CARTAS
HEFRANCISCO
MARTINS
SARMENTO
PUBLICADAS E ANNOTADAS POR J.
LEITE
DE
VASGONCELLOS
LISBOA
IMPRENSA
NACIONAL
1901
CARTAS
DE
FRANCISCO
MARTINS
SARMENTO
PUBLICADAS E ANNOTADAS pou J.
LEITE
DE
VASCONCELLOS
LISBOA
IMPRENSA
NACIONAL
1901
Extrahido d'«0 Archeologo Português»,YI, n. oi
8 a 12 de1901
CARTAS DE FRANCISCO MARTINS
SARMENTO
\
O
Archeologo Português, vi,30 sqq.,publiquei 22 extractos da correspon-dência epistolar de Martins Sarmento. Proseguindo na ordem de idéas queme
guiou nesse artigo, dou a lume aqui uniaserie de cartas por elle dirigidas ao
Sr.Dr. José de Barros da Silva Carneiro, illustre medico dopartido do Marco
de Canaveses, o qual com toda afranqueza ufas cedeu e permittiu
publicá-las. <> Sr. Dr. Barros eraamigoíntimodeMartins Sarmento, quelhefoi devedor de muitos serviços archeologicos, o que nas mesmas cartas severá.
Como
é provável queum
dia estas cartas, comoutras que ainda apparcçam, tornem a ser publicadas, abstenho-me de as annotar seguidamente, e só lhesajuntarei
uma
ou outraobservação aqui e alem; (puem fizer a publicação com-pleta as annotará.Formo com estas cartas dois grupos:
um
com as cartas datadas, quedis-ponho chronologicamente; outro, com as que não tem data (estas < -deno-as o
melhor que posso, enãoserádillicilcncorporá-las entre asoutras na edição
defi-nitivadVllas).
Omitto as cartas ipie não tem interesse archeologico. Nas que trago a
pú-blico, conservo religiosamente o texto: só substituo porpontos algumas phrases
([iie não havia necessidade de publicar.
Estas cartas mostram-nos(pie Martins Sarmento não perdiaaoccasião de si
informar directa ou indirectamente do apparecimento de qualquer antigualha importante1, ou de estimular, por todos osmeios ao seu alcance, es indivíduos
que elle via que estavam no caso de o auxiliar nos seus estudos particulares. Xellas nos dá algumas informações curiosas sobre lendas e achados, faz obser-vações sobre a maneira como o povointerpreta os monumentos antigos, e expõe
'
Era poucas linhaselledos deixa entrever adeante, grupo n. cartac ii •'.oiplsodio plttorosco
algumas das suas theorias, como aquella
em
que explica o sentido da palavraMourosna tradição popular.
Não
me
parece haverinconfidênciaem
levaraefteito apresente publicação.O
próprio Sarmento, se fosse possivelreler hojeas suas cartas aqui impressas,não se arrependeria de nos haver deixado esses documentos authenticosda sua biographia,
nem
se desdiria do público testemunho de sympathia e apreço quenellasficaassegurado á pessoa do Dr. Barros, oqual estavasemprepronto, em-borarevestido da maiormodéstia,acorresponderaos appellos archeologicosque
Sarmento lhe dirigia.
J. L. de V.
I. Carias datadas
Agruta das Coriscadas,
—
Enthusiasmosarcheologicos«Guimarães
—
30
[Março] 1882.—
Ex.'"° Sr.—
Entregueihoje aomeu
amigo
AntónioMontenegro
uma
caixita, contendo os objectos que oJosé
Maria
d'ahi trouxe, e vários fragmentos de ossos ultimamenteachados na celebre gruta.
Y.
Ex.aterá a
bondade
de a reclamar do portador, se elle se derá preguiça e não attender á
recommendação
que lhe fiz de a entregar aV.
Ex.
aNão
sei se auetorizado por V.Ex.
;\ o nosso
bom
Antóniodisse-me
queV.
Ex.
asó queria
uma
machadinha
euma
faca.Eu
atrevi-me por isso a ficarcom
a goiva, porque mais cedo ou mais tarde terei de publicaralguma
notícia sobre a nossa prehistoria,com
gravuras ouphotographias, e a goiva não
pôde
passarem
claro.E
os deusesalimentem
em
Lisboa oamor
pelas nossas cousas ve-lhas!Por
ahi ha tanto que ver e que estudar! V.Ex.
;inão só
pôde
por sisó fazer grandes serviços á pobre sciencia.
mas
fazeruma
espécie depropaganda,
porqueme
parece que nesses sitios hauma
curiosidadescientihVa
pouco
vulgar.Já
não erapequeno
serviço o inventario das antiguidades d'esses arredores, e isso só sepôde
obter pelo concursode muitos;
mas
eu tenho visto «pie para inspirar interessemesmo
aoshomens
rudes, por estas cousas não é necessário o trabalho quemui-tos
imaginam.
Se nas leituras de
V.
Ex.
avier apontado
algum
livroque
deseje ler e que eu tenha, nãotem mais
que avisar-me, que, possuindo-o eu,está ás suas ordens.
Pena
tenho de nãopoder
ofterecermais
nada, ebem
estimariaque V.
Ex.
ame
encontrasse préstimo para
alguma
cousa. Isso poderiadar-me
occasião para podermostrar
que soucom
toda a estima
—
De
V.Ex.
a:>
2
ArtigosobreasCoriscadas(noconcelho do Marco).
—
Opiniões'I"povosobreaeantignalhas.Castro de Uni.
—
Civilização lusitana«Guimarães
—
Abril L882.—
Ex.
m"Sr. eamigo.
—
Não
queria res-ponder-lhesem
lhe remetter aomesmo
tempo
onumero
deuma
to-lha portuense,
em
que digo duas palavras acerca <la sepultura das Coriscadas1.
A
publicação dojornal retardou-se, não sei porque, e nãotenho paciência para esperar mais.
Lamento
que omodo
porqm
me
fallou o AntónioMontenegro
me
fizesse crer que eu estava auetorizado pelos seus próprios donos a fazermão
baixa sobre os objectos de pedra quedahi
vieram e queultimamente devolvi.
Sem
isso nunca ousaria lançarmão
da goiva. Y. Ex.ame
dirá se o Sr.
Ramalho,
aquem
Y. Ex.aterá a
bondade
de expor estas
minhas
desculpas, quer ou não quer que lha remetta. Ella lá irá ter, ao caso affirmativo, logo que possa ser.Agradeço
amoeda
que Y. Ex.ame
mandou.
