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Vista do A multidão de solitários na comunicação em massa nos ciberterritórios das redes sociais digitais

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Academic year: 2021

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A multidão de solitários na comunicação em massa nos

ciberterritórios das redes sociais digitais

José Antonio Martinuzzo

Doutor em Comunicação e pós-doutor em Mídia e Cotidiano, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor e pesquisador na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). martinuzzo@hotmail.com

Rosane Vasconcelos Zanotti

Doutora em Design pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), professora e pesquisadora na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). rosanezanotti@gmail.com

Resumo

Este artigo integra uma pesquisa dedicada ao estudo da dinâmica do fenômeno de comunicação em massa registrado nas redes sociais digitais, verificado, entre outros, pela constituição de influenciadores digitais, ou líderes de audiência, com milhões de seguidores e visualizações. Com o referencial dos campos da comunicação, da psicanálise, da sociologia e da filosofia, realizamos uma etnografia nos territórios digitais (observação participante e pesquisa de campo), visando a compreender um pouco mais sobre a vivência que se estabelece nos ciberterritórios, cada vez mais significativos ao modus vivendi atual, marcado pelo intercessão entre o sensível e o digital. Aqui, apresentamos e problematizamos especialmente um aspecto do cotidiano das massas nas redes: a incomunicação entre os perfis de uma mesma multidão de seguidores de digital influencers. Cinquenta por cento dos respondentes da pesquisa on-line disseram nunca interagir com outros seguidores dos influenciadores que acompanham. Outros 46% só interagem às vezes. Os que sempre interagem somam apenas 4%, constituindo-se uma verdadeira multidão de solitários nas massas digitais. Destaca-se, ainda, que apenas 10,02% dos respondentes afirmaram que seguem um digital influencer para fazer parte de uma comunidade.

Palavras-chave

Redes sociais digitais; Comunicação em massa; Ciberterritorialidade; Digital influencers.

Abastract

This article is part of a research dedicated to the study of the dynamics of the mass communication phenomenon registered in digital social networks, verified, among others, by the constitution of digital influencers, or audience leaders, with millions of followers and views. With the reference of the fields of communication, psychoanalysis, sociology and philosophy, we carry out an ethnography in digital territories (participant observation and field research), aiming to understand a little more about the experience that is established in cyber territories, more and more significant to the current modus vivendi, marked by the intercession between the sensitive and the digital. Here, we present and problematize especially an aspect of the daily life of the masses on the networks: the lack of communication between the profiles of the same crowd of followers of digital influencers. Fifty percent of respondents to the online survey said they never interacted with other followers of the influencers they follow. Another 46% only interact at times. Those who always interact add up to only 4%, making up a veritable crowd of loners in the digital masses. It is also noteworthy that only 10.02% of respondents stated that they follow a digital influencer to be part of a community.

Keywords

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Introdução

A sociabilidade contemporânea segue tecida numa trama cada vez mais intrincada entre o digital e o presencial. Existimos a partir de uma dupla contingência: a sensível e a informacional. Territorialidades geográficas e comunicacionais constituem a paisagem pela qual circulamos, produzindo vivenciais peculiares, a partir de experiências da presencialidade, da digitalidade e também do duplo conformado pela interseção desses dois âmbitos de vida na atualidade.

Este artigo deriva de uma pesquisa que busca entender uma questão específica da vida na ciberterritorialidade: o fenômeno da comunicação em massa em ambiente digital, que se imaginava, a princípio e em tese, pouco convidativo à formação de gigantescos grupos articulados em torno de líderes de atenção, os digital influencers.

Aqui, apresentamos e problematizamos especialmente um aspecto do cotidiano das massas nas redes: a incomunicação entre os perfis de uma mesma multidão de seguidores de digital influencers.

Conforme se apresenta a seguir, 50% dos respondentes da pesquisa on-line disseram nunca interagir com outros seguidores dos influenciadores que acompanham. Outros 46% só interagem às vezes. Os que sempre interagem somam apenas 4%, constituindo-se uma verdadeira multidão de solitários nas massas digitais. Destaca-se, ainda, que apenas 10,02% dos respondentes afirmaram que seguem um digital influencer para fazer parte de uma comunidade.

Com referencial dos campos da comunicação, da psicanálise, da sociologia e da filosofia, realizamos uma etnografia nos territórios digitais. A partir da etnografia digital (imersão nas redes, observação participante, pesquisa de campo, análise de conteúdos, entre outros), buscamos estabelecer saberes acerca da formação de massas de públicos no ambiente das redes sociais, porção mais “luminosa” dos ciberterritórios, que, a despeito de sua relevância para sociabilidade atual, permanece pouco inexplorado pelo campo das ciências sociais e humanas.

A pesquisa de que deriva este artigo foi realizada on-line junto a usuários de redes sociais digitais (Facebook, Instagram, WhatsApp) acerca da relação dos utilizadores das redes e os digital influencers, galvanizadores das massas na ciberterritorialidade. O formulário esteve disponível no sistema Google Docs, entre 20 e 28 de agosto de 2018.

Foram 460 respondentes voluntários de questões objetivas de múltipla escolha, tendo sido aberta a possibilidade de depoimento acerca da experiência com os influenciadores digitais. A difusão da pesquisa foi pelo método de “bola de neve”, ou snowball sampling, que agrega participantes a partir de uma rede que se forma espontaneamente em torno do interesse pela temática em investigação.

