistationina β-sintase (CBS; EC 4.2.1.22). Essa doença metabólica foi reportada pela primeira vez em 1969 por McCully, que identificou homocistina na urina de uma paciente com alterações vasculares avançadas. Os achados ateroscleróticos verificados em pacientes homocistinúricos, relatados por McCully, foram pioneiros em associar elevadas concentrações plasmáticas de Hcy e a deficiência das vitaminas do complexo B (McCully, 1969).

Essa desordem autossômica recessiva é geneticamente heterogênea, podendo ser causada por 92 diferentes mutações no gene que codifica a enzima CBS. A HCU apresenta uma prevalência mundial média variando de 1:200.000 à 1:335.000 nascidos vivos (Mudd, Levy e Kraus, 2001), entretanto diversos estudos indicam que esses valores foram subestimados. No Catar, essa prevalência alcança 1:1800, a mais alta identificada até o presente momento, devido à organização tribal dessa população, onde ocorrem muitos casamentos consanguíneos que propagam uma mutação na enzima CBS. Além disso, o evoluído sistema de diagnóstico empregado, através da cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) acoplado à espectrometria de massas em tandem (HPLC/MS-MS), possibilita o diagnóstico preciso em larga escala desse EIM (Zschocke et al., 2009).

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9 Bioquimicamente, a HCU é caracterizada pelo acúmulo tecidual de homocisteína (Hcy), acompanhado pela elevação dos níveis de seu precursor, o aminoácido essencial metionina (Met), assim como da redução dos produtos da via de transulfuração da Hcy, cistationina e cisteína. Além disso, ocorre a eliminação de homocistina, um metabólito formado por duas moléculas de Hcy ligadas por uma ponte dissulfeto, na urina, a característica que dá nome à doença. As concentrações plasmáticas normais de Hcy variam de 5-15 µM, podendo atingir 500 µM na doença, enquanto a concentração plasmática normal de Met de 35 µM pode alcançar 2000 µM em pacientes homocistinúricos não tratados. As altas concentrações sanguíneas encontradas nos pacientes refletem a deficiência enzimática intracelular. Pacientes portadores de HCU apresentam uma considerável redução na atividade da enzima CBS em fígado, fibroblastos, cérebro, linfócitos, células coletadas de líquido amniótico e vilosidades coriônicas (Mudd, Levy e Kraus, 2001).

Os pacientes afetados por essa doença invariavelmente apresentam alterações no sistema nervoso central (SNC) e vascular, além de anormalidades oculares, esqueléticas e hepáticas. Dentre os sinais e sintomas mais frequentes estão o retardo mental, distúrbios psiquiátricos, crises convulsivas, aterosclerose, tromboembolismo, ectopia do cristalino, miopia, osteoporose, esteatose hepática e uma variedade de deformações ósseas. Esses efeitos têm sido relacionados às altas concentrações teciduais de Hcy observadas nos pacientes (Mudd, Levy e Kraus, 2001).

O diagnóstico da HCU é dado através da combinação de sinais clínicos e das avaliações bioquímica e molecular.A história familiar e os dados clínicos do paciente orientam a investigação para os EIM, entretanto esse conjunto de doenças muitas vezes apresenta sintomas semelhantes, dificultando o diagnóstico baseado nos dados observacionais. Em seguida, é realizada uma avaliação bioquímica da urina, plasma e

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biópsia tecidual do paciente. O teste de triagem para HCU consiste na identificação da homocistina na urina do paciente, a qual reage no teste do cianeto-nitroprussiato.Esse método apresenta uma série de interferentes, portanto, não é conclusivo, sendo necessária a identificação de Hcy e seus metabólitos no plasma dos pacientes. A detecção e a quantificação plasmáticas dos metabólitos da Hcy podem ser realizadas por eletroforese, cromatografia de troca iônica, HPLC, e mais recentemente HPLC/MS-MS. Essas metodologias também são utilizadas para o monitoramento da eficácia do tratamento empregado em pacientes homocistinúricos. A confirmação do diagnóstico de HCU é dada através de ensaios diretos da atividade da enzima CBS em biópsia de fígado, cultura de fibroblastos da pele ou linfócitos estimulados por fitoemaglutinina obtidos do paciente. O sucesso do tratamento de EIM em geral, incluindo a HCU, depende do diagnóstico precoce. Neste sentido, pode-se realizar o diagnóstico pré-natal através da medida dos metabólitos da Hcy no líquido amniótico, ou pela determinação da atividade da enzima CBS em cultura de células livres do líquido amniótico (Fowler e Jakobs, 1998; Mudd, Levy e Kraus, 2001; Mudd et al., 2003).

A conduta terapêutica utilizada geralmente envolve uma dieta reduzida em Met, além da suplementação com cisteína e vitaminas do complexo B (piridoxina/B6, cobalamina/B12 e ácido fólico/B9). Nesse contexto, os pacientes homocistinúricos são classificados como responsivos, intermediários e não responsivos à piridoxina, o que está estritamente relacionado à mutação da CBS presente em cada indivíduo, e norteia o tratamento que será utilizado. A dieta com restrição de Met é amplamente utilizada, e permite a redução dos níveis plasmáticos de Hcy, desde que esse aminoácido essencial origina a Hcy durante seu catabolismo celular. Tendo em vista a função da cisteína como precursora da glutationa (GSH), um dos mais importantes antioxidantes cerebrais, faz-se necessário utilizar uma dieta suplementada com cisteína.

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11 As vitaminas são importantes precursores de coenzimas utilizadas no metabolismo da Hcy. Os pacientes responsivos à piridoxina recebem doses diárias dessa vitamina, que podem ultrapassar 1g, o que tem mostrado um controle relativo dos níveis plasmáticos de Hcy, além de um atraso no aparecimento dos sintomas da doença; entretanto a utilização prolongada dessa vitamina tem sido associada ao aparecimento de danos neurológicos. O ácido fólico tem sido empregado em alguns pacientes na dose de 5-10 mg/dia, em regimes que incluem a piridoxina em pacientes responsivos. A cobalamina é menos utilizada nos protocolos de terapia, e geralmente é administrada duas vezes ao ano. A betaína, que participa da via de remetilação da Hcy no fígado, também tem sido administrada a alguns pacientes, em especial aos denominados não-responsivos à piridoxina, porém as altas doses empregadas (6-9 g/dia) e o odor corporal causado por esse composto limitam sua utilização. Essas condutas terapêuticas têm por objetivo controlar os níveis plasmáticos da Hcy e seus metabólitos, retardando a evolução das complicações neurológicas e periféricas, principalmente vasculares, as quais geralmente são responsáveis pelo óbito dos pacientes (Walter et al., 1998; Mudd, Levy e Kraus, 2001).