Naturalmente é ignorado o lotíalondefoi encontrada.
Bom
é que opovo
disparate á sua vontade sobre as cansas e tím da exploração da sepultura.A
indifferença é que seriaum
péssimosymptoma;
mas
creiaV.
Ex.a
que d'estes crendeiros é que eu tenho recebido as melhores notícias.
Mesmo
a suamania
de que tudo o quepertenceu aos
mouros
está cheio de ouro é, ameu
ver, providencial, porquesem
isso não se daria o lacto que se dá hoje, a saber, quemesmo
um
qualquer signa!num
penedo, ás vezesnum
ermo
ecom
valor archeologico, nunca é desconhecido pelos vizinhos,nem
confundidocom
cousas modernas.E
a tradição de pães a filhos que faz isto. Portanto,devaneie o povo á sua vontade,
mas
vá-nos dizendo onde estão as cousas.() outeiro de ('astro de Boi2 deve ser
importante,
segundo
me
disseo Taveira.
Ha
de ser,como
dezenas de outras fortificações que tenhovisto, do
tempo
da Citania. Se a pedra não estiver toda saqueada na coroa do monte, e ainda seconservam
vestígios de construcçoes, V. Ex.a ha de ver necessariamente os alicerces de casas circulares, que muitas x^/.^s mal afloram tio solo. Foi esta civilização rude.mas
1
[Não seique artigo é este. Não o vejo mencionado nocatalogo'los artigos
MeSarmentopublicado na RevistadeGvimarães, numeroespecial, p. li',e vol.xvh,
]< L30, pelo Sr. Abbade Oliveira Gnimarãi
2
[Perto d'este castro (no concelho do Marco) ba algumas mamôas,
—como
me
informa o Sr. J>r. Barros].muito característica, e
menos
rude, todavia,quando
seexamina
deperto, do que
apparentemente
inculca, que osromanos
vieramencon-trar entre nós. D'ahi a sua importância para a nossa etimologia.
Muito
agradecerei as notícias acercada
sepulturad'Alpendurada
e todas as que V.
Ex.
ase dignar dar-me.
Nada
d'isso ficará perdido e verá a luz publicaem
tempo
competente.—
De
V.
Ex.aamigo
att." e obg.do=
Martins
Sarmento,Sepulturas abertasemrocha.
—
Lendadoconvento defreiras.—
.MissadaabbadossaGuimarães
—
Maio
1882.--Meu
Ex.
1""amigo.
—
Lá
me
palpitava que as sepulturas de pedra, de queme
falounuma
das suas cartas,deviam
ser fixas. Sepulturas d'essas, eexactamente
da forma
quedescreve, tenho-as encontrado por toda a parte.
No
Minho,
como
na Beira, ha-as ás centenas.A
que épocapertencem?
Aqui
estáum
enygma
queme
tem
feito suar o topete inutilmente.Todas
as de quetenho conhecimento
apparecem
vazias;
ninguém
dá
contade objectoqueseencontrasse dentroeque possalançar
um
clarão qualquersobrea ques-tão cbronologica.A
forma
mesma
dacampa
dá a entender queesta-mos
em
plena época de enterramento.Por
outro lado po.de.-se dizer que tal género de sepulturas não existe nas nossas antigas ruinas do typo da Citania emonte
de S.Thiago,bem
queappareçam
nosar-redores d'estas cidades mortas e
na
direcção para onde apopulação se estendeu,abandonando
o alto.Casos
como
o de Freixo sãouma
ex-cepção,porque
é evidente que o Freixo foisempre
habitado quasisem
solução de continuidade.Assim,
aminha
opinião é que assepul-turas
em
rocha já são posteriores á épocaromana,
em
que era usoqueimar
os mortos, epertencem
talvez ao chistianismo.Eu
estendo-me
sobre este ponto, porque,havendo
porahi tanta antiguidade, ébem
possivel
queV.
Ex.
a,embirrando
também com
esteenygma
e tendo-opresente, encontre casualmente qualquer indicio que dê sobre o ponto a luz que tenho procurado debalde.
Muito
agradeço o offerecimento queV.
Ex.
ase digna fazer-me, e estimaria que a sua visita á Citania se effectuasse.
O
Sr. P. San-ches fallou-me ahiem
que desejava ver aquellas ruinas.Ahi
tinhaV. Ex.
aum
companheiro
excellente para lhe suavizar os enfadosda
jornada.
A
lenda do convento de freiras eda
missa da abbadessa é curiosa,tanto mais que a personalidade
da
freira nas nossas tradições popula-resme
pareceum
assumpto
digno deum
estudo especial.Em
Fafe (perll
) ha
um
monte, onde a tradição diz]3
que
existiu
um
convento de freiras: o outeiro, onde o convento existiu, mostra uns vestígios taes quaes de antiga povoação, e paramim
é defé que
nunca
alihouve
freirasnem
cousa que o valha.Defronte da Citania ha
também,
na encosta deum
monte,uma
grande lapa, por baixo da qual existiu o quer que fosse.
A
tradição diz que viveu aliuma
freira. Estas freiras quevivem
nos altos dosmontes
e por baixo das fragas são paramim
muitosuspeitas.
Como
nos
mouros
se esconde certamente a individualidade obscurecida dospagãos, é
bem
possivel que nas freiras se esconda outracom
raizesmuito profundas no paganismo, do
mesmo
modo
ainda que as fadas dos nossos contos sãoem
regra antigas divindades pagãs, muitíssimo deslavadas pela acção dos séculos c outras cansas complexas.De
resto ocampo
archeologico portuguez é deuma
riqueza es-pantosa, infelizmente os trabalhadores são poucos.Os
grandes vadiose ricassos que
passam
a vida a não fazernada
ou a jogar a batota de toda a casta, esses (pie tantopodiam
fazer,nem
sequercomprehen-dem
a utilidade d'estas indagações.Trabalham
apenas aquelles quemenos tempo
disponivel teem, e por fim estestrabalhos isolados esem
um
centro eum
órgão que lhes dê publicidade, esem
um
publico quese interesse por
elles, ficam quasi nos limbos.
Paciência.
A
gente ficacom
a consciência de quecumpre
o seu dever, fazendo o que pode.Tenho
todas as esperanças de ir ver as descoberta.-- de V. Ex.a,
mas
por ora não seiquando
isso poderá ser.Dê-me
sempre
as suas ordens e creia na muita estimacom
quesou
-De
Y.Ex.
aamigo
att." e obg.do MartinsSnnm
nto.Cidademorta des.Tiago.
