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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 496/19.7PAPNF.P1 Relator: JORGE LANGWEG

Sessão: 24 Março 2021

Número: RP20210324496/19.7PAPNF.P1 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: CONFERÊNCIA Decisão: NEGADO PROVIMENTO

PROCESSO ABREVIADO PROVA SIMPLES SENTENÇA ESCRITA

Sumário

I – Sendo a prova dos autos essencialmente documental, recolhida antes da dedução da acusação, está legitimada a opção pela forma de processo especial abreviado, verificados os restantes requisitos legais.

II – Neste tipo de processos, tendo o julgamento por objeto dois crimes distintos, que resultaram provados, havendo necessidade de ponderar

devidamente a decisão, está justificada a opção pela prolação de uma sentença escrita.

Texto Integral

Processo nº 496/19.7PAPNF.P1

Data do acórdão: 24 de Março de 2021

Juiz-Desembargador relator: Jorge M. Langweg

Juíza-Desembargadora adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Criminal de Santo Tirso

Acordam os juízes, em conferência e por unanimidade, nos presentes autos em que figura como recorrente o arguido B…:

I – RELATÓRIO

1. No dia 6 de Outubro de 2020 foi proferida a sentença condenatória do arguido, que terminou com a sua condenação pela prática de um crime de

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condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo disposto no artigo 292º nº 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6€ e, pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo artigo 203º nº 1 do mesmo texto legal, na pena de 120 dias de multa à mesma taxa diária.

Procedendo ao cúmulo jurídico de tais penas, foi condenado na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de 6€.

Foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, em

decorrência da condenação pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

2. Inconformado com a sentença, o arguido interpôs recurso da mesma, concretizando na sua motivação as seguintes questões:

1ª questão:

Nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. f), do Código de Processo Penal, consubstanciada peloi uso, inadmissível, da forma do processo abreviado, o que torna inválida a acusação e os atos subsequentes.

Fundamento: o n.º 1 do artigo 391.º-A do Código de Processo Penal delimita o referido emprego aos crimes puníveis com pena de multa ou com pena de prisão não superior a 5 anos ou em caso de concurso de infrações quando MP na acusação entender que não deve ser aplicada, em concreto pena de prisão superior a 5 anos, havendo provas simples e evidentes de que resultem

indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, em face do auto de notícia ou após realizar inquérito sumário, deduz acusação, para julgamento em processo sumário.

Estamos na presença de provas simples e evidentes quando:

a) o agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não puder efetuar-se sob a forma de processo sumário;

b) a prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a dedução da acusação ou

c) a prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos.

Relativamente ao crime de furto, não resulta dos autos que o arguido tenha sido detido em flagrante delito; de igual modo, a prova não se mostra

essencialmente documental e a prova testemunhal não teve uma versão uniforme sobre os factos.

2ª questão

Nos termos do disposto no art. 391º- F), do Código de Processo Penal, a

sentença deveria ter sido proferido de imediato, o que não sucedeu e, nos termos do disposto no art. 391.º - D do Código de Processo Penal, o Tribunal a

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quo deveria ter reenviado os autos para a forma de processo comum.

3ª questão

Da matéria dada como provada aposta na sentença ora posta em crise, não consta que o arguido tenha agido, no que concerne ao crime de furto, de forma consciente (apenas é referido: “agiu livre, deliberada e

voluntariamente”).

4. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos, com efeito suspensivo.

5. O Ministério Público junto do tribunal da primeira instância pugnou pela improcedência do recurso.

6. O Ministério Público junto deste Tribunal[1] emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, de forma

devidamente fundamentada que, pela sua pertinência, se passa a reproduzir:

"1. Há lugar à utilização de processo abreviado em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos - ou com limite máximo superior quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena superior – desde que haja provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes de se ter verificado o crime (artigo 391º-A nº 1 do Código de Processo Penal.)

Na primeira versão legal desta forma de processo o legislador não definiu o conceito de provas simples e evidentes. Fê-lo apenas em 2007, com a Lei nº 48/2007, 29/08 e com a enumeração exemplificativa que passou a constar do nº 3 do artigo 391º-A, nos seguintes termos:

“3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se que há provas simples e evidentes quando, nomeadamente:

a) O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não puder efetuar-se sob a forma de processo sumário;

b) A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a dedução da acusação; ou

c) A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos.”

