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Ilha de Santiago (Cabo Verde)

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Ilha de Santiago (Cabo Verde)

Ecossistemas e plantas autóctones em risco de extinção

José Maria Semedo1

RESUMO

Palavras-chave: ilha de Santiago, Endemismos, Florestação

A flora endémica e os ecossistemas autóctones da ilha de Santiago foram profundamente alterados pela acção antrópica desde os meados do século XV. Muitas plantas endémicas entraram num estado crítico em vias de extinção, quer pela sua exploração quer pela concorrência de plantas exóticas. A partir da segunda metade do século XX houve intensas campanhas de arborização e protecção das terras e das águas, mas a florestação foi feita à base de plantas exóticas de crescimento rápido e com grande capacidade de propagação. No período recente foram criadas áreas protegidas que desenvolvem campanhas de multiplicação e plantação de espécies endémicas, mas é importante a valorização dos endemismos e seu uso em campanhas de florestação na perspectiva da sua valorização patrimonial e preservação dos ecossistemas autóctones mais adequados ao quadro climática e sociocultural do arquipélago.

1 Geógrafo, Professor do Departamento de Ciências e Tecnologias da Universidade de Cabo Verde

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ABSTRACT

Key-words: Island of Santiago, Endemisms, Forestation

The endemic flora and the autochthonous ecosystems of the Island of Santiago have been profoundly altered by anthropic action since mid-fifteenth century. Many endemic plants were driven to critical near extinction levels both by exploration and competition from exotic species. Starting on the second half of the twentieth century there were intense afforestation and land and water protection campaigns, but the forestation was done recurring to exotic quick growth plants with great propagation rates. Recently protected areas have been created which develop campaigns for the multiplication and plantation of endemic species, but it’s important to value endemisms and their usage on forestation campaigns from the perspective of their patrimonial valorization and the preservation of autochthonous ecosystems better suited to the climatic and sociocultural environment of the archipelago.

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1. Enquadramento

O presente trabalho tem por objectivo fazer uma reflexão sobre a evolução dos ecossistemas e da flora autóctone da ilha de Santiago em Cabo Verde, tendo em conta o estado crítico das espécies autóctones e em especial as plantas endémicas, devido à alteração das paisagens pelo efeito de evolução climática desfavorável e pressão antrópica sobre as terras.

A constatação da degradação das terras remonta pelo menos aos finais do século XVIII, quando o governo inicia as primeiras tentativas de arborização das ilhas2. No entanto, foi a partir dos meados do século XX que tiveram lugar as primeiras campanhas de arborização com a introdução de essências florestais exóticas, Eucaliptus sp, Cupressus

sp, Casuarina sp., Grevillea robusta, Ceratonia siliqua, etc., nas zonas húmidas de

altitude, ainda no período colonial, na tentativa de protecção dos solos, águas e florestas. Logo depois da Independência Nacional, em 1975, teve início intensas campanhas de arborização, abrangendo os andares áridos costeiros com a introdução de diversas espécies exóticas resistentes à secura, num programa de luta contra a desertificação, correcção torrencial, criação de recursos silvo-pastoris e alteração da paisagem. Neste novo programa, foram introduzidos cerca de sessenta espécies florestais, mas teve maior impacto a “acácia americana”, Prosopis juliflora que se tornou espécie dominante nas zonas áridas.

Apesar do inegável sucesso das sucessivas campanhas de arborização, o I Congresso Florestal de 1992 dava conta do estado crítico das plantas endémicas da ilha de Santiago, bem como dos ecossistemas primitivos, que ao longo de séculos foram degradados pelas actividades humanas, especialmente a criação do gado em regime bravio, o desmatamento para a instalação das culturas alimentares e a concorrência de plantas exóticas e pragas introduzidas involuntariamente.

As campanhas florestais surgiram na sequência do reconhecimento do estado crítico da desertificação da ilha e do arquipélago, mas a opção técnica foi pela criação de áreas arborizadas e num mínimo tempo possível, pelo que se optou pela introdução de exóticas de crescimento rápido, delegando para um plano secundário o restauro e a preservação dos ecossistemas primitivos.

No presente momento, tanto o quadro jurídico como a opinião pública começam a voltar para a necessidade de restauro dos ecossistemas primitivos e a protecção dos endemismos enquanto património natural. A criação de áreas protegidas, as campanhas de protecção de espécies vegetais e animais simbólicos a criação de várias ONG dedicando aos problemas do ambiente constituem ilustração do novo cenário vivido no País. É neste quadro que o projecto Monteverde pretende promover o uso de plantas

2Senna Barcellos Vol.II pág. 139.