—
CitaniacSabroso.-PagãoseMouros.
—
Escnlpturas antigas.i
i oiro ou
fusainlas.
—
Inscrinçãode AlpenduradaGuimarães
25, 1. 82.—
Meu
Kx.amigo.
—
O
que
poiahivae!
Tenho
em
meu
poder as duas cartas de V. Kx. 1e a lata
com
os objectos encontrados nomonte
deS.Thiagq
3 e proximidades.A
latanão tardar.! a ser devolvida.
1
[Não se entende o que se segue. Parece que seria «da villa
-A.ccrcscento diz, que falta no texto,
por esquecimento].
Estr castro fira pe-.to da celebre gruta ou lapa das Coriscadas; tem ainda
muralhas,c ahi lia penedoscom covinhas,e tem-soencontrado restos<lccerâmica romana c pru-romana. Informação «lo Sr. Dr. Barros. -Cfr. carta n.
8
Entre
os objectos de barro liaum
fragmento de asa deamphora.
Isso e os pedaços de telha
com
rebordo indicamuma
influenciaro-mana—o
que não quer dizer demodo
algum
que as povoações dotypo das de S.
Thiago
não sejam lusitanaspur
sang;mas
simples-mente
que subsistiram ainda depois da conquista romana, e que a suagente se
romanizou
mais oumenos.
Eu
sinto que V. Ex.aesteja tão longe e que não tenha occasião de poder ver as excavaçÕes que tenho
feito na Citania e
em
S&broso. Poruma
fortuna inexplicável, Sabrosoappareceu-me
sem
aminima
influencia romana, e ésem
duvidane-nhuma
a cousa mais curiosa que temos até hoje, para estudai1a
civi-lização lusitanica anterior á conquista romana.
Na
Citania a influenciaromana
éjá visivel.
Do
meio
de Maio até talvez fins de Julho tenho tenções de ir parauma
quinta, perto das Taipas, e continuarcom
as excavaçÕes na Citania.Se
V.Ex.
aqui-sesse ir passar ali
algum
dia, estimá-lo-hia muitíssimo, e não daria otempo
pormal empregado,
attento o interesse (pie a archeologia lhemerece.
Quando
as povoaçõescomo
Citania e S. Thiago, etc. (porque sãotudo a
mesma
cousa)deixaram
deexistir, não é fácil saber-se;mas
(pieforam abandonadas
séculos antes da invasão dos árabes é cousasem
contestação;
mas
paramim
é fora de duvida que adenominação
de mouros, que ti nossopovo
applica aos constructores de todas as anti-guidades que por ahi ha, nasceu d'uma synonymia,
cuja datahistórica sepode
determinarapproximadamente. Antes
de se falarem
mouros, todos aquellésmonumentos
eram
de certo attribuidos aos pagãos.De-pois aos
mouros
deu-se adenominação
de pagãos,como
é fácil provarcom
documentos
históricos.Aqui
começa
a confusão.Em
seguidavae-se
perdendo
onome
depagãos
e fica o de mouros.Em
algumas
cousas, os franceses que fizeram o favor de nosincommodar
nosprin-cípios deste século,
vão
já substituindo os mouros.Em
summa,
sem-pre que a tradição popular
me
fala demouros
eu subentendo «pagãos»e fico muito contente1
.
O
planalto domonte
de S.Thiago
deve conter muita curiosidade.Pena
tenho de o não poder trazer para asminhas
vizinhanças.Hei
de
porém
visitado.O
que é indispensável éapanhar
a pedra, hojena
parede,
com
o esboço deuma
carahumana,
e Y.Ex.
atem
de certoa
bondade
deme
saber nas horas vagas, eem
occasião opportuna,por que canal a poderei obter, barata ou cara. Isso
pode
indemnizar1
[Sobre este assunto escreveu Sarmento
um
artigo especialn-0 Pantlicon,a gente da perda da «cabeça do cavallo», de que
me
falatambém.
Mas
não existirão ainda fragmentos d'ella?Tudo
isto sãopreciosida-des.
Eu
tenho colligidoalgumas
de differentes partes e continuarei acolligi-las
com
a boa esperança de ver aquiem
Guimarães
um
pe-queno «museu
archeologico», ao qual as darei.Em
todo o caso a descripção exacta da celebre cabeça, omodo
por que estava encaixada no penedo, seria importante.
Em
Sabroso encontrei eu a «cabeça deum
poro
o focinho de outro, e estes restosda
nossa esculptura são inapreciáveis.V.
Ex.anão faz d'isso collecção e permitte-me decerto que lhe peça o favor de m'os adquirir por qualquer preço, logo que os enoontre,
bem como
pedras esculpturadas, ou inscripçSes
em
pedras portáteisO
bocado de louça circularcom
um
buraco noentre
é cousa mi-nha conhecida.E
uma
fusaiola económica.As
perfeitas, queappare-cem
ás dúzias oa Citania e Sabroso,como
em
Tróia, na Suissa,Itá-lia, etc, são espheras de barro achatadas, e
algumas
com
signaessym-bolicos.
Xa
Citania, porém,apparecem
as que euchamo
fusaiolaseconómicas, porque são aproveitadas de
um
cace qualquer,emquanto
as outras são obra deum
oleiro.Estou
com
muita curiosidade de ver a inscripção da sepultura deAlpendurada.
Certamente
pertence já aostempos
christãos.Alguns
nomes
locaes quemenciona
nas cartas sãomuito
interessantes.Oxalá
que os trabalhos instantes de Y. Ex.a lhe
permitiam
ir reconhecendoo terreno.
Eu
recolho escrupulosamente todas as notícias enenhuma
se perderá.
Logo
que possa, tirareialgumas
provas das pedrasescul-pturadas da Citania e Sabroso, para A'. Ex.a
fazer idéa da
ornamen-tação d'aquelles velhos tempos, sendo possivel (pie encontre por aqui
e por acolá
algumas
damesma
farinha.A
mim
jáme
suecedeu issoem
mais queuma
parte.E
bastará por agora de mais massada.Receba
V. Ex.aos
meus
mais sinceros agradecimentos, e creia que muito estimarei s< r-lhe p tavel para
alguma
cousa.Para o Sr.
Ramalho, que sinto não conhecer pessoalmente, pedia os
meus
agradecimentos pela cedência que sedignou fazer-me da
goiva.—
De
V. Ex.aamigo
att." e m.1"
obg.
do
Mm-fiiis Sartiiento.
.">
Photograpbias da CitaniaeSabroso.
