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Vista do Articulando mundos sensíveis pela Teoria Ator-Rede.

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Academic year: 2021

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Articulando mundos sensíveis pela “Teoria Ator-Rede”:

apresentação de uma proposta de análise de produção

de conhecimento em um mundo em rede

Adilson da Silva Mello

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Itajubá; Coordenador do Grupo de Ensino, Pesquisas e Extensão em Tecnologias e Ciência (GEPETEC), Coordenador do “Curso de Especialização em Tecnologias, formação de Professores e Sociedade” e Coordenador Adjunto do “PPG Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade”

Camila Loricchio Veiga

Formada em Design (FATEA/Lorena), Mestranda no “PPG Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade” da Universidade Federal de Itajubá. Membro do Grupo de Ensino, Pesquisas e Extensão em Tecnologias e Ciência (GEPETEC).

Douglas dos Santos Lemos Lima

Formado em Design (FATEA/Lorena), Mestrando no “PPG Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade” da Universidade Federal de Itajubá. Membro do Grupo de Ensino, Pesquisas e Extensão em Tecnologias e Ciência (GEPETEC).

Resumo

O artigo é um ensaio sobre nova vertente cultural para se compreender o mundo social e suas construções no campo da produção do conhecimento. Partimos da seguinte problematização: de que forma podemos (re)pensar os modos de aquisição, construção e reverberação de conhecimento, nos quais a ciência exerce papel preponderante? Neste sentido, propomos discussões sobre como articular uma ciência criativa e um mundo sensível - ao contrário do que se entende acerca do mundo moderno - estável em sua proposta de constituição social, possibilitando a emersão de uma rede articulável - “on demand” - definida por sua multiplicidade e heterogeneidade de conexões.

Palavras chave

Sociedade; ciência; teoria ator-rede.

Abstract

The present paper is an essay about the new cultural direction to comprehend the social world and its constructions in the field of knowledge production. We begin with the following question: in which way we re(think) the aquisition, construction and reverberation modes of knowledge, in which science exercises a main role? In this way, we propose to discuss about how to articulate a creative science and a sensitive world - opposite of what you understand regarding the modern world - in its proposition of social constitution, making possible the emersion of an articulated network - "on demand" - defined by its conexions' multiplicity and heterogeneity.

Keywords

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Introdução

De que forma podemos pensar a ciência no mundo de hoje para além do determinismo tecnológico e mercadológico? Que papel as instituições exercem em um mundo de relações em rede?

Partindo desta problemática, nos é cabível sondar o papel da ciência com a objetividade e racionalidade da sociologia tradicional ou seria mais proveitoso articular os elementos instáveis que compõe as redes de situação de poder operantes no sistema científico? Redes estas que possuem atores diversos e que funciona por afetações entre humanos, objetos e natureza. Que articula interesses particulares e direciona os rumos da agenda pública de Políticas de Ciência e Tecnologia (PCT) adotados pelas instituições de fomento de pesquisas.

Os atuais paradigmas apontam rumos de uma sociedade conectada em rede, múltipla em suas entradas (inputs) e diversificada em suas saídas (outputs), onde tais conexões fazem emergir novos padrões para as ciências e novos conjuntos de crenças.

Longe das clássicas concepções dualistas e maniqueístas que dividem o mundo entre

aquilo que é verdade e o que não é, esta nova postura inclina-se a estabelecer uma simetria

entre os atores sociais. Neste sentido, verdadeiro e falso se tornam apenas proposições dentro de um mundo articulado. Buscar teorias que atendam as complexidades postas na sociedade contemporânea, a fim de entende-la como um emaranhado de ligações que constituem o plano social, se torna imprescindível para que se possa estabelecer diálogos que proponha um fazer científico articulado.

O presente texto visa, então, colaborar para as discussões acima postas, partindo de um entendimento sobre o devir dos corpos dos sujeitos envolvidos em uma pesquisa, chegando a discussões sobre como articular uma ciência criativa e um mundo sensível, ao contrário do que se entende acerca do mundo moderno, possibilitando a emersão de um mundo articulável, definido por sua multiplicidade de conexões, que não é nem horizontal nem vertical, mas tridimensional.

Sobre constituir um corpo sensível

Partindo de Latour (2008), pode-se tecer uma elucubração acerca da forma como podemos entender o corpo inserido no mundo. Longe das definições que visam atribuir ao corpo uma substância ou uma essência que sobrevive ele próprio, propõe-se que o mesmo não está constituído a priori, mas constitui-se com o passar do tempo, conforme aprende e se deixa ser afetado por diferentes elementos dispostos na realidade. O corpo em Latour começa a ser entendido como uma interface que vai ficando tão mais sensível quanto mais se deixa ser afetado. Em primeira instância, não é possível capturar o mundo, pois este só é passível de ser sentido quando adquire-se um corpo sensorial: “ter um corpo é aprender a ser afetado” (Latour, 2008, p. 39).

Assim, todo corpo que não aprende a ser afetado por estes diferentes elementos é um corpo insensível e portanto indiferente ao mundo. Pode-se dizer que o contrário de insensível é afetad. Quanto mais um corpo é afetado por atores distintos e diversos, mais fica sensível ao mundo, mais se define ante ele e mais pode ser descrito quando seguidos os rastros dinâmicos de afetações que ele deixa. O corpo insensível nada produz, pois não se abre para ser afetado, não aprende. O corpo que aprende a ser afetado é aquele que deixa de ser mudo e passa a ter voz, já pode agir e interagir.

