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IDEAIS BERNARDINOS NA REGRA DA ORDEM DE CAVALARIA DE SANTIAGO DA ESPADA

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IDEAIS BERNARDINOS NA REGRA DA ORDEM DE CAVALARIA DE SANTIAGO DA ESPADA

Wendell Ramos Maia (PIC-UEM) Dr. Jaime Estevão dos Reis (UEM) Introdução

No transcurso dos séculos XI ao XIII, a Península Ibérica sofreu modificações muito singulares. A dinâmica dos enfrentamentos militares entre ibéricos e mulçumanos foram a tônica nesse período. Desse modo, o processo da Reconquista é imbricado, afinal, envolveu diversos núcleos políticos cristãos ― cada um com as suas particularidades ― além, é claro, do território mulçumano conhecido como Al-Andalus, numa sucessão de guerras que se intensificaram no século XI e se estenderam até fins do século XV, quando os Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, tomaram Granada, último reduto mulçumano na Península, unificando, assim, o reino espanhol.

Em solo hispânico a presença mulçumana se fez sentir desde princípios do século VIII. Com o fim do Califado de Córdoba em 1031, a dilatação das fronteiras cristãs deu-se entre intervalos muito irregulares; em um momento avançavam empurrando os mulçumanos em direção sul; em outros retrocedendo. Quando da reunificação de Al-Andalus sob os almôadas em fins do século XII, os reinos ibéricos, seguindo o afã do movimento religioso que pairava sob a Cristandade, criaram uma força específica para esse embate: suas Ordens Militares Religiosas. Nesse sentido, a criação das Ordens Hispânicas fora, senão, uma resposta imediata das animosidades travadas entre cristãos e mulçumanos na Península Ibérica, iniciadas logo após a invasão do século VIII.

A Ordem de Santiago, assim como as de Calatrava, Alcântara e Avis, formaram as principais forças que combateram os mulçumanos na Península Ibérica a partir de fins do século XII. Com efeito, esse movimento cristão por mais que carregasse ou estivesse contaminado por elementos de uma guerra santa ― isso antes mesmo do início das Cruzadas ― não se enquadra nesse movimento, apesar do que aparenta: o combate aos “enemigos de Christo”, aos “infieles”. Muito diferente daquele que se iniciou com a prédica do papa Urbano II, o movimento ibérico não comporta o requisito que era único e exclusivo das Cruzadas no Oriente: recuperar a Terra Santa para os cristãos. O enfrentamento entre os

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cristãos e mulçumanos no Oriente tornou-se uma tônica, ficando depois mais pronunciado entre os ibéricos, isso na medida em que esse movimento ganhava força e conseguia arraigar pessoas de todos os âmbitos da sociedade da época, desde os pobres à alta nobreza. E dado esse enfrentamento, o processo de Reconquista, ou seja, o combate e a expulsão desse inimigo da Península Ibérica tida como um território cristão, fora se legitimando como uma idéia de guerra defensiva.

A Ordem Militar de Santiago da Espada

Em meados do século XII havia grandes “discordias y guerras entre los reyes christianos”, como nos relata o Prólogo da Regra da Ordem de Cavalaria do senhor Santiago da Espada.

Segundo José Luis Martín, a Ordem de Santiago fora fundada em 1170 e surgiu na Extremadura, mais especificamente na cidade de Cáceres, única cidade importante que Fernando II (1157-1188), de Leão, havia conseguido anexar ao reino ao longo do seu processo de expansão. No momento subseqüente, a pequena confraria assistiu a um movimento da Igreja Peninsular em seu favor que culminou na figura de Dom Jacinto, Legado Apostólico que estivera “en las Espanhas”, por volta de 1172, com o objetivo de firmar a paz entre os reis cristãos ― dadas as crescentes discórdias entre eles ― que, num ato em conjunto com os demais prelados e reis ibéricos, confirmou a Ordem de Santiago. Poucos anos depois, em 1175, Pedro Fernandez, o primeiro Mestre da Ordem, juntamente com alguns freis, foi recebido em Roma pelo pontífice que “después de luego estudio y examen (...) fue aprouada y confimada por el dicho Santo Padre” (REGLA, 1998, p.168).

A Ordem de Santiago, bem como as demais ordens peninsulares ― Calatrava, Alcântara e Avis ― fora fundada para combater os mulçumanos. Quanto a isso não resta dúvida. Podemos encontrar na “Regra da Ordem de Santiago”, passagens que mencionam os inimigos vindos de além mar, com um grande poder para “destruyr la Iglesia de Dios, y para estragar y enseñorear la tierra de los christianos” (REGLA, 1998, 167). Nesse sentido, o objetivo desses cavaleiros era o de “reprimir a los enemigos de Christo, y para defender su Santa Yglesia” e para tanto, os santiaguistas “fizieron de si muro para quebrantar la soberauia y fúria de aquéllos que era sin fe”, (REGLA, 1998, 167).