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endémicas, autóctones de grande valor simbólico nas campanhas de arborização na ilha de Santiago, bem como em todo o arquipélago de Cabo Verde.

Esta comunicação foi apresentada numa acção formativa realizada no âmbito do projecto Monteverde, a 24 de Outubro de 2013 nas instalações da Direcção Geral de Agricultura, Silvicultura e Pecuária (DGASP) na cidade da Praia.

2. Caracterização da flora e da vegetação da ilha de Santiago

Com uma superfície de 991 Km2, a ilha de Santiago representa cerca de 24,57% dos 4033Km2 que formam o arquipélago de Cabo Verde. O clima dominante é o árido saheliano, com chuvas concentradas entre os finais do mês de Julho e início de Outubro, isto é no período mais quente do ano. Na prática ocorrem poucos dias de chuvas torrenciais associadas à migração para Norte da Convergência Intertropical ou ao surgimento de ciclones tropicais nas proximidades do arquipélago. Na maior parte do ano a ilha está sob a influência do vento alísio do NE, podendo ocasionalmente ocorrer vento leste quente e seco proveniente do Sahara – o harmattan.

À semelhança das outras ilhas da Macaronésia, o relevo montanhoso e o vento alísio dominante durante o ano favorecem uma zonificação micro-climática em atitude e exposição aos ventos dominantes. Assim as vertentes a barlavento e os vales abertos a norte e nordeste são mais húmidos e apresentam uma vegetação mais abundante, associada ao nevoeiro de altitude.

A grande maioria das plantas endémicas da ilha aparece nos andares húmidos de altitude, nos coroamentos rochosos, barrancos e vertentes íngremes expostos aos ventos alísios. Geralmente as plantas endémicas da ilha de Santiago pertencem a famílias e géneros comuns à Macaronésia, e hoje constituem relíquias de um quadro climático menos árido que o actual.

Chevalier (1935) considera três momentos histórico-naturais no povoamento florístico de Cabo Verde: uma introdução antiga datada nos finais da Era Terciária e inicio do Quaternário com plantas provenientes da costa noroeste da África e das Canárias, espécies afins à Macaronésia que hoje representam quase a totalidade dos endemismos; uma segunda fase de povoamento com a vinda de plantas sudano-saheliana, num período de importante afluxo de vento leste. Desta fase resultaram poucos endemismos, atestando uma introdução recente no quadro histórico-natural. A terceira fase seria antrópica. Remontando aos meados do século XV, continua na actualidade.

Considerando as plantas de interesse florestal que são os propósitos do projecto Monteverde, vamos analisar as Spermatófitas que ocorrem no arquipélago e na ilha de Santiago. De acordo com o Livro Branco sobre o Estado do Ambiente em Cabo Verde

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Spermatófitas de 410 géneros e 101 famílias, das quais 240 são consideradas indígenas, incluindo 83 endémicas. Entre os endemismos, 67 taxa (82%) são lenhosas de porte arbustivo, 15 (18%) são herbáceas. Apenas 2 espécies, Sideroxylon marginata e

Phoenix atlântica, são de porte arbóreo. A ilha de Santo Antão apresenta o maior

número de espécies, seguida das ilhas de Santiago e São Nicolau. No arquipélago, cerca de 75 (10,3%) dos taxa estão incluídos na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção.

Segundo o Plano de Acção para o Desenvolvimento da Agricultura na ilha de Santiago (PADA – 2009-2012) e com base no uso do solo e as características da vegetação, o território da ilha de Santiago apresenta quatro zonas agro-ecológicas:

As zonas áridas – abrangem altitudes compreendidas entre 0 e 200m, caracterizadas por um clima árido com uma pluviosidade anual inferior a 300mm anuais, numa superfície de 385km2. A vegetação típica é a estepe herbácea, pastagens áridas e campos de pedras. A actividade económica dominante é a pastagem extensiva e a agricultura do tipo misto (sequeiro e regadio) nos vales e nas proximidades da foz, quando ocorrem água subterrânea. Esta zona foi beneficiada com intensa campanha de arborização no último quartel do século XX.