A maior parte dos respondentes está na faixa de 19 a 40 anos de idade, tem escolaridade entre graduação e pós-graduação e é do gênero feminino, conforme demonstrado nas tabelas abaixo. A partir da informação espontânea de local de residência, identificamos respostas vindas de 11 Estados brasileiros, além do Distrito Federal (Amapá, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo), além de outros cinco países (Áustria, Estados Unidos, Grécia, Portugal e Suíça).

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Idade Respondentes Percentual Até de 18 anos 1 0% 19 a 29 anos 183 40% 30 a 40 anos 117 25% 41 a 50 anos 80 17% 51 a 60 anos 55 12% 61 anos ou mais 24 5% Total 460 100% Tabela 1 – Idade

Escolaridade Respondentes Percentual Ensino Fundamental 2 0% Ensino Médio 26 6% Graduação 207 45% Pós-graduação 225 49% Total 460 100% Tabela 2 – Escolaridade

Gênero Respondentes Percentual

Feminino 321 70%

Masculino 139 30%

Total 460 100%

Tabela 3 – Gênero

A seguir, discutimos as questões pertinentes à questão e ao objeto deste artigo, notadamente, as redes e os ciberterritórios, a comunicação em massa nas redes e o fenômeno dos digital influencers, os dados da pesquisa e as análises teórico-conceituais que nos permitem fazer uma leitura do fenômeno da incomunicação nas massas de público em redes sociais digitais.

1. Comunicação, redes e ciberterritórios

A sociabilidade contemporânea articula-se estruturalmente a uma rede comunicacional de plataformas multimidiáticas. Vive-se um cotidiano no qual indivíduos, grupos, comunidades e as mais diversas organizações dinamizam suas relações a partir de conexões telecomunicacionais e conteúdos informacionais, produzindo o fenômeno da midiatização.

Castells (2001) identifica o que nomeia como “cultura da virtualidade real”, um regime em que as relações sociais, incluindo-se a conformação da subjetividade individual e a maioria dos coletivos contemporâneos, são estabelecidas a partir de interfaces midiatizadas.

Cardoso (2007, p. 27) pormenoriza o conceito de Castells para cultura da virtualidade real: virtual, “pois está construída com processos virtuais de comunicações de base eletrônica”; e real, diante do fato de que constituímos, frente a esse aparato tecnológico, a nossa percepção de existência, nossos sistemas de representação, afetando diretamente a nossa subjetivação. “Essa virtualidade é nossa realidade”.

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296 Para Cardoso (2007), os fatores que possibilitam essa nova forma de viver se originam de uma articulação em rede de mídias, marca de um novo sistema de comunicação próprio da sociedade em rede, superando o paradigma anterior. “Ultrapassamos o modelo de comunicação baseado na comunicação em massa e encontramo-nos num modelo baseado na comunicação em rede” (2010, p. 24). Acerca do modelo comunicacional da sociedade contemporânea, Cardoso resume:

[...] é moldado pelos processos de globalização comunicacional mundiais, juntamente com a articulação em rede massificada e a difusão de mídias pessoais, e em consequência o aparecimento da mediação em rede. A organização de usos e a ligação em rede das mídias dentro desse modelo comunicacional parecem estar diretamente ligadas aos diferentes graus de uso de interatividade que as mídias atuais permitem (2010, p. 43).

Essa articulação é mobilizada por duas redes principais, em razão de seu grau de interatividade e de suas múltiplas capacidades técnicas, respectivamente a internet e a televisão, que estabelecem nós com outras tecnologias, como o telefone e o rádio. Por sua potencialidade interativa e participativa, a internet energiza o novo modus vivendi planetário, em maior ou menor grau, de acordo com cada região.

Cardoso fala de “novas formas de facilitação de empowerment individual”, “autonomia comunicativa”, “interatividade”, e, vale ressaltar: “mais importante que a mudança tecnológica tem sido a forma como os utilizadores, nos seus processos de mediação privados, públicos ou de trabalho, moldam suas dietas e matrizes de mídia” (2010, p. 24).

Essa dieta de comunicação pessoal, que, em razão do alcance das redes sociais digitais, por exemplo, pode se tornar de massa, conforma salienta Castells (2015), oferece pistas sobre o fenômeno das gigantescas massas de público nas redes, tendo como protagonistas os influenciadores digitais e suas mídias audiovisuais, especialmente o YouTube e o Instagram. Ao refletir sobre o fenômeno da “autocomunicação de massa”, Castells afirma que

A difusão da internet, da comunicação sem fio, da mídia digital e de uma variedade de ferramentas de softwares sociais estimularam o desenvolvimento de redes horizontais de comunicação interativa que conectam o local e o global. [...] Com a convergência entre a internet e a comunicação sem fio, junto à difusão gradual da maior capacidade da banda larga, o poder comunicativo e informacional da internet está sendo distribuído para todas as esferas da vida social, exatamente como a rede elétrica e o motor elétrico distribuíram a energia na sociedade industrial. [...] À medida que as pessoas (os chamados usuários) se apropriaram de novas formas de comunicação, elas construíram seus próprios sistemas de comunicação de massa (p. 113).

1.1 – Redes sociais digitais

Elemento central ao novo sistema de comunicação, as redes, para Santos (1999), têm duas dimensões matrizes para sua definição, uma que considera seu “aspecto material” e outra em que se considera seu lado social.

