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AS DETERMINAÇÕES DO CAPITAL NO PROCESSO DE MEDICALIZAÇÃO

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Academic year: 2021

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AS DETERMINAÇÕES DO CAPITAL NO PROCESSO DE MEDICALIZAÇÃO

Nadia Mara Eidt (*) (Departamento de Educação, Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil); Adriana Medeiros Farias (*) (Departamento de Educação, Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil.  

contato: nadia  nadiaeidt@hotmail.com; adriafarias@gmail.com Palavras-chave: Medicalização. Políticas Públicas. Estado.

O conceito de medicalização foi utilizado a partir da década de 1970 e tem o sentido de reduzir as problemáticas sociopolíticas a questões de ordem individual. Com isso, reduz-se questões mais amplas, que envolveriam os conhecimentos de diversas disciplinas para análise do fenômeno (como a sociologia, a antropologia, a psicologia, a economia, a história, a pedagogia, a medicina) a uma delas: a medicina. Assim, a medicalização refere-se à difusão do saber médico no tecido social, por meio da difusão de práticas médicas em um contexto não terapêutico, mas social (Voltolini; Guarido, 2009).

Barros (1983, p. 378) define o processo de medicalização como

[...] a ampliação crescente do trabalho de intervenção da medicina na vida das pessoas, passando para a alçada médica, inclusive, problemas claramente determinados pela forma de ser da sociedade, no interesse de se manter o status quo (por exemplo, escamoteando os conflitos inerentes às relações capital-trabalho).

Uma dimensão importante do processo de medicalização é a ampliação dos limites do patológico. Partindo dos estudos de Conrad (1992), Almeida e Gomes (2014) explicam que essa dimensão se estrutura a partir de três elementos principais.

O primeiro consiste na flexibilização das exigências necessárias à associação diagnóstica de determinados aspectos da vida a entidades nosológicas pré-estabelecidas. Isso pode ser observado, por exemplo, quando da publicação de atualizações dos manuais médicos, em que situações até então consideradas manifestações normais da vida passaram a ser consideradas patológicas. A depressão é um exemplo emblemático, até o ano de 2013, o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV) preconizava que indivíduos em estado de luto por um período de até dois meses não eram considerados depressivos. Com a publicação do DSM-V,

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esse período foi reduzido para duas semanas. Processo semelhante acontece com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): O DSM-IV preconizava que a idade limite para o surgimento do quadro era de 7 anos. Com a publicação do DSM-V a exigência ampliou-se para 12 anos. Outro exemplo é o transtorno bipolar: Com a publicação do DSM-V verificou-se que o diagnóstico dessa patologia ampliou-se às crianças - contrariando a orientação dada até então, qual seja, a de que ele deveria ser empregado apenas em adultos.

O segundo elemento por meio da qual se dá a ampliação dos limites do patológico refere-se à definição de novas categorias nosológicas, fazendo com que comportamentos antes considerados normais ganhem o estatuto de doença. Como exemplo, podemos citar a inclusão, no DSM-V, de uma série de novas patologias, como o transtorno de interesse e excitação sexual feminino, a desordem disfórica pré-mestrual e o transtorno disruptivo de desregulação do humor. Por fim, o terceiro elemento por meio da qual pode-se verificar redução dos limites da normalidade consiste na prevenção por meio da gestão individual dos riscos à saúde. As limitações do paradigma biomédico unicausal em guiar as intervenções com grau razoável de eficiência é questionada a partir do século XX com o predomínio das condições crônicas de adoecimento. A influência das condições de vida no processo saúde/doença passa a ser considerada a partir do conceito de meio (entendido como meio natural) no qual

[...] os corpos biológicos encontrar-se-iam imersos e no qual se reconheceria a presença de diversos outros fatores influenciadores no processo saúde-doença – os riscos (Ayres, 1997). Desse modo, o processo de adoecimento passa a ser compreendido como influenciado por diversos fatores – biológicos e não biológicos – segundo o agrupamento de variáveis, sem hierarquização ou relações de determinação entre si (Breilh, 2006, apud Almeida & Gomes, 2014, p. 161).