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61 Latour (2008) traz o exemplo das “Malletes à Odeurs”1, onde um grupo de pessoas

passam por um treinamento de uma semana em que no final já podem identificar e distinguir as nuances e contrastes de uma série de fragrâncias que vão das notas mais suaves às mais densas. Após uma semana de treinamento os narizes destas pessoas que eram mudos, ou seja, pouco podiam comunicar ou agir com relação à miríade de odores existentes, passam a ter voz, se tornam narizes2 de fato, por assim dizer. Aquele órgão, até então inerte, passa a

cumprir de forma eficaz a função para a qual foi desenhado. O mundo dos odores, antes do treinamento, era um lugar não habitado pelas pessoas destreinadas. Somente quem tinha um “nariz” podia adentrá-lo, compreende-lo e interagir ali.

Nas palavras de Latour (2008, 40): “Adquirir um corpo é um empreendimento progressivo que produz, simultaneamente, um meio sensorial e um mundo sensível”.

Latour tece uma crítica aos caminhos teóricos que tendem a posicionar o corpo e sua interação com o mundo como meros processos fenomenológicos nos quais os sujeitos interpretariam os odores de forma subjetiva ao se confrontarem com os mesmos. Tal concepção não serve para o autor, pois exatamente a afetação que os odores exerceram nas pessoas só é possível devido a uma série de fatores que não necessariamente dependiam deles. No caso, os cursistas precisaram do kit de odores para serem treinados e assim adquirir um corpo sensível ao mundo odorífero. Da mesma forma que os químicos que elaboraram este kit precisaram de seus laboratórios e das teorias químicas para adquirir também um corpo em relação ao mesmo mundo odorífero. Se o corpo está pronto em sua essência, o aprendizado não é necessário para que ele exista. Se o mundo está fora do corpo, afetá-lo não é necessário para que um mundo exista (Latour, 2008).

Portanto não faz sentido dizer que dispondo apenas de um corpo subjetivo estes atores possam interpretar os odores e interagir com este mundo sensível, eles precisam também do kit de odores, da infraestrutura da instituição de ensino, dos químicos professores, assim como estes necessitam de seus laboratórios, das conferências científicas, de teorias e literatura específicas para que adquiram um corpo sensorialmente capaz de interagir com os odores. Estes elementos não estão dispostos em uma cadeia de acontecimentos, mas sim em uma rede de ligações heterárquicas que compõem diferentes formas de se compreender o mundo.

Fica claro que tudo o que um corpo pode experimentar no mundo, na realidade, só pode ser mais interessante conforme atrela-se a este ferramentas específicas e necessárias para que haja a exploração de novos mundos sensíveis. Todo corpo que está desprovido de ferramentas específicas sofre mais para desbravar diferentes mundos sensíveis.

Voltando ao exemplo do kit de odores, antes do treinamento, todas as diferentes fragrâncias “despertavam nas pessoas um mesmo tipo de comportamento” (Latour, 2008, 43). Desta forma, as ferramentas específicas que foram usadas nos treinamentos, bem como as outras as que foram usadas para elaboração dos treinamentos e as que os químicos usaram para desenvolver as fragrâncias, se tornaram elementos importantíssimos e indissociáveis aos processos de apreensão e afetação por que passaram os corpos. Sem elas seria muito mais difícil estes corpos transitarem do posto de corpos insensíveis para o posto de corpos conscientes, interessantes e articulados.

Se adquirimos um corpo à medida em que somos afetados e se para sermos afetados necessitamos de ferramentas específicas, não convém confundirmos nossa subjetividade com a objetividade destes instrumentos, pois, conforme já dito, os corpos são afetados e aprendem de maneiras diferentes, por meio de diferentes ferramentas e isso faz com que um corpo lide com um elemento da realidade de forma diferente da de outro corpo.

1 Na tradução usada: Kit de Odores. Instrumento usado para treinar as pessoas a distinguir os contrastes de fragrâncias. 2 “Nariz” é o nome dado a pessoa que está habilitada a distinguir e classificar nuances e contrastes presentes em fragrâncias.

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62 Não existe uma maneira regular de acessar o que Latour chama em seu texto de “essência primária” das coisas e sendo assim, não pode haver equilíbrio ao descrevermos algum elemento da realidade. Latour usa o termo “Articulação” para designar estas nuances de afetação que sofremos. Ser articulado, neste sentido, pode ser entendido como um processo no qual um sujeito consegue dar respostas diferentes para os elementos que estão dispostos na realidade.

Nas palavras de Latour (2008, p.43) “Articulação, portanto, não significa capacidade para falar com autoridade [...] mas de ser afetado por diferenças.”

Ainda conforme diz Latour (2008, 44):

Depois de treinados os narizes, a palavra violeta carrega finalmente a fragrância da violeta e de todas as suas tonalidades químicas. Através da materialidade dos instrumentos da linguagem, as palavras finalmente transportam mundos. O que dizemos, sentimos e fazemos é desencadeado por diferenças registradas no mundo.

Neste ponto, o autor faz outra crítica, desta vez à corrente linguística preconizada pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, onde afirma em contraponto ao que disse o filósofo – “o que não pode ser dito, deve calar-se” – que: “o que não pode ser dito, pode ser articulado” (Latour: 2008, 44). Esta crítica é fundamental para entendermos a diferença entre os termos exatidão e a articulação. Segundo Latour (2008), enquanto a primeira tem um fim, a segunda nunca termina.