Tecnicamente falando, o autor reporta que uma rede é toda infraestrutura que permite o transporte de matéria, energia e/ou informação, inscrita sobre um determinado território e

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constituindo uma topologia de “pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de comunicação”. Mas Santos afirma que uma rede “é também social e política, pelas pessoas, mensagens, valores que a frequentam. Sem isso e a despeito da materialidade com que se impõe aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração” (p. 209).

Raffestin (1993) oferece-nos uma abordagem bastante elucidativa do conceito de rede. “Uma rede é um sistema de linhas que desenham tramas. Uma rede pode ser abstrata ou concreta, invisível ou visível. A ideia básica é considerar a rede como algo que assegura a comunicação (p. 156). Outra observação importante é que as redes são sintomáticas do poder que as engendra e que as energiza. Raffestin destaca que toda rede tem uma teleologia específica:

Toda rede é uma imagem do poder ou, mais especificamente, do poder do ou dos atores dominantes. [...] O sistema é tanto um meio quanto um fim. Como meio denota um território, uma organização territorial, mas como um fim conota uma ideologia da organização. É, portanto, de uma só vez ou alternadamente, meio e finalidade das estratégias (p. 157-158).

Nessa direção, conforme destaca Castells (2001), as redes são a base da experiência humana. O fato novo e marcante na atualidade é que as TICs, especialmente a internet, dinamizaram essas redes, e possibilitaram a constituição de muitas outras, de modo inaudito na história da humanidade. Assim, as redes sociais digitais são uma novidade no contexto humano de habitar redes.

A especificidade das redes informáticas é que elas, para Neiva (2013, p. 471), são um “sistema constituído pela interligação de dois ou mais computadores e seus periféricos, com o objetivo de comunicação, compartilhamento e intercâmbio de dados”. Nessa direção, Neiva acentua as marcas de uma rede social digital:

Três critérios básicos definem uma rede social informatizada: 1) o site gerador das interações distribui um perfil público ou semipúblico, criado pelo usuário, para outros participantes do sistema; 2) além disso, o site estabelece uma lista de outros usuários que também construíram um perfil público ou semipúblico; 3) então, através da internet, o site permite e tece cruzamentos entre todos os que estão ali listados. Redes sociais como Facebook, Twitter, MySpace, Orkut etc. são veículos de partilha de informação. É óbvio que cada rede tem sua particularidade (2013, p. 471).

Sinteticamente falando deste fenômeno que já soma mais de meio século de existência, apesar de sua colossal popularização ser bem mais recente, de acordo com Recuero (2009, p. 24), uma rede social digital “é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)”. Sendo que “redes sociais na internet possuem elementos característicos que servem de base para que a rede seja percebida e as informações a respeito delas sejam apreendidas”.

As redes sociais digitais são um fenômeno ultracontemporâneo, influenciando os modos de se relacionar nos mais diversos âmbitos, do econômico ao político, do cultural ao afetivo. Elas se tornaram um ponto de encontro de pessoas já conhecidas no cotidiano da vida presencial, assim como se prestam a patrocinar encontros inaugurais de amigos virtuais, a partir de temas de interesse mútuo e de perfis de alguma forma conectados.

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298 Esses espaços de trocas informacionais se dão perfeitamente como resposta à obsessão contemporânea do emitir, do perceber e do ser percebido, atitudes que estão na fundamentação da subjetividade submetida à midiatização sem limites. Eles são o lugar das personas midiáticas que todos, sujeitos e organizações, estão impelidos a dar à luz para existir no circuito das telas.

Segundo reporta Santaella (2013, p. 43), ao criar um perfil nas redes, “as pessoas passam a responder e a atuar como se esse perfil fosse uma extensão sua, uma presença extra daquilo que constitui sua identidade. Esses perfis passam a ser como estandartes que representam as pessoas que os mantêm”. Recuero (2013, p. 58) vai além e afirma que redes sociais permitem aos usuários “criar e manter uma ‘identidade’ que pode ser legitimada pelos demais, gerando ainda outros valores, tais como reputação e autoridade”.

De acordo com o Global Digital Report 20191, relatório anual produzido pela agência We Are Social sobre os hábitos de uso das redes sociais, em 2018, a rede mais utilizada pelos brasileiros foi o YouTube (85%), seguido pelo Facebook (90%), pelo WhatsAPP (89%) e pelo Instagram (71%). O Brasil tem 66% da sua população ativa nas redes sociais, isto é, 140 milhões de brasileiros.

Em linhas gerais, como se discute a seguir, podemos dizer que redes sociais digitais conformam territórios/territorialidades no ciberespaço, que se destinam a “reunir” pessoas para compartilhamento, entre amigos, organizações e comunidades, de mensagens diversas, com narrativas feitas a partir de fotos, textos, vídeos, animações, entre outros.

1.2 – Ciberterritórios

Conforme Martinuzzo (2016), territorialidade é a vida organizada num dado território, experiência que é dinâmica e permanentemente atualizada pelos movimentos sociais, econômicos, políticos e culturais. É a vida inscrita no chão da história em todos os seus aspectos – é a civilização ou a cultura aplicada, recortada aos territórios diversos e múltiplos que o homem vem inventando desde os princípios, num movimento que para sempre o acompanhará na arte de existir.

