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ENCONTROS DE DIREITO INTERNACIONAL. O Rapto Internacional de Crianças. Um olhar sobre o presente e o futuro da Convenção da Haia de 1980

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ENCONTROS DE DIREITO INTERNACIONAL

O Rapto Internacional de Crianças

Um olhar sobre o presente e o futuro da

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“Obstáculos e dificuldades fazem parte da vida. E a vida é a arte de superá-los.” DeRose

Introdução

Nesta data comemorativa do Dia Europeu da Justiça, festejamos o 34º Aniversário da Convenção sobre o Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia em 25 de outubro de 19801.

Estamos perante um instrumento de direito internacional de grande relevo na matéria em apreço pois congrega um considerável número de países e ainda hoje o seu texto constitui uma referência para outros instrumentos de direito internacional e convencional.

Atualmente são 93 os Estados contratantes da Convenção mas em apenas 92 a mesma se encontra plenamente em vigor uma vez que, no que se refere à República Popular da China, apenas vigora nas regiões autónomas de Macau e Hong Kong.

Portugal aprovou a Convenção sem quaisquer reservas e, a par da França e do Canadá, foi dos primeiros países a fazê-la entrar em vigor no seu ordenamento jurídico, o que aconteceu em 1 de dezembro de 1983.

Desde então muitos outros Estados aderiram ou ratificaram este instrumento convencional e os mais recentes membros deste grupo são o Japão, o Iraque e a Zâmbia, cuja adesão aconteceu já este ano.

Um tão vasto leque de Estados subscritores e as constantes novas adesões refletem bem o consenso que tem gerado a matéria sobre a deslocação ilícita de crianças e a plena atualidade do seu texto.

Ao analisarmos o grupo de Estados aderentes a tão relevante instrumento internacional, uma perplexidade, no entanto, nos surge, é que entre eles não se encontra nenhum dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

Sem nos determos nas razões históricas e até políticas subjacentes a tal facto, certo é que esta realidade constitui um sério obstáculo à resolução das situações em que a deslocação ilegítima de crianças acontece para aqueles Estados.

O número de cidadãos daí oriundos e a residir em Portugal, bem como o número crescente de cidadãos portugueses que para os mesmos vão residir, determina o surgimento cada vez mais frequente de situações de deslocações ilícitas de crianças entre Portugal e

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aqueles países africanos sem que seja possível dar-lhes uma resposta legal, expedita e adequada, por ausência de instrumento legal aplicável.

Estamos perante uma matéria sobre a qual é urgente refletir, cabendo às respetivas autoridades diplomáticas intervir no sentido de colmatarem esta tão grave lacuna, o que poderia ser feito através do estabelecimento de acordos bilaterais relativos à matéria que se prende com a deslocação ilícita de crianças, à semelhança do que foi feito, por exemplo, em matéria de fixação e cobrança de alimentos, sendo que o texto da Convenção sempre poderia servir de mote à elaboração desses instrumentos internacionais.

Doutro modo, a matéria relativa à deslocação e retenção ilícita de crianças no estrangeiro, tendo em consideração os interesses que lhe estão subjacentes, tem constituído uma preocupação a nível internacional e a Convenção sobre os Direitos da Criança2 é também disso reflexo, dispondo o seu art. 11º que os Estados Partes devem tomar medidas adequadas a combater a deslocação e retenção ilícitas de crianças, devendo promover “a

conclusão de acordos bilaterais ou multilaterais ou a adesão a acordos existentes”.

Portugal está, deste modo, obrigado a desenvolver as diligências necessárias, tendo por objetivo colmatar a falha existente e urge que o faça.

Também a atualidade do texto da Convenção sobre o Rapto Internacional de Crianças lhe confere uma dimensão que é de realçar.

A realidade cada vez mais presente de conflitos relacionados com a guarda das crianças, com particular ênfase para os que surgem entre progenitores, e a sua dimensão transfronteiriça tem implicado o recurso cada vez mais frequente aos instrumentos internacionais reguladores da matéria em causa.

