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Vista do Feminicídio na juventude. A construção discursiva da notícia em manchetes de portais de Teresina

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Feminicídio na juventude: a construção discursiva da

notícia em manchetes de portais de Teresina

Lívia Fernanda Nery Silva

Professora Adjunto II da Universidade Federal do Piauí

Samia de Brito Cardoso Vernieri

Mestranda em Comunicação da Universidade Federal do Piauí

Resumo

Em 2015 foi sancionada a lei que tipifica o feminicídio no Brasil com objetivo de evidenciar a condição de gênero. A imprensa ocupa papel importante para divulgação mais ética e acertada desse tipo de crime, porém, observamos que os principais portais quando noticiam o feminicídio utilizam-se do sensacionalismo, focam em informações desnecessárias que acabam reforçando a discriminação. Assim, este trabalho tem como objetivo analisar os modos discursivos contidos nas matérias de três portais online de Teresina. Os referenciais usados foram Alves e Pintaguy (1985), Fairclough (1999), Charaudeau (2006). As primeiras conclusões indicam que as vítimas, na sua maioria jovens de 20 a 39 anos são representadas de forma estereotipadas acabam sendo culpabilizadas. Não foi diferente ao noticiarem o caso da jovem, de 25 anos, bacharelanda em Arquitetura assassinada pelo namorado, oficial do Exército, a tiros. O presente artigo fez uma análise discursiva crítica (ACD) das principais manchetes sobre o caso.

Palavras-chave

Feminicídio; Análise de Discurso; Manchetes. Abstract

In 2015, the law that typifies feminicide in Brazil was enacted in order to highlight the gender condition. The press plays an important role in the more ethical and correct disclosure of this type of crime, but we note that the main portals when reporting femicide use sensationalism, focus on unnecessary information that reinforce discrimination. Thus, this work aims to analyze the discursive modes contained in the subjects of three online portals of Teresina. The references used were Alves and Pintaguy (1985), Fairclough (1999), Charaudeau (2006),. Early findings indicate that victims, most of whom are young people between the ages of 20 and 39, are stereotyped and blamed. It was no different from reporting the case of the 25-year-old Bachelor of Architecture murdered by her boyfriend, an Army officer, shot. The present article made a critical discursive analysis (ACD) of the main headlines on the case.

Key words

Feminicide; Discourse Analysis; Headlines.

Introdução

Diante do crescimento da violência no país, especialmente relacionada a crime de gênero, ainda é pouco comum um olhar interpretativo à cobertura dos casos de violência contra mulher na juventude. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), no Brasil, a taxa de feminicídios é a quinta maior no mundo, ocorrendo de 4,8 para 100 mil mulheres. A cada uma hora e meia, um homem mata uma mulher no país.

Em 2015, os crimes contra a mulher foram tipificados como feminicídio, através de lei, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. A lei nº 13,104 de 09 de março de 2015, que

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alterou o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para “prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.” A tipificação do crime tem por objetivo nominar uma conduta existente que não é conhecida por este nome, ou seja, tirar da conceituação genérica do homicídio um tipo específico cometido contra as mulheres com forte conteúdo de gênero.

A aprovação da Lei permitiu a criação de delegacias específicas para investigação, o melhor mapeamento das circunstâncias em que o crime ocorre para que se possa atuar na prevenção e diminuição dos casos. Diante dos casos de feminicídio no país, faz-se necessário que a imprensa cumpra o papel de informar e tipifica esse tipo de crime de forma mais ética e esclarecedora, sem desconstruções.

Observa-se que o feminicídio ainda é popularmente chamado de "crime passional", tal termo não existe no Código Penal, não é tipificado no direito, porém é bastante utilizado quando da divulgação pela imprensa do assassinato contra mulheres, além disso, as coberturas jornalísticas reforçam estereótipos e culpabilizam a mulher e acabam por disseminar nas entrelinhas dos noticiários a cultura machista. O sensacionalismo também é parte integrante da cobertura jornalística.

[...] é nosso direito indagar sobre os efeitos interpretativos produzidos por algumas manchetes de jornais (ou mesmo sobre determinada maneira de comentar a atualidade) quando estas, em vez de inclinar-se para saberes de conhecimento [...], põe em cena saberes de crença que apelam para a reação avaliativa do leitor. (CHARAUDEAU, 2006 p.47-48).