O benefício de se habitar um mundo povoado de sensibilidades passa antes pela forma como os corpos são afetados e se estas afetações são capazes ou não de ensinar ao corpo maneiras diferentes de agir, de afetar e de articular. Atrelado à ferramentas específicas, os saberes e os corpos sensoriais já podem desbravar novos mundos sensíveis.

Sobre articular proposições

As articulações reverberam um mundo de infinitas possibilidades, povoado por diferentes controvérsias, contrastes e nuances que tem o poder de tornar os corpos transeuntes do mundo mais sensíveis, quanto maiores forem estes conjuntos de controvérsias, contrastes e nuances.

Assim afirma Latour (2008, 45) “Quanto mais mediações melhor para adquirir um corpo, ou seja, para se tornar sensível aos efeitos de mais entidades diferentes [...] quanto mais controvérsias articulamos, mais vasto se torna o mundo”.

Para definir aquilo que é articulado Latour usa o termo “proposições”. Este termo, segundo ele, conjuga três fatores fundamentais para distinguirmos as afirmações (matters of

facts) das proposições articuladas (matters of concern), a saber: a) exibem um posicionamento

acerca da realidade; b) não exibem uma autoridade definitiva nem define verdades; c) pode ser negociada a qualquer instante para formar outras proposições (Latour, 2008).

Para Latour (2008, 45):

Com afirmações, nunca haveríamos de compor um mundo que seja simultaneamente sólido, interpretado, controverso e dotado de sentido. Com proposições articuladas, esta composição progressiva de um mundo comum torna-se, pelo menos, pensável.

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63 As afirmações não aceitam ser negociadas, apenas apontam as supostas qualidades primárias ditadas por um grupo de cientistas. Enquanto que das interações e afetações, que acontecem de forma progressiva, nascem proposições articuladas que desbravam mundos multissensíveis e formam diversos corpos multissensoriais.

Latour (1997) discorre sobre os princípios que podem definir critérios de sucesso para a ciência. Balizado pelo discurso político-epistemológico de Stengers, Despret (1997), propõe que não existam formulas para definir uma boa e uma má ciência. Se o mundo não é composto de verdades imutáveis e de afirmações, mas do que é articulado e que gera pró-posições acerca da realidade, não há de se fazer juízo de valor com a ciência. A única distinção aceita aqui é de uma ciência que gera conhecimentos interessantes e conhecimentos não interessantes.

A ciência articulada deve responder por diferentes caminhos as questões que lhe são postas. Então, quanto mais proposições conseguirmos articular dentro de uma pesquisa científica, mais interessante ela fica.

Uma ciência interessante é uma ciência articulada e neste sentido, há de se questionar não só as perguntas e respostas dadas dentro de uma pesquisa como também os próprios métodos que levaram a estas perguntas e respostas.

Para Latour (2008, 50) “Significa repensar os seus métodos e reformar os seus contextos de cima a baixo, conforme o que disserem aqueles que eles articularem”.

Aqui fica claro que para haver uma ciência articulada os pesquisadores devem voltar seus olhares para os elementos recalcitrantes presentes no objeto de estudos. O objeto de estudos precisa objetar-se. Precisa explodir as certezas, os métodos e as afirmações com as quais os pesquisadores se munem para realizar suas pesquisas.

As recalcitrâncias tendem a aparecer com maior frequência nos elementos não humanos, pois estes pouco se importam com os interesses dos pesquisadores em questão. Os elementos humanos tendem a se comportar de maneira obsequente quando confrontados com os pesquisadores, fornecendo respostas que se adaptam aos métodos escolhidos por eles e se comportando com objetividade ao invés de objetarem-se, perdendo assim tudo que possuíam de recalcitrante.

Os corpos dos objetos de estudos, como interface, tem o poder de comunicar com maior exatidão aquilo que eles se negam a dizer.

O pesquisador portanto é que deve mediar o processo de interesse entre a pesquisa e o objeto pesquisado. O pesquisador mais interessado, será aquele que não deixar o seu objeto de estudos ficar mudo, ou que lhe ofereça apenas respostas redundantes, mas que obstina-se em colocar os corpos de seu objeto de pesquisa em movimento, utilizando novas práticas, meios e ferramentas que articulem novas proposições, maximizem a sua recalcitrância e ofereça caminhos para que difiram de suas certezas iniciais.

Cabem aqui, por fim, questionamentos fundamentais para o desenvolvimento de uma ciência articulada e interessante. De que maneira podemos entender um objeto de estudos sem deixar de lado aquilo que seus corpos estão dizendo? Como podemos capturar o movimento e a dinâmica dos corpos envolvidos em uma pesquisa acadêmica? Como os corpos e o uso destes devem ser alocados nas discussões que articulam estas pesquisas?

Não há forma de fazer uma ciência articulada e interessante sem antes passarmos pelo entendimento e apreensão das afetações que sofrem os corpos envolvidos em uma pesquisa científica. Responder a estas questões implica em articular novos caminhos e propor novos métodos científicos sem fazer afirmações definitivas sobre como deve ou não ser a pesquisa, mas de torna-la articulada e interessante.

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64 Deste ponto de vista o pesquisador se torna um desbravador de fatos ao revelar as ligações, fenômenos e controvérsias geradas pelas associações na rede em um dado momento específico de sua dinâmica. Com efeito, o pesquisador desenha a teia de ligações exercidas pelos atores e assim permite que novas ações possam ser desenroladas.