As uniões entre pessoas de nacionalidades diversas, o fluxo de emigração tendo em vista a procura de melhores condições de vida e a enorme facilidade com que atualmente ocorrem as mudanças de um país para outro têm potenciado as situações de deslocação e

2 No âmbito dos países membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), acederam

ou ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança: Angola (a 5 de Dezembro de 1990); Cabo Verde (4 de Junho de 1992); Guiné Bissau (20 de Agosto de 1990), Moçambique (26 de Abril de 1994) e Portugal (21 de Setembro de 1990).

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retenção ilícita de crianças e a resposta legal que a esta problemática é dada pela Convenção é bem o espelho do quão hodierno é o seu normativo.

Esta atualidade não se fica, no entanto, pela aplicação direta do seu normativo como também encontra eco no texto de outros instrumentos internacionais que, embora elaborados num tempo muito mais próximo, a tomam como referência e determinam a sua aplicação.

Exemplo disso são o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 e a Convenção da Haia de 1996, relativa à Competência, à Lei aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em matéria de Responsabilidade Parental e medidas de Proteção das Crianças3

Desde logo, no Considerando 17 e no art.º 11º daquele primeiro instrumento internacional encontra-se prevista a manutenção da aplicação da Convenção da Haia de 1980 sobre o Rapto Internacional de Crianças, quando em causa está a deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, o mesmo acontecendo com a Convenção da Haia de 1996 que no seu art.º 50º estatui que a aplicação das suas normas não prejudica a aplicação da Convenção sobre o Rapto Internacional de Crianças.

A Convenção e a sua aplicação prática

❖ Os objetivos

Tal como definidos no seu art.º 1º constituem objetivos primordiais da Convenção o colocar termo, de uma forma célere, a uma situação de deslocação ilícita de criança, na sequência da violação de um direito de guarda e o garantir o respeito pelo direito de guarda e de visitas fixados num dos Estados Contraentes.

O desiderato a alcançar é o regresso imediato da criança ilicitamente deslocada ou retida, sem prejuízo das decisões que posteriormente venham a ser tomadas no que respeita à matéria relativa ao direito de guarda e exercício das responsabilidades parentais.4

O direito de custódia consagrado no art.º 3º al. a), da Convenção, pode resultar diretamente das normas legais que regulam esta matéria, de decisão judicial ou

3 Entrou em vigor em Portugal em 1 de agosto de 2011. 4 Art. 16º da Convenção da Haia de 1980.

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administrativa que sobre ela se tenham pronunciado e ainda de qualquer acordo existente desde que válido à face do direito do Estado respetivo.

Em Portugal e em face do nosso direito interno, o direito de guarda pode resultar, ✓ Diretamente da lei

✓ De decisão judicial

✓ De acordo homologado judicialmente ✓ De decisão do Conservador do Registo Civil

Não basta, no entanto, a existência daquele direito de custódia. Por força do estabelecido na al. b) do citado art. 3º o exercício de tal direito tem que ser efetivo.

Para a aplicação do estatuído na Convenção não basta que ao requerente caiba o direito de guarda da criança, mostra-se necessário que esse direito esteja a ser exercido efetivamente antes da deslocação ilícita.

O exercício do direito de custódia, definido no art.º 5º da Convenção como sendo o direito de decidir sobre o lugar da residência da criança, pode ser exercido singular ou conjuntamente, sendo que neste último caso a decisão sobre a residência da criança terá que ser tomada por acordo dos titulares das responsabilidades parentais.5

Em face do nosso normativo interno, porque a regra é o exercício conjunto das responsabilidades parentais6, a decisão sobre a mudança de residência da criança para um país estrangeiro, porque constitui uma questão de particular importância, tem que ser tomada por ambos os progenitores7.

De notar que, por força do estabelecido no art.º 16º da Convenção, a decisão sobre a guarda cabe sempre ao Estado da residência da criança antes da deslocação e a jurisdição do Estado para onde a criança foi levada só pode decidir sobre a matéria em causa se tiver sido recusado o pedido de regresso ou se, durante um período razoável, o mesmo não for requerido.