Em 19 de junho de 2017 o tenente do Exército, de 22 anos, cometeu feminicídio contra a estudante de arquitetura, sua namorada, que veio a óbito. Foi mais um crime de gênero noticiado pelos portais de notícias local e nacional. Nesse sentido, a pesquisa objetiva analisar os modos discursivos contidos nas matérias do Portal AZ, Piauí Hoje, 180 graus, Cidade Verde e R7 ao noticiarem o feminicídio.

Como procedimento metodológico, utilizamos a análise de discurso crítica (ADC) que analisa a influência das relações de poder sobre o conteúdo e estrutura dos textos midiáticos. Esse método foi criado por Fairclough e possui três áreas de análise: análise de textos falados ou escritos, análise da prática discursiva e análise do discurso. Para análise consideramos apenas textos e não imagens ou vídeos.

Entendemos a Análise Crítica do Discurso tanto como teoria quanto método: como um método de análise de práticas sociais com interesse específico nos momentos discursivos que unem preocupações teóricas e práticas às esferas públicas, onde as formas de análise “operacionalizam” – tornam práticas – teorizações sobre o discurso na vida social (da modernidade tardia), e a análise contribui para o desenvolvimento e elaboração dessas teorias (Chouliaraki & Fairclough, 1999).

A insatisfação em ler matérias sobre crime de gênero, em relação a forma como a questão é abordada pela mídia no Brasil e no Piauí e os índices alarmantes motivaram o interesse em desenvolver esse artigo.

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Desenvolvimento

Em tempos tecnológicos, o meio em análise, portais de notícia, destaca-se pela velocidade e propagação das informações, através dos links e hiperlinksque são comentados e compartilhados nas redes sociais permitindo maior visibilidade da notícia. Entendemos a mídia como um campo social e o webjornalismo de portal como um campo dentro do campo midiático, que quando veiculam notícias sobre violência contra mulheres nos portais de notícias, reproduz, opera mudanças e atribui significados através dos discursos jornalísticos. Os valores estão inseridos intrinsicamente nas informações e são fundamentadas pelas relações de poder, constituindo assim, verdades. De acordo com Foucault (1999), as mídias estão “no exercício do poder, atribuindo e dando visibilidade a valores norteadores na sociedade”.

Diante do poder da mídia, é necessário debater e reforçar a responsabilidade que a mesma tem ao tratar sobre o feminicídio. O tema é relevante para os profissionais do Campo da Comunicação Social, tendo em vista o fato de possibilitar reflexões e ou mudanças nas práticas jornalísticas. A mídia detém a cada dia, maior atenção do público e desempenha papel relevante no processo de mudança cultural. Com isso, pretendemos voltar o olhar para a sua influência na construção social do crime de gênero na juventude, já que é através das mídias, especialmente a online, que o público se informa e constrói a imagem da criminalidade, modela suas atitudes e opiniões. Os portais de notícias e as redes sociais parecem ser hoje nossas principais fermentas para tomar conhecimento dos acontecimentos no mundo e dos casos de violência contra mulheres.

Um dos passos importantes contra a violência de gênero, foi a criação dos movimentos feministas. O feminismo surgiu como “novos movimentos sociais” nos anos sessenta, juntamente com os movimentos estudantis e juvenis contraculturais e lutas pelos direitos civis. Segundo Hall (2002), o feminismo foi impactante não apenas no campo teórico, mas como movimento social que politizou a identidade feminina e contribuiu de forma importante em vários aspectos. O movimento foi preponderante na luta para o empoderamento feminino, política sexual aos gays e lésbicas e lutas raciais aos negros. “Isso constitui o nascimento histórico do que veio a ser conhecida como a política de identidade uma identidade para cada movimento” Hall (2002).

Segundo Alves e Pintaguy (1985), o conceito de gênero é definido como “uma construção sociocultural, que atribui a homem e mulher papéis diferentes dentro da sociedade e depende dos costumes de cada lugar, da experiência cotidiana das pessoas, bem como da maneira como se organiza a vida familiar e política de cada povo.” As identidades sociais dos homens e mulheres são legitimadas também pelo espaço concedido nos meios de comunicação.