Esta noção é de fundamental importância para que se compreenda os movimentos dos sujeitos envolvidos em uma pesquisa científica. Seus corpos hora articulados, hora inarticulados, produzem saberes, bens, produtos, relações sociais, jogos de poder e articulam sensibilidades de um mundo sempre aberto a possibilidades.

O pesquisador deve então se manter atento a esses movimentos, não no sentido de apenas descreve-los, mas também de (re)pensar seus rumos, tendo em vista que os processos de definição de políticas públicas de Ciência e Tecnologia (C&T) devem lançar um olhar mais aprofundado para esta questão.

Sobre afetar e ser afetado

Os que perseguem a exatidão com o fim de explicar o mundo nada acrescentam a ele, nada expandem. Toda afirmação é uma tentativa de replicar no modelo explicativo o mesmo que se vê no modelo original. Desta forma, a realidade seria construída apenas por “verdades”, indicações que visam estabelecer uma unidade convergente entre o real e o seu modelo explicativo, a isso Latour chama de “Matters of Facts” ou as “questões de fato”.

Latour revisita o empirismo clássico de David Hume, que se propunha a discernir e diferenciar as questões de fato (matters of facts) e as relações de ideias.

Hume (2006) contribui no desenvolvimento empírico de Latour ao conduzir argumentos de que, por forças culturais, somos levados a crer em verdades invulneráveis e que estas verdades confeririam ao mundo e a realidade um aspecto de solidez e estabilidade. Neste sentido, Hume traça um limiar entre aquilo que se pode capturar e confirmar – noção de empirismo, ou seja, tudo se é dado pela experiência – e aquilo que só existe como uma relação de ideias, que não orbitam a realidade e portanto já não podem ser confirmadas.

A crença, ou hábito, segundo Hume, nos faz extrapolar a noção de causa e efeito daquilo que compreendemos no mundo e afirma que sem passar pela experiência do fato, nada podemos capturar na realidade. Na prática, ao beber destas águas, Latour pretende um novo tipo de empirismo, que não fique limitado ao mundo dos objetos nem tão somente ao mundo dos fatos, mas que habite entre as interações geradas pelas ações e ligações heterogêneas entre atores humanos e não humanos. Configura-se assim o campo empírico clivado por Latour de Matters of Concern3.

Esta nova malha social, proposta por Latour, confere aos não humanos – chamados por eles de híbridos4 – um caráter “actante”, ou seja que só pode ser considerado um ator relevante quando está em ação, influenciando, ou melhor, afetando e sendo afetado a todo instante, configurando e reconfigurando redes de interações sociais. Sendo assim, entendemos a partir de Latour, ao propor um segundo empirismo, que os objetos não estão presos dentro de um mundo inerte e nem que os humanos estão presos ao mundo social, aliás Latour (2012) quebra esta lógica ao dizer que o social não existe, que é constituído apenas por agenciamentos destes atores, de forma não hierarquizada e rizomática.

3 O termo “Matters of Concern”, em tradução livre, pode ser dito como algo próximo de “questões de percepção”, que em detrimento às

questões de fato (matters of facts) se preocupa em entender, através da experiência, as interações entre humanos, não humanos (híbridos) e natureza e de como estas interações articulam proposições e percepções sobre o mundo em detrimento às verdades absolutas nas quais a ciência ainda se apoia.

4 Os não humanos aqui são entendidos tanto como os elementos da natureza, quanto como os resultados das interações do homem com a

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65 Afasta-se desta discussão, por exemplo, a fenomenologia, ao colocar a mediação das interações sociais para além da polarização dicotômica “sujeito-objeto” – os objetos não são dotados de qualidades primárias – o que existe são apenas interações que fazem emergir sujeitos e objetos, ambos com poder de afetar e de ser afetado, tornando-se um produto destas relações.

Este conceito posiciona-se como oposto ao conceito clássico da causalidade, onde os fatos e as interações são causadas pelos sujeitos. Aqui os sujeitos – mais os objetos e a natureza – só o são quando se colocam na ação, quando se tornam actantes, ou seja, desenham a cada instante uma nova configuração do social, uma rede instável que pode ser abalada pelo menor deslize de um ator em um de seus pontos específicos. Neste sentido os atores serão mais carregados de realidade quanto mais se abrirem para afetações e para estabelecer associações.

Conforme grifa Mostafa (2010), “são as associações e relações entre elementos humanos e não humanos que dão realidade a um fato cientifico, que então será a causa daquelas relações”. Neste sentido toda carga de identidade que um objeto ou um sujeito carrega é efêmera, abala-se constantemente, dependendo do tipo de associações que faz com determinados atores dispostos em rede de afetações.