A deslocação ilícita ocorre, pois, quando haja uma mudança da criança do país onde tem o seu centro de vida para outro, em desrespeito do direito de guarda existente.

5 Na definição dada pelo art. 2º nº11, al.b) do Regulamento (CE) nº2201/2003 do Conselho,

“Considera-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre o local da residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental”

6 Art. 1906º nº1, do C.Civil.

7 Só assim não é em casos excecionais e sempre por decisão judicial, nos termos do art. 1906º nº2, do

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Quando a criança é levada de um país para outro estamos perante uma situação de transferência ilícita e na situação em que a criança é levada de forma legal mas depois é mantida no outro país em desrespeito do direito de custódia estabelecido, ocorre uma situação de retenção.

Estão, no entanto, consagrados desvios à regra do regresso imediato. São eles8:

➢ A criança já se encontrar integrada no seu novo ambiente familiar, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a data da deslocação ou retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado em que a criança se encontrar;

➢ O direito de guarda não se encontrar, efetivamente, a ser exercido por quem tinha legitimidade para tal;

➢ Ter havido, por parte de quem exerça o direito de guarda, consentimento prévio ou concordância posterior à deslocação ou à retenção da criança;

➢ Existir risco grave de a criança, com o seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou a uma qualquer outra situação intolerável;

➢ Quando a criança se oponha ao regresso desde que tenha idade e grau de maturidade suficientes para serem tomadas em consideração as suas opiniões; ➢ Quando o regresso da criança importar uma violação dos princípios fundamentais

do Estado relativos aos direitos do homem e às liberdades fundamentais.

Embora não constituindo o escopo primordial da Convenção, a garantia do direito de visitas merece, no entanto, uma atenção especial.

Tal como preconizado nos art.ºs 7º al. c) e 21º da Convenção, o exercício efetivo do direito de visitas, poderá ser alcançado no âmbito de aplicação da Convenção quer através da fixação de um regime de convívio da criança com o progenitor com quem não reside, quer através da efetivação de um regime que se mostre já estabelecido.

Embora uma primeira leitura dos preceitos convencionais possa transmitir a ideia de que o pedido para abertura de processo judicial ou administrativo deva ter por objeto, ou o regresso da criança ou o exercício do direito de visitas9, certo é que, na interpretação que

8Arts. 12º, 13º e 20º da Convenção da Haia de 1980.

9 Habitualmente, nos formulários utilizados é apenas solicitada uma das intervenções possíveis, por via

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fazemos nada impede que o pedido relativo às visitas possa ser feito subsidiariamente ao pedido de regresso no caso de este não ser atendido.

É fulcral para a efetiva salvaguarda do interesse da criança, cuja proteção se visa em primeira linha, que esteja assegurado o convívio regular com o progenitor que não tem a sua guarda.

Se, à deslocação do centro de vida da criança para um outro país, que importa alterações profundas na sua vida e, em muitos casos, um desenraizamento que pode deixar marcas, aliarmos um afastamento, prolongado no tempo ou até definitivo, do outro progenitor e de toda a sua família, o sofrimento daquela criança será potenciado a um nível exponencial e deixará marcas negativas profundas para toda a sua vida.

As consequências nefastas que podem advir de uma mudança para um país estrangeiro poderão ser minimizadas se for estabelecido o regime de visitas adequado à realidade em causa.

Tendo em conta que em alguns casos o pedido de regresso é recusado, mostra-se crucial que, nestas situações, seja definido o regime de visitas pois, caso assim não se proceda, as dificuldades na determinação de tal regime podem constituir um sério obstáculo ao seu estabelecimento.

Certo é que, recusado o regresso da criança, o tribunal competente para estabelecer o regime de visitas é o da residência habitual da criança, ou seja o do país para onde tenha sido levada.10

As dificuldades logísticas, económicas e até jurídicas inerentes a intentar uma ação e a acompanhar um processo num país estrangeiro faz com que o progenitor que não detém a guarda, ao ser confrontado com uma decisão de recusa de regresso, nada mais faça. Pode estar dado o primeiro passo para que o afastamento se torne definitivo.

