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CONCURSO DE TESES DO VIII CONGRESSO NACIONAL DE DEFENSORES PÚBLICOS

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CONCURSO DE TESES DO VIII CONGRESSO NACIONAL

DE DEFENSORES PÚBLICOS

Tese: A legitimidade constitucional do controle judicial das políticas

públicas destinadas à efetivação do direito fundamental à assistência

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A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DESTINADAS À EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA DAS PESSOAS NECESSITADAS

Introdução: Defensoria Pública, acesso à justiça e direitos fundamentais

A Defensoria Pública cumpre papel constitucional essencial na tutela e efetivação dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações), pautando-se, inclusive, pela perspectiva da integralidade, indivisibilidade e interdependência de todas elas.1De tal sorte, da mesma forma que a Defensoria Pública atua na tutela dos direitos liberais (ou de primeira dimensão), conforme se verifica especialmente no âmbito da defesa criminal, movimenta-se também, e de forma exemplar, no sentido de tornar efetivos os direitos

sociais (ou de segunda dimensão), o que se registra nas ações que pleiteiam medicamentos

e tratamentos médicos (direito à saúde), nas ações e defesas possessórias (direito à moradia) e nas ações que reivindicam vaga em creche ou no ensino fundamental (direito à educação). Nessa linha, com o surgimento dos direitos fundamentais de solidariedade (ou de terceira dimensão), como é o caso da proteção do ambiente, automaticamente a tarefa constitucional de zelar por eles é atribuída à Defensoria Pública, em razão de que à população pobre também deve ser garantido o desfrute de suas vidas em um ambiente saudável e equilibrado, e, portanto, digno. O fato de se atribuir à Defensoria Pública tal missão constitucional, ou seja, a tutela dos direitos fundamentais das pessoas necessitadas, acarreta na possibilidade de levar qualquer violação ou ameaça de lesão a tais direitos ao Poder Judiciário, garantindo o acesso de tais pessoas à justiça, o que, por si só, já se trata também de um direito fundamental.

Infelizmente, a falta de acesso da população pobre aos seus direitos fundamentais tem sido recorrente na nossa história política e realidade socioeconômica, caracterizando,

1Sobre o tema, v. WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006, p.

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na grande maioria das vezes, a omissão dos entes federativos em atenderem de modo minimamente satisfatório às demandas sociais, como ocorre, por exemplo, no caso da saúde, da educação, do saneamento básico, da assistência social, da moradia, defesa criminal (especialmente no âmbito da execução criminal), etc. O mesmo ocorre no tocante à prestação de assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas, com a ausência, mesmo após a nossa Constituição ter completado 20 anos, de Defensorias Públicas em alguns Estados brasileiros (como é o caso, por exemplo, de Santa Catarina e Paraná. Nesse prisma, conforme será desenvolvido ao longo do presente ensaio, coloca-se, inclusive, a hipótese em que a atuação da Defensoria Pública volta-se ao controle judicial da própria prestação estatal do serviço público essencial de assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas, já que, em última instância, objetiva-se a tutela de direito fundamental do indivíduo e dos grupos sociais vulneráveis.

1. Assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas: do mero “favor” estatal ao direito fundamental do indivíduo e da coletividade

No tocante ao regime jurídico-constitucional estabelecido para a assistência jurídica (integral e gratuita) às pessoas necessitadas2, é importante consignar que a nossa Lei Fundamental de 1988 levou a cabo verdadeira revolução em prol das pessoas carentes, ao pronunciar, para além de um dever do Estado brasileiro, também um direito fundamental do indivíduo e de toda a coletividade. Isso resulta evidente na inserção topográfica do inciso LXXIV junto ao art. 5º do nosso texto constitucional, ou seja, no catálogo dos direitos fundamentais, dispondo que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Tal inclusão confere à

2A utilização da expressão pessoas necessitadas tem por objetivo guardar sintonia com o texto constitucional

(art. 134, caput), ressalvando-se que a condição de necessitado não se restringe apenas à perspectiva econômica, mas abarca também outras hipóteses em que indivíduos ou mesmo grupos sociais encontram-se em situação de vulnerabilidade existencial no tocante aos seus direitos fundamentais e dignidade.