E aqui as territorialidades se encontram definitivamente com a comunicação, pois não há vida, ou território/territorialidade, que se institua sem as mediações dos processos comunicacionais, seja para estabelecer as hegemonias fundantes de uma comunidade, seja para tecer o dia a dia das relações humanas e suas idiossincrasias cotidianas.

Em princípio, parece que as territorialidades dizem respeito a territórios geográficos, porções de terra demarcadas por leis, fronteiras, costumes, muros, etc. São sim, mas não apenas. É preciso entender as dinâmicas territoriais da atualidade capitalisticamente global e informacional, que ultrapassam os limites do geográfico físico-material e chegam a múltiplas formas de pertencimento que se constituem por vínculos comunicacionais (mídias, comunidades de interesse, redes, narrativas etc.), incluindo o ciberespaço.

Nesse sentido, é preciso dizer que mesmo os territórios em seu sentido mais estrito, ou seja, de porção de terra demarcada pela diferença com relação a um outro que está do outro lado, estão sendo convulsionados pela lógica da globalização e dos seus ditames e efeitos – são os fenômenos já citados e bem decantados para os estudiosos das “multiterritorialidades”, das “transterritorialidades”, das “desterritorializações”, das “reterritorializações”, etc.

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Mas, como salientado por Martinuzzo (2016), aqui se destaca a ocorrência dos territórios informacionais, pois, nesse caso, a comunicação faz mais do que participar da produção de territórios e da articulação das territorialidades; ela mesma se torna o suporte destas, a paisagem, o espaço onde elas se registram.

Falando da experiência midiatizada da vida, fundada na sociabilidade conectada e mobilizada por fluxos comunicacionais, o que inclui a internet, mas também todas as demais mídias off-line, compondo a superfície a partir da qual retiramos as nossas referências de realidade, podemos conceituar infoterritórios e infoterritorialidades.

Aqui a paisagem onde se insere a vida (território e territorialidade) é composta por narrativas e trocas comunicacionais instauradoras de comunidades de sentido, coletivos de imaginários peculiares, redes de ideias e opiniões, pertencimentos intelectivos etc., conformando territórios e territorialidades simbólicas, mas, nem por isso, menos concretas e articuladoras de uma peculiar existência material e sensível nos tempos hodiernos.

Nessa linha, o infoterritório é uma extensão simbólico-cognitiva constituída comunicacionalmente nos limites das interfaces midiatizadas viabilizadas por intermédio de redes de mídias on e off-line e conteúdos informacionais por elas e/ou nelas produzidos, distribuídos e compartilhados.

As infoterritorialidades, geradores e mobilizadores dos infoterritórios, concretizam-se por meios de acessos, produção e compartilhamentos daquilo que nos afeta simbolicamente no âmbito informacional, conformando uma extensão significante de alianças e pertencimentos socioeconômicos e político-culturais midiatizados.

Esses infoterritórios/infoterritorialidades são demarcados pelo alcance dos compartilhamentos e conexões nas redes participativas e/ou pelas mentalidades (afetiva, cognitiva, volitiva) fixadas pelo acesso a conteúdos comunicacionais comuns, criando-se uma dimensão simbólica específica, imersiva e significante para um conjunto de indivíduos, que experimentam/produzem uma territorialidade idiossincrática no espaço informacional.

Dadas as marcas da vida midiatizada atual, tendo a internet posição decisiva na tessitura cotidiana, seja por suas conexões, seja por seus conteúdos, fundamentalmente circulantes via redes sociais digitais, é preciso um olhar atento ao ciberespaço, para nele enxergar territórios e territorialidades.

Assim, sempre de acordo com Martinuzzo (2016), se pode falar de ciberterritórios e ciberterritorialidades, afetos à vivência articulada no ciberespaço, uma ambiência surgida da interconexão computacional mundial, numa rede de relações interpessoais mobilizadas pela comunicação digital.

Esses conceitos estão relacionados às experiências humanas suportadas comunicacionalmente no ciberespaço, inscrevendo territórios e territorialidades na teia das redes digitais, bordejadas pelos limites das conexões informáticas e das trocas dialógicas, a partir dos mais diversos interesses, como seguir digital influencers, objeto deste estudo, por exemplo.

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300 Apresentamos os resultados da pesquisa etnográfica no ciberterritório, buscando evidenciar pontos centrais do fenômeno da comunicação em massa on-line, especialmente por meio do estudo das relações entre digital influencers e usuários das redes sociais digitais.

Os influenciadores digitais são um fenômeno do que Castells (2015) define como “autocomunicação de massa”, conforme citado anteriormente, viabilizado pela difusão da internet, da comunicação sem fio, de diversos gadgets/plataformas digitais e de inúmeros sites de redes sociais, viabilizando as redes comunicação horizontal, multimodal e interativa.

Primo (2014, p. 400) afirma que redes como a web (“sem escalas”) “caracterizam-se por uma grande quantidade de nós com poucas conexões e por poucos polos cujos nós têm um alto número de links (os hubs)”. Barabási (2009, p. 50) afirma que os hubs (“nós altamente conectados”) equivalem, na web, aos conectores presentes nas mais diversas redes de relacionamento: “eles criam tendências e modas, fazem contatos importantes, espalham novidades”.

Para além do marco eminentemente técnico a sustentar tal afirmativa (redes aleatórias, cujos nós teriam número semelhante de conexões versus redes sem escalas, com nós diferenciados quanto ao número de links), esses perfis de referência em opinião nas redes poderiam ser considerados um tipo peculiar de hub.