Ora a utilização dos mecanismos previstos na Convenção permite que na ação especial intentada a questão das visitas seja, também, ponderada e decidida.

Assim, os requerentes deveriam, logo no pedido inicial dirigido à Autoridade Central a solicitar o regresso da criança, esclarecerem se, em caso de ser recusada a sua pretensão, desejam ver fixado um regime de visitas ou ver cumprido um anteriormente estabelecido. Mesmo que este pedido subsidiário não seja formulado no requerimento inicial, a autoridade judicial ou administrativa a quem caiba apreciar do pedido de regresso, no

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caso de o mesmo ser negado, deveria sempre notificar o requerente para se pronunciar sobre se pretende que seja organizado ou fixado um regime de visitas.

Só deste modo o supremo interesse da criança se mostra devidamente acautelado sendo certo que este procedimento em nada colide com os termos da Convenção, bem pelo contrário, só assim se alcançará em pleno os objetivos por ela preconizados.

Depois deste parenteses, façamos agora uma reflexão sobre a eficácia em termos práticos da aplicação das regras da Convenção e equacionemos se os objetivos por ela prosseguidos são sempre alcançados.

É a partir desta ponderação que novas ideias poderão surgir e que permitirão uma melhoria do sistema.

São muitos os casos em que, de forma célere e eficaz, se obtém uma decisão que, incorporando o espírito subjacente à Convenção, dá satisfação ao nela preconizado. Estas decisões deveriam merecer uma atenção especial e serem divulgadas para poderem servir de exemplo.

Mas nem sempre tal acontece. Muitas são as situações em que, com atropelo das normas da Convenção e de outros instrumentos internacionais a que os Estados estão vinculados, as decisões proferidas constituem a negação dos objetivos preconizados e uma violação dos direitos da criança envolvida.

A utilização de procedimentos incorretos, sejam eles processuais ou outros, e a interpretação errónea das normas são, na maior parte das vezes, determinantes de decisões que não são compagináveis com os interesses em jogo.

Muitos são os fatores que estão subjacentes a esta realidade mas detenhamo-nos em três deles.

❖ A Informação

A vertente da informação abrange uma larga panóplia de situações mas iremos aqui cingir-nos apenas a uma delas.

A informação em geral sobre a matéria relacionada com a deslocação ilícita de crianças e os mecanismos legais para reverter a situação nem sempre é do conhecimento daqueles que deles necessitam no caso concreto.

Como consequência, observam-se não raras vezes situações de retiradas ilícitas de crianças para países estrangeiros sem que ao caso seja dado o tratamento adequado.

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As situações são muitas vezes levadas ao processo de regulação das responsabilidades parentais e aí tratadas como um incumprimento do regime em vigor ou quando ainda não há regime fixado por decisão judicial ou do Conservador do Registo Civil, é intentada a respetiva ação.

Por ausência de informação não são muitas vezes desencadeados, ou são-no tardiamente, os mecanismos internacionais tendo em vista o regresso da criança ou a sua vinda ao país donde foi retirada para que seja assegurado o convívio com o outro progenitor.

Quando ocorre uma separação e o respetivo exercício das responsabilidades parentais não se encontra ainda regulado, regerão sempre as regras constantes do Código Civil, designadamente aquela que determina o exercício conjunto das responsabilidades parentais nas questões de particular importância11.

Porque grandes dúvidas não existem de que a mudança do centro de vida da criança para um país estrangeiro constitui uma questão daquela natureza, certo é que mesmo na ausência de uma decisão, no cumprimento da lei vigente, a transferência da criança para outro país tem sempre que ter o consentimento de ambos os progenitores pelo que, se a sua deslocação para passar a viver no estrangeiro não tiver o beneplácito de ambos os progenitores, sempre constituirá uma deslocação ilícita para efeitos da Convenção12 e sempre poderá recorrer-se aos mecanismos ali previstos para reverter a situação.

Estas informações deveriam chegar ao conhecimento de todos os operadores judiciários mas também e principalmente ao público em geral.

A Autoridade Central tem aqui um papel essencial a desempenhar, o de informar e esclarecer o público em geral, e os operadores judiciários em particular, sobre as matérias em causa.