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assistência jurídica integral e gratuita o mesmo regime jurídico-constitucional dos demais direitos fundamentais.

Se antes de 1988 o tratamento jurídico-constitucional era outro, muitas vezes tomando a assistência jurídica (integral e gratuita) às pessoas necessitadas como um “favor” prestado pelo Estado, sem qualquer vinculação jurídica, hoje o Estado brasileiro está obrigado a cumprir com tal imposição constitucional. Em outras palavras, pode-se dizer que não há “margem” para o Estado “não atuar” ou mesmo “atuar de forma insuficiente” (à luz do princípio da proporcionalidade) na prestação do serviço público de assistência jurídica (integral e gratuita) às pessoas necessitadas, pois tal atitude estatal resultaria em prática inconstitucional. E mais, tal entendimento caminha no sentido de afirmar o reconhecimento de um direito fundamental à assistência jurídica (integral e gratuita) conferido às pessoas necessitadas. Do ponto de vista da dogmática constitucional, a atribuição do status jusfundamental à assistência jurídica (integral e gratuita) implica, para além do dever de proteção do Estado, também o reconhecimento de posições

jurídicas subjetivas, tanto de cunho defensivo quanto prestacional, as quais podem ser

exercidas em face do ente estatal descumpridor da norma constitucional, especialmente quando a sua ação ou omissão ensejar violação ao direito fundamental em questão.

Assim, vale destacar que o art. 134 da Constituição de 1988, de modo a cumprir com os deveres de proteção do Estado para com o direito fundamental à assistência jurídica (integral e gratuita) conferido às pessoas necessitadas, entendeu por bem criar instituição pública com tal papel constitucional: Defensoria Pública. O referido dispositivo constitucional assevera que “a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Em linhas gerais, de acordo com o tratamento constitucional conferido à matéria, o acesso à justiça, para a população carente, deve ser considerado um serviço público essencial, pois é instrumento de efetivação dos

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direitos fundamentais e de uma vida digna para tais pessoas. A nossa Lei Fundamental de 1988, de tal sorte, delineia um modelo público de assistência jurídica integral à população carente.

Seguindo tal entendimento, destaca-se que o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita toma a forma de um direito fundamental social, inclusive com a preponderância de conteúdo prestacional. Ou seja, para assegurar o exercício do direito fundamental em questão, incumbe-se ao Estado a adoção de medidas de natureza positiva, como sói acontecer na grande maioria dos direitos sociais, na medida em que caberá ao ente estatal a criação e estruturação da Defensoria Pública, tanto no âmbito estadual quanto federal, assim como dotar a instituição de cargos suficientes de Defensor Público. Nesse sentido, vale destacar que não apenas a omissão do ente estatal em criar a Defensoria Pública resulta em prática inconstitucional, mas também a atuação insuficiente do Estado em prover estrutura adequada ao seu funcionamento, haja vista a aplicação do princípio da proibição de insuficiência na salvaguarda dispensada pelos poderes públicos aos direitos fundamentais.

Em linhas gerais, conforme propugnado nas linhas anteriores, deve-se trilhar a superação do modelo clássico “assistencialista” conferido à “assistência jurídica integral e gratuita” das pessoas necessitadas, tomando-se hoje o acesso à justiça das pessoas pobres não como mero “favor” ou “benefício” prestado pelo Estado brasileiro, mas sim como dever estatal e, acima de tudo, como direito fundamental (subjetivo)3 do indivíduo e da coletividade que se encontrar em tal situação de carência, capaz , inclusive, de obrigar judicialmente o Estado a lhe garantir tal serviço público essencial, conforme se verá mais a frente.

3De acordo com tal entendimento, cfr. ALVES, Cleber Francisco. Justiça para todos: assistência jurídica

gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 264; SILVA, José

Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 158; BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade humana. 2.ed. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2008, p. 325 e SS; e DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à Justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 118 e ss.