3. Homocisteína

A Hcy é um aminoácido sulfurado não-protéico derivado da Met, cujo metabolismo está demonstrado na figura 1. O catabolismo da Met, que é obtida da dieta e da degradação de proteínas endógenas, tem um papel fundamental nos processos de metilação molecular. A Met é convertida à S-adenosilmetionina (SAM) pela enzima metionina adenosiltranferase (MAT, EC 2.5.1.6), recebendo um grupo adenosil do ATP. A SAM é o principal doador de grupos metil presente no meio biológico, sendo convertida à S-adenosil homocisteína (SAH) por diversas metiltransferases, específicas para cada substrato, tal como o DNA, a fosfatidiletanolamina, o guanidinoacetato e

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alguns neurotransmissores. A SAH é hidrolisada a Hcy e adenosina pela S-adenosil homocisteína hidrolase (SAHH, EC 3.3.1.1). Nesse ponto, o catabolismo da Hcy pode seguir duas vias: (1) a remetilação à Met, onde a Hcy recebe um grupo metil proveniente do N5-metiltetraidrofolato, em uma reação catalisada pela metionina sintase (MS, EC 2.1.1.13), ou da betaína, em uma reação catalisada pela betaína homocisteína metiltransferase (BHMT, EC 2.1.1.15); ou (2) a transulfuração à cisteína, onde a Hcy sofre condensação com a serina, produzindo cistationina, em uma reação catalisada pela enzima CBS, que utiliza como coenzima o piridoxal fosfato (PLP), e, no passo seguinte, a cisteína é formada através da reação de clivagem catalisada pela cistationina γ-liase (CGL, EC 4.4.1.1). A rota de remetilação é amplamente distribuída no organismo, enquanto que a via de transulfuração da Hcy tem distribuição limitada, participando do catabolismo da Hcy principalmente no fígado, rins, intestino delgado, pâncreas e cérebro (Fowler, 1997; Brosnan et al., 2004; Finkelstein, 2007).

O metabolismo da Hcy é dependente de uma ingestão adequada de vitaminas, as quais são precursoras de coenzimas que atuam nessa via. O PLP, derivado da piridoxina, é o grupo prostético da CBS e da CGL, ambas pertencentes à via de transulfuração da Hcy. A metilcobalamina e o N5-metiltetraidrofolato, coenzimas da MS, são derivados da cobalamina e do ácido fólico, respectivamente, e participam da via de remetilação da Hcy (Fowler, 1997; Mudd, Levy e Kraus, 2001; Brosnan et al., 2004).

A concentração total de Hcy no plasma é composta por um conjunto de espécies redox, sendo que a forma oxidada ligada a proteínas é a predominante, perfazendo 70-80% do total da Hcy plasmática, enquanto que a forma oxidada livre (composta por um misto de dissulfetos) encontra-se numa proporção de aproximadamente 20%. A Hcy totalmente reduzida, que é a forma ativa, contribui muito pouco com a concentração

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13 total desse aminotiol, cerca de 1-4%, entretanto na HCU não tratada as altas concentrações de Hcy promovem um aumento desproporcional nos níveis de Hcy reduzida, podendo alcançar 20 µM em pacientes com concentração total de 150 µM, sugerindo que a capacidade de ligação protéica para a Hcy foi ultrapassada (Mudd, Levy e Kraus, 2001; Perna, Ingrosso e De Santo, 2003; Brosnan et al., 2004).

Figura 1. Metabolismo da homocisteína (adaptado de Cox e Nelson, 2001). As coenzimas encontram-se entre parênteses, abaixo das enzimas que catalisam a reação. ATP, trifosfato de adenosina; PLP, piridoxal fosfato; Pi, fosfato inorgânico; PPi, pirofosfato inorgânico

3.1. Aspectos tóxicos da homocisteína

Embora a hiper-homocisteinemia seja um achado bioquímico característico da HCU (Mudd, Levy e Kraus, 2001), essa condição metabólica também tem sido demonstrada em pacientes acometidos de doenças neurodegenerativas (Diaz-Arrastia, 2000; Mattson, Kruman e Duan, 2002), psiquiátricas (Sachdev, 2004; Bottiglieri, 2005), vasculares (Clarke et al., 1991; Welch e Loscalzo, 1998; Faraci e Lentz, 2004) e

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hepáticas (Bosy-Westphal et al., 2001; Adinolfi et al., 2005; Ventura et al., 2005). Em adição, a hiper-homocisteinemia tem sido destacada como um fator de risco importante no déficit cognitivo observado em pacientes idosos (Sachdev, 2004; Kado et al., 2005), associado à observação de atrofias hipocampal e cortical identificadas em estudos de imagem (Sachdev, 2005).

Nosso grupo de pesquisa tem demonstrado uma relação consistente entre a administração de Hcy e o prejuízo na memória em modelos animais submetidos às tarefas de esquiva inibitória (Reis et al., 2002) e labirinto aquático de Morris (Streck et al., 2004). Corroborando com esses dados, Bernardo e cols. (2007) mostraram que camundongos transgênicos, super-expressando peptídeo β-amilóide, e alimentados com uma dieta que induziu hiper-homocisteinemia apresentaram déficit na memória espacial avaliada no labirinto aquático de Morris. Baydas e cols. (2005) correlacionaram positivamente a hiper-homocisteinemia e o estresse oxidativo em hipocampo de ratos ao prejuízo na memória espacial, testada no labirinto aquático. Nesse contexto, Rabaneda e cols. (2008) recentemente demonstraram que a Hcy inibe a proliferação de células progenitoras neurais da zona subventricular e do giro denteado do hipocampo de camundongos, áreas cerebrais relacionadas ao aprendizado e memória, através de um mecanismo dependente da inibição da via da quinase regulada por sinal extracelular (Erk, EC 2.7.11.24) 1/2.

