Jovens e a Política Participativa: O caso #UFGSePosicione 1 Júllia Robertha Rosa MACHADO 2 Thays Lanusse Gomes LOPES 3 Daiana STASIAK 4 Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO Resumo
O artigo disserta sobre o conceito de política participativa aplicado às práticas de mobilização e engajamento dos jovens nas redes sociais. Diante de uma realidade online dinâmica e propícia para o surgimento de discussões acerca de diversos temas, a juventude familiarizada com o meio, faz uso da internet para se organizar e buscar ações coletivas para a solução de problemas observados. O caso analisado é o da hashtag #UFGSePosicione, no qual o relato de um estudante da instituição nas redes sociais sobre um suposto estupro na UFG gerou uma expressiva mobilização online de estudantes reivindicando melhorias na segurança da Universidade.
Palavraschave: Redes Sociais online; Política Participativa; Engajamento; Internet;
Introdução
No dia 14 de junho de 2016, a denúncia de um suposto caso de estupro nas dependências do campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás (UFG) circulou nas redes sociais. A repercussão foi surpreendente, e foi caracterizada pela criação de uma hashtag e de eventos paralelos. As redes sociais online são um reflexo da facilidade de acesso às plataformas de comunicação. Elas são “uma consequência da apropriação das ferramentas de comunicação mediada pelo computador pelos atores sociais” (RECUERO, 2009, p.102). Assim, representam uma transição das redes sociais já estabelecidas entre as pessoas para o meio online. 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Comunicação Multimídia, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de Relações Públicas da FICUFG, email: robertha95@gmail.com. Integrante do Grupo de Pesquisa WEBRP Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq). 3 Estudante de Graduação 5º. semestre do Curso de Relações Públicas da FICUFG, email: thayslanusse@hotmail.com. Integrante do Grupo de Pesquisa WEBRP Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq). 4 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Relações Públicas da FICUFG, email: daiastasiak@gmail.com, Líder do Grupo de Pesquisa WEBRP Práticas de Relações Públicas em Suportes Midiáticos Digitais (CNPq).
Raquel Recuero (2009) classifica os sites de redes sociais em fotologs , weblogs e ferramentas de microblogging . A movimentação online ocorreu no Facebook e no
microblog Twitter e surgiu a partir do relato de um estudante, que afirmava ser testemunha do ocorrido, em seu perfil no microblog.
O estudante relatou ter visto uma mulher possivelmente dopada saindo de um carro no estacionamento da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC). Ela teria entrado no banheiro do prédio da unidade e ao vêlo, ficou visivelmente alterada e fugiu. O jovem teve seu relato publicado por outro usuário no grupo não oficial da 5 UFG no Facebook. Esse grupo possui mais de 27 mil membros e foi uma plataforma para a mobilização de grupos de busca, atualização sobre o caso, além da organização de um protesto por segurança, que resultou na ocupação do prédio da reitoria da instituição por 13 dias. Essa nova forma de engajar e ser engajado às causas sociais, característica do meio online, é discutida por Henry Jenkins, Mizuko Ito e Danah Boyd em seu livro “Cultura participativa em uma era conectada”.
Os novos estilos de política participativa abrangem o que os jovens já conhecem como fãs, consumidores e participantes das redes sociais e implantam esta capital cultural popular como o ponto inicial para a ação política (JENKINS in JENKINS; ITO; BOYD, 2016, p.157) 6
Em tempos de Web 2.0, caracterizada “por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo” (PRIMO, 2007), os jovens já estão acostumados com a dinamicidade do ambiente online e aplicam isso também ao tocarem na esfera social. No artigo realizase uma análise do caso e de sua repercussão e procurase entender como as teorias de engajamento online e mobilização do público jovem em questões de cunho social podem ser observadas no desenvolvimento das práticas sociais.
Início do caso: Twitter e #UFGSePosicione 5 Link acessado em 09 de julho de 2016.
No início da noite do dia 14 de junho, um estudante postou em seu perfil no
Twitter o relato de um possível estupro que teria acontecido no campus Samambaia da UFG. Após a postagem, o caso começou a repercutir entre seguidores do aluno que são estudantes da Universidade, por meio de comentários e replicações do relato em seus perfis pessoais. As figuras a seguir apresentam a ordem dos tweets feitos pelo estudante.
