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Processo 1299/17.9BELSB Data do documento 15 de fevereiro de 2018 Relator Catarina Jarmela

TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL | ADMINISTRATIVO

Acórdão

DESCRITORES

Direito à habitação – desocupação – artigo 65º, da crp

SUMÁRIO

I – O direito à habitação consagrado no art. 65º, da CRP, comporta duas vertentes: uma de natureza positiva e outra de natureza negativa.

II – A dimensão positiva ou prestacional do direito à habitação consiste no direito a uma morada condigna, razão pela qual a mesma está intimamente ligada a medidas e prestações estaduais (ou eventualmente das regiões autónomas e dos municípios) adequadas a realizar tal objectivo, prestações essas de conteúdo não determinado ao nível das opções constitucionais, necessitando de uma actividade de mediação e concretização do legislador ordinário, o qual, por sua vez, se encontra limitado pelas circunstâncias económicas, sociais e políticas de cada época, a chamada reserva do possível, mas tal dimensão do direito à habitação rege na garantia de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público.

III – O requerente não pode assentar a ilegalidade do acto suspendendo (que determinou a desocupação da fracção municipal que habitava, sem qualquer título) no direito à habitação constitucionalmente consagrado no art. 65º, pois tal direito constitucional está dependente de concretização legal, só podendo exigir o seu cumprimento nas condições e nos termos definidos pela lei, isto é, o direito à habitação consagrado no art. 65º, da Constituição, não é directamente aplicável, nem exequível por si mesmo, não conferindo, portanto, ao requerente um direito imediato a uma prestação efectiva.

IV – Acresce que in casu verifica-se que o requerente, apesar de ter apresentado à Câmara Municipal um pedido de atribuição de habitação municipal, não ficou a aguardar a atribuição de um fogo municipal, pois procedeu à ocupação, sem autorização e à revelia da Câmara Municipal, de fogo municipal, o que é incompatível com a aplicação de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo Município.

V – A dimensão negativa ou de defesa do direito à habitação “constitui uma garantia dos particulares contra ingerências indevidas por parte do Estado ou de terceiros, ou seja, o direito de não ser arbitrariamente privado da habitação”.

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direito à habitação, visto que a desocupação determinada nesse acto é justificável, pois a mesma assentou no facto de o requerente ocupar a habitação municipal em causa sem autorização e à revelia da Câmara Municipal, o que significa que o direito à habitação não legitima a ocupação de edifícios alheios.

TEXTO INTEGRAL

I – RELATÓRIO

O... C... intentou no TAC de Lisboa o presente processo cautelar contra a G... - Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, EM, SA (G...), no qual peticionou a suspensão da eficácia do acto da entidade requerida, comunicada em 27.5.2017, que determinou a desocupação da fracção municipal que habitava, sem qualquer título, sita na Rua H..., Lote A13 - 4º Esq., Bairro da H..., em Lisboa.

Por decisão de 1 de Junho de 2017 do referido tribunal foi rejeitado liminarmente o requerimento cautelar do presente processo cautelar, por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada pelo requerente.

Inconformado, o requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

“1.ª Tendo sido o Recorrente notificado da decisão do Tribunal á quó no passado dia 02 de Maio do corrente ano, relativamente ao Processo n°1299/17.9BELSB, Processo esse que correu os seus termos junto da Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa,

2.ª Diga - se em abono da verdade que a referida decisão deixou o Recorrente completamente confuso e estupefacto, uma vez que o fundamento invocado por aquele Tribunal para a rejeição da referida Providência Cautelar é que aquela não apresenta qualquer direito que sirva de fundamento á sua pretensão, logo tal fundamento não corresponde á verdade, uma vez que essa Direito é invocado,

3.ª A saber verifica - se e bem que o Tribunal á Quó não reconhece as Providências Cautelares, mesmo tenho reconhecido o mérito ignora a que a finalidade a que as mesmas se destinam,

4.ª Diga - se em bom rigor que não houve fundamento legal para o Tribunal á Quó rejeitar a referida providência Cautelar além do mais o Recorrente invoca um direito constitucionalmente consagrado que é o Direito á habitação,