Em 2010, com as alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei nº 26/2010, de 30/08 foi eliminado o vocábulo “nomeadamente” constante do nº 3 do citado preceito, tendo ficado consagrado que há provas simples e evidentes quando:

a) "O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não puder efetuar-se sob a forma de processo sumário;

b) A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a dedução da acusação; ou

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c) A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos."

A avaliação da simplicidade e da evidência da prova compete ao Ministério Público no momento da dedução da acusação e ao juiz no momento do saneamento do processo.

Conforme decorre do libelo acusatório de fls. 54-57 a prova atinente ao crime de furto consistia:

• nas declarações dos elementos da PSP que transportaram o arguido no

veículo policial onde foram subtraídos os objetos, que elaboraram o

aditamento à participação junto a fls. 25 relativa à ocorrência do crime de furto, que colheram na rede social instagram a fotografia junta a fls. 26, na qual foram exibidos os objetos subtraídos, e que receberam/apreenderam aqueles objetos que o arguido/recorrente voluntariamente entregou na presença do seu defensor;

• nos documentos de fls. 25, 26, 27 e 28 dos quais decorre a notícia do furto e

a entrega voluntária dos objetos realizada pelo arguido, na presença do seu defensor e no dia imediatamente a seguir àquele em que o arguido foi

transportado no veículo policial.

Parece-me, assim, não haver margem para dúvida de que a acusação foi deduzida com fundamento em prova documental e em prova testemunhal uniforme, ou seja em provas simples e evidentes da verificação do crime e de quem foi o seu autor. Simplicidade e evidência da prova que, de resto, se confirmou em julgamento pois que, conforme decorre dos fundamentos da decisão recorrida não impugnados pelo recorrente, a demonstração da prática, pelo arguido, do crime de furto que lhe foi imputado, fundou-se:

• nos indicados documentos, cuja genuinidade ou veracidade não foram postas

em causa;

• nas declarações dos elementos da PSP que confirmaram que o arguido foi o

único a ser transportado no veículo à data dos factos e que o arguido restituiu voluntariamente os objetos subtraídos quando foi confrontado com a

subtração.

E como se tanto já não bastasse para a evidência e a simplicidade da prova, o arguido, embora não assumindo a prática do crime de furto, assumiu ser da sua pessoa a fotografia junta a fls. 26, a partir da qual se desenvolveram as diligências que culminaram na entrega voluntária dos objetos no dia

imediatamente a seguir ao da sua subtração.

Obviamente que a referência feita no primeiro parágrafo da sentença recorrida à forma de processo comum constitui manifesto lapso de escrita absolutamente irrelevante para a decisão.

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termos das disposições conjugadas dos artigos 391º-F e 389º-A do Código de Processo Penal, não traduz erro na forma de processo ou qualquer outro vício processual, pois que a prolação da sentença por escrito está expressamente prevista no nº 5 do art. 389º-A para as situações em que “as circunstâncias do caso o tornarem necessário”, o que foi justificado conforme decorre da ata a fls. 95vº e o que não surpreende considerando a posição assumida pelo arguido e as necessidades de fundamentação de facto e de direito da prática de dois crimes e consequente elaboração de cúmulo jurídico de penas.

Quanto à insuficiência da matéria de facto para a decisão relativa à prática de crime de furto por omissão do elemento subjetivo Nos termos do artigo 14º nº 1 do Código Penal “Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar.”

Sem necessidade de grandes dissertações doutrinárias, bastando-nos com a afirmação de que o dolo se traduz no conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo de ilícito, desdobrando-se, portanto, em dois elementos - o

intelectual e o volitivo - e revertendo à factualidade provada, parece-nos estarem cabalmente demonstrados os indicados elementos do dolo. Decorre da decisão recorrida e para além da factualidade objetiva, que:

"8. O arguido retirou aqueles objetos, avaliados em €14,16, que bem sabia não serem de sua propriedade, em execução do propósito concretizado de se

apoderar dos mesmos, bem sabendo que tal lhe estava vedado pois além de serem bens alheios pertenciam a um órgão de polícia criminal e só elementos a esta polícia pertencentes os poderiam usar.

9. O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente, com o intuito concretizado de se apoderar daqueles objetos que bem sabia não lhe

pertencerem e que os integrava na sua esfera patrimonial contra a vontade do seu dono e em prejuízo deste, o que quis e fez.

12. O arguido estava ciente que as suas condutas eram penalmente censuráveis."

E tanto basta, em meu parecer, para concluir pela suficiência da factualidade provada relativamente aos elementos subjetivos do tipo de ilícito de furto . Por todo o exposto se emite parecer no sentido da integral improcedência do recurso."