Figura 1: Relato postado pelo estudante em seu perfil no Twitter.
Fonte: twitter.com
Constatase que a repercussão foi maximizada pela criação e propagação de uma
hashtag: chamada #UFGSePosicione. A hashtag cobrava uma posição da reitoria sobre7 o caso e a falta de segurança no campus.
7 O hashtag é um protocolo social compartilhado para se “etiquetar” um tweet, utilizase o sinal de
Figura 2: Comentário no Twitter utilizando a #UFGSePosicione.
Fonte: twitter.com
Entre 14 e 16 de junho, ela atingiu 452.703 pessoas e foi visualizada por 961.957 pessoas nesta rede social, dentre eles alunos da UFG e de outras instituições de ensino superior, alunos de ensino médio, perfis de veículos de comunicação de massa e perfis de humor e também adeptos à causa feminista. A figura a seguir demonstra o alcance da hashtag.
Figura 3: Dados sobre a utilização da #UFGSePosicione no Twitter.
Fonte: http://keyhole.co/
Uma estudante compartilhou o relato do jovem no grupo não oficial da UFG, que conta com mais de 27 mil membros de todos os campi da Universidade. Pelo grupo, houve uma mobilização inicial de estudantes do período noturno, que já estavam no campus Samambaia, alguns saíram à procura da jovem desaparecida. Logo, estudantes que moravam nas imediações do local e outros que já haviam saído, foram ajudar na busca, que durou algumas horas, mas não foi localizada a possível vitíma. Além das redes sociais, o caso repercutiu em grupos no aplicativo Whatsapp , como pode ser observado na figura 4.
Figura 4: Conversa retirada de um grupo de Whatsapp.
Fonte: Arquivo pessoal.
Cathy J. Cohen e Joseph Kahne, em um relatório branco para a Youth and Participatory Politics Research Network (YPP) em 2012, definiram política participativa como “atos interativos e homólogos pelos quais indivíduos e grupos
procuram exercer sua voz e influência em questões de interesse público” (COHEN; 8 KAHNE apud JENKINS; ITO; BOYD, 2016, p.155).
Além da busca in loco pela jovem que, de acordo com tweet teria sido possivelmente estuprada, houve uma mobilização online em que foi marcado um evento para o dia seguinte, no qual haveria uma caminhada pelo campus reivindicando melhorias na segurança. Figura 5: Evento marcado pelas redes sociais. Fonte: facebook.com
O protesto teria como destino final o prédio da reitoria da UFG, onde os manifestantes esperavam discutir os assuntos de sua pauta com o reitor da Universidade. O processo de organização desse ato de protesto pelo Facebook pode ser categorizado
como uma nova face da política participativa, que é dividida por Cohen e Kahne em cinco fases:
Compartilhamento de informações pelas redes sociais; engajamento em conversas online por meio de fóruns digitais, blogs e podcasts ; criação de conteúdo original na forma de videos online ou memes editados para comentar em alguma questão atual; usar o Twitter e outras ferramentas de microblog para agrupar uma comunidade para uma ação coletiva; construir arquivo para investigar uma preocupação em andamento (COHEN; KAHNE apud JENKINS in JENKINS; 9 ITO; BOYD, 2016, p.155156).
No dia 15 de junho pela manhã o encontro se realizou e teve postagens com repercussão no grupo não oficial da Universidade. Figura 6: Movimentação no campus é compartilhada no grupo não oficial da UFG. Fonte: facebook.com A mobilização da mídia tradicional
Com o crescimento da movimentação nas redes sociais, a mídia tradicional (jornal impresso, rádio e televisão) seguiu o mesmo fluxo e começou a publicar notícias sobre o que já se sabia do caso em seus perfis nas redes sociais. Assim, o fato começou
a sair do ambiente ligado à Universidade e passou a ser de conhecimento da sociedade. Outra consequência da participação dos veículos tradicionais na divulgação do caso é que ela trouxe consigo um peso de veracidade ao fato, e mesmo sem a aparição da vítima e com apenas uma testemunha do caso, se tornou cada vez mais real para os usuários.
Figura 7: Notícia de veículo de comunicação que foi compartilhada por diversos usuários do Twitter.