As zonas semi-áridas – abrangem altitudes compreendidas entre os 200 e os 400 metros, caracterizadas por um clima semi-árido com uma pluviosidade entre os 300 e os 400mm, abarcando uma área de 344km2. Embora esta zona seja marginal para a agricultura, é aqui praticada em forma de culturas de subsistência nos anos de boa pluviometria. A vegetação natural em pouco difere da zona árida, embora seja mais diversificada.

Os sistemas de produção incluem, agricultura de regadio (tradicional e melhorada) nos vales, agricultura de sequeiro (tradicional), agricultura do tipo misto (sequeiro e regadio) e pecuária (sistema extensivo). Também esta zona foi beneficiada com campanhas de arborização na perspectiva de luta contra a desertificação e criação de perímetros silvo-pastoris.

As zonas sub-húmidas -estão localizadas a uma altitude compreendida entre os 400 e os 600 metros, caracterizada por uma pluviosidade entre 400 e 600 mm, abarcando uma área de 245km2. Esta zona é mais vocacionada para a agricultura, podendo encontrar aqui várias espécies lenhosas, arbustivas e arbóreas disseminadas pelos campos agrícolas, tais como Acácia albida, Acácia farnesiana, Acácia nilotica, Adansonia

digitata, Anacardium occidentale, etc.

O sistema de produção inclui: agricultura de regadio (tradicional e melhorada), agricultura de sequeiro (tradicional e melhorada), agricultura do tipo misto (sequeiro e regadio), pecuária (estabulação permanente) e produção silvo-pastoril (tradicional e melhorada).

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As zonas húmidas- estão localizadas a uma altitude acima dos 700 metros, caracterizada por um clima húmido com uma pluviosidade superior a 600 mm, abarcando uma área de 17km2. Em termos de produção agrícola e forrageira é a mais produtiva. Estas zonas são consideradas de uma importância vital para a infiltração das águas pluviais e a recarga dos aquíferos.

O sistema de produção das zonas húmidas abrange a agricultura de regadio (tradicional e melhorada), agricultura de sequeiro (tradicional e melhorada), agricultura do tipo misto (sequeiro e regadio) e pecuária (estabulação permanente).

As terras montanhosas de Rui Vaz e Serra Malagueta foram arborizadas no início da segunda metade do século XX na perspectiva de protecção dos solos e recarga dos aquíferos.

Este modelo de ocupação das terras consolidou-se entre os séculos XVI e a actualidade, com a progressiva destruição da vegetação primitiva e ocupação dos solos. Teve um grande impacto na modificação da paisagem, substituição dos ecossistemas autóctones pelas culturas, pastagens, florestas e assentamentos humanos. A flora primitiva ficou refugiada nas terras marginais e em barrancos de difícil acesso às actividades humanas.

3. Alteração da vegetação da ilha num quadro de evolução climática e intervenção humana

As ilhas de Cabo Verde foram descobertas pelos navegadores portugueses no século XV, num período efervescente de expansão europeia, protagonizada pelos estados ibéricos, e não se conhecem vestígios de presença humana anterior a essa data. A ilha de Santiago a mais extensa, com maior diversidade de ecossistema e recursos naturais foi escolhida como a pioneira no processo de povoamento. Inicialmente funcionou como posição avançada da administração portuguesa no comércio da costa da Guiné e como base de expansão marítima para o atlântico austral, Índia e América tropical.

Estando no flanco sul das ilhas da Macaronésia foi utilizada como local de experimentação de plantas diversas que cruzavam o atlântico a partir do século XVI. Este cenário favoreceu a introdução de espécies vegetais e animais que rapidamente instalaram na ilha de Santiago ocupando os diversos ecossistemas desde o andar árido costeiro, ao húmido e sub-humido das montanhas.

Não existem estudos aprofundados sobre a flora primitiva da ilha, com um levantamento da paleo-flora e da paleo-fauna anterior à chegada dos portugueses. No entanto, tem-se uma ideia da evolução da cobertura vegetal através de relatos de testemunhos históricos e do conhecimento da origem das espécies que compõe a flora actual.

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Como foi visto acima, o povoamento do arquipélago teve inicio na segunda metade do século XV e até ao inicio do século XVI apenas as ilhas de Santiago e do Fogo tinham uma população permanente, sendo as restantes ilhas reservadas para a pastagem extensiva do gado, com abates periódicos por escravos levados para o efeito. Até a actualidade a ilha de Santiago alberga mais de metade da população do arquipélago, o que resulta numa elevada carga demográfica sobre as terras, num quadro de ecossistema insular vulcânico, montanhoso e saheliano. A pressão sobre as terras foi responsável pela extinção de plantas e animais que seguramente não poderão ser encontrados na actualidade e que só um estudo paleontológico poderá trazer à vista.