O termo femicídio foi utilizado pela primeira vez, em 1976, por Diana Russell, escritora e ativista feminista, durante depoimento perante o Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas. Russell tornou-se referência sobre temas ligados ao feminismo e violência de gênero. A utilização da expressão feminicídio voltou a ganhar força no México e movimentou toda a américa latina.

Desde 1993, uma onda de assassinatos brutais de mulheres, seguida da exposição de seus corpos pelas ruas de Ciudad Juárez - muitas vezes sem os seios e os olhos -, toma conta desta cidade no estado de Chihuahua, no norte do México, localizada na fronteira com os Estados Unidos.

Em quase todos os casos, não se encontram os criminosos, e, por não saberem a quem atribuir os crimes, os jornais os noticiam como "as mortas de Juárez". As mortes são retratadas apenas como homicídios simples.

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164 Em 1998, a antropóloga da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), Marcela Lagarde y de Los Ríos, usou pela primeira vez na América Latina o termo "feminicídio" para descrever esses assassinatos em Ciudad Juárez.Lagarde estudou a série de mortes na cidade como um fenômeno social e identificou semelhanças entre os casos: eles começavam com um cativeiro prolongado, em que a vítima sofria sadismo sexual, mutilação e morria por asfixia. Em seguida, seus corpos eram abandonados em espaços públicos. Para a pesquisadora, a importância de chamar os casos de feminicídio era evidenciar que não se tratavam somente de um homicídio simples, mas de crimes de ódio extremo e específico contra mulheres. (BBC,2016).

Para a antropóloga Marcela Lagarde, “a importância de chamar os casos de feminicídio era evidenciar que não se tratavam somente de homicídios simples, mas de crimes de ódio extremo e específico contra mulheres.” Lagarde propôs a criação da Lei do Feminicídio no país e atualmente somam-se 16 países latinos que optaram em tipificar o feminicídio: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela. O Brasil foi o último a fazê-lo, em 9 de março de 2015.

Dados nacionais sobre a violência contra mulheres, divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013 revelaram que a cada 1h30 ocorre um feminicídio no Brasil. Esses dados influenciaram para aprovação da Lei do Feminicídio no país.

A mesma pesquisa relaciona os Estados com as maiores taxas de homicídios: a cada 100 mil mulheres foram: Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Por sua vez, taxas mais baixas foram observadas no Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).

No Mapa da Violência/2013 o Piauí consta com o menor índice de feminicídio, a delegada Eugênia Villa, em matéria concedida ao portal Feminicidionobrasil.com.br, afirma que um dos fatores que contribuem é a subnotificação dos casos: “Desde março deste ano, nós começamos um banco de dados detalhado sobre feminicídio, que estamos preenchendo com todas as ocorrências do estado durante o ano. Em 2016, pode ter certeza que nós pularemos para o primeiro lugar da lista”.

Outro dado importante identificado na pesquisa, é que mulheres jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos.

De acordo com a PEC da Juventude aprovada pelo Congresso em Setembro de 2010 e o Estatuto da Juventude sancionado em 2013, considera-se jovem no Brasil todo o cidadão que compreende a idade entre 15 e 29 anos de idade. Sobre juventude o sociólogo Pierre Bourdieu afirma:

O reflexo profissional do sociólogo é lembrar que as divisões entre as idades são arbitrárias. É o paradoxo de Pareto dizendo que não se sabe em que idade começa a velhice, como não se sabe onde começa a riqueza. De fato, a fronteira entre a juventude e a velhice é um objeto de disputas em todas as sociedades. Por exemplo, há alguns anos li um artigo sobre as relações entre os jovens e os notáveis na Florença do século XVI que mostrava que os velhos propunham aos jovens uma ideologia da virilidade, da virtú e da violência, o que era uma maneira de se reservar a sabedoria, isto é, o poder: Da mesma forma, Georges Ouby mostra bem como, na Idade Média, os limites da juventude eram objeto de manipulação por parte dos detentores do patrimônio, cujo objetivo era manter em estado de juventude, isto é, de

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irresponsabilidade, os jovens nobres que poderiam pretender à sucessão. (BOURDIEU, p.112)

O crime de feminicídio ocorrido contra a jovem, de 25 anos, cometido por volta de 01h00 da manhã do dia 19/06/2017 por seu namorado, de 22 anos, chocou a população de Teresina que compartilhou as notícias produzidas pelos portais de notícias e se manifestou nas redes sociais ora apoiando, ora criticando a vítima. Nos portais de notícia dominou o sensacionalismo e o machismo cuja cobertura esteve mais focada em mostrar a relação dos envolvidos, a profissão do assassino e o tempo de namoro que os mesmos tinham. Não tivemos acesso a laudos da Polícia, o crime ainda está sendo investigado. Tivemos acesso às informações do mesmo pela imprensa.

