O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA COMO PRIORIDADE DE INTERVENÇÃO
NO CAMPO DA SAÚDE PÚBLICA: DESAFIO AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
1CEZAR, Pâmela Kurtz2; GIORDANI, Jessye Melgarejo do Amaral3; KOCOUREK, Sheila4 1
Trabalho de Revisão Bibliográfica 2
Psicóloga. Especialista em Residência Multiprofissional Integrada em Sistema Público de Saúde (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil.
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Cirurgião-Dentista. Especialista em Residência Multiprofissional Integrada em Sistema Público de Saúde (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.
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Assistente Social. Professora Adjunta. Departamento de Ciências Sociais (UFSM) - Orientadora E-mail: pamelakurtz@gmail.com; jessyesm@hotmail.com; sheilakocourek@gmail.com;
RESUMO
Este estudo consiste em uma Revisão Bibliográfica e objetiva demonstrar como o enfrentamento da violência se tornou prioridade de intervenção no campo da Saúde Pública. Para isso faz-se uma retomada da trajetória de construção do Sistema Único de Saúde, desde a Reforma Sanitária, passando pela Legalização do SUS e a implantação da Estratégia de Saúde da Família, para por fim chegar à Política Nacional de Promoção da Saúde, que traz o fenômeno da violência como foco de intervenção. Os resultados sugerem que enfrentar a violência torna-se um desafio aos profissionais de saúde. Conclui-se então que é preciso garantir a esses profissionais espaços de discussão e capacitação constantes.
Palavras-chave: Violência; Saúde Pública; Profissionais de Saúde.
1. INTRODUÇÃO
A década de 70 é caracterizada pela privatização da saúde, com predominância do modelo hospitalocêntrico centrado nas especialidades, no biológico e que garantia acesso restrito a população. Com o intuito de reivindicar pelas desigualdades na assistência a saúde, ganha força no final da década, o Movimento da Reforma Sanitária (ALMEIDA et al,
2001; COELHO, 2008).Acompanhando esse Movimento, outro marco para a construção do
Sistema Único de Saúde (SUS) ocorre em 1986 com a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que traz como foco a democratização do sistema e o conceito ampliado de saúde, que para
além das questões biológicas, considera como determinantes as influências sociais, culturais, econômicas e singulares (BRASIL, 1986; ALMEIDA et al, 2001).
Em 1988, com a Constituição Federal do Brasil, as bases legais do SUS são estabelecidas. E os artigos 196 a 200 trazem as direções à sua consolidação. O artigo 196 define a saúde como um direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e o acesso universal e igualitário às suas ações e serviços (BRASIL, 1988; ALMEIDA et al, 2001). Em conformidade com esta Carta Maior, no ano de 1990 são enfim sancionadas as duas Leis que vão dispor sobre os elementos básicos para instituir o Sistema de Saúde brasileiro. A Lei nº 8.080, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como sobre a organização e funcionamento dos serviços correspondentes. E a Lei nº 8.142, que dispõe sobre a participação da comunidade na Gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde (BRASIL, 1990; BRASIL, 1990; ALMEIDA et al, 2001).
Posteriormente, a Política Nacional da Atenção Básica é aprovada pela Portaria nº 648 de 2006, e traz uma revisão das diretrizes e normas para a organização das ações neste nível do sistema (BRASIL, 2006). Onde o Programa de Saúde da Família, hoje denominado Estratégia de Saúde da Família, que foi apresentado em 1994, se constitui como uma proposta à reorientação dos serviços e ações em saúde a partir da Atenção
Básica. Composta por equipes multiprofissionais que são responsáveis pelo
acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada, possuem como prioridade as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, atuando de forma integral e continuada, por meio de práticas que garantam a qualidade de vida para o usuário, sua família e comunidade (BRASIL, 2006; COSTA & CARBONE, 2004).
A trajetória traçada acima demonstra que a construção do SUS esta fundamentada num modelo de saúde ampliado que atenda as necessidades da população, e em complementação a isso, o Ministério da Saúde lança, também em 2006, a Portaria nº687 que institui a Política Nacional de Promoção da Saúde, que tem como objetivo principal promover a qualidade de vida à população por meio da redução de vulnerabilidades e riscos à saúde. E dentre as ações prioritárias desta Política está a prevenção da violência (BRASIL, 2006). E para enfrentar a problemática da violência e promover saúde de maneira
ampliada é preciso ir além das intervenções clínicas. Portanto os profissionais de saúde precisam repensar suas concepções sobre o processo saúde-doença e se articular a outros setores (MINAYO, 1998).
2. OBJETIVO
Demonstrar como o enfrentamento da violência se tornou prioridade de intervenção em Saúde Pública.