As descrições dos primeiros navegadores dão alguma ideia da flora e da fauna nos primórdios do povoamento. Diogo Gomes um dos descobridores, por volta de 1460, refere a existência de vasta extensão de ervas, figueiras que davam frutos ao longo dos troncos, aves estranhas e pombos bravos que se deixavam apanhar à mão. Nos finais do século XV, Duarte Pacheco descreve o quadro de aridez e a ocupação das terras na ilha de Santiago.

“… e desta ilha de São Tiago e assim das outras ilhas em cada ano vem muita

“pilitaria” (sic.) de gado cabrum pêra Portugal e assim muita courama de gado vacaril e muitos sebos e algodões assaz finos e os frutos não se dão nesta terra senão de regadio porque aqui não chove senão três meses no ano, Agosto, Setembro, Outubro..”

…e estas ilhas são estéreis porque são vizinhas do trópico de câncer e tem muito pouco arvoredo por causa de nelas não chover mais dos ditos três meses, são terras altas e fragosas e serão más de andar3.

Esta descrição é interessante porque ressalta a inexistência de arvoredos que podemos interpretar como floresta de arbóreas.

A carência de madeiras de obras, fibras vegetais e lenha foi um grande problema que os primeiros colonos enfrentaram nas ilhas. A falta de madeira é expressa nas cartas de Baltazar Barreira quando pede todo o material de construção a Lisboa para a construção da residência dos padres Jesuitas em 1606. Foi na tentativa de obtenção de fibras que foi introduzido a Furchaea foetida ainda nos primeiros séculos, planta considerada hoje uma praga que concorre com a flora autóctone nos terrenos mais íngremes das ilhas montanhosas.

No entanto, diversas descrições do século XVI e XVII falam de abundantes culturas arbóreas e de fruteiras nos vales, o que pressupõe a existência de águas correntes e culturas irrigadas à base de hortícolas e fruteiras introduzidas pelos colonos.

….“Tem esta ilha de compridas 18 léguas, de largo 9. Está da banda norte em 15 graus. É montanhosa e cheia de serras escalvadas que a fazem parecer seca e estéril vista do mar, mas os que entram nela acham o contrário, porque destas

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serras saem tantas ribeiras e fonte que a fazem mais fresca e fértil. Há em toda ela, especialmente nos vales, grandes palmares de cocos, e tâmaras, muitas uvas, que se colhem quase todo o tempo do ano, laranjas, limões e todas as mais frutas de espinho, peras, maças, bananas, canafistula, mamões, guayanas (sic) e outros frutos trazidos de diversas partes; há algodões de que tiram muito proveito, porque os panos dele tecem e o mesmo algodão é a principal mercadoria que trazem a Guiné para resgate dos escravos e mais coisas da terra firme; há também canaviais de açúcar, mas faze-lo aonde não há engenhos de água custa muito trabalho, porque toda a cana se pisa em pilões.

A principal sementeira que fazem é o milho zaburro, deste comem ordinariamente os crioulos e pretos, fazem muita quantidade de xerém e cuscuz; dá-se muito bom trigo se o semeiam mas há poucos que o façam por vir toda a farinha de fora, de que se amassa cada dia o pão, que comem os portugueses. Há género de gado, de vacum, há lavradores que tem mil cabeças e mais, contando somente as reses marcadas; vale uma vitela, um cruzado e uma vaca dois; as galinhas assim caseiras como do mato são muitas e tão baratas que é o comer ordinário da gente limpa4.

Aqui verificamos a abundância de água nos vales e a introdução de culturas de regadio com base em fruteiras tropicais e mediterrânicas, mas ainda culturas de algodão usado no fabrico de panos usados no tráfico negreiro, e seguramente a cultura do anil (Indigofera tictoria) usado na coloração dos panos tradicionais. Destaca-se uma elevada carga pecuária, talvez exagerada pelo autor.

Em 1935 Auguste Chevalier verifica que os efectivos pecuários tinham reduzido a menos de 50% entre 1844 e primeiro quartel do século XX, justificando essa constatação o efeito da degradação das pastagens e o aumento dos campos cultivados em detrimento da pecuária.