Diversos estudos publicados na última década têm apresentado hipóteses que visam elucidar os mecanismos pelos quais a Hcy exerce sua toxicidade, no entanto, ainda não existe um consenso na literatura, considerando a variedade de sistemas afetados por esse aminoácido. Entre os mecanismos de neurotoxicidade mais estudados estão a excitotoxicidade glutamatérgica, o desequilíbrio das reações de metilação celular causado pelo acúmulo de SAH, um potente inibidor das metiltransferases; e as

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15 alterações vasculares (Troen, 2005). Considerando a primeira hipótese, a Hcy possui propriedades epileptogênicas (Kubová, Folbergrová e Mares, 1995; Folbergrová, 1997), atuando possivelmente via superativação de receptores glutamatérgicos, em especial os receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e metabotrópicos do grupo I (Lipton et al., 1997; Zieminska e Lazarewicz, 2006). Em adição, os efeitos neurodegenerativos da Hcy possivelmente estão associados à captação deste aminotiol por transportadores de membrana, promovendo acúmulo intracelular (Grieve, Butcher e Griffiths, 1992), e levando à morte neuronal via apoptose, que é precedida por dano ao DNA, ativação da poli (ADP-ribose) polimerase (PARP, EC 2.4.2.30) e das caspases, depleção energética e disfunção mitocondrial (Kruman et al., 2000). Ho e cols. (2002) desenvolveram um relevante estudo sobre os aspectos neurotóxicos da Hcy em culturas de neurônios. Os achados mostram que a Hcy promove o acúmulo citosólico de Ca2+, a hiperfosforilação da Tau, induz o estresse oxidativo e a apoptose. Embora alguns desses efeitos possam ser prevenidos por antagonistas glutamatérgicos, reforçando o papel da excitotoxicidade nos efeitos mediados pela Hcy, o mecanismo de ação completo da Hcy permanece por ser esclarecido.

O estresse oxidativo tem sido um alvo recorrente de estudos envolvendo a Hcy, em parte porque a ativação de receptores NMDA pode ser seguida pela produção de espécies reativas (Kim e Pae, 1996; Ho et al., 2003; Jara-Prado et al., 2003), ou devido a geração de peróxido de hidrogênio, superóxido e hidroxil, durante a auto-oxidação da Hcy à homocistina e demais dissulfetos (Mudd, Levy e Kraus, 2001; Dayal et al., 2004; Faraci e Lentz, 2004). Nesse contexto, nosso grupo de pesquisa tem demonstrado a presença de estresse oxidativo em hipocampo e córtex cerebral induzido pela Hcy in

vitro, evidenciado pela redução nas defesas antioxidantes e aumento na peroxidação

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Por outro lado, poucos estudos têm contemplado a atuação da Hcy sobre o metabolismo energético. A depleção dos estoques energéticos (Kruman et al., 2000), e a inibição do metabolismo oxidativo (Streck et al., 2003a) podem estar associados à neurodegeneração causada pela Hcy. A Na+,K+-ATPase (EC 3.6.3.9) consome aproximadamente 50% do ATP produzido no cérebro a fim de manter a excitabilidade neuronal (Erecinska e Silver, 1994). Essa enzima integral de membrana é inibida pela Hcy em hipocampo (Streck et al., 2002a; Streck et al., 2002b; Wyse et al., 2002) e córtex parietal de ratos (Matté et al., 2004; Matté et al., 2006).

Os efeitos da Hcy sobre as células hepáticas têm atraído a atenção de um número menor de pesquisadores, resultando em um número restrito de dados sobre a toxicidade desse aminotiol no órgão que centraliza o seu metabolismo. Robert e cols. (2005) avaliaram o efeito da hiper-homocisteinemia sobre o fígado de camundongos CBS-deficientes, e demonstraram a presença de infiltrado inflamatório, ativação de células estreladas hepáticas e fibrose. Em concordância com esses dados, a hiper-homocisteinemia induz a produção de mediadores inflamatórios no fígado de ratos, que também podem ser detectados no plasma (Ji e Kaplowitz, 2004; Woo, Siow e O, 2008).

Considerando os efeitos da Hcy sobre o sistema vascular, uma revisão de McCully (2007) correlacionou o aparecimento de placas arterioscleróticas à hiper-homocisteinemia provocada pela deficiência na enzima CBS observada na HCU, mas também resultante de fatores genéticos, metabólicos, hormonais, nutricionais e tóxicos. A Hcy parece comprometer as células vasculares via ação pró-inflamatória, resultando nas modificações do tecido conjuntivo responsáveis pela formação das placas arterioscleróticas, caracterizadas por fibrose, calcificação e deposição de proteoglicanos. Além disso, foram observadas alterações pró-coagulantes, e o estímulo à oxidação e à fagocitose das partículas de lipoproteínas de baixa densidade (LDL).

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4. Ácido fólico

O ácido fólico, ou vitamina B9, é um derivado sintético dos folatos, estruturalmente caracterizados por uma molécula 2-amino-4-hidroxipteridina ligada por um carbono metileno ao p-aminobenzoilpoliglutamato (Figura 2). As espécies plasmáticas caracterizam-se pela presença de apenas uma molécula de glutamato, enquanto as intracelulares possuem de 5-8 moléculas de glutamato unidas através de ligações peptídicas γ-carboxila, em uma reação catalisada pela folilpoli-γ-glutamato sintetase (EC 6.3.2.17). Os poliglutamatos possuem uma afinidade aumentada às enzimas do ciclo dos folatos, permitindo o sequestro dessas espécies no meio intracelular e estimulando a canalização dos substratos nessa via (Suh, Herbig e Stover, 2001; Finglas et al., 2003).

Figura 2. Estrutura molecular do ácido fólico (adaptado de Suh, Herbig e Stover, 2001).

O ácido fólico, com concentração hepática de aproximadamente 25-35 µM, é compartimentalizado na célula, onde aproximadamente 50% do conteúdo é citosólico e o restante encontra-se na mitocôndria. O ácido fólico participa do metabolismo de um carbono, onde é primeiramente convertido em diidrofolato e tetraidrofolato, em duas reações catalisadas pela enzima diidrofolato redutase (EC 1.5.1.3), e posteriormente são sintetizadas as coenzimas que atuam como doadores de grupos em três diferentes estados de oxidação, denominados metil, metileno e formil (Figura 3). O ácido fólico participa da síntese de bases nitrogenadas dos ácidos nucléicos, via síntese de novo de purinas e de timidilato. Além disso, exerce um papel fundamental no ciclo da Met. A

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reação catalisada pela enzima MS, que é dependente da coenzima N5 -metiltetraidrofolato, transfere um grupo metil à Hcy (destacado na Figura 1), que posteriormente é doado aos aceptores de metil descritos no metabolismo da Hcy (Suh, Herbig e Stover, 2001; Finglas et al., 2003).