5.ª Apesar da referida da notificação emitida pela G... que foi por sua vez Requerida no âmbito daqueles Autos ordenar o abandono voluntário do Recorrente e da sua família daquela fracção, a referida notificação consagra e bem que o ocupante tem o direito de impugnar judicialmente a decisão que implicou o abandono voluntário da referida fracção, sendo que a referida impugnação poderá e bem ser feita num

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prazo de 90 dias a contar da data em que o Recorrente foi notificada da decisão de abandono,

6.ª Assim sendo perante essa situação o Recorrente nesse prazo pode - se valer e bem nos termos do Código de Procedimento Administrativo de duas formas Processuais de uma Providência Cautelar tendo em vista a suspensão do acto administrativo bem como de uma Acção Administrativa,

7.ª Logo entende-se que o fundamento invocado pelo Tribunal á Quó, é manifestamente improcedente porque está a impedir o Recorrente de ter acesso a uma forma processual que a lei permite socorrer - se logo aquele Tribunal não o pode impedir é um Direito que assiste aquele,

8.ª Assim sendo e em face do exposto, ou seja do que se foi expondo ao longo do presente Recurso e que o Tribunal á Quó não deveria rejeitar a Providência Cautelar intentada pela Recorrente, logo entende - se por sinal que há todas as condições para que a decisão do Tribunal á Quó seja revogada,

Nestes Termos e nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de V.Exas deve o presente Recurso:

Ser admitido e aceite na integra;

Deve também consequentemente ser revogada na íntegra a Decisão proferida pelo Tribunal á Quó, e em consequência seja a referida providência aceite e apreciada.

FAZENDO - SE ASSIM A ACOSTOMADA JUSTIÇA».

A entidade requerida - citada quer para os termos do recurso quer para os da causa - apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste TCA Sul notificado para os efeitos do disposto no art. 146º n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Na decisão recorrida foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos:

«A) – Em 27 de Maio de 2017, foi entregue a C... o instrumento junto com o requerimento inicial (r.i) indicado sob o n.º 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

“(…)

(Texto no Original)

(…)

(…)” – cfr. doc. 1 junto com o r.i.;

B) – Em 22 de Agosto de 2016, o ora Requerente apresentou à Câmara Municipal de Lisboa um pedido para atribuição do direito a habitação municipal, não lhe tendo sido atribuído fogo municipal – cfr. doc. 5 junto com o r.i;

C) – O Requerente reside com a sua companheira e dois filhos menores, no fogo municipal sito na Rua H..., Lote A13, 4.º Esquerdo, em Lisboa, desde o dia 1 de Maio de 2017 – cfr. docs. 2 e 3 juntos com o

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requerimento inicial e confissão.». *

Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Cumpre ter presente que o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos arts. 608º n.º 2, 635º n.º 4 e 639º n.º 1, todos do CPC de 2013, ex vi art. 140º n.º 3, do CPTA (na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão), sem prejuízo das questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.

O recorrente intentou o presente processo cautelar contra a G... e no mesmo peticionou a suspensão da eficácia do acto da entidade requerida, comunicado em 27.5.2017 -, nos termos descritos em A), dos factos provados -, que determinou a desocupação da fracção municipal que habitava, sem qualquer título, sita na Rua H..., Lote A13 - 4º Esq., Bairro da H..., em Lisboa.

A decisão recorrida rejeitou liminarmente o requerimento inicial do presente processo cautelar, por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada pelo requerente, com base na seguinte fundamentação jurídica:

«Nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA, constitui fundamento de rejeição liminar do requerimento a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada.

Para efeitos de decisão do pedido de decretamento da providência cautelar requerida é aplicável o regime previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA.

A adopção da providência requerida depende da verificação cumulativa dos requisitos periculum in mora e do fumus boni iuris.

Este exige a formulação de um juízo de probabilidade de procedência da pretensão de fundo do Requerente formulada ou a formular, em sede de acção principal, sendo que, verificados que estejam estes dois pressupostos, o tribunal terá, ainda de proceder à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, ponderação esta, que determinará a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências. No caso sub iudice é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada.