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1.1. Dimensão objetiva do (e deveres de proteção do Estado para com o) direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita

Os deveres de proteção (Schutzpflichten) do Estado para com os direitos fundamentais encontram o seu fundamento na dimensão objetiva de tais direitos, os quais para além da sua dimensão subjetiva, representam valores constitucionais de toda a

comunidade estatal. 4 Tal projeção normativa dos direitos fundamentais também se encontra expressa na idéia de “eficácia vertical” de tais direitos, já que, no caso, está em jogo a relação jurídica entre o indivíduo e o Estado, diferentemente do que ocorre no caso da “eficácia horizontal” (ou eficácia entre particulares) dos direitos fundamentais. Sob tal perspectiva, HESSE destaca que a configuração dos deveres de proteção do Estado a partir dos elementos fundamentais da ordem objetiva obriga o Estado a fazer o possível para realizar os direitos fundamentais, protegendo os respectivos bens jurídicos de violações e ameaças impetradas por terceiros, sobretudo por privados, mas também por outros Estados.5

A razão suprema de ser do Estado reside justamente no respeito, proteção e promoção da dignidade dos seus cidadãos, individual e coletivamente considerados, devendo, portanto, tal objetivo ser continuamente promovido e concretizado pelo Poder Público e pela própria sociedade. Os deveres de proteção do Estado contemporâneo estão alicerçados no compromisso constitucional assumido pelo ente estatal, por meio do pacto constitucional, no sentido de tutelar e garantir nada menos do que uma vida digna aos seus cidadãos, o que passa pela tarefa de promover a realização dos direitos fundamentais, retirando possíveis óbices colocados à sua efetivação. De acordo com tal premissa, a implantação das liberdades e garantias fundamentais (direito à vida, livre desenvolvimento

4 Sobre o tema, v. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8.ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2007, p. 163-164.

5HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre:

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da personalidade, etc.) pressupõe uma ação positiva (e não apenas negativa) dos poderes públicos, no sentido de remover os “obstáculos” de ordem econômica, social e cultural que impeçam o pleno desenvolvimento da pessoa humana.6 Nesse sentido, uma vez que a assistência jurídica é alçada ao status constitucional de direito fundamental (além de tarefa e dever do Estado e da sociedade) e o desfrute de tal direito passa a ser identificado como elemento indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa, qualquer “óbice” que interfira na concretização do direito em questão deve ser afastado pelo Estado (Legislador, Administrador e Judicial), venha tal conduta (ou omissão) de particulares, seja ela oriunda do próprio Poder Público.

É conferida ao Estado, portanto, a incumbência de assegurar o exercício efetivo dos direitos fundamentais por parte dos particulares, tomando toda espécie de medidas de natureza negativa ou positiva necessárias à consecução de tal fim. Nessa perspectiva, VIEIRA DE ANDRADE leciona que se passou a dar relevo à existência de “deveres de proteção” dos direitos fundamentais, de modo que a vinculação dos poderes estatais aos direitos fundamentais não se limitam ao cumprimento do dever principal respectivo (de abstenção, ou ainda de prestação ou de garantia da participação, conforme o tipo de direito do particular), antes implicaria o dever de promoção e de proteção dos direitos perante quaisquer ameaças (de terceiros), a fim de assegurar a sua efetividade.7 A partir dos deveres de proteção do Estado, configura-se o direito à proteção do titular do direito fundamental em questão, ou seja, o direito subjetivo a ações fáticas ou normativas em face do Estado. E, de modo a atender aos seus deveres de proteção, conforme leciona ALEXY, incumbe ao Estado, por exemplo, tutelar os direitos fundamentais por meio de normas de direito penal, de normas de responsabilidade civil, de normas de processo civil, além de

6PEREZ LUÑO, Antonio E. Los derechos fundamentales. 8.ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2005, p. 214. 7VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 2.ed.

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atos administrativos e ações fáticas.8 Para além dos exemplos trazidos acima, pode-se destacar também, como forma de levar a cabo os seus deveres de proteção, a adoção pelo Estado de políticas públicas para a tutela e promoção de direitos fundamentais.