O que explica essa crescente ampliação dos limites do biológico, ou, em outras palavras, a redução dos limites daquilo que antes se considerava normal?

Para além das explicações no campo da medicina, as relações sociais de produção devem ser pautadas. Na virada do século XX para o XXI, no contexto da máxima expansão do capital, sob a forma do imperialismo (Fontes, 2012), a ordem social é alterada qualitativamente frente à necessidade de extração de mais valor e ampliação da massa de trabalhadores conformados a

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uma nova sociabilidade de reprodução capitalista. O capital-imperialismo (Fontes, 2012) expressão da união íntima de todas as formas de capital, com ênfase ao capital financeiro tem exigido um reordenamento no âmbito do Estado.

A atuação das corporações empresariais, na lógica do capital de tipo imperialista, destina-se ao cumprimento da formação, conformação da clasdestina-se trabalhadora, em massa expropriada disponível para a extração da força de trabalho sob condições diversas de expropriações primárias e secundárias. Dentre as diversas formas, “talvez a forma mais impactante das expropriações internas seja o amplo terreno científico tomado genericamente como o setor da saúde, que constitui na atualidade um dos mais importantes setores de investimentos mundiais” (Fontes, p. 60, 2012).

O tema requer análise ampla e aprofundada o que para os limites do trabalho proposto a reflexão se encerra no âmbito da saúde coletiva e pública privatizada pela lógica social capitalista. No referido âmbito, trata-se de apontar para as expropriações do capital na linha da produção de “remédios- mercadorias” para doenças e/ou sofrimentos forjados pela dinâmica da vida social imposta pelo capital” (Fontes, p. 60, 2012). Na lógica da mercantilização da existência humana emerge a disputa do capital pela hegemonia na determinação das políticas públicas de saúde, na prestação de serviços médicos, na indústria dos exames laboratoriais, na produção científica de diagnósticos, na afirmação de novas doenças e na venda de medicamentos. O empreendimento da indústria farmacêutica está estritamente associado ao investimento das corporações imperialistas no setor da saúde, considerando dois fatores, quais sejam: o aumento dos investimentos estrangeiros no setor da saúde no Brasil e a alteração da Constituição no que se refere ao emprego de capital estrangeiro no Sistema Único de Saúde (SUS).

Para atender aos interesses do capital na extração de mais lucro, as corporações estrangeiras, por meio de suas organizações multilaterais (Banco Mundial, Fundações e Institutos), ordenaram aos países dependentes e subalternos ao capital internacional, as reformas jurídico-político do Estado. A precarização e a privatização dos serviços públicos, especificamente no campo da política de saúde pública, são relevantes para a compreensão do fenômeno da medicalização sob a ótica das relações sociais capitalistas, os desdobramentos no âmbito econômico, social, político e cultural em contraponto à individualização e a

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patologização dos problemas sociais.

No bojo das determinações do capital é aprovada a Lei nº 13097/2015 que ao alterar o art. 23 e inserir o art. 53-A na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990) concedeu a participação direta ou indireta de capital estrangeiro na assistência à saúde. A modificação dos artigos conflita com a Constituição da República, sobretudo no que se referem os artigos 196, 197 e 199, § 3 o (Abrasco, 2017).

De acordo com as informações da Carta publicada no sítio da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco, 2017), “a nova lei desrespeitava a Constituição e a Lei Orgânica da Saúde, que previam a participação do capital estrangeiro apenas em casos excepcionais, e não em regra”. A alteração da lei evidencia os interesses do capital internacional das indústrias de saúde, na mercantilização de doenças. Coaduna com a mudança da lei, a atuação da burguesia empresarial no interior do Estado (sociedade política), garantindo os processos de privatização da oferta dos serviços e a compra de medicamentos pelo governo.