O contexto e o espírito das Cruzadas certamente contribuíram para a formação de uma nova concepção de guerra e, posteriormente, de cavaleiro. E esses elementos acabaram ― em um curto espaço de tempo e apesar da distância em que se encontrava do lugar em que

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surgiram as primeiras ordens militares ― sendo trasladados para a Península Ibérica, em meio àquela convulsão de guerras intestinas do núcleo político cristão, isso, no intuito de organizar uma força legítima para resolver esse embate contra os infiéis.

Segundo García Fitz, devido a “los “peligros que se cernían sobre la cristandad en esta frontera occidental, en más de una ocasión los papas hubieron de conminar a los peninsulares para que non realizaran la cruzada a Tierra Santa y permanecieran en sus tierras combatiendo contra los mulsomanes, recondándoles que se de esta forma podían disfrutar de los mismos privilegios” (2003, p.207-8). Desse modo, qualquer combate a esse inimigo passou, com o advento das cruzadas, evidentemente, a carregar essa visão: estava subentendido que esse era um empreendimento similar, equivalente àquele na Terra Santa e, portanto, tinha o mesmo valor.

Enfim, a Ordem Militar de Santiago fora fundada para combater os mulçumanos e isso em um momento específico: a Península Ibérica via-se a beira de um abismo ― a reunificação de Al-Andalus fora interpretada como uma ameaça. Assim, a criação de uma força designada para manter-se exclusivamente nessa empresa veio reforçar o crescente embate entre cristãos e os mulçumanos. Neste sentido, a Ordem fora, como diz Ayala Martínez, uma “respuesta providencial a una situación límite” (2003, p.124).

A influência de São Bernardo de Claraval no advento da Nova Cavalaria no contexto das Cruzadas

No contexto das Cruzadas, a Igreja Católica ascende como força econômica e política no Ocidente europeu. Gregório VII (1073-1085), “l’uomo che era stato la forza motrice della politica curiale” (ULLMAN, 1999, p.150), naquele momento, é quem impulsiona um movimento militar na Europa. A idéia, segundo Ullman, era de que, com essa Expansão Cristã sobre a Europa ― tanto a expansão ao norte e a conquista da Inglaterra por Guilherme I, como a oeste, na Península Ibérica, ambas sob sua tutela e com seu apoio ― a autoridade e a influência da Igreja aumentariam. Para Gregório VII, assim que chegou ao pontificado, “la parola d’ordine era la espansione dell’autorità papale”, e, portanto, a definição e, mais importante, a distinção de seu papel ante à Cristandade. O papado, nesse período, começava a ter “coscienza delle proprie forze”, sua força como instituição, (1999, p.138).

Dez anos após a morte de Gregório VII, foram ouvidos em Clermont, na região de Auvergne, na França, os clamores do papa Urbano II, que pregava uma cruzada rumo ao Oriente para resgatar os lugares Santos. No seio desse movimento e em meio às agitações

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políticas do então Reino de Jerusalém, Hugo de Payns, Godofredo de Saint-Omer, juntamente com mais sete companheiros, criaram uma reduzida fraternidade que, a princípio, depois de conseguirem convencer o rei e o Patriarca da Cidade a respeito, pretendiam proteger os peregrinos cristãos na Terra Santa.

Em suas origens a criação dessa primeira Ordem Militar carregava, em essência, a carga da situação limite e frágil que os Estados Latinos encontraram no Oriente, porque, segundo Demurger, o contexto político-militar do Reino de Jerusalém ― a ameaça iminente de um revés por parte do mundo mulçumano ― nos anos de 1115-1120, favoreceram Hugo de Payns. Contudo, o Templo também fora uma manifestação que seguiu o afã dos clamores de Urbano II que, por sua vez, opunha nitidamente a cavalaria secular àquela que carregava a Cruz, ou seja, os cruzados ― nas palavras de Urbano II: “Que sejam doravante cavaleiros de Cristo aqueles que eram apenas salteadores! Que lutem agora, de modo justo, contra os bárbaros aqueles que lutavam contra seus irmãos e pais!” (Apud DEMURGER, 2007, p.26). Posteriormente, quando São Bernardo fora escrever o Elogio à Nova Milícia ― no intuito de aclarar o advento da milícia templária ― também fizera uso desses mesmos artifícios.