No caso da assistência jurídica integral e gratuita prestada às pessoas necessitadas, o Estado cumpre com o seu dever de proteção para com tal direito fundamental na medida em que adota, tanto no campo legislativo (como, por exemplo, elaboração de leis voltadas à regulamentação da assistência jurídica, fortalecimento da Defensoria Pública no plano constitucional, atribuição de legitimidade à Defensoria Pública para a propositura de ações coletivas) quanto no campo fático (criação de Defensoria Pública onde ela ainda não exista, criação de mais cargos de Defensor Público e de quadro de apoio, investimento em infra-estrutura para a prestação do serviço público em questão, etc.). De acordo com SILVA, o reconhecimento da assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas como direito fundamental resulta, para o Estado, a adoção de prestações positivas, de modo a realizar o princípio da igualdade perante a Justiça, reconhecendo, por fim, que se trata ainda de “um ideal longe de ser atingido”, de modo que a insuficiência de estrutura das Defensorias Públicas deixa a pessoa beneficiada em situação de desamparo.9 Tal situação resulta em flagrante afronta ao sistema constitucional de proteção da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais.

1.2. Dimensão subjetiva do direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita

Os direitos fundamentais passaram (e ainda passam!) por um longo processo de reconhecimento e afirmação histórica. No caso dos direitos sociais (aí incluída a assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas!), diferentemente do que ocorreu com os diretos liberais (civis e políticos), o seu devido lugar na constelação dos

8 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 2.ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y

Constitucionales, 2007, p. 398.

9 SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. São Paulo,

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direitos fundamentais tardou um pouco mais a se consolidar. E tal consolidação jurídica toma forma especialmente no reconhecimento de uma posição jurídica subjetiva por trás de tais direitos. Alinhado a tal premissa, ABRAMOVICH e COURTIS afirmam que o que qualifica a existência de um direito social como um “direito pleno” não é simplesmente a conduta cumprida pelo Estado (ou seja, a realização dos seus deveres constitucionais de proteção através de políticas públicas satisfatórias), mas sim a existência de algum poder jurídico para o titular do direito atuar em caso de descumprimento da obrigação devida pelo Estado.10 Tal “poder jurídico” conferido ao indivíduos (e também às instituições estatais encarregadas constitucionalmente de tutelar seus direitos fundamentais, como é o caso da Defensoria Pública11) está consubstanciado no reconhecimento da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, para além, é claro, da sua dimensão objetiva (onde se situam os deveres de proteção do Estado para com tais direitos e o seu conteúdo de norma programática).

O reconhecimento de um direito subjetivo fundamental, como afirma VIEIRA DE ANDRADE, está ligado hoje à “proteção intencional e efetiva da disponibilidade de um bem ou de um espaço de autodeterminação individual, que se traduzirá sempre no poder de exigir ou de pretender comportamentos (positivos ou negativos) ou de produzir autonomamente efeitos jurídicos”.12 O constitucionalista português refere também a idéia de que o direito subjetivo apresenta-se como mecanismo de tutela da autonomia da pessoa, exprimindo a “soberania jurídica” (embora limitada) do indivíduo, quer garantindo-lhe

10ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid:

Editorial Trotta, p. 37.

11Com tal enforque, é importante ressaltar que, se o Ministério Público é responsável pela tutela dos direitos

da totalidade sociedade brasileira, a Defensoria Pública, conforme registrado pelo II Diagnóstico da Defensoria Pública (p. 22-23), realizado pelo Ministério da Justiça no ano de 2006, é responsável pela tutela dos direitos de mais de 85% da população brasileira, já que tal percentual da população estaria enquadrado na condição socioeconômica atendida pela referida instituição (até 03 salários mínimos). Disponível em: http://www.mj.gov.br/main.asp?View={597BC4FE-7844-402D-BC4B-06C93AF009F0}. Acesso em 25.09.2009.

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certa liberdade de decisão, quer tornando efetiva a afirmação do “poder de querer” que lhe é atribuído.13

Em outras palavras, o fato de se conferir a um direito uma perspectiva ou dimensão subjetiva revela a sua maior intensidade normativa, já que ao titular do direito é dada uma maior esfera de autonomia para torná-lo efetivo. Da mesma forma, é o reconhecimento de uma dimensão subjetiva que autoriza o indivíduo a postular o seu direito em face do Poder Judiciário, exigindo, portanto, a tutela do Estado para torná-lo efetivo, tanto diante de ações ou omissões violadoras do seu conteúdo provenientes do próprio Estado quanto de particulares. Aí está consignada a importância do reconhecimento da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais sociais, como já resultou consolidado, de forma exemplar, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no caso dos direitos à saúde14 e à educação15. E, mais recentemente, o STF também se voltou para a questão da “judicialização” do direito fundamental à assistência jurídica (integral e gratuita) às pessoas necessitadas, dispondo o Min. CARLOS AYRES BRITTO, ao tratar, em decisão liminar, de ação cautelar que envolvia a determinação à Defensoria Pública e ao Estado do Rio Grande do Sul de instituir regime de plantão com a presença de Defensor Público em determinada Comarca gaúcha, nos dias não-úteis (fins de semana e feriados).16