Importa, antes de mais, chamar à colação o disposto no Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM), publicado no 2.º Suplemento do Boletim Municipal n.º 937, de 2 de Fevereiro de 2012, com as alterações introduzidas pela Deliberação n.º 91/AML/2012, de 27 de Novembro, sobre a Proposta n.º 490/CM/2012, de 25 de Julho, republicado, no 2.º Suplemento do Boletim Municipal n.º 992, de 21 de Fevereiro de 2013.

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tenham sido objecto de uma ocupação não autorizada efectuada à revelia da Entidade Gestora.”.

Dispõe o artigo 2.º, n.º 1 do citado RDHM, que “O presente Regulamento estabelece o procedimento aplicável às ocupações não autorizadas em habitação municipal”.

Estabelece o seu artigo 3.º, que, para efeitos do presente regulamento, considera- se “a) «Ocupação não autorizada», a utilização de uma habitação sem autorização ou à revelia da Entidade Gestora; (…) f) «Fogo Vago», fogo devoluto de pessoas e bens na posse da Entidade Gestora”.

Mais se determina no artigo 4.º do RDHM, para o que ao caso interessa, o seguinte: “1. A Entidade Gestora procede à desocupação de todas as ocupações não autorizadas.

2. A desocupação é efectuada pela Polícia Municipal mediante pedido formulado pela Entidade Gestora. 3. Os ocupantes são notificados pela Polícia Municipal dos fundamentos de facto e de direito que determinam a desocupação e do prazo de noventa dias úteis, para procederem à desocupação voluntária da habitação municipal, deixando-a livre e devoluta.

4. (…) 5. (…)

6. O incumprimento do disposto no n.º 3 implica a desocupação coerciva executada pela Polícia Municipal e o transporte adequado dos bens existentes no interior da habitação para um depósito municipal.

7. Os agregados familiares a desocupar devem no acto de notificação referido no n.º 3 ser encaminhados para efectuar pedido de habitação ao abrigo do Regulamento do Regime de Acesso à Habitação Municipal e para a Rede Social.

7-A. Exceptuam-se dos números 2 a 7, as ocupações não autorizadas de fogos vagos, cuja desocupação é efectuada de imediato pela Polícia Municipal por conhecimento desta ou a pedido da Entidade Gestora, transportando-se os bens existentes no interior da habitação para depósito municipal.”.

Com a epígrafe: “Ocupações sem título” dispõe o artigo 35.º da Lei n.º 81/2014, alterada pela Lei n.º 81/2014 (1):

“1 - São consideradas sem título as situações de ocupação, total ou parcial, de habitações de que sejam proprietárias as entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º por quem não detém contrato ou documento de atribuição ou de autorização que a fundamente.

2 - No caso previsto no número anterior o ocupante está obrigado a desocupar a habitação e a entregá-la, livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado, não inferior a três dias úteis, na comunicação feita para o efeito, pelo senhorio ou proprietário, da qual deve constar ainda o fundamento da obrigação de entrega da habitação.

3 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação nos termos do número anterior há lugar a despejo nos termos do artigo 28.º

4 - É aplicável às desocupações previstas no presente artigo o disposto no n.º 6 do artigo 28.º”.

Como resulta dos autos, em 22 de Agosto de 2016, o ora Requerente apresentou à Câmara Municipal de Lisboa um pedido para atribuição do direito a habitação municipal, não lhe tendo ainda sido atribuído qualquer fogo municipal.

O Requerente reside com a sua companheira e dois filhos menores, no fogo municipal sito na Rua H..., Lote A13, 4.º Esquerdo, em Lisboa, desde o dia 1 de Maio de 2017, sem qualquer título que o legitime para

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tal, ou seja, sem autorização ou à revelia da ER.

Razão pela qual a ER determinou a desocupação do referido fogo municipal.

Pois, a companheira do Requerente foi notificada para desocupar o referido fogo municipal, ao abrigo do n.º 1 e do n.º 2, do Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais (RDHM) e do n.º 2, do artigo 35.º da Lei n.º 81/2014, alterada pela Lei n.º 81/2014(2).