A sua atuação neste campo poderia acontecer por diversas formas, aqui se deixando algumas sugestões.

➢ Criação de um número de telefone específico, a funcionar para além do horário normal de expediente.

➢ Criação de uma página na internet específica sobre a matéria relativa ao rapto de crianças contendo toda a informação necessária.

➢ Divulgação por outros meios, como cartazes, brochuras, conferências ou seminários, dos termos da Convenção e dos procedimentos a adotar na sequência de uma deslocação ilícita ou irregular.

11 Art. 1906º nº1, do C.Civil. 12 Art. 3º.

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➢ Divulgação de decisões dos tribunais portugueses e estrangeiros que constituam bons exemplos da aplicação da Convenção de 1980 e outros instrumentos internacionais relacionados com a mesma matéria, que possam servir de guia em situações semelhantes.

Esta divulgação deveria ser o mais ampla possível e ter lugar junto dos tribunais, Procuradoria - Geral da República, organizações associativas dos magistrados, Ordem dos Advogados, Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Órgãos de Polícia Criminal, Associações diretamente relacionadas com o exercício da parentalidade e vocacionadas para a defesa dos direitos dos progenitores…

❖ O conhecimento da matéria relacionada com a aplicação do direito

internacional sobre a deslocação e retenção ilícita de crianças

As dificuldades, porém, não se ficam pelo conhecimento das pessoas em geral, estende-se também aos próprios operadores judiciários.

Estamos perante um regime legal muito específico e a matéria em causa aparece com pouca frequência.

No que tange aos magistrados, o Centro de Estudos Judiciários quer na formação inicial quer depois na formação contínua tem dado especial atenção a esta matéria. Também a Procuradoria - Geral da República e a Procuradoria – Geral Distrital de Lisboa têm, através do SIMP, divulgado informação sobre esta temática, certo é, no entanto, que os ensinamentos adquiridos acabam por cair no esquecimento em face da sua rara aplicação. A necessidade de aplicação da Convenção e do Reg. (CE) 2201/2003 do Conselho surge com pouca frequência, pelo que a formação e os conhecimentos obtidos sobre tais instrumentos internacionais acabam por se diluir com o tempo.

Doutro modo, a celeridade inerente aos processos em causa não possibilita estudos muito aprofundados e a jurisprudência é escassa e nem sempre interpreta as normas de direito internacional com o espírito adequado ao seu conteúdo.

A falta de sedimentação dos conhecimentos sobre a matéria determina muitas vezes a prolação de decisões de conteúdo meramente formal sem que a questão de fundo obtenha a resposta necessária.

Por outro lado, os diplomas internacionais nem sempre são fáceis de interpretar e as técnicas legislativas e a linguagem usadas são muitas vezes divergentes das que encontramos no nosso direito interno.

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Notam-se não raras vezes constrangimentos em decidir o imediato regresso da criança, mesmo quando se mostram verificados os respetivos pressupostos.

A opção por realização de diligências, mormente a elaboração de relatórios, impede a celeridade, determina grandes atrasos na decisão e o momento oportuno de regresso da criança é muitas vezes ultrapassado, em prejuízo da salvaguarda do seu interesse.

A criança tem o direito de não ser retirada abusivamente do local onde tem o seu centro de vida nem da companhia daquele que detém a sua guarda e com quem mantém uma relação afetiva próxima.

O seu desenraizamento abrupto constitui uma violação dos seus direitos e pode ter consequências muito graves na sua vida e afetar o seu equilíbrio emocional e até a sua saúde física.

Só uma decisão rápida que determine o regresso pode obviar a estes problemas.

A existência de regras próprias de direito interno reguladoras de todo o processo e que sistematizassem as normas internacionais vertidas na Convenção da Haia e no Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho constituiriam, certamente, uma forma de simplificar e tornar mais compreensível a matéria em causa, com a consequente maior celeridade e eficácia das decisões tomadas.

❖ O Princípio da Confiança Mútua

O direito convencional referente às crianças, tal como o direito interno, tem como escopo principal a salvaguarda do superior interesse das crianças e é sempre sob este prisma que a Convenção tem que ser interpretada e aplicada.