Figura 3. Ciclo dos folatos e coenzimas derivadas do ácido fólico (adaptado de Cox e

Nelson, 2001). ADP, difosfato de adenosina; ATP, trifosfato de adenosina; PLP, piridoxal fosfato; NADH, nicotinamida adenina dinucleotídeo (forma reduzida); NADPH, nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (forma reduzida). Enzimas: (1) N5,N10-metilenotetraidrofolato redutase (EC 1.5.1.20), (2) Serina hidroximetil transferase (EC 2.1.2.1), (3) N10-formiltetraidrofolato sintetase (EC 6.3.4.3), (4) cicloidrolase (EC 3.5.4.9), (5) N5,N10-metilenotetraidrofolato desidrogenase (EC 1.5.1.5), (6) N5,N10-metilenotetraidrofolato sintetase (EC 6.3.3.2), (7) ciclodesaminase (EC 4.3.1.4)

Os níveis de folato em humanos podem ser determinados em soro (normal>3,5 ng/mL) ou eritrócitos (normal>140 ng/mL), sendo que no último as concentrações são representativas dos estoques corporais dessa vitamina. A determinação de folatos inclui o N5-metiltetraidrofolato, produzido pela mucosa intestinal durante o processo de absorção, e a forma mais oxidada, o ácido fólico, quando a absorção de folatos da dieta excede a capacidade metabólica intestinal.As concentrações sanguíneas de folato estão

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19 na ordem de nM, contrastando com as concentrações citosólicas na ordem de µM. Os altos níveis intracelulares de folato são obtidos através de um sistema de transporte presente na membrana celular, mediado por receptor de folato, carreadores de folatos reduzidos, e difusão passiva (Suh, Herbig e Stover, 2001). O sistema de transporte mediado por receptor também se encontra disponível na barreira hemato-encefálica (Wu e Pardridge, 1999). Por outro lado, a exportação de folatos só é possível após ação da enzima γ-glutamil hidrolase (EC 3.4.19.9), presente nos lisossomos, que atua hidrolisando as ligações peptídicas do poliglutamato, permitindo o transporte ATP-dependente para o meio extracelular (Suh, Herbig e Stover, 2001).

Essa vitamina do complexo B é encontrada em vegetais verdes, algumas frutas cítricas, fígado, derivados do leite e cereais. Sua labilidade ao cozimento, evidenciada por uma redução de 90% no conteúdo de folato, justifica a suplementação de farinhas com ácido fólico implementada nos Estados Unidos, Canadá, Chile, entre outros (Finglas et al., 2003). Embora essa suplementação dietética tenha apresentado uma redução nos casos de defeitos no fechamento do tubo neural, ainda não existem dados consistentes sobre as doses mais eficazes para a ampla prevenção dessas doenças. A suplementação com ácido fólico não apresenta indícios de toxicidade, apesar de alguns casos de deficiência de cobalamina serem mascarados (Eichholzer, Tönz e Zimmermann, 2006).

O ácido fólico tem sido utilizado clinicamente, em doses de 0,4-5 mg/dia, em uma série de situações, tais como a prevenção de defeitos no fechamento do tubo neural (Finglas et al., 2003; Blom et al., 2006), em pacientes epiléticos em tratamento, desde que alguns fármacos reduzem substancialmente os níveis dessa vitamina (Morrell, 2002), bem como na prevenção de doenças cardiovasculares (McCully, 2007), neurodegenerativas (Mattson, Kruman e Duan, 2002; Mattson e Shea, 2003) e

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psiquiáticas (Bottiglieri, 2005; Miller, 2008). Em muitas dessas situações patológicas observa-se o envolvimento da hiper-homocisteinemia, o que justifica a utilização de ácido fólico baseada na participação do N5-metiltetraidrofolato no metabolismo da Hcy (Eskes, 1998; Mattson, Kruman e Duan, 2002; Mattson e Shea, 2003; Bottiglieri, 2005; Blom et al., 2006; McCully, 2007; Miller, 2008). Apesar de alguns estudos, incluindo meta-análises, demonstrarem a inefetividade do tratamento com ácido fólico em doenças cardiovasculares (Bazzano et al., 2006; Collaboration, 2006; Clarke et al., 2007) e neurodegenerativas (Luchsinger e Mayeux, 2004; Clarke et al., 2007); os dados descritos acima permitem sugerir que o ácido fólico possui um papel promissor no tratamento e prevenção de doenças que envolvem o SNC e vascular, entretanto mais estudos são necessários a fim de definir as doses e o tempo de tratamentos mais eficazes.

Mais recentemente, um novo papel tem sido delineado para o ácido fólico, pertinente a sua ação antioxidante na prevenção dos efeitos cardiovasculares da Hcy (Brattström e Wilcken, 2000; Doshi et al., 2001). Nesse contexto, Joshi e cols. (2001) descrevem a ação como sequestradores de espécies reativas em pH fisiológico, tais como radical tiólico, peroxil e hidroxil, bem como prevenindo a peroxidação lipídica microssomal. Au-Yeung e cols. (2006) demonstraram atividade antioxidante e anti-inflamatória do ácido fólico sobre macrófagos ativados por Hcy, via inibição da produção de superóxido pela enzima nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato oxidase (NADPH oxidase, EC 1.6.3.1). Em concordância, a suplementação de pacientes hiper-homocisteinêmicos (>15 µM) com 5 mg diários de ácido fólico por um período de dois meses reduziu os níveis de Hcy, associado a uma melhora nos níveis antioxidante eritrocitário e à redução na peroxidação lipídica plasmática (Racek et al., 2005).

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5. Estresse oxidativo

O estresse oxidativo é caracterizado por um distúrbio no equilíbrio entre pró-oxidantes e antipró-oxidantes, resultando em dano celular. Esse desequilíbrio pode estar associado a uma redução no conteúdo celular de antioxidantes, em decorrência da utilização excessiva desse sistema, ou da produção e ingestão insuficientes. Por outro lado, o estresse oxidativo também pode ser consequência da produção excessiva de espécies reativas, que podem ser obtidas por ingestão de certas toxinas, ou produzidas pelo metabolismo celular em situações fisiológicas e patológicas (Halliwell e Whiteman, 2004).

Antioxidantes são conceituados como substâncias que quando presentes em baixas concentrações, em comparação a substratos oxidáveis, previnem significantemente a oxidação do substrato, que pode ser qualquer biomolécula (Halliwell e Whiteman, 2004). Os antioxidantes são divididos em duas classes, enzimáticos e não-enzimáticos. Dentre os enzimáticos, destacamos o papel da superóxido dismutase (SOD, EC 1.15.1.1), catalase (CAT, EC 1.11.1.6), glutationa peroxidase (GPx, EC 1.11.1.9) e glutationa redutase (GR, EC 1.8.1.7), que atuam coordenadamente na detoxificação das espécies reativas de oxigênio (ERO) (Figura 4). Os antioxidantes não-enzimáticos são um grupo heterogêneo de moléculas, que podem ser produzidas endogenamente ou obtidas da dieta, tais como as vitaminas A, C, E, riboflavina e tiamina; os polifenóis, os carotenóides, e os compostos de baixo peso molecular, que incluem bilirrubina, α-cetoácidos, melatonina, urato, ácido lipóico, estrógenos e GSH; assim como as proteínas ligadoras de ferro e cobre, transferrina e ceruloplasmina, respectivamente (Halliwell, 2001; Salvador e Henriques, 2004). Recentemente, o ácido fólico também tem sido descrito como um potencial antioxidante

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(Joshi et al., 2001; Racek et al., 2005; Au-Yeung et al., 2006), com promissora utilização na clinica.