A atribuição das casas municipais é feita nos termos do Regulamento do Regime de Acesso à Habitação Municipal, publicado no BM de 21 de fevereiro de 2013, sendo precedida de procedimento concursal em que são apreciadas as candidaturas e classificadas as candidaturas em conformidade com as normas regulamentares aplicáveis, o que no caso sub iudice, não ocorreu como o próprio Requerente alegou, não lhe tendo sido atribuído qualquer fogo municipal.

Assim, da factualidade alegada pelo Requerente resulta que o mesmo não tem título que o legitime a permanecer na referida habitação, pelo que, não lhe assiste o direito a permanecer na mesma, pelo que, pode a Entidade Requerida proceder à desocupação, como fez, em conformidade com o estabelecido no citado artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 e artigo 35.º, n.º 2, da Lei n.º 81/2014.

Nesta conformidade, tem de se concluir que é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada pelo Requerente, sendo de rejeitar liminarmente o requerimento inicial, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, alíneas d), do CPTA.».

Conforme decorre da fundamentação jurídica ora transcrita, a rejeição liminar do requerimento inicial assentou, em suma, nos seguintes fundamentos:

- de acordo com o disposto no art. 116º n.º 2, al. d), do CPTA, constitui fundamento de rejeição liminar do requerimento inicial a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, sendo que a adopção da providência requerida depende da verificação cumulativa dos requisitos previstos no art. 120º n.ºs 1 e 2, do CPTA, um deles correspondendo ao fumus boni iuris, o qual exige a formulação de um juízo de probabilidade de procedência da pretensão de fundo formulada ou a formular, em sede de acção principal; - no caso sub judice é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, pois o requerente não tem título que o legitime a permanecer na habitação municipal.

As questões suscitadas pelo recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida enferma de erro ao ter rejeitado liminarmente o requerimento inicial do presente processo cautelar, pois: - tal decisão impede-o de ter acesso a uma forma processual que a lei lhe permite aceder (providência cautelar);

- invoca um direito constitucionalmente consagrado que é o direito à habitação para fundamentar a sua pretensão.

Vejamos.

A decisão recorrida, e como acima referido, rejeitou o requerimento inicial por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada pelo requerente, já que considerou que, de forma manifesta,

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improcede a pretensão de fundo formulada ou a formular, em sede de acção principal – ou seja, considerou manifesta a falta de verificação do requisito relativo ao fumus boni iuris -, dado que o recorrente não tem título que o legitime a permanecer na habitação municipal.

Ora, o facto de o ora recorrente poder intentar o presente processo cautelar para assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal (cfr. art. 112º n.º 1, do CPTA) não significa que o respectivo requerimento inicial não possa ser objecto de rejeição liminar.

Com efeito, e de acordo com o disposto no art. 116º n.º 1, al. d), conjugado com o art. 120º n.º 1, ambos do CPTA, o requerimento inicial deve ser rejeitado caso seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, designadamente por falta de verificação do requisito do fumus boni iuris, ou seja, não estava o tribunal a quo impedido de rejeitar liminarmente o requerimento inicial, nomeadamente com tal fundamento, ao contrário do que defende o recorrente.

Como a este propósito explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª Edição, págs. 948 a 951, em anotação ao art. 116º:

“1. A exemplo do que sucede em processo civil, o CPTA, embora afaste o despacho liminar da tramitação da ação administrativa (…), institui a figura na tramitação dos processos cautelares.

Como é evidente, a existência de despacho liminar, ao permitir a eliminação ab initio de processos que não reúnam condições mínimas de viabilidade, favorece, em teoria, a economia processual. A imposição de uma intervenção liminar necessária do juiz em todos os processos conduz, porém, a incomportáveis congestionamentos do fluxo processual. Faz, por isso, sentido que, em domínios circunscritos, possa haver despacho liminar, mas que a sua existência não seja estendida à generalidade dos processos. E, a haver despacho liminar, justifica-se que seja em processos como os cautelares, que são processos urgentes, na medida em que, uma vez recebido o requerimento, este deve ser apresentado ao juiz sem mais delongas e que, por outro lado, ao juiz, no despacho liminar, não só cumpre evitar o inútil prosseguimento de processos inexoravelmente condenados ao insucesso (…).