Fonte: twitter.com
As pessoas passaram então a compartilhar as notícias desses veículos de comunicação, como visto na figura 7, mostra a notícia do jornal O Popular retuitada 440 vezes. Neste contexto, Zago (2011) afirma que o caráter informativo das postagens feitas por veículos tradicionais e o nome que eles têm fazem com que elas sejam compartilhadas mais vezes do que as feitas por usuários comuns.
Em termos gerais, os tweets postados pelos veículos informativos possuem características diferentes dos postados pelos interagentes em sua maioria, são mensagens que poderia se classificar como sendo de filtro, com propósito de informação. Elas também costumar conter links para o veículo que representam.Pelas características dessas mensagens caráter
informativo, procedência de veículo reconhecido e presença de links elas tendem a ser mais retuitadas que as mensagens informativas postadas pelos interagentes (ZAGO, 2011, p.145).
Com a divulgação do protesto que ocorreria no dia 15 de junho, no qual os manifestantes se reuniriam no pátio da FIC, vários veículos de comunicação compareceram ao local para cobrir o ato. Os repórteres de rádio e televisão conversaram com estudantes sobre a segurança no campus, o possível estupro e também com o jovem que havia relatado o caso no Twitter.
A mobilização da mídia tradicional trouxe mais atenção ao caso, que foi acompanhado pela comunidade e possibilitou a apresentação de novas vozes à situação, como a da delegada Ana Elisa Gomes, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) que foi responsável pela investigação do caso.
Ato em solidariedade à vítima de estupro no campus Samambaia e a ocupação da reitoria
Danah Boyd acredita que os jovens usam as redes sociais para se organizarem porque possuem uma dificuldade no uso de locais públicos físicos para tratarem desses assuntos. Pois é difícil a tarefa de conseguir que todos estejam em um mesmo lugar ao mesmo tempo. A autora propõe que “devido ao acesso restrito aos espaços públicos físicos, os jovens frequentemente se organizam por meio de públicos conectados, usando a tecnologia para coordenar, comunicar e ativar” (BOYD in JENKINS; ITO; 10 BOYD , 2016, p.159). Assim, a criação do ato em solidariedade à vítima de estupro na11 rede social Facebook exemplifica essa facilidade notada por Boyd.
10 Trecho traduzido pelas autoras. 11 Trecho traduzido pelas autoras.
Figura 8: Estudantes em ato na reitoria. Fonte: facebook.com
O ato saiu do pátio da FIC e seguiu rumo à reitoria com o intuito de cobrar mais segurança no campus. A maioria dos presentes eram mulheres e ao chegarem ao destino, se encontraram com o vicereitor, que era o reitor em exercício naquele dia, para discutirem suas propostas. As manifestantes decidiram pela ocupação da reitoria, que começou no dia 15 de junho e foi até o dia 27 e se tornou a primeira ocupação feminista em uma universidade federal.
As manifestantes se denominaram “As minas na reitoria UFG” e criaram uma página no Facebook, na qual divulgavam a situação no local e também eventos que elas criaram para discutir o feminismo dentro do ambiente universitário. De acordo com a página, as “minas” defendem o movimento contra o machismo, o racismo e todas as formas de opressão dentro da universidade. Elas apresentaram ao reitor uma série de reivindicações, que foram respondidas com propostas de melhoria. A ocupação permaneceu até o dia 27 de junho quando um novo documento que foi produzido, o qual foi assinado pelo reitor.
Figura 9: Página As Minas na Reitoria UFG. Fonte: facebook.com A criação de memes sobre o caso
Com a presença de investigação policial, novas informações sobre o caso surgiram. A análise das imagens feitas pelas câmeras de segurança constatou que a câmera que costumava ficar apontada para o banheiro descrito no depoimento, estava virada para outra sala do prédio. Portanto, não havia como provar a veracidade do ocorrido. Porém, em imagens datadas de uma semana anterior ao dia do suposto estupro, foi possível observar que foi o próprio estudante que denunciou o fato quem tirou a câmera de sua posição original e a colocou em outra direção.
Essas informações juntamente com as incoerências nos depoimentos prestados pelo estudante e a ausência de vítima, fizeram com que a delegada do caso o classificasse como falso. A figura a seguir mostra a repercussão de notícias referentes à falsidade do caso.