7. O recorrente apresentou resposta ao parecer, alegando, em suma, o seguinte:

a) o nº 3 do artigo 391º-A, do Código de Processo Penal consagra de forma taxativa os pressupostos de admissibilidade da tramitação do processo pela via abreviada, que não se verificam, pois o arguido não foi detido em flagrante delito, não foi logo após o crime perseguido ou encontrado coim objetos que nmostrem claramente que o acabou de cometer;

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b) quanto ao segundo pressuposto, a prova não era essencialmente documental;

c) resulta da fundamentação da sentença que as testemunhas não presenciaram o facto.

d) A opção na acusação pelo processo abreviado limitou as garantias

processuais do arguido, por não ter podido requerer a abertura de instrução; e) O tribunal não procedeu à leitura imediata da sentença;

f) O arguido não impugnou os factos provados, porque os vícios da sentença podem ser conhecidos oficiosamente pelo Tribunal da Relação.

*

Cumpre, pois, apreciar e decidir. *

Questões a decidir

Do thema decidendum do recurso:

Para definir o âmbito do recurso, a doutrina[2] e a jurisprudência[3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o

thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem,

mediante a formulação de um juízo de mérito.

Tendo em conta o exposto, este Tribunal deverá conhecer as seguintes questões:

1ª questão:

Nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. f), do Código de Processo Penal, consubstanciada pelo uso, inadmissível, da forma do processo

abreviado, o que torna inválida a acusação e os atos subsequentes. 2ª questão

Nos termos do disposto no art. 391º- F), do Código de Processo Penal, a

sentença deveria ter sido proferido de imediato, o que não sucedeu e, nos termos do disposto no art. 391.º - D do Código de Processo Penal, o Tribunal a

quo deveria ter reenviado os autos para a forma de processo comum.

3ª questão

Da matéria dada como provada aposta na sentença ora posta em crise, não consta que o arguido tenha agido, no que concerne ao crime de furto, de forma consciente (apenas é referido: “agiu livre, deliberada e voluntariamente”).

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1ª questão:

Da alegada nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. f), do Código de Processo Penal;

O arguido recorrente impugnou a sentença, por entender que o processo seguiu a forma especial abreviada, sem estarem preenchidos os pressupostos legais, o que torna inválida a acusação, bem como os atos subsequentes.

Os pressupostos legais que o recorrente considera não terem sido preenchidos são os seguintes – considerando, igualmente, o teor da resposta ao parecer -: a) o arguido não foi detido em flagrante delito, não foi logo após o crime

perseguido ou encontrado com objetos que mostrem claramente que o acabou de cometer;

b) a prova não era essencialmente documental;

c) resulta da fundamentação da sentença que as testemunhas não

presenciaram o facto e do teor da prova gravada que os depoimentos não foram unívocos..

Cumpre apreciar e decidir a primeira questão que sustenta a motivação do recurso.

De jure

Constitui uma nulidade insanável "O emprego de forma de processo especial

fora dos casos previstos na lei", o que abrange os casos de processo

abreviado, regulado no título II (Do processo abreviado) do Livro VIII (Dos processos especiais).

Constitui entendimento pacífico nos autos que a norma regulatória da admissibilidade do processo abreviado é o artigo 391º-A, do Código de

Processo Penal, o qual prevê no seu número 1 que "Em caso de crime punível

com pena de multa ou com pena de prisão não superior a 5 anos, havendo provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes de se ter

verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, em face do auto de notícia ou após realizar inquérito sumário, deduz acusação para

julgamento em processo abreviado."

Os autos evidenciam que a acusação foi proferida, tendo por objeto crimes puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos ou pena de multa. A questão que o recorrente discute – sendo por isso controvertida - é se, em relação ao crime de furto, havia "provas simples e evidentes de que resultem

indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente",

estatuindo o nº 3 do mesmo artigo que há provas simples e evidentes quando: a) O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não puder efectuar-se sob a forma de processo sumário;

b) A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a dedução da acusação; ou

(8)

c) A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos.

A tese do recorrente:

Quanto a estas situações tipificadas em alternativa de "provas simples e

evidentes", o recorrente alega que, quanto aos factos integrantes do crime de

furto:

a) O agente não foi detido em flagrante delito;

b) A prova produzida em julgamento não foi essencialmente documental; e c) A prova testemunhal não foi presencial nem teve uma versão uniforme sobre os factos, nem resulta dos autos que antes da dedução da acusação as testemunhas apresentassem uma versão uniforme.