Sobre desvelar os atores em rede

Em 1979, Latour escreve junto com Steve Woolgar, o livro “A vida de laboratório”, onde traça um panorama descritivo do cotidiano de um laboratório de neuroendocrinologia, mostrando as dinâmicas que acontecem entre os pesquisadores, evidenciando as conversas, a arquitetura do local, as influências, relações de poder, piadas e o comportamento dos que ali atuam. Deixando claro que, ainda que num dia comum, fatos são construídos, verdades são colocadas à prova, dinheiro se perde, relações se fortalecem, esperanças se destroem e “no final resta apenas o olhar do antropólogo, que atônito, busca compreender essas relações” (LATOUR, 1997). Latour propôs-se a estudar a prática científica com o mesmo respeito e cuidado meticuloso com que os antropólogos estudavam “outras culturas” (as exóticas e as urbanas), adotando o laboratório do Instituto Salk como uma verdadeira tribo pitoresca, inserindo-se e situando-se nele como um estrangeiro interpretador de cultura, em busca de uma antropologia do centro5. (Latour, 2012)

Latour e Woolgar (1997), criticam, em geral, os processos de produção dos fatos científicos, que funcionam na verdade, a exemplo de Stengers (2002), como ficções científicas bem sucedidas, movimentos e construções de saberes e técnicas que vão se deformando e se conformando ao passo que o pesquisador se torna um produtor serial de fatos. Nitidamente, vê-se uma noção do social heterogêneo e simétrico adotada para descrever o cotidiano de um laboratório, onde os pesquisadores e os pesquisados são sempre resultados das afetações que produzem entre si, marcados pelas diferenças e similaridades registradas nas redes que co-formam.

O princípio de simetria é colocado por eles como sendo um fator que não aliena nem o objeto nem o pesquisador, não os dicotomizando em lados opostos, mas os dá o mesmo papel, a mesma responsabilidade no momento da ação, ambos contribuem para gerar controvérsias, ambos criam rastros de suas ações. O homem age no objeto e o objeto age no homem.

Estes rastros deixados pelos objetos de estudos parece ser um dos pontos centrais nas ideias latourianas, pois segundo consta, são os pesquisadores os responsáveis por seguir estes

5 O termo “Antropologia do Centro” diz sobre um olhar descortinador que o antropólogo deve lançar sobre a atividade do cientista, no

sentido de estuda-lo meticulosamente, relacionando suas técnicas e suas relações sociais e como estas contribuem para a construção dos “fatos científicos”.

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66 rastros, estabelecer conexões, reviver vínculos e reabrir as caixas pretas de conhecimentos e fatos que foram deixados para trás. Este “seguir o rastro” deve ser feito enquanto o objeto caminha. Segundo Law (1992, 42) devemos “... estudar a ciência/tecnologias em ação e não a ciência ou a tecnologia prontas. Ou chegamos antes que os fatos e máquinas tenham se tornado caixas pretas ou acompanhamos as controvérsias que as reabrem.”

Latour desenvolve a ideia de que a sociologia, a etnologia e a antropologia, ficam separadas das técnicas e da ciência e a epistemologia longe da cultura e da sociedade, portanto, tudo que vem sido produzido em ambos os casos, não pode ser visto sem se fazer antes esta divisão, sem separá-los em clusters diferentes. Assim o esforço da simetria é de reestabelecer uma unidade de ação e valor entre o natural e o social, a técnica e a cultura, a ciência racional e a ciência empírica.

É neste contexto, por exemplo, que surge a Teoria Ator-Rede (TAR), uma abordagem análise social que possibilita uma visualização estendida dos múltiplos atores que, conectados, constituem uma rede, que fica sempre aberta a novas interações e associações, regendo sinfonicamente atores humanos, híbridos, instituições e natureza.

Não é à toa que o acrónimo para TAR em inglês seja “ANT” (na tradução: formiga) – Actor-Network Theory – pois é bem desta forma que os autores parecem sugerir que atuem os pesquisadores, como formigas que seguem, obstinadas, os rastros dos seus objetos de estudos, reabrindo caixas pretas, dialogando com as controvérsias, estabelecendo vínculos entre os elementos humanos e não humanos, extraindo deles seus respectivos caráteres sociais e técnicos. Portanto, o que pode o pesquisador fazer é analisar as controvérsias sociotécnicas que seus objetos apresentam, pois não se trata mais de dizer que existem fatos e que estes fatos são intrinsecamente corretos; trata-se porém, de um movimento feito pelo próprio pesquisador, de também objetar-se, de se interessar e interessar seu objeto de estudos, de prover meios que maximizem as recalcitrâncias de seu objeto de estudos, de seguir o rastro de controvérsias deixados por eles e assim poder descrever a rede de interações que se estabelece.

A TAR serve portanto como base para desvelar o mundo sob perspectivas não guiadas pela linearidade das afirmações sobre a realidade (matters of facts6) e sim, para capturar uma realidade composta por proposições articuladas pelos “N” actantes7 na rede de interações entre humanos e não humanos.

Sobre articular uma ciência criativa

Partindo de Stengers (2002), em seu livro “A Invenção da Ciência Moderna”, tem-se um paradigma a ser discutido: a ciência enquanto uma produção social.

Neste caso, evidencia-se que a sociologia parece adotar um posicionamento que visa

explicar as outras ciências. Ao citar Thomas Kuhn, Stengers mostra o cientista como um

reprodutor daquilo que aprendeu a fazer, ou seja, a figura de um cientista que não consegue estabelecer proposições múltiplas acerca de uma problemática, mas que atua apenas sob o seu paradigma, um único modelo prático-teórico que lhe impõe uma impossibilidade de recuo frente àquilo que suas evidências lhes mostram, definindo através de conjuntos heurísticos “precisos” suas possíveis e aceitáveis verdades.

6 Para melhor compreensão do termo “matters of facts” ver o trabalho de Stengers e Despret (1997).

7 O termo “actantes sociais” é usado por Latour (2008) em detrimento ao termo “atores sociais” para indicar que estes elementos só são considerados quando agem de fato. É apenas na ação destes que as redes de interações podem se constituir.