Figura 10: Notícia de que o caso era falso, confirmada pela delegada. Fonte: opopular.com.br
Após a notícia de que o relato era mentira, vários alunos começaram a criar e postar memes no grupo não oficial da UFG. Eles foram usados para criticar a situação de maneira cômica e acabaram gerando discussões no grupo.
Os memes de internet são parte da atual cultura online e o termo significa imitação. A expressão é conceituada como “fenômeno de viralização de uma informação, ou seja,qualquer vídeo, imagem, frase, ideia, música e etc, que se espalhe entre vários usuários rapidamente, alcançando muita popularidade” . Como observado 12 anteriormente Cohen e Kahne apud Jenkins; Ito; Boyd (2016, p.155156) os memes caracterizam uma das fases da nova política participativa. As figuras a seguir apresentam os memes do caso.
Figura 11: Exemplos de memes compartilhados no grupo. Fonte: facebook.com Considerações Finais
As redes sociais online se provam cada vez mais como palco de discussões e engajamento social. A facilidade desse meio se deve ao fato das ferramentas de comunicação nos computadores estarem disponíveis aos atores sociais, como descrito por Recuero (2009). A presença de jovens nas discussões políticosociais é objeto de estudo para Henry Jenkins, Mizuko Ito e Danah Boyd (2016), que afirmam que as redes sociais têm papel fundamental no desenvolvimento desses temas na sociedade.
Henry Jenkins acredita em um princípio de “imaginação cívica”, no qual os jovens imaginam o mundo como eles acham que deve ser e a partir daí se conscientizam e agem para a efetivação de seus sonhos. Ele descreve o termo como “o relacionamento entre os atos da imaginação e a origem da consciência política” 13 (JENKINS in JENKINS, ITO, BOYD, 2016, p.152). Por sua vez, Danah Boyd (2016, p.159) associa essa imaginação cívica às características da Web 2.0 para justificar a quantidade e a facilidade para a organização de movimentos com o cunho social.
A mobilização acerca de um suposto estupro que teria acontecido no campus Samambaia da UFG confirma essa proposição. O caso seguiu todas as suas cinco fases do modelo proposto por Cathy J. Cohen e Joseph Kahne. A primeira foi o
compartilhamento de informações pelas redes sociais: tanto o relato do caso, quanto a postagem no grupo do Facebook se encaixam nessa fase. A segunda foi o engajamento em conversas online por meio de fóruns digitais, blogs e podcasts . Com a divulgação no grupo, o assunto passou a noite toda sendo discutido em duas redes sociais, além de estar presente em discussões em grupos pessoais.
A terceira fase foi a criação de conteúdo ou memes sobre o assunto, exemplificada com os memes sobre a “câmera virada”. A quarta foi o uso do Twitter e
Facebook para conseguir pessoas em busca da ação coletiva. A criação do evento em solidariedade à possível vítima foi feita no Facebook, porém outras redes sociais foram utilizadas para divulgação. A última fase que se define como a construção de um arquivo para a investigação de uma preocupação em andamento pôde ser observada na criação da página “As minas na reitoria UFG” e em suas postagens, nas quais pediram colaboração de relatos de estudantes sobre casos relacionados e mostraram a rotina dos dias de ocupação do prédio administrativo da Universidade.
A partir da análise, o artigo buscou demonstrar que os jovens se encontram cada vez mais engajados. Conforme os autores mencionados, esse engajamento é fruto das redes sociais online, que possibilitam um espaço para a discussão e organização dos mesmos. Constituise então, uma nova forma de se fazer e se discutir política. A chamada “política participativa” é característica dos novos movimentos sociais e pôde ser vista no exemplo do suposto caso de estupro na Universidade.
Referências bibliográficas
JENKINS, H; ITO, M; BOYD, D. Participatory culture in a networked era. Cambridge: Polity Press, 2016.
PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. In: Compós, v. 9, p. 121, 2007, Brasília. RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.
SIGNIFICADOS, Significado de Meme. Disponível em: <http://www.significados.com.br/meme>. Acesso em: 12 de julho de 2016.
ZAGO, G.S. Recirculação jornalística no Twitter: filtro e comentário de notícias por interagentes como uma forma de potencialização da circulação. 204 f. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Programa de Pósgraduação em Comunicação e Informação. Porto Alegre, RS, 2011.