Cumpre apreciar e decidir.

Os pressupostos processuais são estabelecidos à data em que os autos são recebidos em tribunal e o juiz presidente realiza o saneamento do processo, nos termos do disposto no artigo 311º, nº 1, do Código de Processo Penal. Por isso, importa analisar os autos no estado em que se encontravam à data da abertura de conclusão em que foi proferido o despacho datado de 25 de Maio de 2020 e que procedeu à marcação do julgamento.

Por conseguinte, contrariamente à tese do recorrente expressa na motivação do recurso, não se atende à prova produzida em julgamento para aferir se, à data da acusação, a prova era essencialmente documental ou a prova

assentava, ou não, em testemunhas presenciais, improcedendo nesta parte o recurso.

Porém, como a nulidade invocada é de conhecimento oficioso, importa ir

mesmo além do alegado pelo recorrente, para averiguar se ocorreu a nulidade insanável por si alegada.

Analisada a acusação, constata-se que a mesma tem por objeto um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de furto,

mostrando-se suportada por prova testemunhal e documental: Prova testemunhal:

1.ª – C…, Agente da PSP; 2.ª – D…, Agente da PSP; 3.ª – E…, Agente da PSP; 4.ª – F…, Agente da PSP.

Prova documental: a constante dos autos, designadamente, auto de noticia de fls. 5, aditamento de fls. 25 e 26, talão de fls. 6, auto de apreensão de fls. 27, auto de entrega de fls. 28, pesquisa de fls. 16 a 17 e certificado de Registo Criminal do arguido de fls. 52 a 53.

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Perante o que se mostra documentado nos autos, conclui-se que os indícios recolhidos antes da prolação da acusação eram fortíssimos, relativamente ao crime de furto tendo por objeto um boné e um bastão, retirados do interior da viatura policial pelo arguido, tal como o próprio arguido assumiu numa

publicação na rede social "Instagram" («vide» aditamento nº 1 constante do auto datado de 25 de Novembro de 2020, pelas 17h30m.), havendo ainda prova documental e testemunhal direta da sua presença no local de onde os bens foram subtraídos, bem como da recuperação dos bens furtados na sua posse.

Conclui-se, assim, que a prova era essencialmente documental, tendo sido recolhida antes da dedução da acusação, legitimando a opção pela forma de processo especial abreviado, improcedendo a motivação do recurso.

2ª questão

Nos termos do disposto no art. 391º- F), do Código de Processo Penal, a sentença deveria ter sido proferido de imediato;

O recorrente alega na sua motivação de recurso da sentença que a sentença não foi proferida de imediato e, nos termos do disposto no art. 391.º - D do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo deveria ter reenviado os autos para a forma de processo comum.

Porém, não extrai daqui qualquer vício concreto (irregularidade, nulidade sanável ou insanável), não se compreendendo o que o recorrente pretende no plano das consequências jurídicas do "error in procedendo", por si invocado. Cumpre apreciar e decidir liminarmente.

A questão suscitada pelo recorrente não tem, manifestamente, o menor fundamento legal, por diversas razões.

Em primeiro lugar, o vício formalmente invocado pelo recorrente integra uma mera irregularidade, há muito sanada, "ex vi" do disposto no artigo 123º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Secundum, no plano substancial, a base legal invocada admite a prolação

escrita da sentença, nos termos em que foi efetuada, à luz do disposto no artigo 391º-F do Código de Processo Penal, ao estatuir que "É

correspondentemente aplicável à sentença o disposto no artigo 389º-A", sendo

ainda certo que este artigo admite excepcionalmente - se as circunstâncias do caso o tornarem necessário - que a sentença seja elaborada por escrito e lida em audiência (nº 5, segunda parte, do artigo 389º-A, do Código de Processo Penal).

Tendo o julgamento sido realizado tendo por objeto dois crimes distintos que resultaram provados, a elaboração da sentença implicou a formulação de dois juízos de culpa autónomos, dois enquadramentos jurídico-penais distintos,

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bem como a escolha e determinação de duas penas e a formulação de um cúmulo jurídico, com a determinação da pena única: tal consubstanciou uma situação excecional que legitimou, legalmente, a opção pela prolação de uma sentença escrita, tendo o procedimento escolhido sido processualmente regular.