3. METODOLOGIA
Este artigo consiste em uma Revisão Bibliográfica que conforme Furasté (2008), diz respeito ao manuseio, consulta e estudo das obras teóricas sobre determinado tema, no caso a temática da violência sob a ótica da Saúde Pública.
4. DESENVOLVIMENTO
Assim como ocorre com os determinantes das condições de saúde, as manifestações da violência também estão correlacionadas com fatores sociais, econômicos, culturais e singulares. Portanto este fenômeno precisa ser visto como uma questão de Saúde Pública, já que suas consequências impactam significativamente na qualidade de vida da população, tanto pelo número de vítimas fatais que a violência produz, quanto pela intensidade das implicações que dela decorrem (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2002; BRASIL, 2008; MINAYO, 1994; REICHENHEIM et al, 2011). Por ser a violência uma realidade responsável por altas taxas de mortalidade e de morbidade que os Serviços de Saúde não podem deixar de enfrentar esse grave problema de Saúde Pública. E mesmo que a violência não seja questão exclusiva da saúde, este setor, para além de acolher suas vítimas e cuidar de seus agravos físicos e psicológicos, precisa também propor medidas de prevenção e promoção da saúde (MINAYO, 1998).
Dessa forma, a Portaria nº 648 que dispõe sobre a Política Nacional da Atenção Básica aponta que o processo de trabalho das Equipes de Saúde deve ser orientado pela lógica da territorialização, pautado por princípios como o desenvolvimento de vínculo e co-responsabilização entre equipe de saúde e população adscrita, onde as intervenções devam
abranger também os fatores de risco ao qual essa população é exposta. Esta Portaria também indica que as práticas em saúde devem ser realizadas por meio de técnicas gerenciais e participativas com vistas a intervenções de caráter preventivo e promotoras de saúde e autonomia (BRASIL, 2006).
Diante disso a Portaria nº687 que dispõe sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde, afirma que ao promover saúde os profissionais contribuem na construção de ações que possibilitam responder às necessidades sociais em saúde. E propõe ainda que a organização da atenção e do cuidado envolva, concomitantemente, ações que ajam sobre os efeitos do adoecimento e ações que extrapolem os muros das unidades de saúde, incidindo sobre as condições de vida e favorecendo a ampliação de escolhas saudáveis por parte dos sujeitos e das coletividades (BRASIL, 2006).
Neste sentido entende-se que essa atuação ampliada, para além do atendimento clínico focado no sintoma, seja o maior desafio aos profissionais de saúde. Esses profissionais precisam sair da comodidade do saber exclusivo de sua àrea profissional e partir em busca de um trabalho articulado. Uma vez que apenas atender clinicamente as manifestações da violência não é suficiente para combatê-la. É necessário que os profissionais de saúde saibam também detectar sinais, sintomas e fatores de risco relacionados a esse fenômeno, para que seja possível propor ações que sejam realmente preventivas e promotoras de melhor qualidade de vida tanto aos sujeitos que já são vítimas como aqueles que estão em risco de tornarem-se vítimas da violência.
Por fim, muitas são as dimensões com as quais os profissionais de saúde estão comprometidos: prevenir, cuidar, proteger, tratar, recuperar, promover, enfim, produzir saúde. E para axuliar os profissionais nesse trabalho que a Política Nacional de Humanização se apresenta como guia para a construção de práticas integrais em saúde, pois traz em seus princípios a necessidade do trabalho em equipe multiprofissional e a importância da construção de redes cooperativas e comprometidas com os processos de gestão e atenção do cuidado em saúde (BRASIL, 2004). E para enfrentar a violência é necessário profissionais capacitados, equipes articuladas, redes consolidadas e e sistema familiar capaz de prover proteção, educação e socialização das crianças e adolescentes (ARPINI E SILVA 2006).
5. CONCLUSÃO
Conclui-se que a violência tornou-se, com o passar do tempo, uma realidade que afetou seriamente a qualidade de vida dos sujeitos e por isso é considerada um grave problema de Saúde Pública. Em decorrência disso, os profissionais de saúde são desafiados a ampliarem sua atuação, que não pode mais ser focada no sintoma clínico e nos casos que chegam às Unidades de Saúde. É necessário compreender a dinâmica da violência como uma demanda social e não apenas individual. Os profissionais de saúde precisam estar preparados para acolher e enfrentar a violência. Para tanto, esses profissionais necessitam de dispositivos para auxiliá-los na identificação e intervenções com essas situações. No entanto sabe-se que a temática da violência não é abordada com devida atenção durante a formação dos profissionais de saúde. Por isso a irmportancia desses profissionais possuírem durante a sua prática profissional momentos de discussões e capacitações constantes. Cabe então aos Gestores de Políticas Públicas, em parceria com outros setores e instituições, proporcionar esses espaços.
REFERÊNCIAS
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http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prtGM648_20060328.pdf
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