O despacho liminar só deve ser de indeferimento quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão deduzida é infundada ou que existem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente ou se verifique uma total ausência do pedido ou da causa de pedir em termos de o requerimento não poder ser objeto de convite ao aperfeiçoamento (…)

(…)

Entretanto, podem ocorrer situações de rejeição liminar que não sejam passíveis de correcção e que não justifiquem, portanto, o prévio despacho de aperfeiçoamento: é o que sucede com as situações identificadas nas alíneas b), d) e e) do n.º 2. Nestes casos, o juiz, na primeira intervenção no processo, deve logo proferir despacho liminar de rejeição, por impossibilidade de aproveitamento do requerimento. (…)

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(…)

A falta de fundamento da pretensão (alínea d)) prende-se com a aplicação dos critérios de que depende a adoção das providências cautelares e há de fundar-se num juízo negativo sobre o preenchimento de algum dos pressupostos de que depende a aplicação desses critérios: por via de regra, de acordo com o regime comum dos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º, o periculum in mora, o fumus boni iuris e a ponderação de danos. (…)” (sublinhados e sombreados nossos).

Além disso, o recorrente também não tem razão - como se passa a demonstrar de seguida - quando defende que o tribunal a quo não podia considerar que, de forma manifesta, improcede a pretensão de fundo formulada ou a formular na acção principal, face à invocação de um direito constitucionalmente consagrado, o direito à habitação, para fundamentar a sua pretensão.

O direito à habitação consagrado no art. 65º, da CRP, comporta duas vertentes: uma de natureza positiva e outra de natureza negativa.

Na sua vertente positiva, e conforme ensinam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 2007, 4ª Edição, pág. 835, em anotação ao art. 65º:

“Como direito social, o direito à habitação não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação; mas, para além das obrigações públicas tendentes a assegurar a oferta de habitações, o direito à habitação garante critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público.” (sublinhados e sombreados nossos).

E como explicam Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, págs. 667 e 668, em anotação ao art. 65º:

“II – Sobressai no direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna, a dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efectividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais” (Acórdão n.º 374/02).

a) Com efeito, o artigo 65º configura, em larga medida, o direito à habitação como um direito a prestações do Estado. Em diversos segmentos do artigo em causa “sublinha-se precisamente esta dimensão prestacionista do Estado, a qual pode ser alcançada directamente, através da actuação do Estado como «promotor» de habitação, quer indirectamente, enquanto «indutor» de habitação, apoiando a iniciativa quer dos entes públicos autónomos (designadamente as autarquias locais – n.º 4 do artigo 65.º), quer da iniciativa privada [alínea c) do n.º 2] quer da iniciativa cooperativa ou das comunidades locais – em especial a denominada autoconstrução” [alínea d) do n.º 2] (Acórdão n.º 860/93 – cfr. ainda Acórdão n.º 829/96 e, por último, o importante Acórdão n.º 590/04).

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social, “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respectivo conteúdo” (Acórdão n.º 829/96 – cfr. ainda Acórdãos n.ºs 131/92, 508/99 e 29/00). Dele não se retira nesta sua dimensão, “um direito imediato a uma prestação efectiva, porquanto não é directamente aplicável ou exequível, exigindo uma actuação do legislador que permita concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei” (Acórdão n.º 280/93 – cfr. ainda Acórdãos n.ºs 130/92 e 374/02)” (sublinhados nossos).

Também José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2012, 5ª Edição, explica a este propósito nomeadamente o seguinte:

- A pág. 359, “Na Constituição portuguesa, as normas que preveem os direitos (sociais) a prestações, contêm directivas para o legislador ou, talvez melhor, são normas impositivas de legislação, não conferindo aos seus titulares verdadeiros poderes de exigir, porque visam, em primeira linha, indicar ou impor ao Estado que tome medidas para uma maior satisfação ou realização concreta dos bens protegidos.” (sublinhado e sombreado nossos);