No entanto, descrições dos finais do século XVIII retratam a ilha de Santiago em franca desertificação com o desaparecimento de ribeiras de águas correntes e empobrecimento generalizado da população, aliás foi nesse período que inicia a emigração para os Estados Unidos, através dos navios baleeiros que pescavam nas águas arquipelágicas. Nos finais do século XVIII houve a primeira tentativa de arborização da ilha com a introdução de plantas mediterrânicas, Pinus pinsater, Cupressus lusitanica e Laurus

nobilis, mas não teve sucesso por diversas razoes. A ilha estava num processo de franca

degradação.

Por volta de 1818, Lucas de Senna5, embora de forma confusa porque mistura de descrição das duas oleaginosas, introduzidas do Brasil, assinala o cultivo de Jatropha

curcas e Ricunus communis, nas zonas áridas e semiáridas da ilha. Estas oleaginosas

tiveram uma grande importância comercial até ao primeiro quartel do século XX.

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Carta do Padre Baltazar Barreira ao Padre João Álvares 1-8-1606, In Brasio – Monumenta Missionária Africana, segunda série Vol.IV

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A cobertura vegetal teve grande oscilação em função dos ciclos de secas, embora mantendo os ecossistemas primitivos nas terras incultas. A grande mudança ganha expressão no inicio da segunda metade do século XX com a arborização das terras altas com a criação dos perímetros florestais de Rui Vaz e Serra Malagueta, mas nessa data as plantas endémicas já tinham a concorrência de exóticas introduzidas ao longo dos tempos e que se tornaram espontâneas como a Lantana camara e Furcraea foetida.

4. Perspectivas de preservação da vegetação e da flora primitiva

A necessidade de valorização das plantas autóctones foi destacada no I Congresso Florestal de Cabo Verde, que teve lugar em Novembro de 1992 na Cidade da Praia. Posteriormente tanto a Lei de Base das Politicas do Ambiente como a Lei da Áreas Protegidas recomendam o uso de plantas endémicas em campanhas de arborização. No entanto, essas recomendações não tiveram efeitos imediatos no uso de endemismos vegetais na arborização.

A criação das áreas protegidas, com destaque para os Parques Naturais, favoreceu a protecção das plantas endémicas e das relíquias que ainda sobram dos ecossistemas primitivos. No caso específico do Parque Natural da Serra Malagueta, a gestão do Parque criou viveiros de plantas endémicas e tem havido campanhas de plantação com abertura de clareiras nas florestas de Eucaliptus e reposição dos endemismos. Este Parque já conseguiu germinar as sementes de Sideroxilon marginata, e tem um viveiro dessa arbórea endémica rara.

Mas a salvaguarda da flora primitiva, especialmente dos ecossistemas primitivos, passa por um intenso programa de comunicação, informação e sensibilização pela via da educação ambiental, porque o conhecimento do valor patrimonial dos endemismos não tem sido suficiente para a promoção da sua preservação. À semelhança do que acontece nas outras paragens, nomeadamente nas ilhas Canárias, a promoção das plantas endémicas pode ser feita através do seu uso em programas de arborização e criação de espaços verdes nas cidades, nos jardins públicos e privados.

A maioria das espécies arbustivas e herbáceas endémicas, ainda constitui o sub-bosque nas áreas arborizadas das montanhas, tanto em Rui Vaz como na Serra de Malagueta. No entanto, ecossistemas exclusivos com endemismos são raros, ou mesmo inexistentes. Um elemento importante na paisagem da ilha de Santiago são os barrancos e alcantilados que mantêm as relíquias de endemismos vegetais e animais, sobretudo ninhos de aves em risco de extinção.

No momento presente é importante a classificação e a protecção legal dos barrancos no sentido de protecção das relíquias, porque constituem pontos de difusão e reposição de diversas plantas que desaparecem dos campos vizinhos pela acção das culturas e da pecuária.

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As instituições de investigação como o Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA) que administra o Jardim Botânico Nacional, a Universidade de Cabo Verde (UNICV) deverão criar programas de investigação conducente ao conhecimento das potencialidades das plantas endémicas e seu uso nas campanhas de florestação e recuperação dos ecossistemas primitivos. Uma percentagem expressiva das plantas endémicas da ilha de Santiago é usada na medicina tradicional, no entanto ainda não existem estudos laboratoriais que justificam ou proíbem esse uso pelas populações rurais. Esta etapa também é importante na valorização patrimonial dos endemismos na ilha de Santiago e no arquipelago.