Nesse sentido, segundo C. H. Lawrence, a condição do cavaleiro se metamorfoseou paulatinamente, deixando de ser um espadachim profissional que agia à margem da “lei moral”, para transformar-se em um guerreiro que lutava a serviço da Igreja. Esse novo cavaleiro recebeu também influência de movimentos pacifistas, como o da “Paz de Deus”, fomentados pelos cluniacenses que, a princípio, tinham o intento de disciplinar a cavalaria. O intento era o de “limitar la destrucción de las guerras privadas persuadiendo a los miembros de las classes caballerescas de que observaran ciertos códigos de conducta” (LAWRENCE, 1999, p. 249).

Enfim, esse era um processo que vinha ocorrendo desde a “Era Gregoriana” e que teve, por sua vez, seu ponto culminante com o advento das Cruzadas e, na seqüência, a criação da Ordem do Templo e, em seguida, da Ordem dos Hospitalários. Assim, a afirmação da Nova Cavalaria deu-se em um momento o qual ― tornando-se mais pronunciado e freqüente no momento subseqüente ― cada vez mais se passava a ser comum a idéia de concessões e de privilégios espirituais e indulgências nesse tipo de empreendimento, ou seja, nessas guerras que, por fim, acabavam tendo uma conotação religiosa. Por conseqüência, imbuída por essa efervescência religiosa do contexto, a Reconquista hispânica ganhou um novo fôlego na medida em que esses elementos foram difundidos no Ocidente europeu e, principalmente, até chegar o momento em que a realidade ibérica passara a ser vista como equivalente a do Oriente.

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Ideais Bernardinos na Regra da Ordem de Cavalaria de Santiago da Espada

A Regra da Ordem de Cavalaria de Santiago da Espada fora escrita pelo cardeal Alberto de Morra ― que depois veio tornar-se o papa Gregório VIII (21 de outubro de 1187 a 17 de dezembro do mesmo ano) ― como fica demonstrado numa passagem do Prólogo: “el cardeal maestre Alberto (...) dictó y ordenó la regla por su boca, y la escriuió por su mano, y la confirmo por el autoridad apostólica”, (REGLA, 1998, p.168). Esse cardeal, ao que tudo indica, carregava uma forte simpatia pelo movimento de cruzadas. Não obstante, os aspectos mais sugestivos dessas novas concepções de guerra e cavalaria, surgidos nesse período, foram cunhados por São Bernardo de Claraval ― evidentemente, seguindo o espírito dos clamores do papa Urbano II, em Clermont ― quando escrevera Elogio à Nova Milícia (1130) que, certamente, pode ter influenciado Alberto de Morra no momento em que redigiu a “Regra da Ordem de Santiago”.

Com efeito, antes de darmos prosseguimento, faremos uma ressalva: embora os alguns ideais bernardinos, como o da guerra defensiva e os que envolvem o ideal da figura do “Cavaleiro de Cristo” e seus empreendimentos, apareçam na “Regra da Ordem de Santiago”, em momento algum estamos comparando, em específico, o cavaleiro da Ordem do Templo a um “santiaguista”. Muito embora possamos destacar uma seqüência de elementos e termos similares, que foram empregados tanto na “Regra”, como no “Elogio”, o que aconteceu é que, depois do advento das Cruzadas e da institucionalização do Templo, muitos deles acabaram sendo comuns à época. Nesse sentido, temos de nos ater a dois pontos especificamente, para não cometermos equívocos: Primeiro: que no Elogio à Nova Milícia, a Ordem do Templo não é citada e São Bernardo só fala de “Cavalaria de Cristo”, em “Nova Milícia”, em “Milícia de Deus”. De todo, o que encontramos no “Elogio” é, senão, uma descrição da missão desses Cavaleiros, isso nos primórdios da Ordem Templária. Segundo: a Ordem do Templo teve algumas dificuldades em se articular e se estabelecer nos seus primeiros anos, tendo, somente após as suas primeiras incursões e atuações ao lado dos Cruzados no Oriente, começado a definir os seus moldes e a estrutura que a caracterizou ― sua ascensão e o aumento do seu poderio deu-se somente nos séculos seguintes. E tanto não tinha essa definição, que Demurger ao referir-se a essa questão, afirma que São Bernardo esteve relutante em definir a figura do templário. Segundo este autor, o próprio São Bernardo confessa que hesitou acerca do nome que mais convinha aos membros da nova milícia: monges ou cavaleiros? (2007, p.39).