3ª questão

Da matéria dada como provada aposta na sentença ora posta em crise, não consta que o arguido tenha agido, no que concerne ao crime de furto, de forma consciente (apenas é referido: “agiu livre, deliberada e

voluntariamente”).

O recorrente motiva o seu recurso, substancialmente, numa alegada

insuficiência da decisão da matéria de facto para a decisão, por omissão de um facto essencial na matéria de facto provada, uma vez que foi omitida a

referência a uma conduta consciente na prática do crime de furto. De jure

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na alínea a) do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal é aquela decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da

circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. Se tal

sucedeu, então o tribunal de julgamento terá deixado de considerar um facto essencial postulado pelo objeto do processo, isto é, deixou por esgotar o thema

probandum.

Apesar do recorrente não ter invocado formalmente este vício da sentença, a tese vertida na motivação do recurso integra, substancialmente, tal nulidade da sentença.

O thema probandum é consubstanciado pela acusação ou pronúncia,

complementada pela pertinente defesa, sendo referente ao apuramento da factualidade referente à existência e extensão da responsabilidade penal em causa nos autos, bem como da responsabilidade – quando existir enxerto cível ou for de arbitrar, oficiosamente, uma indemnização -.

O caso concreto

Contrariamente ao alegado pelo arguido recorrente, a expressão "agiu

conscientemente" não necessita estar plasmada nos factos provados de uma sentença condenatória para que não haja uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, podendo essa expressão ser substituída por outras palavras que tenham esse significado.

(11)

Percorrendo a acusação, relativamente ao grau de consciência que o arguido revelou na sua conduta integrante do crime de furto, mostra-se concretizado o seguinte:

"O arguido retirou aqueles objetos, avaliados em € 14,16, que bem sabia não ser de sua propriedade, em execução do propósito concretizado de se

apoderar dos mesmos, bem sabendo que tal lhe estava vedado pois além de serem bens alheios pertenciam a um órgão de policia criminal e só elementos a esta policia pertencentes os poderiam usa.

O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente, com o intuito concretizado de se apoderar daqueles objetos que bem sabia não lhe pertencer e que os integrava na sua esfera."

Após a produção da prova em julgamento, a sentença considerou provada a seguinte factualidade a esse respeito:

"O arguido retirou aqueles objetos, avaliados em € 14,16, que bem sabia não ser de sua propriedade, em execução do propósito concretizado de se

apoderar dos mesmos, bem sabendo que tal lhe estava vedado pois além de serem bens alheios pertenciam a um órgão de policia criminal e só elementos a esta policia pertencentes os poderiam usar.

O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente, com o intuito concretizado de se apoderar daqueles objetos que bem sabia não lhe pertencer e que os integrava na sua esfera patrimonial contra a vontade do seu dono e em prejuízo deste, o que quis e fez."

Para Miguez Garcia[4], dolo significa “conhecer e querer os elementos

objetivos do tipo”: a primeira componente é de ordem intelectual (conhecer) e não volitiva e emocional (querer). Ainda segundo o mesmo autor, exige-se, portanto, que o agente tenha consciência da subtração e queira subtrair, e que o resultado dessa subtração seja um novo apossamento, uma nova apropriação na sua esfera. Portanto, se o agente está convencido de que a coisa lhe

pertence, quando na realidade pertence a outra pessoa, atua sem dolo, não sendo a correspondente atividade punível, pelo facto de o furto ser

exclusivamente doloso.

Tendo em consideração a decisão da matéria de facto vertida na sentença, os factos integrantes do elemento subjetivo do tipo legal de crime de furto (artigo 203º, nº 1, do Código Penal) alegados na acusação resultaram provados, não se vislumbrando o menor vício na sentença, nomeadamente, o de insuficiência dos factos provados para a decisão.

Pelo exposto, improcede a última pretensão recursória. *

Das custas:

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deve ser condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, tendo em conta a extensão do seu objeto, em 5 (cinco) unidades de conta.

III – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes

subscritores, em conferência e por unanimidade, negar provimento ao recurso do arguido B….

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça individual em 5 UC (cinco unidades de conta).

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 24 de Março de 2021. Jorge Langweg

Maria Dolores da Silva e Sousa

_______________

[1] Parecer subscrito pela Procuradora da República Dra. Elina Maria Lopes Cardoso.

[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.

[3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais

recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.

[4] Miguel Miguez Garcia, O Direito Penal Passo a Passo, volume 2, Almedina, 2011, pág. 48.

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