O Poder Judiciário brasileiro, sensível ao tratamento jurídico-constitucional conferido aos direitos fundamentais sociais contemporaneamente, como apontado pelas decisões colacionadas, tem cada vez mais levado a sério tais direitos, reconhecendo

posições jurídicas subjetivas a partir do seu conteúdo normativo, o que tem permitido a sua

“judicialização” nos casos em que o Poder Legislativo e o Poder Executivo incorrerem em omissão ou mesmo em insuficiência (proibição de insuficiência, como reflexo do princípio da proporcionalidade) no que tange aos seus deveres de proteção e concretização para com

13Idem, p. 116.

14STF, RE-AgR 393175/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12.12.2006. 15STF, RE 436.996-9, Rel. Min. Celso de Mello, j. 26.10.2005. 16

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tais direitos. A atuação do Poder Judiciário, é bom frisar, tem se dado sempre de forma subsidiária e excepcional, ou seja, somente diante da omissão ou atuação insuficiente dos demais poderes de implementarem políticas públicas minimamente satisfatórias na área dos direitos sociais.17 Isso, infelizmente, tem ocorrido, por exemplo, no caso do direito à saúde, do direito à educação, do direito ao saneamento básico, do direito à moradia, bem como do direito à assistência jurídica, de modo a criar um descompasso abissal entre a realidade social e o projeto normativo-constitucional de 1988. Diante da omissão do Legislativo ou do Executivo, o Poder Judiciário não só tem o “poder” de intervir, mas também o “dever” constitucional de garantir uma vida digna aos seus jurisdicionados. Aí reside a legitimidade constitucional do Poder Judiciário para corrigir a omissão dos demais poderes, harmonizando o sistema constitucional de tutela dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana.

1.3. A assistência jurídica integral e gratuita das pessoas necessitadas como conteúdo do direito fundamental ao mínimo existencial

O direito fundamental às condições materiais mínimas para uma vida digna - em termos de direitos sociais, como é o caso da saúde básica, da assistência social, da educação fundamental, de uma moradia simples e do acesso à justiça - configura-se como premissa à própria firmação do contrato social.18 Pode-se dizer, de tal sorte, que tais condições materiais elementares constituem-se de premissas ao próprio exercício dos

17 No mesmo sentido, a partir da experiência jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal alemão,

ALEXY formula o entendimento de que: “Como lo ha mostrado la jurisprudencia del Tribunal Constitucional Federal, en modo alguno un tribunal constitucional es impotente frente a un legislador inoperante. El espectro de sus posibilidades procesales-constitucionales se extiende, desde la mera constatación de una violación de la Constitución, a través de la fijación de un plazo del cual debe llevarse a cabo una legislación acorde con la Constitución, hasta la formulación judicial directa de lo ordenado por la Constitución”. ALEXY, Robert.

Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, 2001, p.

496-497.

18 De modo similar, KUNTZ coloca o acesso a condições materiais mínimas como critério de justiça e

premissa ao pacto social, uma vez que “o indivíduo típico só pode ser pensado como livre, preparado para buscar seus fins e correr seus riscos, quando um arranjo coletivo lhe garanta as condições mínimas necessárias”, o que implica “neutralizar, pelo menos em relação a alguns requisitos, como educação e saúde, as desvantagens de natureza social, e, quando possível, as de ordem natural, como certas deficiências físicas e intelectuais”. KUNTZ, Rolf. “A redescoberta da igualdade como condição de justiça”. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151.