Assim, de acordo com nosso objeto de estudo, um hub influencer seria o equivalente aos formadores de opinião do paradigma da comunicação de massa. O próprio Primo faz essa aproximação: “partindo do pressuposto de que os nós com grande número de conexões em uma rede social têm maior potencial de fazer circular informações, muitas campanhas promocionais vêm buscando utilizar o potencial persuasivo desses hubs para fins estratégicos” (p. 303/304).

“Os hubs são o mais forte argumento contra a visão utópica de um ciberespaço igualitário. Sim, todos temos o direito de colocar o que quisermos na Web. Mas alguém perceberá?”, argumenta Barabási (p. 53), afirmando que, em razão de a web não ser randômica, não nos dando as mesmas chances de sermos vistos e ouvidos, por praticidade de buscas e respostas e contra a invisibilidade da rede, “coletivamente, de certa forma, criamos hubs”, seja por meio de decisões conscientes e autônomas, seja por meio de algoritmos.

Enfim, como líder de opinião ou hub influencer, o fato é que o ambiente das redes sociais digitais herdou da comunicação de massa a figura do formador de opinião, o indivíduo disposto a defender seus pontos de vista, com mais informação e argumentos, persuadindo ou inspirando aqueles que se dispõem a perseguir o posicionamento alheio para definir os seus próprios com a sujeição típica da devoção.

Para estudar aspectos da dinâmica da comunicação de massa nas redes, organizada em torno de influenciadores digitais, inicialmente verificamos a opinião dos respondentes acerca do papel desses líderes de opinião e observamos que a maioria considera que tais influenciadores se assemelham aos antigos formadores de opinião. Para 55% dos respondentes (251), os digital influencers têm o mesmo papel dos formadores de opinião, característicos das comunicações de massa (TV aberta, jornais, rádio, revistas etc.). Quarenta e cinco por cento consideram que não (209).

Constituem público seguidor de influenciadores digitais 83% dos respondentes (382), que apontaram algumas razões para acompanharem o dia a dia de tais personalidades das redes, com destaque para: entretenimento (223), informação (207), admiração (165), cultura (163), formação profissional (163), moda/beleza (160), formação intelectual (131), turismo/viagem (120), política

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(117), consumo (101), orientação pessoal/afetiva (87), saúde 979), fazer parte de uma comunidade (39), religião (39), outro (37).

No interesse deste artigo, destaca-se que apenas 10,02% dos respondentes afirmaram que seguem um digital influencer para fazer parte de uma comunidade, num elenco de razões de múltiplas escolhas possíveis. Situação que se confirma com a próxima questão da enquete, foco central de nossa análise.

Assim, na sequência, observamos que a interação com outros nós que formam a rede ligada a um reconhecido influenciador digital não se configura como prática comum entre os respondentes, visto que 50% informaram nunca interagir com outros seguidores dos influenciadores que acompanham, enquanto 46% o fazem esporadicamente. Somente 4% (16) sempre dialogam com outros seguidores dos digital influencers que acompanham.

Você interage com outros seguidores dos digital

influencers que acompanha?

Respondentes Percentual

Nunca 196 50%

Sempre 16 4%

Às vezes 177 46%

Total 389 100%

Tabela 4 – Interação com outros seguidores

O reconhecimento da influência, isto é, a percepção que o digital influencer é capaz de interferir em decisões ou opiniões dos respondentes, não se dá de forma majoritária, uma vez que 16% (62) afirmaram nunca serem influenciados por tais perfis e 54% (209) identificam que raramente o são. Os que responderam que são frequentemente influenciados foram 29,5% (114) e os que são sempre, 0,5% (2).

A relação dos respondentes com os influenciadores que seguem é majoritariamente firmada em base racional, sendo que 56% (219) informaram que sua experiência com digital influencers é movida pela razão (puramente ou principalmente). Guiam-se pela emoção, pura ou principalmente, 44% (167).

Os respondentes apontaram ainda os principais talentos que um digital influencer deve apresentar, com destaque para conhecimento (299), carisma (227), diálogo (168), simpatia (125), beleza (17), outro (13). E a maioria, 64% (250), afirmou não ter vontade de se tornar um digital influencer.

No interesse direto deste artigo, vale destacar que do universo total dos respondentes, 460 pessoas, apenas 168 apontaram a capacidade de diálogo do digital influencer como o principal talento do influenciador. Ou seja, conversa não é o forte dos que se agregam a massas nas redes sociais, nem entre si, nem com o líder de audiência.

Sobre a rede social mais acessada para seguir influenciadores, a preferência foi o Instagram, seguida pelo YouTube e pelo Facebook.

Qual sua rede preferida para seguir influenciadores digitais?

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302 Facebook 49 11% Instagram 229 50% LinkedIn 3 1% Outra 3 1% Twitter 15 3% YouTube 90 20% Total 389 100%

Tabela 5 – Principais redes utilizadas para seguir influenciadores

O último campo da pesquisa deixava aberta a possibilidade de se escrever algo considerado marcante na experiência de seguir um influenciador digital. Espontaneamente, 92 respondentes (não identificados) apontaram suas motivações. Não houve uma resposta sequer acerca da possiblidade de diálogos horizontais ou verticais na comunidade digital articulada em torno de um influenciador.