O coordenador da Delegacia de Homicídios, delegado Francisco Baretta, disse que o tenente do Exército José Ricardo da Silva Neto, 22 anos, confessou que matou a namorada Iarla Lima Barbosa, 25 anos e que ainda tentou matar as duas outras ocupantes do carro, a irmã de Iarla, Ailana Barbosa, 22 anos e uma amiga de infância das duas, Joseane Mesquita. O crime teria sido motivado por ciúmes. ‘Esse caso já está elucidado. O tenente confessou o crime. Ele relatou que estava na festa com as meninas e decidiu ir embora porque não estava se sentindo bem. Dentro do carro, ele disse à Iarla que não era bobo e que viu ela se insinuando para amigos dele’, conta o delegado Baretta. Transtornado, o tenente pegou a pistola que estava escondida embaixo do banco do carro e atirou contra Iarla. Ao todo, foram quatro disparos. O primeiro atingiu a mão da vítima, que significa que ela tentou reagir, e os outros dois atingiram o abdômen e o quarto no ombro. Em seguida, Ailana e Joseane saíram correndo do veículo. O delegado Baretta disse ainda que o tenente foi para o condomínio onde morava, levando o corpo de Iarla no banco do passageiro, e quando chegou ao local, fechou os vidros do carro e subiu até seu apartamento. ‘A primeira pessoa que ele ligou foi para a mãe e para o seu comandante no 2º BEC. A mãe ligou para um amigo do filho e que quando entrou no apartamento viu que ele estava dentro do banheiro, com o celular numa mão e a pistola na outra. A pessoa também constatou um ferimento na perna do tenente’, detalhou o delegado. José Ricardo foi autuado na Central de Flagrantes de Gênero por homicídio doloso e duas tentativas de homicídio. Depois, ele foi encaminhado ao hospital Prontomed onde está custodiado pela Polícia Militar e passa por cirurgia na perna para remover a bala. A mãe das vítimas compareceu à Delegacia de Homicídios e disse que sua filha estava "encantada" pelo namorado. O comandante do 2º Batalhão de Engenharia e Construção, coronel Alessandro da Silva, em nota, informou que o tenente é temporário e se apresentou o serviço no 2º BEC em agosto de 2014 oriundo do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Recife e que em dezembro conseguiu autorização para possuir uma pistola .380, no entanto, lhe foi negado o porte de arma, solicitado por duas vezes. ‘Nos solidarizamos com as vítimas e seus familiares, desde o ocorrido temos buscado contato para prestar todo o apoio que se fizer necessário. Informamos, ainda, que o 2º BEC está apurando o caso e que tomará as medidas administrativas e disciplinares pertinentes à ocorrência’, declara o coronel Alessandro. (Cidade Verde – Acesso em 19/06/2017).

A violência com que a jovem foi morta, a banalidade da motivação do crime e a profissão do assassino fez o homicídio ganhar notoriedade na mídia local e nacional. A “nota à Imprensa” emitida pelo 2º Batalhão de Engenharia de Construção tratou o crime com

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incidente, no qual um tenente temporário, do Batalhão, envolveu-se em um incidente com disparos de arma de fogo com uma vítima fatal. Uma instituição que deveria repudiar e deixar claro a magnitude de crimes como esse, para proteger a imagem da instituição trata o mesmo como incidente e nos mostra o quanto a mulher é invisível, secundária.

Analisamos as estruturas discursivas e agentividades (agente executor de uma ação), empregadas pelos portais nas manchetes sobre esse crime.