Há sempre que partir do princípio de que este interesse foi devidamente ponderado e acautelado nas decisões proferidas, quer o tenham sido em Portugal ou em qualquer outro Estado estrangeiro, e nunca nos podemos deixar tomar por sentimentos de arrogância ou desconfiança relativamente a decisões estrangeiras, venham elas de que país for.

A leitura e apreciação das decisões que tenham sido tomadas por um tribunal ou entidade administrativa estrangeira têm que ser sempre igual àquelas que fazemos de uma decisão tomada por uma autoridade nacional. Até podemos com ela não concordar mas teremos que a aceitar.

O reconhecimento automático das decisões proferidas noutros Estados com a consequente supressão do exequatur tem encontrado eco nos mais recentes Regulamentos (CE) do

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Conselho13 mas já em 1980 a Convenção sobre o Rapto Internacional de Crianças erigiu como um dos seus objetivos o fazer respeitar nos outros Estados Contraentes os direitos de custódia e de visita existentes em qualquer desses Estados, ao estabelecer nos seus art.ºs 3º e 14º que o direito de custódia pode resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer ainda de um acordo vigente segundo o direito do Estado onde a criança tinha a sua residência habitual antes da deslocação ou retenção ilícitas, sem necessidade de recurso a qualquer procedimento específico de reconhecimento de decisão estrangeira.

Tendo em consideração o alargado número de países envolvidos e os mais díspares regimes jurídicos, este reconhecimento automático nem sempre é bem aceite, o que poderá estar na origem de algumas decisões de recusa de regresso da criança ou de indeferimento do pedido inicial, escudando-se essas decisões, na maioria das vezes, em argumentos de natureza meramente formal, incompatíveis com os objetivos prosseguidos pela Convenção.

É inequívoco que o objetivo primordial do regresso imediato da criança ilicitamente deslocada passa pelo reconhecimento imediato e automático de uma qualquer decisão ou acordo que tenha sido proferida ou esteja em vigor no Estado requerente ou, não as havendo, pela aplicação direta do regime jurídico do respetivo país.

Tal desiderato tem, pois, que ser alcançado sem quaisquer preconceitos ou reservas sob pena de estarmos a torpedear objetivos que Portugal se comprometeu internacionalmente a cumprir, sendo certo que se assim procedermos poderemos sempre exigir, com acrescida legitimidade, que também as nossas decisões sejam tidas em consideração sem qualquer juízo negativo sobre elas que influencie a decisão a tomar.

O princípio da confiança mútua trará certamente uma dinâmica muito positiva no alcance dos objetivos prosseguidos pela Convenção e o supremo interesse da criança será deste modo alcançado de forma mais eficaz.

O Futuro

❖ Concentração de competências

13 Exemplo disso é o Regulamento (CE) nº4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à

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Numa perspetiva de futuro há que equacionar que medidas podem ser tomadas para tornar mais eficaz e célere a aplicação dos termos da Convenção e contornar as dificuldades que se têm vindo a fazer sentir ao longo dos vários anos da sua vigência.

Comecemos por ponderar a necessidade de concentrar as competências para conhecer da matéria em causa em alguns tribunais, evitando-se, deste modo, a dispersão desde há muito existente e que a nova Lei da Organização Judiciária e respetivo Regulamento não alterou substancialmente.

As vantagens na concentração de competências relativas à matéria que se prende com a aplicação da Convenção são assinaláveis e entre elas destacam-se,

➢ Maior experiência no tratamento das matérias resultante da especialização; ➢ Maior facilidade de contactos, o que determinaria o estabelecimento de uma mais

forte relação de confiança entre os magistrados e restantes autoridades dos diversos países;

➢ Maior facilidade de articulação com a Autoridade Central; ➢ Maior celeridade no tratamento dos respetivos processos; ➢ Maior uniformidade nas decisões.

Duas hipóteses de alteração deixamos aqui para reflexão.