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67 Para Stengers (2002), “todo cientista se insere numa rede de avaliações mútuas que se estende bem além de seu próprio horizonte de competência”. Com isso entende-se que o caráter científico deve estar muito mais voltado para uma tentativa de associar os fatores “não científicos” que participaram da construção destas verdades do que de um foco em estabelecer um esclarecimento acerca daqueles que lhe estão submetidos na análise. Nota-se aqui, claramente, uma aproximação com os conceitos de interdisciplinaridade trazidos por Edgar Morin (2005), no que diz respeito ao amalgama criado por diferentes áreas disciplinares na tentativa de socorrer uma problemática específica, ocorrendo em meio a este processo uma troca de métodos e processos que por muitas vezes culminam na criação de novas áreas do conhecimento.

O cientista deve ser entendido então como um articulador de associações, aquele que consegue manejar controvérsias, um sujeito que está atento a todo tipo de desvio, defeito e recalcitrância que seu objeto de estudos lhe mostra, tais como explicita Stengers (2002, 18):

[...] as relações de força e os jogos de poder francamente sociais, as diferenças de recursos e de prestígio entre laboratórios concorrentes, as possibilidades de alianças com interesses ‘impuros’, ideológicos, industriais, estatais, etc.

Ao colocar este ponto de vista, a autora tece uma crítica ao modo de se produzir ciência no mundo moderno, onde as teses dos cientistas e seus processos metodológicos estão intimamente vinculados a interesses do mercado, do estado e demais elementos que, de alguma forma, “financiam” uma pesquisa. O cientista então, deve ser medido não pelo que diz que faz, mas por aquilo que podemos ver que ele faz, sem contudo deixar de notar quais influências adotou e que diferenças isso gerou na forma de manejar as controvérsias de seu objeto de pesquisas. O que a autora sustenta neste ponto é uma visão de que o processo científico deve ser entendido como o tecer de uma colcha de retalhos, onde suas intenções devem ser não a de demonstrar clareza e objetividade acerca dos elementos que constituem a realidade, nem mesmo um conjunto arbitrário de acordos e interesses particulares, mas um território repleto de impurezas, controvérsias e recalcitrâncias.

Esta noção colocada por ela, vincula-se estritamente com o conceito do princípio de irredução visto em Latour (1997), onde percebemos que não se trata de dizermos “as verdades assertivas sobre o mundo”, ao contrário, trata-se de não buscar revelar verdades ocultas, de manter distância do "poder do julgamento" como visto em Deleuze e Guattari (2005), de conseguir ler e compreender a dinâmica criativa que os objetos de estudos desenham enquanto os descrevemos.

Neste ponto é importante ressaltar o conceito rizomático visto no percurso epistemológico de Delleuze & Guattari (2005), onde adota-se, como analogia e ponto de partida, a ordenação vista nos brotos de algumas plantas, quando ramificam-se em direções distintas, sem uma hierarquia pressuposta. O rizoma pode assumir tanto a forma de raiz, quanto de ramo e isso de forma autônoma com relação ao todo da estrutura do vegetal.

Este modelo serve para ilustrar um arranjo epistemológico simétrico, sem hierarquias, isto é, livre de afirmações elementares, onde a constituição de conhecimento não brota em um campo permeado por princípios fundamentais, mas desenvolve-se concomitantemente, como consequência da influência de pontos distintos nas tramas formadas. Não implica dizer que o rizoma seja imprescindivelmente efêmero; amanha-se dentro da estrutura rizomática campos organizados, enraizados por diferentes ligações e interações de grupos que juntos definem superfícies de atuação consistentes no que concerne as interações dentro do rizoma.

A irredução é um processo que recusa todo conjunto heurístico que se propõe a estabelecer uma explicação única, reduzida e limitada da realidade. Se trata de articular

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68 interesses, mover instrumentos, analisar holisticamente o objeto de estudo e entender o seu devir. Trata-se de desvincular a produção de conhecimento das verdades, que são meramente reproduções subservientes de um sistema de interesses e abrir caminho para uma criativa e coletiva construção do conhecimento humano, sem atrapalhar, no entanto, a dinâmica e o devir que sofrem essas construções.

O processo científico, como visto e discutido até aqui, deve ser constituído de múltiplas visões e de diferentes apontamentos, livres da objetividade e dos limites que os cientistas insistem em impor ao mundo.

Sobre a agenda pública da política de ciência e tecnologia

Agora que ficou claro uma proposição sobre a constituição de uma pesquisa científica, partindo desde os corpos de sujeitos envolvidos em um objeto de estudos até a atuação dos cientistas no cotidiano do fazer científico, pode-se começar a discutir a questão das Políticas de Ciência e Tecnologia (PCT), que serão abordadas aqui no âmbito das relações de poder e influências estabelecidas por diversos atores que participam do jogo político que as moldam e elaboram, tecendo um contraponto ao mito da neutralidade científica e tecnológica.

Na instância do Estado capitalista, as PCT’s atendem, fundamentalmente, aos interesses de alguns específicos atores sociais (Bagattolli, 2010), assim a questão de a comunidade científica estar à frente, no que diz respeito à formulação das PCT’s, garante a ela um respaldo quase integral com relação a interesses e intenções particulares.

Estes dois fatores juntos - comunidade científica ditando os rumos de PCT e uma visão unificada sobre sua formulação - faz com que se firme uma continuidade de implementação de ações, que perpassam governos e mandatos, permitindo ver claramente de que posição política e ideológica partem estes cientistas na formulação das PCT’s e sua consequente concepção de ciência.