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demais direitos (fundamentais ou não), resultando, em razão da sua essencialidade ao quadro existencial humano, em um “direito a ter e exercer os demais direitos”. Sem o acesso a tais condições existenciais mínimas, não há que se falar em liberdade real ou

fática, quanto menos em um padrão de vida compatível com a dignidade humana. Por trás

do direito fundamental ao mínimo existencial19, subjaz a idéia de respeito e consideração, por parte da sociedade e do Estado, pela vida de cada indivíduo, que, desde o imperativo categórico de KANT, deve ser sempre tomada como um fim em si mesmo, em sintonia com a dignidade inerente a cada ser humano. O Estado, por sua vez, seguindo a lógica kantiana, deve ser tomado como o meio de realização da dignidade humana.

No que tange ao acesso à Justiça ou ao direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita das pessoas necessitadas, tal se coloca como elemento instrumental do

direito fundamental ao mínimo existencial, já que o conteúdo dos demais direitos

fundamentais que compõem o mínimo existencial (saúde, educação, moradia, alimentação, assistência social, saneamento básico, qualidade ambiental, entre outros) resultam completamente esvaziados sem a possibilidade de as situações concretas de violações ou ameaça de violações a tais direitos serem levadas ao Poder Judiciário. Conforme refere BARCELOS, no âmbito de um Estado de Direito, “não basta a consagração normativa: é preciso existir uma autoridade que seja capaz de impor coativamente a obediência aos comandos jurídicos”, de tal sorte que “dizer que o acesso à Justiça é um dos componentes do núcleo da dignidade humana significa dizer que todas as pessoas devem ter acesso a tal autoridade: o Judiciário”.20 Aí entra em cena a importância de o direito fundamental à assistência jurídica integrar o conteúdo, mesmo que com viés instrumental, do direito fundamental ao mínimo existencial.

19 Sobre o direito fundamental ao mínimo existencial, v. TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo

existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

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2. Controle judicial do direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita das pessoas necessitadas em face da cláusula da reserva do possível

A idéia “clássica” de que os direitos fundamentais sociais comportariam apenas normas programáticas, ou seja, meras “recomendações” para as políticas públicas a serem, respectivamente, reguladas pelo Legislativo e implementadas pelo Executivo, encontra-se superada pela doutrina constitucional contemporânea.21 A própria garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV) opera no sentido de legitimar a “justiciabilidade” dos direitos fundamentais sociais diante de um quadro de lesão ou ameaça de lesão, o que ocorre, sem sombra de dúvidas, no caso de omissões ou atuação insuficiente, por parte dos Poderes Legislativo e Executivo, em cumprir com os seus deveres constitucionais de garantir o desfrute de tais direitos essenciais a uma vida humana minimamente digna.

O direito fundamental ao mínimo existencial, por sua vez, caracteriza-se por ser um direito fundamental originário (definitivo), identificável à luz do caso concreto e passível de ser postulado perante o Poder Judiciário, independentemente de intermediação legislativa da norma constitucional e da viabilidade orçamentária, a confirmar a força normativa da Constituição e dos direitos fundamentais. Tal formulação está alicerçada justamente na caracterização da garantia do mínimo existencial como uma regra jurídico-constitucional extraída do princípio da dignidade da pessoa humana a partir de um processo de ponderação com os demais princípios que lhe fazem frente, como, por exemplo, a separação dos poderes e o princípio democrático. De acordo com o modelo de ALEXY, que toma por base a ponderação dos princípios em colisão, o indivíduo tem um direito definitivo à prestação quando o princípio da liberdade fática tenha um peso maior

21

Cfr. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 95-118; e, especialmente, SARLET, “A eficácia dos direitos fundamentais...”, p. 296-387. Como refere FERRAJOLI em prólogo à obra de ABRAMOVICH e COURTIS, é necessária a formatação de uma dogmática dos direitos fundamentais sociais de refutação às hipóteses de não-justiciabilidade de tais direitos. ABRAMOVICH; COURTIS, “Los derechos sociales…”, p. 13.

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do que os princípios formais e materiais tomados em seu conjunto (em especial, o

princípio democrático e o princípio da separação de poderes), o que ocorre no caso dos

direitos sociais mínimos (ou seja, do mínimo existencial)22, tornando o direito exigível ou “justiciável” em face do Estado. Assim, o mínimo existencial dá forma a posições jurídicas

originárias, detentoras de jusfundamentalidade e sindicalidade, não dependendo de

intermediação do legislador infraconstitucional para se tornarem exigíveis.