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Assim, o paralelo e a análise que faremos na seqüência se estendem sobre o que São Bernardo escreveu sobre os Cavaleiros Templários ― o ideal de como seria esse novo tipo de cavaleiro ―, os argumentos que definiam a posição deles e os que esclarecem a legitimidade dos enfrentamentos e da luta contra os “infiéis”, com aquilo que encontramos na “Regra da Ordem de Santiago”, ou seja, os argumentos do Santo que foram retomados ou aqueles termos que foram empregados com a mesma conotação. Em outras palavras, o intuito, por assim dizer, resume-se em mostrar que uma Ordem militar hispânica, no caso a Ordem de Santiago, também concebeu uma observância com relação a essas concepções que emergiram à época. O intuito consiste em mostrar que esses elementos também se fizeram sentir entre os ibéricos.

A começar, podemos estabelecer um paralelo entre o título do primeiro capítulo do Elogio à Nova Milícia Templária, com o capítulo dez da Regra da Ordem de Santiago: “Sermón exhortatorio a los Caballeros Templários” e “De vna exortación para animar los freyles, para pelear contra los infieles”, respectivamente. Ambos os capítulos consistem numa exortação à “nova milícia”, para combater os infiéis: sejam os cavalareiros templários ― “soldados de Cristo”; sejam os cavaleiros santiaguista ― os “caualleros de Christo”.

A princípio, São Bernardo, alerta para o fato de que correu por todo o mundo a notícia da criação de uma “nova milícia”, e que, esta, por sua vez, aspirava exterminar os “filhos da infidelidade”. Essa é a “nova milícia” a qual jamais se conheceu outra igual. Essa é uma cavalaria diferente da secular, isso porque, para São Bernardo, “si la causa de tu lucha es buena, no pude ser mala su victoria en la batalla” (2005, p.41). Ora, os cavaleiros seculares, segundo São Bernardo, estavam equivocados na medida em que se lançavam a “la muerte con ciego furor y necia insensatez”; essas guerras tinham “razones muy engañosas y muy poco serias” (2005, p.43-4). No entanto, na guerra emprendida pela “nova milícia”, ou seja, pelos cavaleiros templários, a morte do pagão é uma glória para o cristão, pois glorifica a Jesus Cristo. Não obstante, na seqüência, São Bernardo faz uma ressalva dizendo que, não é que se deve necessariamente matar o inimigo, os pagãos; só se deve fazê-lo caso não haja outra maneira de deter suas ofensivas ou reprimir sua violenta opressão sobre “os fiéis”, ou seja, os cristãos. No entanto, diz o Santo, “en las actuales circunstancias es preferible su muerte, para que no pese el cetro de los malvados sobre el lote de los justos, no sea que los justos extiendan su mano a los maldad” (2005, p.45-6).

À época em que a Ordem de Santiago surgia (1170) e sua “Regra” fora escrita (foi aprovada pelo Papa Alexandre III em 1175), essa nova cavalaria, e esse argumento de guerra defensiva, não eram mais uma novidade. Ao contrário, a mobilização para os esforços de guerra já há muito tinha se iniciado. São Bernardo já havia conclamado a Segunda Cruzada

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em 1146 (a Primeira Cruzada se dera em 1099). Portanto, quando Dom Jacinto, Legado Apostólico, confirma a Ordem Militar de Santiago e, no momento subseqüente, o Papa Alexandre III recebe os cavaleiros santiaguistas, a figura do monge-guerreiro já tinha se estabelecido. Nesse sentido, entende-se porque não há nenhuma explicação a respeito da legitimidade da guerra defensiva ou de um monge que luta em nome de Cristo na “Regra da Ordem de Santiago”. Ao contrário, a evocação feita logo no começo do capítulo dez, “Agora, caualleros de Christo”, é sugestiva. Ora, mostra justamente isso: que essa figura já não era estranha, e mais que isso: sua existência tinha um sentido que, na sua inteireza, estava mais que definido: “defensión de vuestros fieles y próximo, y la Madre Yglesia” (REGLA, 1998, p.173). E assim, no que diz a respeito a seu conteúdo e seus elementos mais significativos, a “Regra” coaduna ― de modo todo particular ― com o que o São Bernardo idealizava para os cavaleiros templários.

Na “Regra da Ordem de Santiago”, os monges-guerreiros têm um tratamento similar: são chamados ou de “caualleros de Cristo”, “caualleros de Iesu Christo”. São Bernardo chamara os templários de “soldados de Cristo”, “Milícia de Deus”. Por definição, o intento dos cavaleiros santiaguistas era o mesmo que o dos templários: pelejar contra os mouros. No entanto, havia uma ressalva: isso deveria ser feito na medida em que não lutassem contra os próprios cristãos, nem fizessem mal ou provocassem danos aos seus pertences. O inimigo devia ser destruído, no entanto, não se poderia, de modo algum, ferir ou matar outro cristão. Isso seria um contra-senso! Segundo São Bernardo, “la muerte del pagano es una gloria para el cristiano, pues, por ella es glorificado Cristo”, (2005, p.45).