A primeira delas passaria pela constituição de um grupo de magistrados do Ministério Público, especializados na matéria, a quem caberia intentar as respetivas ações e prestar auxilio aos que, nos respetivos tribunais, tivessem a seu cargo os processos. Nesta solução, sendo a Procuradoria - Geral da República a Autoridade Central, estaria ainda mais facilitada esta concentração de competências.

Ao nível dos tribunais, a competência poderia ser atribuída apenas à Instância Central com competência em matéria de Família e Menores da sede da Comarca, o que reduziria para 23 o número de tribunais a quem caberia conhecer da matéria em causa.

A segunda possibilidade e aquela que, do meu ponto de vista, mais se adequa aos objetivos a prosseguir, seria a atribuição da competência nestas matérias aos Tribunais da Relação, tal como acontece, por exemplo, com os processos de extradição. De preferência às secções com competência em matéria de família e menores cuja criação, pelo menos nos Tribunais da Relação de Lisboa e Porto, se torna um imperativo em face da especificidade das matérias tratadas nesta jurisdição.

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❖ A Autoridade Central de Portugal

A Convenção entrou em vigor em Portugal em 1 de dezembro de 1983.

Na altura foi designada como Autoridade Central Portuguesa a Direção - Geral dos Serviços Tutelares de Menores.

Em 1995 o Instituto de Reinserção Social herdou as atribuições daquela Direção - Geral, que foi extinta.

Nas suas atribuições encontrava-se incluída a vertente promocional da defesa e proteção de menores, cabendo-lhe:

➢ Contribuir para a definição das políticas de defesa e proteção de menores;

➢ Assegurar o apoio técnico aos tribunais na tomada de decisões, no âmbito da jurisdição de família e menores;

➢ Intervir na execução de quaisquer medidas judiciais aplicadas a menores; ➢ Assegurar o apoio a crianças intervenientes em processos judiciais; ➢ Assegurar o apoio às CPCJ.

Quando em abril de 2007 é extinto o IRS e criada a DGRS, das atribuições desta nova estrutura orgânica foram retiradas todas aquelas que se prendiam com a vertente de promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens, ficando apenas com as atribuições diretamente relacionadas com a área dos processos tutelares educativos.

Em 2012 surge a atual DGRSP, que congregou a DGRS e a DGSP, sendo que, na vertente em causa, se mantiveram as funções da então DGRS.

Não olvidando o papel fulcral que tem desempenhado e a competência com que o tem feito, julgo que é oportuno equacionar se, em face das atuais atribuições da DGRSP, faz sentido continuar a ser esta entidade a desempenhar as funções de Autoridade Central para aplicação da Convenção da Haia de 1980.

Tal como decorre do Guia de Boas Práticas para a aplicação da Convenção, a Autoridade Central deve encontrar-se próxima tanto do sistema judicial como dos serviços a quem cabe o apoio social e a proteção dos direitos das crianças.

Neste último segmento as atribuições da DGRSP reconduzem-se atualmente, apenas ao processo tutelar educativo, cujo conteúdo muito pouco tem a ver com as questões relacionadas com o rapto de crianças, matéria esta muito mais próxima da vertente de proteção das crianças em risco.

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Em alguns países aquelas atribuições estão entregues a entidades congéneres da Procuradoria -Geral da República, o que me parece ser também uma hipótese a ponderar em Portugal pois esta entidade reúne todas as características apontadas como necessárias ao desempenho de tais funções.

Doutro modo, como já atrás referimos, a atribuição destas competências à Procuradoria-Geral da República tornaria também possível a criação de um grupo de magistrados do Ministério Público, a funcionar em paralelo com a Autoridade Central, a quem caberia intentar todas as competentes ações e, posteriormente, dar o apoio necessários aos magistrados que junto dos tribunais respetivos tivessem a incumbência de acompanhar tais ações.

A propositura das ações por parte da mesma entidade que recebe os pedidos oriundos dos diversos Estados estrangeiros seria um ganho em eficácia que não pode ser ignorado. Por outro lado, o acesso às bases de dados dos tribunais permitiria apurar, com rapidez e em tempo oportuno, da existência de processo tendente a regular ou alterar o exercício das responsabilidades parentais intentado após a entrada do pedido de regresso, de modo a, desde logo, ser requerida a suspensão do andamento de tal processo, nos termos do art.º 16º da Convenção.