—
Artemycenensen< s< castros,DifFerença entreaCitaniaeSabroso. Symbolosreligiosos
Guimarães
6, 1882.Meu
Ex.moAmigo.
Tenho andado
de tal1(1
e de Sabroso que prometti ao Hiibner1
,
quando
elle por aqui andou,que não tenho tido
tempo
de responder ás cartas deV.
Ex.
a,
min
delh'as agradecer.
Hoje, pelo correio,
mando-lhe
lambem
algumas
photographias de pedrasornamentadas
e cacostambém
ornamentados.As
pedras sãoalgumas
da Citania e outras de Sabroso.O
estylo ésempre
omesmo.
Sustentavam
alguns archeologos franceses (pie oestylo d'esta
orna-mentação
era suevo2. Isto
motivou
uma
polemica,
em
que osmeus
il-lustres adversários se declararam batidos, e <»
Henri
Martin veiu en-tãocom
a sua velhamania
de que aornamentação
é céltica.A
minha
opinião é que não temos
nada
a vercom
os celtas;mas
o que está apurado é (pie talornamentação
é pre-romana.Entre
as pedras veráY.
Ex.
acom
surpresa
uma
perfeita ciai/ de Malta.DVstas
cruzesapparecem
ás dúzias nas ruinas deMyeenas,
e, o que émais
singu-lar, associadas
com
osuastika, de três ou quatro braços curtos,
como
na Citania3.
Os
fragmentos de barroornamentados
e a fusaiola são de Sabroso.Alguns
d'estes ornatos são da época do bronze pura.Ha
em
Sabrosopara
cima
de trinta e cincothemas
deornamentação!
Na
Citania, neste particular, hauma
verdadeira pobreza. Foiuma
industriaindí-gena, que a importação do braço
romano
matou.Toda
a loucacom
este estylo ornamental
tem
muito valor para os caturras,como
eu.Pedras
ornamentadas
apparecem mais
frequentemente do que sepoderia esperar, e a
V.
Ex.
a decerto já lhe não escapaalguma
que veja, porque o estylo é muito característico.As
fossettes de queme
falia, e que existem no Castro de Boi,bem
desejava vê-las;mas
naturalmente esteanuo
nãopode
ser.Mais
curiosos são ainda os círculos concêntricos, espiraes, etc. Creio que
iá
mandei
a V.Ex.
aum
esboço d'estes signaes.
Se
me
der conta de alguns, muito lh'o agradeço.C/s
symbolos
religiososda
nossa antiguidadevieram
certamenteda
índia;mas
a filiação directa éperigosa,
alem
de tudo, porque o desenvolvimento religioso dos índios éum
pouco
obscuro.A
tríada1
[Estas photographias as vi eu
em
Berlim,cm
casa de Hiibner,cm
1899.Elle tinha-as eolleccionadas e guardadas com maços de cartas archeologicas, recebidas dos seusamigos de Portugal.
Também
ládeviatercartas de Sarmento.Não me
lembro.Na
occasiàoem
que estiveem
Berlim, cu não sabia ainda damorte de Sarmento, c não pensava pois
cm
examinar assuas cartas].2
[No texto le-se
porequivoco «Slieva»].
3
[Sarmentotratoud'este assuntomais extensamente naPortugália, i,1sqq.,
desenvolvendo as ideias de Virchow e Cartailhac1
11
indica já existia
quando
oramo
arico,queveiu
até" o ultimo occidente, se separou dos seus irmãos?Grande
questão;E
certo que no RigVeda
a trindade pode-se dizer que ainda não é gente. Vichnou,como
Indra,
como
toda a phalange de deuses, respiramum
naturalismode-licioso, e o sacerdócio <• a theologia parece que ainda não assentaram
os seus
dogmas
nem
a sua grande auetoridade,como
se nos mostrajá no
Ramayana.
—
Sejacomo
for, o elemento animalesco fez grandefigura entre nós. <>s
porcos ou javalis de Sabroso não são únicos na
Hispanha
1. Ha.alem
d'isso, os touros e até ursos,segundo dizem
al-guns
archeologos dó* reino vizinho. .Mas os nossos vizinhosem
archeo-logia estão tão adeantadoscomo
nós, eexploram
talvez menos.Os
que tratam d'isto são rams.como
o melro branco.Dê-me
as suas ordens, e creia-meDe
V. Ex.aamigo
att." eobg. /•'. Martins Sarmento. (3
InseripçÕes romanaeportuguesa) doMaroodoCanaveses.
RuínasdeChalcuUmiac.estrada daGcira
Guimarães—
4, 8, 1882.--
Meu
Ex.
moAmigo.
—Vejo,
pela cartade V. Ex.a, que o
Marco
continua a revelar as suas antiguidadescom
a
máxima
generosidade.A
ara de Thuias já cu conhecia, e acopia de Y. Ex.a
é quasi luta.
Só
haalguma
inexactidão na ultima linha, que d,\r serVLIFVL
S. Portanto:LARIBVS
|CERENAECIS
|
NÍGER
PROCVLl
| F(ilius) jV(otum)
L(ibens) ] S(olvit) |.Argote
fez
uma
traducção absurda sobreuma
copia ainda mais absurda.A
in-scripção diz simplesmente que Nigro, filho de Proculo,
cumpriu
um
voto que tinha feito aos Lares do Cerenécos. Argote, de
NÍGER
fezNIL
( Nicelio, não,
como
diz o seu abbade,mas
Nilo) eER
iEr-redio!!);de
PROCVX]
fezPROC(urator)
eVIl
iviarum!!);de
F.V
féz PV(blicarum!).
E
necessária toda a cautelacom
obom
do Argote.A
inscripção acha-se incluida na grande collecção do Húbner.A
outra inscripção parece-me que diz: S(epultura),D
(de),L
(talvez
D)
VAR1?!
T
\ E) (Duarte),FB
(talvezR)
Z
(Fernandes.
Y
(talvez E) (e),SEQ
(seus), IE
dlE)
(RDIROS)
(herdeiros).A
apedra que bole e tange»,pelo que se vê, é
uma
das apedras oscillantes», sobre as quaes tanta discussãotem
havido. Se ellati-vesse
algum
signal, valia 1 milhão.S< a inscripção das Caldas de
Canavezes
fosse latina, valiatam-bém
muito dinheiro, porque decerto está inédita.1
12
Depois
de voltar de Ancora, para ondevou
a 12 do corrente, tenhoas melhores tenções de ir visitar as descobertas
queV.