Figura 4. Sistema enzimático que atua sobre as espécies reativas de oxigênio (adaptado

de Salvador e Henriques, 2004). CAT, catalase; GPx, glutationa peroxidase; GR, glutationa redutase; GSH, glutationa (forma reduzida); GSSG, glutationa (forma oxidada); SOD, superóxido dismutase

O dano oxidativo celular pode ter como consequências a adaptação celular, caracterizada pelo aumento na produção de defesas antioxidantes; ou o dano às biomoléculas, tais como lipídios, proteínas, DNA e carboidratos; e em situações limites, a morte celular via necrose ou apoptose. Biologicamente, as espécies reativas mais importantes como mediadores de dano oxidativo são as ERO, tais como o peróxido de hidrogênio (H2O2), e os radicais superóxido (O2•-), hidroxil (OH•) e peroxil (RO2•); embora as espécies reativas de nitrogênio, tais como o óxido nítrico (NO•) e o dióxido de nitrogênio (NO2•), e os radicais de enxofre ou tiólicos também apresentem papéis relevantes na indução de estresse oxidativo (Halliwell e Whiteman, 2004).

As ERO são produzidas predominantemente na mitocôndria, onde 2-5% do oxigênio sofre redução monoeletrônica, principalmente nos complexos I, II e III da cadeia transportadora de elétrons, gerando superóxido (Halliwell e Whiteman, 2004; Kowaltowski et al., 2009). Além disso, esse radical livre também é produzido via auto-oxidação de uma série de moléculas, tais como a Hcy (Mudd, Levy e Kraus, 2001) e a

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23 dopamina (Fahn e Cohen, 1992). Esse radical livre é convertido a peróxido de hidrogênio pela enzima SOD, que possui isoenzimas diferentes na matriz mitocondrial (Mn-SOD) e no espaço intermembranas e citosol (Cu,Zn-SOD). O peróxido de hidrogênio é relativamente mais estável e pode atravessar as membranas biológicas, sendo convertido à água através das reações catalisadas pela CAT, GPx ou tioredoxina peroxidase (EC 1.11.1.15), que possuem localizações celulares diferenciadas e complementares. O peróxido de hidrogênio também pode ser convertido, através das reações de Fenton e Haber-Weiss, em radical hidroxil, que possui o maior potencial de dano às biomoléculas (Figura 4). Fisiologicamente algumas ERO têm papéis importantes no metabolismo e na sinalização celular, tais como o óxido nítrico, um neurotransmissor, e o peróxido de hidrogênio, que atua como segundo mensageiro na ativação do fator nuclear kappa B (NFκB), bem como no processo inflamatório (Halliwell e Whiteman, 2004).

Apesar de algumas espécies reativas, tais como o óxido nítrico, o superóxido e o peróxido de hidrogênio, apresentarem um papel relevante na potenciação de longa duração (LTP); o estresse oxidativo parece afetar a memória no envelhecimento (Serrano e Klann, 2004), além de estar associado a uma série de patologias que atingem o SNC, tais como as doenças neurodegenerativas, esclerose lateral amiotrófica, síndrome de Down e desordens psiquiátricas (Halliwell, 2001; Halliwell, 2006; Andreazza et al., 2009; Rezin et al., 2009).

Nesse sentido, sabe-se que o cérebro possui uma série de fatores que colaboram para o desenvolvimento do dano oxidativo, desde que esse órgão consome aproximadamente 20% do oxigênio disponível ao organismo. O metabolismo cerebral é predominantemente oxidativo, visando a síntese de ATP, que é utilizado principalmente na manutenção do gradiente iônico celular pela Na+,K+-ATPase e na estocagem de

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neurotransmissores. A suscetibilidade do cérebro também se deve aos neurotransmissores presentes nesse tecido, a dopamina, a serotonina e a noradrenalina geram superóxido via auto-oxidação; enquanto o glutamato, que é o principal neurotransmissor presente no SNC, participa de processos excitotóxicos, onde o influxo excessivo de Ca2+ induz a geração de espécies reativas. O cérebro é rico em ferro, que pode catalisar a formação de radical hidroxil, a partir de peróxido de hidrogênio (Figura 4). Os ácidos graxos poliinsaturados presentes em alta concentração nas membranas celulares cerebrais, especialmente ácido docosaexaenóico (22:6 ∆4,7,10,13,16,19), são extremamente sensíveis à peroxidação. Por outro lado, as defesas antioxidantes cerebrais são modestas, quando comparadas a outros órgãos, principalmente em referência a atividade da CAT (Halliwell, 2001; Halliwell, 2006).

6. Metabolismo energético

A mitocôndria possui um papel central na manutenção da vida celular, desde que é o centro de produção de ATP, via fosforilação oxidativa. Nesse contexto, o acetil-CoA é o produto metabólico de uma série de macromoléculas obtidas da dieta, tais como ácidos graxos, aminoácidos e glicose, concentrando os esqueletos carbônicos desses compostos na matriz mitocondrial para a sequência no metabolismo oxidativo. As coenzimas reduzidas, nicotinamida adenina dinucleotídeo (NADH) e flavina adenina dinucleotídeo (FADH2), produzidas nessas reações catabólicas serão re-oxidados na cadeia transportadora de elétrons. Quatro complexos enzimáticos são responsáveis pela transferência de elétrons desde as coenzimas reduzidas até o aceptor final, o oxigênio, num mecanismo dependente do potencial padrão de óxido-redução de cada par redox (Figura 5). Os elétrons provenientes do NADH são entregues ao complexo I, também denominado NADH desidrogenase (EC 1.6.99.3), que os transfere à ubiquinona, uma

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25 coenzima móvel que também é responsável pelo transporte dos elétrons provenientes do FADH2, o grupo prostético da succinato desidrogenase (SDH, EC 1.3.99.1), uma enzima do ciclo de Krebs ligada à membrana mitocondrial interna, onde faz parte do complexo II (EC 1.3.5.1). Os elétrons da ubiquinona são transferidos ao complexo III, também denominado ubiquinona:citocromo c oxidoredutase (EC 1.10.2.2), e posteriormente ao citocromo c, uma molécula móvel, que participa da transferência eletrônica ao complexo IV, a citocromo c oxidase (COX, EC 1.9.3.1), mas também está diretamente envolvido no mecanismo da apoptose. Finalmente os elétrons são transferidos ao oxigênio produzindo água, numa reação catalisada pela COX. Concomitante à transferência eletrônica, do sítio mais eletronegativo ao sítio mais eletropositivo, ocorre a liberação de energia, que é conservada através de um gradiente de prótons, os quais são bombeados da matriz mitocondrial para o espaço intermembranas pelos complexos I, III e IV da cadeia respiratória. Esse mecanismo é a base do modelo quimiosmótico, descrito por Peter Mitchell em 1961, que explica o acoplamento entre a formação do gradiente eletroquímico, gerador da força próton-motriz, que é utilizado pelo complexo FoF1-ATPase (EC 3.6.3.14) para a síntese de ATP, um processo denominado fosforilação oxidativa (Cox e Nelson, 2001).