3. Massas de individualidades

Por que se formam massas, até mesmo onde elas, em princípio, não se dariam, como no ambiente digital de comunicação hipercustomizada e no paradigma de comunicação em rede, no qual o utilizador monta a sua própria dieta de mídia? Por que essas massas constituem multidões de solitários, conforme constatamos com nossa pesquisa?

Para formarmos um entendimento acerca desse fenômeno, o referencial escolhido foram as humanidades e não as ciências dos algoritmos e as explicações dos grafos. Primo (2013, p. 27) sinaliza a questão: “É preciso também atentar que não basta verificar-se apenas o grafo da rede interativa, no qual se ilustram nós e conexões através de círculos coloridos e linhas, para daí se tirar conclusões sobre as características de massa, nicho ou micromídia”.

O pesquisador avança na defesa de estudos mais consistentes, dizendo que “um antropólogo, por exemplo, jamais poderia discutir as formas de vida de uma cidade debruçando-se tão somente sobre o mapa das ruas em pontes”. Primo reconhece o valor dos grafos, “gerados por potentes programas de mapeamento de redes”, mas conclui: “assim como o mapa não é o território, o grafo não é a vida”. E contemporiza, afirmando que assim como não podemos viajar sem mapas, os grafos são importantes para desbravar as redes. “O que se precisa cuidar é conter o entusiasmo quantificador e vontade preditiva”.

Essa necessidade de buscar a vida na pesquisa tem num dos grandes intelectuais brasileiros do século XX uma análise seminal. Para Milton Santos (2000, p. 32),

Os objetos retratados nos dão geometrias, não propriamente geografias, porque nos chegam como objetos em si, sem sociedade vivendo dentro deles. O sentido que as coisas têm, isto é, seu verdadeiro valor, é o fundamento da correta interpretação de tudo o que existe. Sem isso, corremos o risco de não ultrapassar uma interpretação coisicista de algo que é muito mais que uma simples coisa, como os objetos da história. Estes estão sempre mudando de significado, com o movimento das sociedades e por intermédio das ações humanas sempre renovadas.

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Nessa direção, avançamos com a psicanálise e a sociologia na busca por entender o fenômeno em estudo. A impossibilidade da felicidade plena, descrita por Freud (1997), é intrínseca ao civilizado, sendo os limites às impetuosidades pulsionais um dos fatores determinantes do “mal-estar na civilização”2.

O “pai” da psicanálise escreveu que “as possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos difícil de experimentar” (p. 25). Os contingenciamentos à felicidade vêm de três direções, segundo Freud: do corpo, “condenado à decadência e à dissolução; do mundo circundante, “que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens”.

“O sofrimento que provém dessa última fonte talvez seja mais penoso do que qualquer outro”, alerta Freud, sobre as limitações da convivência civilizada. “Tendemos a encará-lo como uma espécie de acréscimo gratuito, embora ele não possa ser menos fatidicamente inevitável do que o sofrimento oriundo de outras fontes”.

A relação com o outro é inelutável e viver em coletivos, sob a liderança de um redentor, é uma alternativa de civilização. Esse líder seria a idealização de um “Pai” perdido para sempre, assassinado nos primórdios da sociedade humana. Segundo escreveu Freud, a partir de uma conjectura de Charles Darwin, na sua forma primeva,

[...] a sociedade humana foi a de uma horda governada irrestritamente por um macho forte. Procurei mostrar que as fortunas dessa horda deixaram traços indeléveis na história da linhagem humana; em especial, que o desenvolvimento do totemismo, o qual traz em si os começos da religião, da moralidade e da organização social, está ligado ao violento assassínio do chefe e à transformação da horda paterna em uma comunidade de irmãos” (2011, p. 84).

Assim, a busca pela proteção de um pai perdido, projetado no líder, é uma das alternativas de se buscar bem-estar ou de se afastar do estrutural terror do desamparo que a todos afeta ao longo de toda existência, conforme se discutirá mais adiante.

Ademais, Freud enumera, dentre outros, as ideias, o trabalho, o amor (incluindo o erótico, mas fundamentalmente o fraterno, não menos libidinal, por isso) e o ódio como alguns dos amálgamas das massas. Inclusive, só se pode sustentar o amor no seio de um grupo, algo essencial à sua integralidade, enquanto se consiga direcionar pulsões violentas e agressivas a outros. Caso contrário, a pulsão predatória acaba por implodir o grupo que depende de doses de ligações amorosas/fraternas. Ou seja, é preciso destinar para fora do grupo os componentes libidinais agressivos.

Nesse contexto, Freud (2011) analisa especificamente o fenômeno das massas. “A massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não existe para ela” (p. 25), descreve, acrescentando que ela é também “impulsiva, volúvel e excitável”. “Os sentimentos da massa são sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza” (p. 26). Outra marca importante de massas é o fato de que elas

2 “A palavra civilização descreve a soma integral das realizações e regulamentos que distinguem nossas vidas das de

nossos antepassados animais, e que servem a dois intuitos básicos, a saber: o de proteger os homens contra a natureza e o de ajustar os seus relacionamentos mútuos” (FREUD, 1997, p. 42).

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[...] nunca tiveram a sede da verdade. Requerem ilusões, às quais não podem renunciar. Nelas o irreal tem primazia sobre o real, o que não é verdadeiro as influencia quase tão fortemente quanto o verdadeiro. Elas têm a visível tendência de não fazer distinção entre os dois (p. 29).