Ex. 1tem
feito.Não
tive ogosto de o ver
em
Briteiros.No
dia27
parti d'ali parao Gerez, onde
me
demorei três dias.Vi
uma
partoda
celebre estrada da Geira e três grupos demarcos
milliarios já conhecidos, e as mi-nas deuma
falsa Chalcedonia1, onde
dominam
penedos
colossaes,ha-vendo
pouco
espaço para construcção.No
emtanto a telharomana
éabundante; vestigios de casas quasi nenhuns, sendo provável que quasi todas as casas fossem de madeira.
Da
muralha
restam apenas dois lanços muito pequenos.Sem
alvião eenxada nada
sepode
deci-frar no
meio
doenorme
fraguedo e daselvagem
vegetação que cobreo pouco espaço que o não é.
O
que é admirávelem
algumas
partes doGerez
é a natureza.Eu
ia prevenido contra as exaggeraçoes;
mas
d'esta vez fiquei codilhado: encontrei mais do que esperava.
—
De
V.Ex.
aamigo
obg\=i'
T. Marfins Sarmento.
n.10
[nscripçãoportuguesadeS.Nicolau,
—
Projecto deumaexcursãoarcheologica noMarcoAncora
—
1, 9, 1882.—
Meu
Ex.
1"Amigo.
—
Era
capaz de jurarque respondi á sua ultima carta.
Seguindo
os bons conselhos juraria,mas
não apostaria,porque
tenhoandado
porSeca
eMeca,
e a gente desorienta-se nomeio
d'esta lufa-lufa.E
certo que recebi e registei a dita carta, cujas notícias apreciei,como
sempre.Não
entendo palavra da inscripção da igrejade S.Nicolau.Quanto
á do cruzeiro, tenhovisto taes extravagâncias neste género de
inscri-pçdes que
me
não admirariase ali estivesse escrito:Joào Duarte
FélixVelho.
Em
todo o casoparece-me
fora de duvida que nestas garatujasestá o
nome
dequem mandou
fazer a cruz.E
curioso oPenedo
dos Lagares, que cuido teruma
analogia talqual
com
as pias dospenedos
de Panoias, perto de Villa Peai, e ou-trás que já vi.Para
que serve aquillo?E
um
mysterio paramim
ecreio que para os outros;
mas
quer-me
parecer que o«açougue
dosmouros»
pertence ámesma
categoria demonumentos. Não
évergo-nha
confessar que a nossa ignorância é profunda, principalmentepor-1
[Diz-meo
meu
amigoo Sr.Engenheiro AntónioTorres,queexistenaquellalocalidade o mineral denominado chalcedonia. Talvez esteja aqui a origem do nome, por influencia litteraria, pois que Chalcedonia, com applicaeão ás ruínas do Gerez, não pode ser denominação de origem popular].
13
que estes estudos estão no começo, é
nenhuns
pontos decomparação
existem, pelo que sei,
com
objectos damesma
espécie já decifradosou meio decifrados.
Acena
das sepulturas abertasem
rocha, appare-ceu ha poucotempo
unia perto de Ponte doLima com
uns rabiscos,que
podiam
bem
ser unia inscripção;mas
nem
eu a matei,como
creioque a
matem
as pessoas aquem
remetti copia.Se
ainscripção foss< intelligivel,
apanhávamos
o fio do labyrintho.Não
duvido nada que o«Penedo
das Coriscadas» tenha vizinhos importantes. Conhecê-los é deuma
utilidade excepcional.<
v>uando for para
Guimarães
tratarei de organizarum
itinerário paravisitar e estudar tudo o
que V. Ex.
a
,
com
tanto interesso,tem
inves-tigado. Será o (pie se
costuma
dizer apapa
feita», o que éextrema-mente
commodo.
Sem
boas informações corre-se operigo, que
ha
dias corremos, eu e outros companheiros, (pieandamos
umas
.'>léguas á busca de antiguidades, que uão appareceram.
Agora
affirmam-nos que nos ficaram ao lado. <• talvez ainda lá volte. Ha. dizem,uma
inscripçãonum
penedo, c isso é serio, para não arriscar outra caminhada. Se V. K.\.;iquiser
alguma
cousa d'esta praia, nãotem
mais quemandar.
—
De
V.
Ex.
aamigo
att." e 6bg.d0=F.
Martins Sarmento.8
OestadodaOramarítima.
—
AntasdaPencda.—
Tnscnlpturas antigasGuimarães
—
Outubro
1882.Meu
Ex.Amigo.
De
volta deAncora
recebi a sua estimada cartacom
as interessantes noticias quecontinua a dar-me.
Tenho
todas as esperanças de irver todas as suas descobertas para os principio-, doanuo
quevem.
Um
trabalho que trago haum
anuo na cabeça, e que tenciono reduzir a escrita epu-blicai-, vae
oceupar-me
durante estesmeses
de inverno*.Depois
come-çarão as excursões.
Na temporada
que passeiem
Ancora
não fui tão feliz,como
espe-rava, nas
minhas
digressões pelo Alto Minho,mas
alguma
cousa apu-rei. Entre as novidades são dignas demenção
umas
seis antas na Serra da Peneda, ondeninguém
as podia imaginar2. Estou certo que,quando
Y. Ex.a vir
um
d'estesmonumentos
<• se familiarizarcom
elles, ha d i
começar
a encontrá-los nas suas excursões, não admirando,sem
isso,(pi- elles lhe
passem
desapercebidos.Também
encontrei na freguesia1
[Supponlio que se refere ao estudo sobre a Ora marítima do Avieno
*
[Cfr. <> meu folheto
Uma
excursão "<< Suajo, 1'orto 1882, \> 21, onde fallo14
de
Azevedo
uma
lagecom
gravuras curiosas, calgumas
novas paramim.
Aqui,em
vez de círculos concêntricos,apparecem
quadrados,L5
marães
viria dentroem
pouco a possuirama
bibliotheca de primeiraordem. Infelizmente, o borda-de-agua que tal predissess
enganava
com
toda a certeza.Estimarei muito os vasos de «pie
me
fala. Ainda que estejampartidos,
podem
reconstruir-se melhor ou peor, eaugmentarão
aminha
collecção <pic, porora, ébem
pequena.A
uma
légua emeia
d'aqui,em
Moreira de Cónegos, apparece
uma
verdadeiramina
de vasos.Ha
diastrouxeram-me
uns quinze, todos inteiros. Encontram-se dois a doisem
covas quadrilongas abertas do saibro e cheias de terra vegetal.Estou a ver que aquillo ora
um
cemitério, e resta saber de que po-voação, porque, sebem
queninguém
falle deminas
próximas, deve,comtudo, havê-las. ('orno
apparecem
também
muitos pregos, vê-se que o cadáver ora enterrado dentro deum
caixão.E
singular que, quasi aomesmo
tempo,me
mandavam
deAmarante
uma
vasilhaigual a
uma
outra de Moreira de Rei eachada
dentro deum
caixãode madeira muito
podre
E
possivel que estes enterramentos já sejam da época christã.Em
todo o caso são muito antigos, epodem
servir para conhecer a transição da épocachamada
romana
para a christã. Eu, por ora. tenho estadoembocetado
no quarto;mas
não tardo asair para explorar
algumas
antigualhas d'estes arredores.Que
V. Ex.a continue a ser tão feliz nos seus achados é o que eu desejo e todos osque se interessam por estas cousas do passado.