Da mesma forma, o conteúdo do discurso a respeito de como deve ser feita essa defesa, se aproxima com o que diz São Bernardo; a lógica e a perspectiva são próximas: deve-se morrer por Cristo. Observemos o que diz a “Regra da Ordem de Santiago”, no seu capítulo dez: “Ninguna cosa ay tan gloriosa ni más agradable a Dios, que por defensión y conseruación de su ley, escoger fenecer su vida por cauchillo, o fuego, o agua, o captiuidad, o por otros qualesquier peligros que pueden acontecer” (REGLA, 1998, p.173). Paralelamente, observemos, então, o que diz São Bernardo: “los soldados de Cristo combaten confiados en las batallas del Señor, sin temor alguno a peca por ponerse en peligro de muerte y por matar al enemigo”, afinal, “para ellos, morir o matar por Cristo no implica criminalidad alguna y reporta una gran gloria” (BERNARDO DE CLARAVAL, 2005, p.45).

E em se tratando do combate, a maneira como o inimigo em questão fora tratado, também é similar; ainda que alternados, os termos usados às vezes são os mesmos: tanto em São Bernardo, como em diversos momentos da “Regra da Ordem de Santiago”, os mulçumanos

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são chamados ou de “infiéis” ou de “pagãos”. São Bernardo os vê como “inimigos de Cristo”, “inimigos da lei de Cristo”. A “Regra” insiste que os infiéis estavam dispostos a “estragar y enseñorear la tierra de los christianos” (REGLA, 1998, p.167).

Assim, muito provavelmente, o autor da “Regra da Ordem de Santiago da Espada”, o cardeal Alberto de Morra, sensível a esses elementos que, à época, passavam a fazer parte da realidade de então, se utilizou deles no instante em que fora escrevê-la. A situação na Península Ibérica era a de uma convulsão de guerras incessantes e até intestinas. As lutas não se resumiam somente àquelas contra os mulçumanos, havia também, uma série de disputas entre os próprios reinos cristãos. Assim, no que diz a respeito à guerra contra os “infiéis”, não é de se estranhar que o argumento de uma guerra defensiva tenha sido bem acolhido pelos reinos ibéricos que, daí em diante, passaram a usá-lo nessa empresa, evidentemente com intuito de ampliar suas fronteiras.

Deste modo, as ordens militares peninsulares tiveram um papel decisivo na guerra contra os mulçumanos: com elas a guerra tornara-se inevitável e abertamente declarada, bem como a sua finalidade que, à sua época, estava mais do que definida. Segundo Julio Valdeón Baruque, só é possível falar em Reconquista a partir do século XI. Assim, logo após a fundação da Ordem do Templo e do Hospital, em Jerusalém, em meados do século XII, dá-se a criação das Ordens Militares Ibéricas. Ora, no momento em que as idéias de “guerra santa” e de “cruzada” são difundidas pela Europa e se tornam, por assim dizer, a linha principal da justificativa ideológica para a conquista de Jerusalém e o meio para fazê-lo, o mesmo artifício, é utilizado pelos reinos ibéricos para justificar o embate com os muçulmanos. Em sentido lato, fora uma questão de ajuste e de aproveitar a idéia de uma instituição que teria o encargo de lutar contra esse inimigo. Assim, a religião ― que era um dos elementos que os ibéricos tinham em comum ― fora o que permitiu e os motivou efetivamente.

Finalmente, é certo de que existiu um enlace entre o advento das Cruzadas e o surgimento dos cavaleiros templários. Segundo C. H. Lawrence, só é possível entender as origens e a institucionalização da Ordem do Templo, pensando nesse movimento do Ocidente em direção à Terra Santa. Do mesmo modo, a influência de São Bernardo e a afirmação da “Nova Milícia”, aliadas ao Espírito das Cruzadas, concomitantemente confluíram e influenciaram no desenrolar da Reconquista Ibérica que, a partir do século XII, conheceu uma nova dinâmica. Nesse sentido, é oportuno salientar que a Espanha desse período esteve sensível a esses valores e mais que isso: compartilhou dessas novas concepções de guerra e de cavalaria e prova disso são as ordens militares religiosas, em especial, a Ordem de Santiago.

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Referências

Fontes Impressas:

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