O papel do líder é fundamental na constituição e na preservação de um grupo. Ainda que Freud anote a ocorrência de massas duradouras e artificiais sem uma liderança explicita ou material, como as religiões e as forças armadas, organizadas em torno de abstração como divindades e patriotismos, o “pai da psicanálise” afirma: “a natureza da massa é incompreensível se negligenciarmos o líder” (p. 80).

As massas articuladas por lideranças explícitas e concretas parecem ser as mais primordiais, dinamizadas pelo que se denomina na psicanálise de “identificação”. Freud assim resume, salientando que a conjunção em massas está muito além da empatia, “que participa enormemente na compreensão daquilo que em outras pessoas é alheio ao nosso Eu”:

Primeiro, a identificação é a mais primordial forma de ligação afetiva a um objeto; segundo, por via regressiva ela se torna o substituto para uma ligação objetal libidinosa, como que através da introjeção do objeto no Eu; terceiro, ela pode surgir a qualquer nova percepção de algo em comum com uma pessoa que não é objeto dos instintos sexuais. Quanto mais significativo esse algo em comum, mais bem-sucedida deverá ser essa identificação parcial, correspondendo assim ao início de uma nova ligação. Já suspeitamos que a ligação recíproca dos indivíduos é da natureza dessa identificação através de algo afetivo importante em comum, e que podemos conjecturar que esse algo em comum esteja no tipo de ligação com o líder (p. 65).

Seja como uma característica estrutural das subjetividades e intersubjetividades, seja por uma marca da sociabilidade contemporânea mais tocada pelas junções afetivas, e menos pelas racionais, seja pelas tecnologias digitais que ensejam múltiplas conexões sem limitações geográficas, a organização da vida em coletivos, em massas, se impõe até mesmo nos ciberterritórios, por mais que estes, devido a suas potencialidades técnicas, se colocassem, em tese, como o universo da existência atomizada, bem distante da vida em hordas digitais, amalgamadas em torno de digital influencers, por exemplo.

Mas, conforme apurado em nossa pesquisa, por que essas massas constituem coletivos de seguidores solitários de influenciadores digitais? Primo (2013) localiza a contemporaneidade num dilema massivo e pós-massivo, ainda com condições críticas de acuidade conclusiva acerca do paradigma que experimentamos. Nesse sentido, afirma que

É claro que, diante da quantidade, variedade e flexibilidade das mídias hoje disponíveis, não é possível mais tratar de uma “sociedade massiva” (conceito bastante complexo). Mas, [...], também não se pode supor um cenário “pós-massivo”, onde o “pós” seja entendido como superação, ultrapassagem. Existe, sim, um convívio, ou melhor, uma tensão entre estratégias vinculadas aos diferentes nichos midiáticos: massa, nicho, micromídia e micromídia digital (p. 27).

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Nessa cena de configurações com contornos pouco claros, é que se localiza esse utilizador das redes sociais que se agrupa em torno de líderes de opinião, mas que pouco ou nunca se comunica com os pares de bolha digital.

Wolton (2010) aponta uma crise de comunicação em pleno tempo midiatizado, salientando o fato de que “informar não é comunicar”. Ao senso comum, essas duas ações se equivalem. Mas não é o caso, como bem alerta o pensador francês: “a informação é a mensagem. A comunicação é a relação, que é muito mais complexa” (p. 12).

É exatamente a dificuldade de comunicação em plena midiatização que também explica fenômenos como massas atravessadas pelo individualismo. Segundo Wolton, os homens inventam “tecnologias cada vez mais poderosas que, no entanto, não impedem a violência nem eliminam os buracos da incomunicação” (p. 89).

Para o pesquisador, por paradoxal que possa parecer, a incomunicação é fenômeno potencial de processos cominicacionais horizontalizados. “Ela só existe entre iguais ou o que se tem é a submissão à autoridade” (p. 89), num modelo hierárquico. “Por isso, o progresso tecnológico é ambíguo. Ao acelerar a produção, transmissão, a interatividade e a circulação de mensagens, mascara involuntariamente a incomunicação” (p. 90).

Wolton afirma que esse fenômeno se observa em função da queda de prestígio de funções dos intermediários que galvanizariam e suscitariam trocas dialógicas, como jornalistas e acadêmicos, e também em razão das dificuldades de lidar as diferenças da alteridade e intolerâncias. “O desafio é menos de compartilhar o que temos em comum do que aprender a administrar as diferenças que nos separam” (p. 12), acentua.

O pensador explica que “a convivência, como horizonte da comunicação, nada tem a ver com a comunicação em rede, mais próxima do comunitarismo” (p. 46). É preciso, recomenda, “equilibrar-se sobre duas pernas: aceitar a identidade e organizar a convivência das diferenças num espaço mais amplo” (p. 65). “Não apenas informar não é comunicar, mas comunicar não é transmitir, mas conviver. A comunicação reconhece a incontornável alteridade entre os seres humanos e reclama mais tolerância”, conclui Wolton (p. 91).

E aqui chagamos a um ponto que nos parece crucial para entender multidões de solitários agregados em torno de lideranças mesmerizantes que investem na conquista da atenção para si e não em intermediar diálogos entre seus seguidores: vivemos uma realidade atravessada por individualismo, competitividade, ódio e intolerâncias, com evidentes impactos nas subjetividades e nas relações intersubjetivas.