—
De
V.
Ex.a
amigo
att." e obg. do /''. Hfiartins Sarmento. 11InscripçS Excavaçõoe.laCitanin
Guimarães
—
5, 6, 1883.—
Meu
Ex.mo
Amigo.-
Recebi tudo.mas
Guimarães
está tão favorecida no capitulo da viação accelerada queforam precisos dois dias para a
conquista da lata. que
dormiu
longosomno
na estação de Famalicão.<)
que
me
embaçou
deveras foi ainscripção de grandes letras. Ella não
me
parece propriamente da 'poça romana,mas
já da época de transição, e decertotem
valor. Depois de decifrada pede ter muito,mas. por emquanto, ainda
ando
a soletrá-la.A
de S. Nicolau está tãoincompleta que não tá/, o
menor
sentido, sejam quaes forem as combi-nações a (pie a sujeite. Estou morto por ver tudo isso de perto,po-rem
otempo
tem brincadocom
todos osmeus
planos. Pelo sim, pelonão, já mandei
começar
as exeavaçoes na Uitania, c no fim d'estase-mana,
chova ou não chova, para lá vou. Parece-me que o verei lá,16
só mais tarde poderei fazer a
minha
excursão;mas
desejava quenas horas vagas traçasse o roteiro que
havemos
de seguir e as dis-tancias approximadas, parame
ir orientando.Pena
é queem
cada concelho, pelo menos, não hajaum
trabalha-dorcomo
V. Ex.a Infelizmente,ninguém
trata d'isto, e os poucos quecultivam a vinha preferem ler
um
livro no fundo do seu gabinete.E
maiscommodo; mas
assimnada
se fará. Estou certo que V. Ex.a,
vendo
a (íitania, ainda mais interesse
tomará
pelas nossasantiguida-des, que já lhe não
devem
pouco.Sempre
osmeus
agradecimentos, e creia na muita estima do—
De
V. Ex.'1amigo
e obg.do F. Martins Sarmento.12
CastroseraamòasdaPovoadeVarzimoinstrumentos de pedra.
—
Freixo de BaiãoGuimarães
—
Outubro
1883.—
Meu
caroAmigo.
—
Recebi a suacarta; oque estimei muito, principalmente porternotícias suas, que
me
faltavam ha muito.Sinto que não desse
uma
chegada
até á Povoa. Teriaalgumas
se-manas
de distracção e encontraria lá muitos amigos, pois quemais
de
uma
pessoame
falou deV.
Ex.
;iEu
percorri aquelles arredores e encontreimais
antigualhas do que esperava: uns oitocastros,
umas
nove
mamoas,
algumas
das quaes cobriamcom
certeza antas. Recolhiuns sete
machados
euma
goiva de pedra, e tenho a certeza de queainda ficou
alguma
cousa por espiolhar.La
volto para o anuo.Quanto
á nossa projectada excursão, ainda nãopode
ser por ora.Tenho umas
poucas de cousas a aviar, e,emquanto
as não puser forade casa, não descanso.
Vou
tomando sempre
acompetente
nota das descobertasdeV.
Ex.
a,
descobertas que
teem
sempre
interesse.A
pedraornamentada
do Freixo desperta-me sobretudo a curiosidade.O
José Leite deVas-eonecllos
andou
por Baião e descobriu láuma
das estatuaschamadas
gallegas* e
um
quadrúpede
de pedra que diz ser muito antigo.Ha
por ahi tanta cousa que a gentenem
sabe paraonde
seha
de voltar.Mas
alem
d'isso os fastidiosos trabalhos debanca
tomam-me
muitotempo
e eu ás vezes chego a cansar.Veja
se lhe presto paraalguma
cousa e disponha demim
com
fran-queza.—
DeV.
Ex.
aamigo
att." e obg.do=.F.
Martins Sarmento.1
[Níío é propriamente
uma
das estátuas gallegas. Cfr.O
Ardi. Fort, vi,17
13
Moeda di Gi taçò. Preparativosda excursão aoMarco
Vizella
—
9, i>, L884.—
Meu
caroAmigo.
—
Estou emVizella desdeo dia 2, e aqui recebi as
moedas
de Gestaçôj que muito lhe agradeço1.
Temos
brevemente
a exposição deGuimarães,
a que tenho quasiobri-gação de assisti)-, e cuja abertura terá logar no dia 15 do corrente. Depois d'isso
combinaremos,
não os dia.scm
queme
convém,
porquetodos os «lias são para
mim
bons,mas
os diasem
que omeu
amigo
está livre e
sem
oceupação.Veremos
então as suas descobertas, que não são poucas,nem
pe-quenas; mas, para não
perdermos tempo
nenhum, tem
de dar-se aotrabalho de traçar o itinerário do primeiro dia, e de terpor certo que
pela
minha
parte eu sustento-mecom
qualquer cousaem
qualquervendarola que encontrarmos pelo caminho, ás horas
em
que nos che-gue a vontade de comer.A
digressão, se não tiver o caracter deuma
viagem
de bohemio, perde toda a graça, e ou conto desde jácom
eshorrores da vida
nómada.
Sem
tempo
para mais.—
Seum.
1"amigo
e ven.i0T=F.
MartinsSarmento.
14 •
AntiguidadesdeVizella.
—
M lasdePombeiroe'la<litania,—
Projecto doMuseude GuimarãesVizella
—
24, <i, 1884.—
Meu
Ex.""1Amigo.
—
Hontem
fui aoMonte
dos Perdidos e encontreium
rapazola (pieme
disse (pie V. Ex.ae seu
mano
tinham dias antesandado
por ali a procurarinscripçoi s
em
penedos, falando-me especialmente da de Froias.A
volta da mi-nha excursão, encontrei a sua carta !Todo
aquelle sitio é digno de
uma
exploração minuciosa. .lá no adro da igreja de S. Jorge tinha encontradouma
das celebres estatuas callaicas^ (pie não possoperc-hei- d'onde veiu.