- A pág. 360, “Para que se tornem direitos subjetivos certos, é necessária uma atuação legislativa que defina o seu conteúdo concreto, fazendo opções políticas num quadro de prioridades a que obrigam a escassez dos recursos, o caráter limitado da intervenção do Estado na vida social e, em geral, a abertura característica do próprio princípio democrático. A intervenção legislativa é necessária, mas o legislador dispõe, em regra, de um espaço próprio para conformação do conteúdo das prestações que constituem o direito. Os preceitos constitucionais respetivos não são, por isso, diretamente aplicáveis sem intervenção legislativa, muito menos constituem preceitos exequíveis por si mesmos.” (sublinhados e sombreados nossos);

- A págs. 362 e 363, “Só uma vez emitida legislação destinada a executar os preceitos constitucionais em causa é que os direitos sociais se consolidarão como direitos subjetivos plenos, mas, então, não valem, nessa medida conformada, como direitos fundamentais constitucionais, senão enquanto direitos criados por lei.”;

- E a págs. 386 e 387, “4.4. No que respeita à garantia dos direitos económicos, sociais e culturais perante a atividade administrativa, sobressai em toda a sua importância o princípio da legalidade – a Administração está sujeita ao princípio da precedência da lei e tem de cumprir as leis que estabelecem os direitos a prestações, destacando-se o dever de emitir os regulamentos e praticar os atos necessários à respetiva execução.

Por outro lado, vale aqui ainda autonomamente o princípio da juridicidade: embora se possam admitir nesta matéria espaços mais alargados de discricionaridade, é importante a sujeição da atividade administrativa de prestações aos princípios constitucionais, assumindo um relevo especial o princípio da igualdade de tratamento, seja na vertente da não discriminação, seja na da proibição do arbítrio.” (sublinhados nossos).

Dito por outras palavras, a dimensão positiva ou prestacional do direito à habitação consiste no direito a uma morada condigna, razão pela qual a mesma está intimamente ligada a medidas e prestações

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estaduais (ou eventualmente das regiões autónomas e dos municípios) adequadas a realizar tal objectivo, prestações essas de conteúdo não determinado ao nível das opções constitucionais, necessitando de uma actividade de mediação e concretização do legislador ordinário, o qual, por sua vez, se encontra limitado pelas circunstâncias económicas, sociais e políticas de cada época, a chamada reserva do possível. De todo o modo, tal dimensão do direito à habitação rege na garantia de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público.

Nestes termos, o ora recorrente não pode assentar a ilegalidade do acto suspendendo que foi comunicado em 27.5.2017 no direito à habitação constitucionalmente consagrado no art. 65º, pois tal direito constitucional está dependente de concretização legal, só podendo exigir o seu cumprimento nas condições e nos termos definidos pela lei, isto é, o direito à habitação consagrado no art. 65º, da Constituição, não é directamente aplicável, nem exequível por si mesmo, não conferindo, portanto, ao recorrente um direito imediato a uma prestação efectiva.

Acresce que in casu verifica-se que o ora recorrente, apesar de ter apresentado à Câmara Municipal de Lisboa, em 22.8.2016, um pedido de atribuição de habitação municipal (altura em que residia com os progenitores na Rua H..., Lote A13 - R/C Esq., Bairro da H..., em Lisboa), não ficou a aguardar a atribuição de um fogo municipal, pois em 1.5.2017 procedeu à ocupação, sem autorização e à revelia da Câmara Municipal de Lisboa, do fogo sito na Rua H..., Lote A13 - 4º Esq., Bairro da H..., em Lisboa, o que é incompatível com a aplicação de critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo Município de Lisboa.

Na sua vertente negativa, e conforme ensinam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., pág. 834, em anotação ao art. 65º:

“Consiste (…) no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma; neste sentido, o direito à habitação reveste a forma de «direito negativo», ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do Estado e de terceiros, apresentando-se, nessa medida, como um direito análogo aos «direitos, liberdades e garantias» (cfr. art. 17°).” (sublinhado e sombreados nossos).

E como explicitam Jorge Miranda e Rui Medeiros, cit., pág. 672, em anotação ao art. 65º:

“Por outro lado, a consagração de um direito fundamental à habitação não se compadece com soluções que admitam a privação arbitrária sem fundamento razoável, do direito a uma morada digna.” (sublinhados nossos).