Figura 5. Cadeia transportadora de elétrons (adaptado de Cox e Nelson, 2001). ADP, difosfato de adenosina; NADH, nicotinamida adenina dinucleotídeo (forma reduzida); Q, ubiquinona

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Os processos descritos até aqui para a respiração celular também se aplicam ao SNC, entretanto assim como os tipos celulares cerebrais apresentam uma divisão de funções, também parecem diferir em relação ao metabolismo energético, atuando de forma conectada através da lançadeira de lactato astrócito-neurônio, descrita por Luc Pellerin e Pierre Magistretti. Estimulando o metabolismo energético via glutamato, esses pesquisadores mostraram que a glicose sanguínea, o principal substrato oxidável do SNC, é captada principalmente por astrócitos, via transportador de glicose (GLUT) 1, enquanto os neurônios captam uma porcentagem menor de glicose via GLUT-3. Nos astrócitos, a glicose é convertida em piruvato, pela via glicolítica, e esse à lactato pela lactato desidrogenase (LDH, EC 1.1.1.27) 5, a fim de re-oxidar o NADH produzido pela via glicolítica, desde que as mitocôndrias astrocitárias não apresentam a lançadeira malato-aspartato plenamente funcionante. O lactato é transportado para o meio extracelular e captado por neurônios, onde é re-convertido em piruvato, através da enzima LDH-1, e segue o metabolismo oxidativo mitocondrial para produção de ATP (Pellerin e Magistretti, 2004; Pellerin, 2008).

A creatina quinase (CK, EC 2.7.3.2) é uma enzima importante para o metabolismo energético de células com alta demanda energética, como é o caso do SNC e tecido muscular, desde que atua como um tampão energético e um transportador de compostos de alta energia do sítio de produção, a mitocôndria, até o local de consumo, o citosol. A CK, que apresenta isoenzimas mitocondriais e citosólicas, catalisa a transferência reversível de grupos fosfato de alta energia entre o ATP e a creatina, produzindo ADP e fosfocreatina, numa reação dependente das necessidades energéticas momentâneas da célula. Nesse contexto, a CK parece estar acoplada a Na+,K+-ATPase, que utiliza aproximadamente metade do ATP produzido no SNC (Wallimann e Hemmer, 1994).

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27 A Na+,K+-ATPase é uma enzima integral de membrana, que mantém o gradiente iônico celular através do co-transporte de três íons Na+ para o meio extracelular e dois íons K+ para o meio intracelular, conservando o gradiente de Na+, indispensável à captação de glutamato e a geração do potencial de membrana, a fim de manter a excitabilidade e o volume neuronal (Kaplan, 2002; Devlin, 2003). Essa enzima possui ampla distribuição tecidual, apesar de ser encontrada em maior concentração em células epiteliais e neurais (Hansen e Clausen, 1988). O SNC apresenta uma elevação gradativa da atividade da Na+,K+-ATPase após o nascimento, que se co-localiza temporalmente com as alterações durante a sinaptogênese ativa, sendo que uma maior atividade desta enzima ocorre na região sináptica (Erecinska, Cherian e Silver, 2004). Nesse contexto, diversos estudos têm demonstrado o papel dessa enzima nos mecanismos de memória e LTP (Brunelli et al., 1997; Glushchenko e Izvarina, 1997).

Alterações mitocondriais têm sido relatadas em uma série de doenças psiquiátricas, tais como desordem bipolar, depressão e esquizofrenia (Rezin et al., 2009), e doenças neurodegenerativas (Beal, 2000; Sullivan e Brown, 2005; Zeviani e Carelli, 2007). Acredita-se que a geração de ERO esteja profundamente ligada à disfunção mitocondrial (Cadenas e Davies, 2000; Nicholls e Budd, 2000; Nicholls, 2008), que está associada à peroxidação lipídica e alteração na atividade dos complexos da cadeia transportadora de elétrons (Muralikrishna Adibhatla e Hatcher, 2006).

7. Sistema glutamatérgico

O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do SNC, sendo utilizado por aproximadamente dois terços das sinapses do neocórtex e do hipocampo (Fonnum, 1984). A maior parte do glutamato é sintetizada no neurônio pré-sináptico a partir da glutamina derivada das células gliais, e posteriormente estocado em vesículas (Figura 6). A exocitose dessas vesículas é Ca2+-dependente e promove a liberação de altas

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concentrações de glutamato na fenda sináptica, onde atuará nos receptores glutamatérgicos. Os receptores podem ser divididos em dois grandes grupos: os ionotrópicos, que contém um canal iônico na sua estrutura, compreendendo os receptores ácido α-amino-3-hidróxi-5-metil-4-isoxazol-propiônico (AMPA), cainato e NMDA; e os receptores metabotrópicos, que estão acoplados à proteína G, e são subdivididos em três grupos (mGluR1-8). A finalização da ação glutamatérgica ocorre via captação do glutamato, geralmente Na+-dependente, realizada por transportadores especializados presentes nas membranas gliais e neuronais (Danbolt, 2001; Squire et al., 2003; Magistretti, 2006). Como descrito acima, a Na+,K+-ATPase mantém o gradiente de Na+ necessário à captação de glutamato e clearance da fenda sináptica. Os transportadores de glutamato descritos até o momento são cinco: o transportador glial de glutamato (GLAST)/transportador de aminoácidos excitatórios (EAAT) 1 e o transportador glutamato-aspartato dependente de Na+ (GLT-1)/EAAT2 estão presentes predominantemente nas células gliais, enquanto o carreador de aminoácidos excitatórios 1 (EAAC1)/EAAT3 é encontrado principalmente na membrana neuronal pós-sináptica, o EAAT4 foi descrito principalmente em células de Purkinge no cerebelo, e o EAAT5 presente nas células da retina. GLAST e GLT-1 são quantitativamente os principais transportadores de glutamato no SNC, contribuindo com aproximadamente 90% da captação de glutamato, impedindo a excitotoxicidade mediada pela permanência desse neurotransmissor excitatório na fenda sináptica (Danbolt, 2001; Maragakis e Rothstein, 2004).