Pela teoria psicanalítica, nascemos prematuros e, assim, somos fadados à experiência real de desproteção já ao chegarmos à luz. Essa sensação de abandono diante das tormentas e inseguranças da vida é fonte de angústia recorrente, mais ou menos acentuada de acordo com nossa personalidade, os eventos de nossas vidas e também segundo o espírito do tempo que nos abriga.

Freud (2014) afirma que o ser humano desfruta de um tempo intrauterino comparativamente menor em relação aos outros animais, nascendo precocemente. Assim, ao prematuro a influência do mundo é reforçada, seja com relação aos temores, seja a respeito da busca de alguém que o resgate do abandono que se mostra imediatamente após o nascimento.

Os primeiros tempos de imersão no desamparo, para Freud, criam uma demanda por ser amado que nunca abandonará o homem. Assim, como eternas crianças “desprotegidas”,

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306 almejaremos redentores de nosso desamparo e/ou temperamos com temor nossas conexões com os semelhantes, também estruturalmente agressivos, conforme a psicanálise.

Essa ambivalência acerca do estado de desamparo, em tempos hostis como os atuais, com sua crescente cultura de ódio e intolerâncias, sem falar da liquidez, apontada por Bauman (2001), que a tudo o que é sólido ou tendente à permanência parece dissolver, pode levar à radicalidade de querer, a qualquer custo, um salvador que remeta àquela relação que proveu os primeiros abraços e olhares de proteção ou, no outro polo, a enxergar o mundo ao redor exclusivamente pelas lentes paranoicas de que tudo e todos ameaçam.

Parece residir aqui a lógica do seguir solitariamente um influenciador digital, alguém que oferte orientação e referências numa sociabilidade oprimida por discursos e práticas individualistas e intolerantes, suscitando mesmo o isolamento diante de um outro potencial ou explicitamente agressivo, principalmente nas redes sociais digitais. Temos o desamparo estrutural do humano potencializado pelas marcas do hoje, gerando uma experiência radicalizada, ao menos nos ciberterritórios, marcada pela busca por “salvadores”/influenciadores singulares e acuda pela sensação de inimigos pervasivos.

Conclusões

Da pesquisa sobre a dinâmica da comunicação de massa nos ciberterritórios, a partir do fenômeno dos digital influencers, uma ocorrência que, em princípio, se coloca como contraditória à rede digital hiperatomizada, restou como uma das verificações mais eloquentes e inusitadas o fato da incomunicação entre membros de uma mesma comunidade de fãs.

A interlocução entre os pares de uma mesma bolha digital gerada em torno de ídolos dos mais diversos campos de interesse não é prioridade dos utilizadores dos principais sites de redes sociais que seguem líderes de audiência, segundo o que apuramos com uma enquete on-line respondida por 460 internautas.

Cinquenta por cento dos respondentes da pesquisa disseram nunca interagir com outros seguidores dos influenciadores que acompanham. Outros 46% só interagem às vezes. Os que sempre interagem somam apenas 4%, constituindo-se uma verdadeira multidão de solitários nas massas digitais. Destaca-se, ainda, que apenas 10,02% dos respondentes afirmaram que seguem um digital influencer para fazer parte de uma comunidade.

Enfim, conforme revelou a pesquisa, os integrantes das massas digitais pouco integram entre si, bastando mesmo uma identificação implícita de grupo, turbinado mesmo na idolatria, no “seguir” o líder, colocado no posto por via da identificação, como “ideal do Eu”3 ou objeto idealizado de elementos libidinais eróticos ou narcísicos.

Os digital influencers podem ser caracterizados como mídias de autocomunicação de massa, nas palavras de Castells (2015), ainda que exercendo uma função que passa ao largo daquela de elo entre integrantes de uma mesma audiência, ou, nas palavras de Wolton (2010), não atuando como “intermediários”, entes suscitadores de diálogos no interior das suas audiências.

3 Segundo Laplanche & Pontalis (2016, p. 222), “Expressão utilizada por Freud no quadro da sua segunda teoria do

aparelho psíquico. Instância da personalidade resultante da convergência do narcisismo (idealização do ego) e das identificações com os pais, com os seus substitutos e com os ideais coletivos. Enquanto instância diferenciada, o ideal de ego constitui um modelo a que o sujeito procura conformar-se.”

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São formadores de opinião, figura herdada da comunicação de massa urdida no século passado, que habitam o território digital em rede social e dinamizam a experiência de tantos usuários a partir de suas vivências e seus filtros, num ambiente de vertigem informacional, mas de escassa comunicação horizontal, ou seja, de evidente incomunicação, posto que de rarefeita convivência e interação entre os pares, conforme diagnostica Wolton (2010) no paradigma comunicacional hodierno.

Segundo as indicações de nossa revisão teórica, especificamente a teoria psicanalítica, tais vivências são tocadas pelo estado de desamparo potencializado por uma sociabilidade hostil às interações, pautando os sujeitos à busca frenética por redentores de seus medos e carências.

Ou, na outra ponta, constituindo subjetividades isoladas em sua paranoia de habitar um mundo apinhado de semelhantes agressivos, dos quais deve manter distância, seguindo-se na vida cadenciada pelo individualismo e suas companheiras muito comuns nos dias de hoje: a intolerância ao que não é espelho e a indiferença ao que não é útil ou familiar.

Referências

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