Na
minha
excursão ultima, perto da igreja de S.Mar-tinho,
uma
mulher
me
foi mostrarum
penedo
com
letras.Como
opovo
chama
letreiros a quaesquer riscos ou marcas, julguei que iaen-contrar
um
penedod'esta casta. Encontrei duas cousasjuntas,um
penedo crivado de fossettes e tendonuma
partecm
grandescaracteres: ( '.\_ I;.Disseram-me
em
seguida que não faltavam por ali epelo
Monte
dosPerdidos penedos
com
letras e marcas, mas.segundo
vejo da carta de V. Ex.'1, a melhor
inscripção foi-se, e pena é.
1
[Refere-se a
um
thesouro de moedas romanas achado ha ânuosem
Gei taçò (Baião): cfr. Arch, Port., o. tio.Também
18
Agradeço
immensamente
abondade
<jn<
-teve seu Ex.m0
Mano
em
prestar-se a acompanliar-me. Talvez
um
dia lhevá bater á porta,mas
os nossos passeios sãosempre
resolvidos de repente, e o grande favor seria o de notícias de antiqualhascom
a indicação do logarondecilas existem.(> resto fica por
minha
conta, porque eu ataco os vizinhoscom
toda a coragem, e aquella gente é boa.
As moedas
que ultimamentevieram
nãoteem grande
valor.Mais
tem
a apparecidaem
Pombeiro,
que, seme
não engano, é igual a ou-tra encontrada na Citania, o que verificareiquando
for aGuimarães.
Sc
é o que cu penso, amoeda
é romana,mas
cunhada
numa
das cidades de Bispanha.
A
exposição deGuimarães
encerra-se,segundo
diz a letra redonda,a 10 de julho.
Por
causa deV.
Ex.
a estou já arrependido de ter escolhido estestlias para a nossa projectada passeata; o calor é excessivo e ás vezes insupportavel. Creio,
porém,
que achuva
não tardará, trazidaporal-guma
boa
trovoada, para melhorar este horror.De
resto, eu sei que V.Ex.
anão
pode
perder dias seguidos e éminha
tenção dividir a exploraçãoem
mais queuma
parte; ir, porexemplo, duas vezes,
demorando-me
de cadauma
dois dias.Folgo
muitocom
a acquisição dos objectos depedra da
gruta deSoalhÕes.
Vamos
organizarum
museu
de velhariasem
Guimarães,
e a gruta (desenho) e objectos lá encontrados figurarãocom
distineçãono
museu.
Pena
é que escapassem muitos.—
De
V.Ex.
aamigo m.
h) obe -.' 1'1-—
J'\ Marfins Sarmento, 15ODr.Joãodo Vasconcellos.
—
AntiguidadesdeBaiãoPovoa
deVarzim
—
10Agosto
de 1884.—
Meu
caio amigo.Não
seincommode
maiscom
asmoedas
deGestaçô.Eliasteem
sempre
valor, por se saber o sítio onde appareceram,mas
toda amas-sada
tem
um
limite.Quando
me
safar d'aqui paraGuimarães,
apressar-me-hei a darparte para irmos fazer combinações no coto de Sabroso.
O
nosso [João dej Vasconcellos1
estará já então
um
aroheologo feitocom
a leiturados1
[Refere-sc ao Sr. Dr. Joào deVasconcellos, do Marco deCanaveses,outro apaixonado eillustrado investigadordaarcheologia local, e que conhece <h visu
todasou quasi todasasestações archeologicas dos concelhosdoMarcoede Baião,
tendo colligidoa respeito d'ellasgrande quantidade deapontamentos queespero serão publicados n-0 Archeologo Português],
19
livros que lhe remetti se é que elles
chegaram
ao seu destino.Até
agora ainda nadaseid'isso e pode
bem
serque ocaixãodurma
na estaçãodo
Marco
de Canavezes,emquanto
a carta que incluía a guia folevada para mitra
parte.
Os
correios entre nós são capazes de tudo.Como
o forte dos livros são as gravuras, omeu
amigo
não perde nadacm
lhes lançar a vista.O
Eduardo
quando
voltar a Baião—
e dizia,quando
eu sai deGuimarães,
que não tardava vae, 'li/. "II''. fazer explorações nodolmen
da Fonte do Mel f.-V e procurarumas
inscripçoes que lia eraVilla Moura,
também em
Baião;as taes inscripçoes parece
serem
(antascomo
a chuva.Aqui
é que eu não sei o <jnc liei de fazer. Vi <>anno
passado i> que
havia que ver e só para alem de duas léguas >'
que poderia trilhar terreno virgem.
Esperamos alguma
cousa doDeus
acaso.—
Seu amigo
ni.'" obg.io
=F.
Martins Sarmento.l\ S.
Chega-me
agoramesmo
uma
carta de .1 oão de Vasconcellos.1G
[nscripyõcsjlapidares.
—
Museude Guiinarã<ruimarães
—
Hl ,4,188Õ.
-Meu
caroAmigo.
Não tem
duvida queos castros são por ahi aos montes. ()
que era indispensável era en-contrar
um
morgado
muito rico que quisesse ser <>Schliemann
d'essas regiões.Quem
sabe?Talvez
elle appareça de repentecomo
os sapos, segundo a crença do povo. <>meu
amigo
e •> .1oão] de Vasconcellos a descobrir castros, e <> nosso
morgado
a cavar nelles, eraum
sonhod'1
borracho.
Seu
mano
Antóniotambém
aqui esteve lia dias. edeu-me
notíciasda tal problemática
capella da
Senhora
do Loureiro, onde diz Argoteque havia
uma
inscripção, e do Penedo,com
signaes da trovoada. Pelosmodos
a capella é a que se vêhoje,
com
outra invocação, ao pé* docruzeiro da igreja.
A
inscripção foi-se.Provavelmente
está a fazer parte dealgum
sucalco. Este anno volto para Vizella eum
dia hei deir
espreitar aquelle sitio, depois de fazer os responsos a Santo António.
.lá
montámos
aqui omuseu
de inscripçoes e de mitras velharias.Fora as
inscripçoes, tudo •> mais é muito resumido, porque a casa não tem capacidade para nada.
Quando
se tízer <>catalogo dos <• 1>
j
< *
-ctus, hei de mandar-lh'o.