5. Conclusões

Na ilha de Santiago, à semelhança das outras ilhas do Arquipélago de Cabo Verde a maioria das plantas endémicas entrou num estado crítico motivado pela sua exploração, concorrência de exóticas, e alteração dos ecossistemas primitivos que lhes davam suporte.

A maioria das plantas endémicas hoje refugia em terras marginais em barrancos e vertentes de difícil acesso, ou estão confinados aos sub-bosques das áreas arborizadas. Apesar do seu uso tradicional como plantas medicinais raramente são cultivadas e os ecossistemas originais são raros. As plantas endémicas da ilha podem desaparecer, num quadro de alteração climática, porque diminuiu o período húmido e os ciclos de secas são mais frequentes.

No entanto, apesar do estado crítico, ainda é possível salvar este importante património natural da ilha quer pela via da ampliação das áreas protegidas, ou através da investigação, multiplicação e uso das plantas endémicas nas campanhas de florestação, seu uso nos parques e jardins urbanos. A educação ambiental e a valorização do património natural são medidas urgentes para a sensibilização da comunidade, das ONG, dos serviços florestais e dos municípios, na perspectiva de valorização das plantas endémicas e dos ecossistemas autóctones na ilha de Santiago.

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6. Referência bibliográfica

BARCELLOS, C.J. (2003) – Subsídios para a história de Cabo Verde e Guiné Vol. II parte 3, 2ª Edição, notas e apresentação de Daniel Pereira, IBN

BRASIO, A (1968) – Monumenta Missionária Africana, segunda série Vol.IV, JIU, Lisboa.

CASTANHEIRA DINIZ, A. & CARDOSO DE MATOS, G., (1986) Carta de zonagem agro-ecológica e da vegetação de Cabo Verde – I – ilha do Fogo, Lisboa, Edited by IICT. Lisboa.

CARREIRA A. (1989) -Dissertação sobre as ilhas de Cabo Verde 1818 por Manuel Roiz Lucas de Senna, ICL, Cidade da Praia.

CHEVALIER, A. (1935). Biogeograhie des iles du Cap Vert. Revu Botanique Appliquée. Vol XV. Comunicações a Sociedade Geografica de Lisboa. Typ. da Livraria Ferin. Lisboa.

DIRECÇÃO GERAL DE AGRICULTURA, SILVICULTURA E PECUÁRIA (2009) – Plano de Acção para o Desenvolvimento da Agricultura na ilha de Santiago – 2009-2012

DIRECÇÃO GERAL DO AMBIENTE (2013) - Livro Branco sobre o Estado do Ambiente em Cabo Verde referente ao ano de 2013, Cidade da Praia.

GRANDVAUX BARBOSA, L.A. (1961) Subsídios para um dicionário utilitário e um glossário dos nomes vernáculos das plantas de Cabo Verde – in Garcia de Orta (Lisboa) vol.9 nº1 37-91.

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Quadro 1

Dimensões comparadas das ilhas de Cabo Verde Ilhas e ilhéus Superfície

em Km2 Compriment o em máximo em metros Largura máxima em metros Ponto culminante Altitude em metros

Santo Antão 779 42 750 23 970 Tope da Coroa 1 979

São Vicente 227 24 250 16 250 Monte Verde 725

Santa Luzia 35 12 370 5 350 Topona 395

Ilhéu Branco 3 3 975 1 270 327

Ilhéu Raso 7 3 600 2 770 164

São Nicolau 343 44 500 22 000 Monte Gordo 1 304

Sal 216 29 700 11 800 Monte Grande 406

Boa Vista 620 28 900 30 800 Santo António 379

Maio 269 24 100 16 300 Penoso 436

Santiago 991 54 900 28 800 Pico de António(a) 1 394

Fogo 476 26 300 23 900 Pico do Fogo 2 829

Brava 64 10 500 9 310 Fontaínhas 976

Ilhéu Grande 2 2 350 1 850 95

Ilhéu Luís Carneiro 0.22 1 950 500 32

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Anexo fotográfico

Fig.1 – Aspecto da zona árida degradada pelo sobre-pastoreio de séculos

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IV

Fig.3 – Serra da Malagueta - arbustos endémicos coabitam com plantas exóticas

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V

Fig.5 – Serra da Malagueta – plantação de arbustos endémicos em clareiras abertas na floresta

Referências

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