Os dados fornecidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais citado anteriormente revelam o aumento de novas categorias nosológicas, o fenômeno associa-se aos dados a respeito do consumo de medicamentos. A nota técnica do Fórum da Medicalização e da Educação da Sociedade a respeito do consumo dos psicofármacos no Brasil, com base nos dados do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), Gerenciamento de Produtos controlados pela Anvisa (2007-2014), o Metilfenidato é o princípio ativo da Ritalina® e Ritalina LA®, ambas fabricadas pela Novartis, registrou venda de 58.719 caixas em Outubro de 2009 e 108.609 caixas em Outubro de 2013, um aumento de mais de

180% em 4 anos”1

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O Sistema Único de Saúde, de acordo com a ANVISA, fornece metilfenidato Ritalina® e Ritalina LA®, nos postos de saúde, para diagnosticados com TDAH. Considerando a oferta dos medicamentos citados para o tratamento de TDAH nos SUS e a presença dos interesses do capital estrangeiro na sua organização, mediante as mudanças constitucionais, será pertinente produção de pesquisa a respeito do controle no fornecimento dos medicamentos pelo SUS, associado aos possíveis lobby das empresas farmacêuticas, na organização das políticas públicas,                                                                                                                          

1  A nota técnica demonstra por meio dos dados da Anvisa, um aumento nas vendas de produtos similares tais como é o caso do Concerta® (Cloridrato de metilfenidato) e do Venvanse® (lis-dexanfetamina).  

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no cotidiano do serviço público de atendimento médico, para explicação do binômino usuários dos sistemas de saúde/consumidores. O objetivo da ANVISA com a divulgação dos dados é a comercialização adequada do medicamento, contudo, a pesquisa pode ser utilizada para explicar e compreender os fenômenos da medicalização sob as bases das relações capitalistas de produção sob os interesses do capital estrangeiro, novos padrões de sociabilidade no âmbito da medicalização.

Constata-se com os episódios recentes da alteração legal da oferta do SUS que os empresários atuam na esfera da sociedade política e do governo especificamente para criar condições favoráveis à expansão da classe. A pressão exercida junto ao Estado não é resultado da “realização de uma essência do próprio capital e sim o resultado dos conflitos e lutas que opuseram o capital e o trabalho, por um lado, e as diferentes frações do capital entre si, por outro” (Bianchi, 2007, p. 121).

Referências:

Abrasco vai pedir nulidade da lei que autoriza o capital estrangeiro na Saúde 14 de set de 2017 Vilma Reis. https://www.abrasco.org.br/site/noticias/institucional/abrasco-vai-pedir-nulidade-da-lei-que-autoriza-autoriza-o-capital-estrangeiro-na-saude/30705/

Anvisa: Boletim de Farmacoepidemiologia: Prescrição e Consumo de metilfenidato no Brasil :

Identificando riscos para o monitoramento e controle sanitário: Ano 2, nº 2 | jul./dez. de 2012 http://www.anvisa.gov.br/sngpc/boletins/2012/boletim_sngpc_2_2012_corrigido_2.pdf

Almeida, Melissa, Rodrigues de.; Gomes, Rogério Miranda. (2014) Medicalização social e educação: Contribuições da teoria da determinação social do processo saúde-doença. Nuances, v. 25, p. 155-175. http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/2728.

Barros, José Augusto Barros (1983). Estratégias mercadológicas da indústria farmacêutica e o consumo de medicamentos. Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 17, n. 5 p. 377-386. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101983000500003.

Bianchi, Álvaro (2007). Empresários e ação coletiva: notas para um enfoque relacional do associativismo. Revista Social Política, Curitiba, 28, p. 117-129, jun. 2007.

Fontes, Virgínia. (2010). Capital-imperialismo  Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde de

São Joaquim Venâncio, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Guarido, Renata, & Voltolini, Rinaldo. (2009). O que não tem remédio, remediado

está?. Educação em Revista, 25(1), 239-263.

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