Desanuvia-se a ideia de um campo político-científico neutro. A crença neste mito atrapalha que se estude mais a fundo vários aspectos da produção científica (Bagattolli, 2010), porém justifica a dominância de processos de construção e implementação de PCT, exercida por parte dos atores sociais privilegiados, que além de definir os seus rumos, lhe impõe limitações, sanções e um conjunto de burocracias que sustentam suas posições frente a um determinismo tecnológico e científico.

Conforme discutido anteriormente, o pesquisador ou a comunidade científica, depara-se com uma miríade de ligações e interações em rede, exercidas por diversos atores, que engendram posições, articulam interesses, estabelecem campos de poder e propagam seus ideais particulares ao se tornarem também os definidores dos rumos das PCT’s.

O papel do aparelho institucional do Estado na constituição das bases de PCT no Brasil, que aos idos dos anos 1950 criou organismos responsáveis pela aplicação de pesquisas de cunho científico e tecnológico e desenvolvimentista, passa a fazer parte da agenda política de fato, representando uma alavanca nos processos produtivos, capacitada a criar tecnologias e patentes, “apropriáveis” pela indústria.

Andrade (2011) comenta que no momento de se definir estratégias e prioridades das PCTs, os governos abordam a área econômica na necessidade de arquitetar um novo “contrato tecno-científico, que estabeleça um relacionamento simbiótico entre a pesquisa científica e as esferas política e econômica, fundado na noção de rede” (Andrade, 2011, 43).

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69 Estes passos dados pelo campo da Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil, denotam-lhe um caráter tecno-científico, indicando uma tendência (racionalidade) que prega o avanço científico como fator elementar para o desenvolvimento, tendo em vista assimilação tecnológica que sofre a ciência por parte do mercado. Esta racionalidade garantiu a diversas comunidades científicas, em vários países, um respaldo de investimentos para produção de pesquisas e para além disso, espaços de poder político.

Quando Bagattolli (2010) pensa o modelo cognitivo da PCT brasileira e o problema que a tal concepção de neutralidade da ciência traz, cria o argumento de que exista uma “barreira impermeável entre a sociedade e a C&T”, e insere peculiar problemática ao tentar entender o ambiente de produção de C&T como desagregado dos contextos sociais, econômicos e políticos, dado que isso ocasiona uma dificuldade de rastrear ações dos atores envolvidos, sobretudo no que tange as demandas sociais.

Interessante perceber como a trajetória e transição histórico-política em nosso país afetou a forma de se fazer ciência. Segundo Dias (2010, 79) houve um acentuado progresso do modelo social capitalista vinculado ao processo científico como motor de inovação, onde a busca pela acumulação só pode ser conservada e ampliada quanto se tem novas propostas de valor dispostas no mercado e isso, ancorado em uma visão schumpeteriana de desenvolvimento econômico, é a força motriz das inovações tecnológicas e geração de desejos.

Este fator teria levado os processos de inovação científico-tecnológica, no Brasil, a colocarem suas esperanças quase que exclusivamente na iniciativa privada, por estas representarem o ideal “inovador” no país, como ator capaz de gerar, de fato, inovação, ou seja, o mercado apropriando-se dos saberes, técnicas e tecnologias advindos do campo científico. Assim, apoiados apenas na incitava privada, a inovação tem servido apenas a interesses particulares de empresas, indústrias e comunidades científicas que buscam altear lucros e promover o crescimento capitalista.

Este ponto de vista tem base em uma perspectiva histórica vinda de um processo cultural que data dos anos 1970, em meio a um regime militar que começa a incentivar a modernização e industrialização do país, onde segundo o autor, o mercado passa a ditar os critérios básicos de definição das necessidades e prioridades da sociedade brasileira (Dias, 2010).

Entende-se então, que o modelo cognitivo pautado na neutralidade e no determinismo tecnológico, relacionado aos processos científicos e aos processos de definição, decisão e implementação de PCT’s, suscita distâncias sociais, potencializa desigualdades e faz carente de atenção certas áreas da sociedade. Vincular aqui a noção de rede vista em Latour (2012), é de fundamental importância para um diálogo articulado e interessante.

Uma das grandes críticas dos cientistas sociais à inovação schumpeteriana reside no determinismo e na abstração desse modelo. Afirma-se, então, ser necessário uma abordagem circunstancial e multilinear, que descartam os parâmetros das escolhas racionais como auto-suficientes.

Bruno Latour, Maria Lúcia Maciel e Manuel Castells. Apesar das especificidades de cada um, suas contribuições são relevantes para se estabelecer uma agenda sociológica para a tema da inovação.

Segundo Andrade (2005, 148) a obra de Bruno Latour apresenta novos parâmetros para a perspectiva da inovação. Para o autor, “atores importantes da análise econômica, como mecanismos de mercado e progresso técnico, passam a ter sua capacidade explicativa questionada por abordagens que privilegiam as relações circunstanciais da prática inovativa.

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70 Andrade (2005) afirma que o conceito de contexto se torna fundamental na sociologia da inovação de Latour. Pois, os agentes inovadores criam e se submetem aos seus contextos de inovação. Citando Latour, Andrade (2005) afirma que a inovação precisa de um contexto favorável. Existe uma relação mútua entre o social e o técnico e, neste sentido, o pensamento técnico tradicional não foi capaz de identificar.