Ao se entender como possíveis prestações básicas na área social exigíveis em face do Estado, especialmente em razão da conformação do direito fundamental ao mínimo existencial, um enfrentamento que se coloca diz respeito à reserva do possível, ou seja, as condições financeiras e previsão orçamentária do Estado para contemplar tais medidas, já que, na maioria dos casos, representam gasto de dinheiro público. No entanto, à luz da tese aqui defendida, no tocante aos direitos fundamentais sociais integrantes do conteúdo do mínimo existencial (aí incluída a assistência jurídica!), o óbice da reserva do possível não pode fazer frente, pois tal garantia mínima de direitos consubstancia o núcleo irredutível da dignidade humana, e, sob nenhum pretexto, o Estado, e mesmo a sociedade (mas com menor intensidade), pode se abster de garantir tal patamar existencial mínimo ao indivíduo e aos grupos sociais vulneráveis. Nesse sentido, KRELL destaca que, não obstante as atividades concretas da administração dependerem de dotações orçamentárias prévias e do programa de prioridades estabelecidas pelo governante, o argumento da reserva do possível não é capaz de obstruir a efetivação judicial de normas constitucionais23, ainda mais quando a norma constitucional em questão conforma direito fundamental e conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana.

Com base em tal perspectiva, BARCELOS defende o entendimento de que seria plenamente possível ao Judiciário, no âmbito de uma ação coletiva, fixar prazo para que o

22ALEXY, “Teoría de los derechos fundamentales…”, p. 499.

23KRELL, Andréas J. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental. Porto Alegre: Livraria do

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Poder Público (estadual ou federal) pratique os atos necessários à instituição da Defensoria Pública, sob pena de responsabilização do agente por descumprimento de decisão judicial.24 Tal afirmação está ajustada à fundamentação lançada ao longo deste ensaio, já que, a partir da configuração do direito fundamental à assistência jurídica (integral e gratuita), do qual são titulares as pessoas necessitadas, conformam-se posições jurídicas subjetivas passíveis de serem reivindicadas perante o Poder Judiciário, tanto na hipótese de omissão quanto de atuação insuficiente do ente estatal, no sentido de assegurar o serviço público de assistência jurídica adequado e eficiente aos indivíduos e grupos sociais vulneráveis. A corroborar tal entendimento, o Min. CARLOS AYRES BRITTO, ao entender acertada decisão que exigiu do Estado do Rio Grande do Sul a presença de Defensor Público em plantão judiciário de final de semana, afirmou que tal entendimento “prestigia valores constitucionais tão inerentes à dignidade da pessoa humana, tão elementarmente embebidos na ideia-força da humanização da justiça, que se sobrepõe à própria cláusula da reserva financeira do possível”25.

Outro não poderia ser o entendimento à luz do sistema constitucional vigente. O mesmo raciocínio deveria valer para futuras ações judiciais – especialmente ações civis públicas, já que se trataria de um direito ou interesse difuso - que pleiteiem criação de Defensoria Pública nos Estados onde ela ainda não exista, ampliação de cargos de Defensores Públicos onde o quadro atual se mostre insuficiente para atender minimamente à população em situação de vulnerabilidade, entre outras medidas necessárias a assegurar o desfrute do direito fundamental à assistência jurídica por parte das pessoas necessitadas.

Conclusão

À luz das idéias lançadas neste estudo, a Defensoria Pública encontra-se legitimada a atuar como “guardiã” dos direito fundamentais sociais das pessoas necessitadas na

24BARCELLOS, “A eficácia jurídica dos princípios...”, p. 330-331. 25

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ordem jurídico-constitucional brasileira, inclusive no sentido de exercer, através do manuseio de ação civil pública, o controle judicial sobre as políticas públicas levadas a cabo pelos entes estatais no âmbito da prestação do serviço público essencial de assistência jurídica à população necessitada, quando tal resultar em conduta omissa ou insuficiente por parte do Estado. Por vezes, o acesso à justiça proporcionado pela Defensoria Pública servirá de porta de ingresso dos indivíduos e grupos sociais necessitados ao espaço comunitário-estatal, permitindo a sua inclusão no pacto social estabelecido pela nossa Lei Fundamental.

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