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Figura 6. Sinapse glutamatérgica (adaptado de Squire et al., 2003, Fundamental

Neuroscience). ADP, difosfato de adenosina; ATP, trifosfato de adenosina; G, proteína G; Gln, glutamina; Lac, lactato; PGK, fosfoglicerato quinase (EC 2.7.2.3); Vm, potencial de membrana

O glutamato possui um papel dual no SNC, assim como é essencial nos processos de aprendizado e memória, também pode levar a morte celular. Nesse contexto, a excitotoxicidade glutamatérgica tem início no aumento das concentrações citoplasmáticas de Ca2+ através de: (1) ativação dos receptores ionotrópicos, inicialmente os receptores do tipo AMPA permitem o influxo de Ca2+ e Na+, despolarizando a célula pós-sináptica, o que retira o bloqueio aos receptores NMDA, promovido pelo íon Mg2+, levando ao influxo maciço de Ca2+, (2) ativação de receptores metabotrópicos, resultando na mobilização dos estoques intracelulares de Ca2+, via produção de inositol trifosfato (IP3), e (3) abertura dos canais de Ca2+ dependentes de voltagem, resultado da despolarização mediada pelos receptores AMPA. A mitocôndria capta o excesso de Ca2+ do citosol, o que pode induzir a produção de ERO, e consequentemente o estresse oxidativo, além de inibir a produção de ATP pela fosforilação oxidativa. O Ca2+ também é responsável pela ativação de calpaínas, caspases e proteínas pró-apoptóticas, desencadeando a morte celular via apoptose (Mattson, 2003).

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8. Memória

A memória é um processo complexo e que contempla ao menos as fases de aquisição, consolidação e evocação (Izquierdo, 2002). Recentemente uma nova fase denominada persistência da memória têm sido caracterizada bioquimicamente (Bekinschtein et al., 2007).

Diversas formas de classificação têm sido utilizadas para a memória. De acordo com o conteúdo, as memórias podem ser identificadas como declarativa e não-declarativa, que também são denominadas memória de fatos e habilidades, ou explícita e implícita, respectivamente. Utilizando o fator tempo, as memórias são classificadas como memória de curta duração (STM) e memória de longa duração (LTM). Considerando a função, abrangemos as memórias de trabalho e de referência. De acordo com a motivação, obtemos as memórias de recompensa e aversivas. O lobo temporal medial, que inclui o hipocampo, a amígdala, e o córtex vizinho, é a região do encéfalo que se acredita tenha um papel central no processamento da memória declarativa; enquanto a amígdala, o cerebelo e o estriado parecem estar associados ao processamento da memória não-declarativa (Squire e Kandel, 2003).

A memória não-declarativa possui um caráter robusto, sendo que uma vez estabelecida pode permanecer pelo restante da vida de um indivíduo, dificilmente é extinta, além de não possuir influência emocional. Por outro lado, a memória declarativa apresenta uma dependência de estado, e pode ser expressa como STM, que possui duração de minutos até 1-3 horas, e LTM, que pode persistir por horas, dias e até anos. As memórias de curta e longa duração possuem diferentes mecanismos de consolidação, e não são processos sequenciais de uma mesma memória; apesar de utilizarem as mesmas estruturas cerebrais, os mecanismos neuroquímicos envolvidos são bastante distintos (Izquierdo, 2002; Izquierdo et al., 2002).

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31 Acredita-se que a memória seja estocada nas sinapses, e que a plasticidade sináptica seja o mecanismo celular para a memória e o aprendizado (Lu, Christian e Lu, 2008). Nesse contexto, a consolidação da STM não envolve a síntese de novas proteínas, parecendo estar mais associada à ativação de receptores de membrana pós-sinápticos, tais como os receptores AMPA e NMDA, em sinapses glutamatérgicas, resultando no influxo de Ca2+ e produção de mensageiros retrógrados, que retroalimentam as células pré-sinápticas a fim de aumentar a neurotransmissão (Squire e Kandel, 2003). Izquierdo e cols. (2002) revisaram os mecanismos envolvidos na consolidação da STM, e reportam a participação de receptores glutamatérgicos, colinérgicos muscarínicos, β-adrenérgicos, serotoninérgicos (5-HT1A) e dopaminérgicos D1; bem como de uma série de enzimas, tais como a adenilato ciclase (EC 4.6.1.1), proteína quinase A (PKA, EC 2.7.11.11), fosfatidil-inositol 3 quinase (PI3K, EC 2.7.1.137), tirosina quinases, guanilato ciclase (EC 4.6.1.2), proteína quinase G (PKG, EC 2.7.11.12), proteína quinase Cα/βII (PKC, EC 2.7.11.1) e da proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK, EC 2.7.11.24) em diferentes estruturas do SNC.

Por outro lado, a consolidação da LTM envolve a expressão gênica e a síntese de proteínas, e parece ser mediada pelos mesmos mecanismos participantes da LTP induzida in vitro. Em linhas gerais, a LTP depende da ativação repetida de alta frequência do neurônio pré-sináptico no hipocampo, promovendo a liberação de neurotransmissores, como o glutamato. Na sequência são ativados os receptores glutamatérgicos pós-sinápticos (AMPA e posteriormente o NMDA), promovendo o influxo de Ca2+, que ativa uma série de quinases, culminando no acionamento da transcrição gênica, síntese de novos receptores de membrana e no aumento da neurotransmissão (Squire e Kandel, 2003). Os efeitos pré-sinápticos indicam a participação de mensageiros retrógrados, tais como o óxido nítrico (Squire e Kandel,

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2003) e o fator neurotrófico derivado do encéfalo (BDNF) (Bramham e Messaoudi, 2005; Soulé, Messaoudi e Bramham, 2006). Associadas a essas transformações moleculares na fase precoce da LTP, modificações estruturais também têm sido descritas nas sinapses na fase tardia da LTP, caracterizadas pelo crescimento de novos sítios sinápticos (Squire e Kandel, 2003). Os mecanismos moleculares que participam da consolidação da LTM são muito semelhantes aos da STM, envolvendo receptores glutamatérgicos, colinérgicos muscarínicos, β-noradrenérgicos, dopaminérgicos D1, e serotoninérgicos (5-HT1A), assim como as enzimas adenilato ciclase, PKA, PI3K, tirosina quinases, guanilato ciclase, PKG, PKC e a via da Erk em diversas estruturas cerebrais (Izquierdo et al., 2002).