Ainda, segundo Andrade (2005):

[...] externalidade entre o técnico e o social se desfaz à medida que os sistemas ampliam sua abrangência e constroem para si mesmos seu próprios ambientes. A implementação de dispositivos multifuncionais e de alta compatibilidade externa e interna é uma necessidade fundamental para atender demandas complexas, e o caminho para esse encadeamento se faz mediante a tradução de propriedades técnicas e sociais anteriormente dispersas, como no caso do projeto do metrô Aramis em Paris.

Latour (1992) afirma que existe uma constante troca complexa e diversificada de informações e conhecimento. É necessário se pensar o contexto técnico e social na que constituem a realidade urbana, os recursos tecnológicos, as visões constituintes do campo jurídico e as representações dos clientes.

Segundo Andrade (2005,):

Policy makers, técnicos em engenharia, urbanistas e consumidores passaram a configurar um contexto social de argumentações em torno dessa inovação. Nesse contexto, os setores tradicionais do paradigma schumpeteriano, como os mecanismos de mercado e os investimentos em P&D, tornaram-se abstrações que não dão conta de explicar as escolhas e as controvérsias inovativas.

A atual conjuntura das PCT's, fundada no viés Schumpeteriano, não dá conta de entender a dinâmica da rede - constituída por actantes com contatos e afetações mútuas -, pouco se preocupa em resolver as demandas de atores excluídos do modelo capitalista, menos ainda em entender o devir de seus corpos ante o mundo, no sentido de promover equidade de ação e direitos. Obstante a isso, visam atender exclusivamente a interesses particulares da indústria, por meio de um Estado que promove a inovação como sendo o motor de desenvolvimento do país, em que a agenda das empresas ganha territórios nas discussões sobre o progresso do país, muitíssimo longe da ideia proposta por Dias (2010, 88) de que "defender a garantia da participação de um conjunto mais diverso e abrangente de atores sociais no processo de elaboração das políticas públicas é um compromisso para com a democracia plena”. Porém a proposta apresentada ainda propõe um viés econômico.

Segundo Andrade (2005, 148)

Se a princípio essa problemática tinha um foco estritamente econômico, produtivo, atualmente ela precisa incorporar variáveis culturais, sociais e políticas. Faz-se necessário, pois, expandir o conceito de inovação de forma a incluir as condições coletivas para a qualificação de profissionais, a inclusão de setores marginalizados, a revitalização do espaço urbano, entre outras.

Se faz necessário compreender a estrutura de conformação de uma política pública sob a ótica dos elementos teóricos trazidos a lume neste texto. Haja visto que, como exposto até aqui, a agenda pública da PCT é o produto da tensão existente entre as agendas de diversos

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71 atores, predominando os agenciamentos da comunidade científica em conjunto com as divergentes posturas do mercado.

Sentido contrário é defendido por Stengers (2002). A autora afirma que "os diversos níveis de prática não somente não têm que ser homogeneizados, reunidos uns aos outros sob uma tutela transcendente, mas convém engajá-los em um processo de heterogênese" (2002, 182).

Segundo Moraes (2004) uma rede de atores se define tanto pela mobilização do mundo quanto pela produção de subjetividade. Este fato se dá por um caminho de mão dupla: uma rede é um processo de produção ao mesmo tempo do mundo e da subjetividade. A partir de Guatarri, a autora entende que “a subjetividade ... [é fabricada] nas grandes máquinas sociais, mass-mediáticas, linguísticas e que não podem ser qualificadas de humanas" (2004, 325).

Moraes (2004) afirma que uma rede de atores se define tanto pela mobilização do mundo quanto pela produção de subjetividade. Neste sentido, é um caminho de duas vias: uma rede é um processo de produção ao mesmo tempo do mundo e da subjetividade.

A autora afirma que:

[...] o parlamento das coisas traduz esta dupla exigência da ciência definida como rede de atores: redefinição dos objetos e redefinição do sujeito. Podemos afirmar que um e outro se definem por sua multiplicidade, e tanto um como outro se define como rede de atores (...) O parlamento das coisas celebra a não-modernidade das práticas científicas, definidas como práticas de mediação porque nele os cientistas não são os únicos representantes das coisas. (Moraes 2004, 328).

É neste sentido que colocamos em pauta questões e discernimentos sobre quem são os atores que realmente definem as PCT no Brasil. O que seriam, onde ficam e como podem ser abordadas as demandas sociais neste contexto? Como pensar em uma PCT capaz de diminuir distâncias e promover a equidade econômica, política e social a partir da rede de atores existente? Como constituir um campo científico articulado e criativo para além dos ditames mercadológicos e tecnológicos? Como discutir a questão dos híbridos no que concerne a formulação de PCT’s?

Temos a clareza de que ao propormos tal debate não contribuímos de forma genuína para com a discussão do tema. Porém, fica clara a nossa intenção de ampliar o debate sobre a polifonia de concepções existente sobre tal. Não importa uma resposta. A mesma não existe. O que importa, de fato, é ampliar o debate com os multipontos existentes e aflorar as concepções existentes sobre a questão.

Referências

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ciência e tecnologia e política de ciência e tecnologia: abordagens alternativas para uma nova América Latina. Campina Grande: EDUEPB/UNIAMP, 2010 (p. (101-131).

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72 DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil Platôs. São Paulo: Editora 34, 2005.

DIAS, R. de B. A agenda política científica e tecnológica brasileira: uma perspectiva histórica. In DAGNINO, Renato. Estudos sociais da ciência e tecnologia e política de ciência

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