Do exposto decorre que a dimensão negativa ou de defesa do direito à habitação “constitui uma garantia dos particulares contra ingerências indevidas por parte do Estado ou de terceiros, ou seja, o direito de não ser arbitrariamente privado da habitação” (cfr. Paola Mavropoulos Beekhuizen Villar, O Direito Fundamental à Habitação e o Direito do Urbanismo: uma análise do direito português e do direito brasileiro, Dissertação

(11)

em Ciências Jurídico-Políticas – Menção em Direito Constitucional, 2015, in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/29919/1/O%20direito%20

fundamental%20a%20habitacao%20e%20o%20direito%20do%20urbanismo.pdf, pág. 53).

No caso vertente não se pode considerar que o acto suspendendo violou a dimensão negativa do direito à habitação, visto que a desocupação determinada nesse acto é justificável, pois a mesma assentou no facto de o ora recorrente ocupar a habitação municipal em causa sem autorização e à revelia da Câmara Municipal de Lisboa [sendo que, aquando da notificação da desocupação, descrita em A), dos factos provados, foi prestada informação sobre os programas de acesso à habitação e de apoio ao arrendamento que a Câmara Municipal de Lisboa e a G... possuem (regime de acesso à habitação municipal, programa renda condicionada e subsídio municipal ao arrendamento), de que se poderia recorrer à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para a prestação de apoio habitacional, assim como à Junta de Freguesia da área de residência para encaminhamento para outros apoios sociais e que numa situação de crise ou emergência poderia ser contactada a Linha Nacional de Emergência Social (144)], o que significa que não tem qualquer direito de permanecer na referida habitação – neste sentido, Ac. do STA de 18.12.2013, proc. n.º 1373/13 [“I – O direito à habitação, previsto no art. 65º, n.º 1, da CRP, não impede um município de proceder à desocupação de uma casa que, antes de ser ilegalmente ocupada, já fora alvo de uma ordem de demolição ao abrigo do programa PER. (…) IV – Carecendo a recorrente de um título legitimador da ocupação que promoveu e em que persiste, a pretensão de que suspenda a eficácia do acto que ordenou tais desocupação e demolição soçobra, por falta do indispensável «fumus boni iuris»”, e no qual se escreveu designadamente o seguinte: “A situação de carência habitacional em que a recorrente se encontra merecerá, porventura, a adopção dos meios assistências que estejam adaptados às circunstâncias. Mas essas necessidades da recorrente não se satisfazem pela via judicial, dada a certeza de que ela não dispõe de um qualquer direito oponível ao município que lhe permita permanecer na habitação.”].

Como elucidativamente escreveram J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., pág. 836:

“Por outro lado, porém, o direito à habitação não justifica por si mesmo a edificação em violação dos limites ao uso da terra e do planeamento urbanístico, nem legitima a ocupação de edifícios alheios, nem impede a demolição de habitações clandestinas.” (sublinhados nossos).

Conclui-se, assim, que da aludida invocação (direito à habitação consagrado constitucionalmente) não se colhe, de forma manifesta, alguma posição jurídica do recorrente que tenha sido atingida pelo acto suspendendo, ou seja, a decisão recorrida não incorreu em erro ao rejeitar liminarmente o requerimento inicial, por manifesta falta de preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris, razão pela qual deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.

*

(12)

art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. ofício da Segurança Social que deu entrada no TAC de Lisboa em 30.11.2017).

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a decisão recorrida.

II – Condenar o recorrente nas custas relativas ao presente recurso jurisdicional, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

III – Registe e notifique.

*

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018

(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)

(Conceição Silvestre – 1ª adjunta)

(Carlos Araújo – 2º adjunto)

(1) Por lapso refere-se “Lei n.º 81/2014” quando se pretendia dizer “Lei n.º 32/2016”, pois foi esta última Lei que alterou a Lei n.º 81/2014.

(2) Por lapso refere-se “Lei n.º 81/2014” quando se pretendia dizer “Lei n.º 32/2016”, pois foi esta última Lei que alterou a Lei n.º 81/2014.

Referências

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