Fizemos análise das manchetes veiculadas em quatro portais de notícias local – Piauí Hoje, Portal AZ, 180 graus e Cidade Verde e um nacional, no caso o R7. Depois, apresentamos as estratégias de polarização verificadas nos discursos das notícias, bem como as ideologias presentes nessas estratégias.

As manchetes analisadas:

1 – “Tenente do Exército mata a namorada a tiros por ciúme.” (Piauí Hoje – 19/06/2017) 2 - “Oficial do Exército mata a namorada e atira em duas mulheres; foi preso.” (180 graus – 19/06/2017);

3 – “Tenente do Exército é acusado de matar a namorada e ferir mais duas mulheres na zona leste de Teresina.” (Portal AZ – 19/06/17);

4 – “Oficial do Exército é suspeito de matar a namorada e ferir duas amigas.” (Cidade Verde – 19/07/2017);

5 – “Tenente ciumento mata a namorada e fere as amigas dela no bar;” (R7 – 21/06/2017) De acordo com as manchetes analisadas, identificamos que a vítima é representada como “namorada” e para se referir ao agressor - Tenente ou Oficial do Exército. A ocupação profissional constitui uma categoria importante para a representação desses atores sociais nas notícias jornalísticas. Nesse caso ao citar a profissão do agressor ressalta-se a importância da profissão do mesmo e aponta a fragilidade quando representa a vítima apenas como “namorada” ou “estudante”. Trata-se de uma ideologia que ajuda a manter as mulheres no espaço simbólico do ambiente “doméstico”. Além disso por ser um oficial do Exército, o crime teve maior destaque por que foi cometido por alguém cuja profissão que ocupa, teria como obrigação, proteger e valorizar a vida.

Nas manchetes de nosso corpus, verificamos duas formas de agentividade. Na primeira, o agressor, agente da ação, aparece no início da oração com um verbo ativo e, em seguida, a vítima é apresentada no fim da oração como receptora da ação. É comum a oração estar estruturada da seguinte forma: agente da ação (agressor: sujeito que pratica a ação) + ação (agressão expressa pelo verbo) + paciente da ação (vítima: sofre o efeito da ação). Por exemplo, na manchete do Piauí Hoje (19/06/2017): “Tenente do Exército mata a namorada a tiros por ciúme.”

Nessa estrutura, a vítima é representada apenas como receptora da ação, é colocada em uma posição passiva, incapaz de se reconhecer como ator social. Essa prática pode contribuir para que as mulheres tenham menor importância na sociedade. Há uma representatividade passiva da vítima que contribui na construção de um estereótipo de mulher como um alvo fácil de violência.

Já na segunda forma de agentividade, o agressor aparece como agente da ação, entretanto ocorre a transferência da culpa pela agressão para a própria vítima ou terceirização dessa culpa. Geralmente, a estrutura discursiva dessa forma de agentividade é formada por: agente da ação (agressor: sujeito que pratica a ação) + ação (agressão expressa pelo verbo) + paciente da ação (vítima: sofre o efeito da ação) + justificativa da violência (que é a causa alegada na notícia para justificar a ação do agressor). Na referida manchete, e na manchete do R7 justifica a motivação do crime como sendo o ciúme. Sendo assim, quando se destaca a

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motivação do crime como ciúme, a vítima é “classificada” como parte do grupo de comportamento moral duvidoso.

Nenhuma das manchetes relacionadas acima deram destaque ao termo feminicídio sendo o mesmo utilizado apenas em matérias posteriores a data do ocorrido. Esse fato pode dificultar o enfrentamento da violência contra mulheres quando divulgam de maneira inadequada o feminicídio juvenil, o que pode contribuir para perpetuar a impunidade

Conclusão

As manchetes jornalísticas e as enunciações apresentadas nas matérias sobre feminicídio na juventude, nesse estudo de caso, indicam o reforço de estereótipos e culpabilizam a mulher jovem, abordando o crime de forma sensacionalista, menorizando a vítima e a estereotipando-a.

Dentro desse contexto, a análise de discurso crítica permitiu focalizar as práticas eos modos como o discurso contribui tanto para a reprodução como para a transformação das sociedades. A violência contra mulheres faz parte de um sistema sócio-cultural-histórico que posiciona as mulheres de forma inferior aos homens na teia das relações sociais de uma ordem patriarcal de gênero.

Referências

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