1
20
Dê
me
recados aobom
[João de]Vasconcellos, e diga-lhe que nãorespondi á sua ultima carta por ter muito que fazer,
nem
ella exigirresposta
prompta
; se lhe continuaro gostoe apaciência porestascousas velhas e safadas, o
Marco
e Baião serão as terras maisbem
estudadas do país.
Os
deuses oconservem
e aomeu
amigo
em
todoo fervor do culto
—
Amigo
m.'" obg.do= F. Martins Sarmento, 17Visitas do 1>r.BarroseManoel NegrãoaSarmento
Guimarães
—
9Outubro
1884.—
Meu
caro amigo.—
Aqui
estoueu
em
(iuimaràes o naboa
esperança de que nãotardam
a entrar osmuros
desta terraosexploradores de Canavezes.Diz-me
oJ[oão]deVas-concellos que apparece ahi
um
neophyto
de grandes esperanças, quetambém
quer vir.Venha
elle e que a vinha da sagrada archeologiatenha mais
um
trabalhadorcom
fé, esperança e boas pernas l.Os meus
amigossempre
teem
de prevenir-me do dia e horaem
que
chegam,
para que o diabo as não arme.Eu
ando
com
cócegas de fazerumas
digressÕezitas extra-muros} eseria a
maior
das semsaborias quealguma
d'ellas coincidissecom
oília da vinda de V.
Ex.
asE
até cá.—
Seu m.
l°amigo
e 6bg.áo=F.
Martins Sarmento.18
Aequisiçõcs doMuseudeGuimarães;descripçâo de una pico prehistorico.
Dinheiro do Charoute
(iuimaràes
—
27, 11, 1886.Meu
caro amigo.—
Recebi oseu pre-sente, que estimei,como
pode
imaginar.E
d'estemodo
queconsegui-remos
arranjarum
museu,
digno de ver-se, e por issoagradecendo
o presente de hoje, tenho o
descaramento
de confessar que espero mais, muitíssimo mais, tanto domeu
amigo
como
do J[oão] deYas-concellos,
como
de todo omundo.
A
gente pedecomo
cego de romaria, esempre
vaeapanhando
al-guma
cousa.Não
sei classificar a rocha a que pertence o objecto queacompa-nha
amachadinha.
Temos
uma
outramachadinha
damesma
matéria,ou muito semelhante,
também
por classitícar.Os
mineralogistas poraqui não
abundam.
i
21
Quanto
ao seu préstimo, o Evans,Age
dePiem
. trazobjectos «1"
mesmo
feitio, alguns furados uo meio, para receberemum
cabo, e quemette na categoria dos
machados.
Que
diabo! Pela forma tudo isto está a dizer que éum
pieo. Agora, o que picava st pico é o que a ima-ginação pode phantasiar nas horas vagas. Certo é que o primeiro picoque entra no
museu
é o seu.Nas
faces mais largas ha duasmalhas
mais
escuras e nas arestas deuma
das faces, quasiem
diagonalcom
a
mancha,
dois vergões, e tudo isto parece estarmostrando
que o picoentrava
numa
reintrancia do topo do cabo—
imaginemos:
c as duas peças
eram
seguras por correias, ou cousa que o valha, atadas na direcção a b, ondeapparecem
os vergões.Acho
melhor
imaginar isto do que fazer versos.
< )s seus ceitis apparecidos
em
campas
são curiosos, porque sãouma
nova prova deuma
costumeira pagã.Em
Espinho, perto doBom
Jesus, o parocho ainda se lembra de que os doridos
punham
nucai-xão dos mortos
uma
moeda
de 5 réis; e o padre queme
deu ano-tícia affirma que
em
Etuivães ainda ha pouco se fazia omesmo,
di-zendo-se que era para <> morto poder
passar a
Lagoa
Stygia.Já
vê que n grande Charonte ainda vive.A
minha
gente agradece muito e retribue as suas lembranças eeu aqui estou para o que lhe prestar.
—
Amigo
m.1"obg.
do
=.P\
Mar-tins Sarmento,
11. Cartas sem data
1
Sepultara deAlpendurada,abertacmrocha
Meu
Kx.'""Amigo.
-Não
respondi e agradeci a ultima carta de V. Ex.a, porque tive oceupaçoes que m'o prohibiram euma
constiparcão á mistura.
9
A
sepultura deAlpendurada
é muito mais curiosa do que eupen-sei;
mas
nas horas vagas V. Ex.a
ha-de-m'a descrever
com
mais mi-uuciosidade.1''. aberta
em
rocha, diz V. Kx.
'
Aqui
está já a primeira curiosi-dade. Se ,11a ficaem
logar isolado e não pertod-igreja ou capella,
•1-1
A
opinião do seu informador3 que pretende ver nos desenhos da
pe-dra da cabeceira unia cruz de Malta, daria ao tumulo
uma
dataappro-ximada
;mas
eu não vejo relaçãoalguma
entre a figuradesenhada
euma
cruz de Malta. Se a sepultura éem
rocha, nãocomprehendo
também
bem
como
a pedra da cabeceira assenta, salvo se a partesa-liente na parte inferior, e que eu
marco
com
K,
é
uma
espécie de espigão que entra pela rocha abaixo,sem
o que esta saliênciaimpede
que o assento da pedra a possa casarcom
a su-perfície damesma
rocha.Se
a pedra é cabeceira da sepultura, eu só posso imaginar sepultura e cabeceira assim:Supponha
um
corte longitudinal pelo centro da cabeceira e sepultura;a, a rocha onde existe a sepultura; h, cavidade d'ella; c, corte da
cabeceira.
A
espada decerto estavana tampa;
mas
a espada éem
relevo sobre a
tampa
ou profundada"?A
tampa
é lisa e plana ou deoutra forma'?
Y. Ex.
avá
aturando estas impertinências,respondendo
quando
lhe sobejar otempo. Se a sepultura é
como
eu imagino, ellaseria
na forma mais
aperfeiçoada das sepulturasem
rocha, (pie tantoabundam
por ahi, e que, conforme já disse,me
teem dado
queen-tender.
Vá-me
desculpando edê-me
as suas ordens,quando
entender quelhe posso prestar para
alguma
cousa.—
De
V.Ex.
aamigo
atí." eobg.do
=jP.
Martins Sarmento.Projecto doMuseudo Guiinarã As minasna tradição popular
Meu
caroAmigo. --Recebi,
e muito agradeço, asmoedas
evasi-lha que
me
mandou.
Creio quevamos
organizar aquium
museu
develharias
com
o titulomodesto
de Deposito Archeologico, e esperoque,