O BDNF possui seu metabolismo atrelado à ativação neuronal, garantindo, assim, a especificidade de ação na sinapse ativa; onde parece modular a transmissão sináptica e a sinaptogênese (Thomas e Davies, 2005; Bekinschtein et al., 2008). Essa neurotrofina é sintetizada como uma pró-proteína no retículo endoplasmático, e pode ser clivada intra ou extracelularmente. Após ser vesiculada, num processo dependente da carboxipeptidase E (EC 3.4.16), é secretada por uma via regulada pela atividade sináptica. As neurotrofinas exercem suas ações celulares através da ligação em duas classes de receptores, a família tirosina quinase (Trk) e o p75NTR. O BDNF encontra-se co-localizado, pré e pós-sinapticamente, com os receptores TrkB em sinapses glutamatérgicas, em hipocampo e córtex cerebral (Bekinschtein et al., 2008; Carvalho et al., 2008). A ligação a esses receptores pode levar a ativação das vias de sinalização da PI3K, da fosfolipase C γ (PLCγ, EC 3.1.4.3) e da Erk 1/2. O BDNF tem sido relacionado à consolidação das memórias de curta e de longa duração (Alonso et al., 2002; Alonso et al., 2005; Bramham e Messaoudi, 2005; Soulé, Messaoudi e Bramham, 2006; Bekinschtein et al., 2008). Nesse contexto, essa neurotrofina promove a

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33 consolidação sináptica através da facilitação da liberação de glutamato, e da modulação da fosforilação e translocação de receptores AMPA e NMDA para a membrana. O BDNF também regula a transcrição via fosforilação do elemento de ligação responsivo ao AMPc (CREB), modulando a síntese de proteínas dendríticas relacionadas à plasticidade sináptica; além de aumentar o número e o tamanho das espinhas dendríticas (Bramham e Messaoudi, 2005; Soulé, Messaoudi e Bramham, 2006; Bekinschtein et al., 2008; Tyler et al., 2008). O BDNF tem sido associado à consolidação de diferentes tipos de memória, diferentes estágios pós-aprendizado, e diferentes tarefas comportamentais em ratos, tais como esquiva inibitória (Alonso et al., 2002; Alonso et al., 2005; Bekinschtein et al., 2008) e labirinto aquático de Morris (McGauran et al., 2008; Tyler et al., 2008).

Diversas tarefas podem ser empregadas a fim de avaliar diferentes estágios e tipos de memórias. Em função dos objetivos dessa tese, foram utilizadas as tarefas de esquiva inibitória, labirinto aquático de Morris e campo aberto. A tarefa de esquiva inibitória apresenta uma característica aversiva, desde que o comportamento exploratório natural do rato é punido com um choque, o que também é um estímulo para o aprendizado da tarefa. Esse paradigma não apresenta uma clara classificação quanto à memória avaliada, incluindo a memória declarativa, que compreende um componente associativo (ao contexto do aparato); e o condicionamento operante (devido ao choque), condizente com a memória não-declarativa. A tarefa de esquiva inibitória é dependente do hipocampo, da amígdala, e dos córtices entorrinal e parietal, que parecem atuar nessa ordem durante a consolidação da memória (Izquierdo et al., 1997). O labirinto aquático de Morris é um paradigma que avalia a memória declarativa espacial dos ratos, que é dependente do hipocampo, mas também apresenta uma participação importante dos córtices parietal e pré-frontal (Morris, 1984; D'Hooge e De Deyn, 2001; Saito e

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Watanabe, 2006; Save e Poucet, 2009). A tarefa de campo aberto, caracterizada como não-aversiva e não-associativa, é utilizada como controle da atividade motora do animal (Xavier, 1999).

II. OBJETIVOS Objetivo geral

A presente tese de doutorado apresentou como objetivo principal avaliar o efeito da hiper-homocisteinemia sobre parâmetros comportamentais e bioquímicos em cérebro, sangue e fígado de ratos. Foram analisados parâmetros de estresse oxidativo, de metabolismo energético e relativos à captação de glutamato. O papel neuroprotetor do ácido fólico também foi avaliado.

Objetivos específicos

Os objetivos específicos referem-se aos seis capítulos, na forma de artigos científicos, em que foi subdivida a presente tese de doutorado:

Capítulo I

 Analisar o efeito da administração crônica de ácido fólico sobre as alterações nos parâmetros de estresse oxidativo, denominados potencial antioxidante total não-enzimático (TRAP), atividade das enzimas antioxidantes (SOD, CAT e GPx), assim como sobre o dano ao DNA em córtex parietal e sangue de ratos submetidos à administração crônica de Hcy.

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Capítulo II

 Avaliar o efeito da hiper-homocisteinemia crônica sobre alguns parâmetros de estresse oxidativo, denominados TRAP, reatividade antioxidante total (TAR), atividade da CAT, parâmetros de peroxidação lipídica (quimioluminescência induzida e substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico – TBARS) e medida do conteúdo de tióis totais, em fígado de ratos.

 Determinar a atividade das aminotransferases em fígado e plasma de animais submetidos ao modelo de hiper-homocisteinemia.

 Realizar análise histológica do tecido hepático, avaliando a morfologia, a presença de esteatose, infiltrado inflamatório, fibrose e conteúdo de glicogênio/glicoproteínas em ratos tratados cronicamente com Hcy.

Capítulo III

 Analisar o efeito das administrações aguda e crônica de Hcy sobre as atividades da CK, da SDH e dos complexos II e IV da cadeia respiratória em córtex parietal de ratos. Também foi investigado um possível efeito antioxidante do tratamento com ácido fólico sobre as alterações causadas pela Hcy.

Capítulo IV

 Investigar o efeito das administrações aguda e crônica de Hcy sobre a captação de glutamato e o imunoconteúdo dos transportadores gliais desse aminoácido (GLAST e GLT-1) em córtex parietal de ratos, durante o período de desenvolvimento do SNC de ratos.

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Capítulo V

 Avaliar o efeito da administração crônica de ácido fólico sobre as alterações na memória espacial, medida no labirinto aquático de Morris, em ratos submetidos ao tratamento crônico com Hcy.

 Analisar o efeito do tratamento com ácido fólico sobre as alterações na atividade da Na+,K+-ATPase e na peroxidação lipídica em córtex parietal, bem como nos níveis plasmáticos e cerebrais de Hcy em ratos hiper-homocisteinêmicos.

Capítulo VI

 Investigar o efeito do pré-tratamento com ácido fólico sobre o prejuízo na consolidação da memória (STM e LTM), avaliada na tarefa de esquiva inibitória, e no imunoconteúdo cerebral de BDNF em ratos submetidos à administração aguda de Hcy.

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III. RESULTADOS Capítulo I

Periódico: Neurochemistry International Status: Publicado

Referências

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