A articulação seria muito mais fácil, rápida e eficaz e quaisquer dúvidas sobre o pedido ou falta de elementos para ser intentada a ação poderiam ser, no imediato, esclarecidas e colmatadas.

❖ Lei Reguladora da aplicação da Convenção

Muitas das dificuldades de aplicação das normas da Convenção passam pela interpretação das mesmas mas também decorrem muitas vezes das dúvidas que surgem sobre o modo como tramitar o próprio processo.

Quais as fases do mesmo, de que maneira e em que prazo deve ser exercido o contraditório, que prova pode ser apresentada pelas partes e em que momento, são questões que se colocam com frequência e a solução, na falta de instrumento legal definidor, é casuística e conforme o entendimento e sensibilidade de cada magistrado. A incerteza que esta ausência de regulamentação própria gera é prejudicial para o normal andamento do processo e pode constituir um obstáculo a que os objetivos da Convenção sejam plenamente alcançados.

Por outro lado, reveste-se de particular relevância o estabelecimento de regras que contemplem as medidas provisórias a tomar para salvaguardar o direito de regresso com

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a proteção da criança e ainda dos procedimentos a tomar quando em causa estiver o exercício do direito de visitas, colmatando deste modo algumas das insuficiências de que, nestas matérias, a Convenção padece.

Na vertente do convívio da criança com o progenitor com quem não reside mostra-se importante determinar quando e em que termos pode e deve ser fixado um regime de visitas ou de que modo se pode fazer valer um já existente.

A existência de um instrumento legal interno que estabelecesse as regras processuais a observar neste tipo de processos, de modo a concretizar os objetivos dos instrumentos internacionais em causa, faria, pois, todo o sentido.

Sobre o conteúdo desta lei reguladora, deixo aqui algumas sugestões.

✓ Estabelecer as regras por que se rege o processo especial de “regresso de criança deslocada ou retida ilicitamente” tendo em vista cumprir os objetivos estabelecidos na Convenção e no Reg.(CE) 2201/2003 do Conselho de 27 de novembro de 2003.

✓ Fazer a distinção entre a ação destinada a ordenar o regresso da criança e a ação destinada a fazer valer um regime de visitas já existente, ou a fixar esse regime de visitas nas situações em que a matéria não foi ainda objeto de decisão, e definir as regras quanto a cada uma delas.

✓ Estabelecer a possibilidade do pedido de fixação do regime de visitas poder ser subsidiário do pedido de regresso.

✓ Definir a competência do tribunal. ✓ Definir a legitimidade das partes.

✓ Definir quais as fases processuais, quando e em que termos deve ter lugar o Despacho liminar

o Aplicação de medidas provisórias o Tentativa de conciliação

o Audição da criança

o A audição do requerido e do requerente o A apresentação de elementos de prova o A produção da prova

▪ Em diligência ▪ Em julgamento o A sentença

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o O recurso

✓ Fixar os prazos para as diversas fases do processo de modo a coadunar o andamento processual com os prazos fixados nos instrumentos internacionais. ✓ Prever um mecanismo de controlo para quando os prazos são ultrapassados,

designadamente através da criação do expediente processual que permitisse às partes ou ao Ministério Público requerer a aceleração do processo.

✓ Estabelecer e definir a colaboração das entidades públicas, designadamente das autoridades policiais.

✓ Definir o papel da Autoridade Central no processo, o Sua intervenção nos atos e diligências processuais o Sua legitimidade para interpor recurso das decisões. ✓ Definir as condições do regresso.

✓ Regulamentar a nomeação do magistrado de contacto tendo em vista as comunicações diretas com as autoridades do país requerente.

✓ Definir as medidas provisórias que podem ser tomadas para salvaguardar o direito de regresso com a proteção da criança.

✓ Definir o que deve entender-se por residência habitual.

Muito grata pela vossa atenção.

Lisboa, 27 de outubro de 2014

Ana Teresa Leal

Referências

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