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ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA TELECOLABORATIVA DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

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ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA TELECOLABORATIVA DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Ricardo Augusto de SOUZA (Universidade Federal de Minas Gerais)

RESUMO:

Este trabalho analisa um experiência de aprendizagem telecolaborativa de um estudante australiano de português como língua estrangeira interagindo com uma aprendiz de inglês brasileira. A análise terá como foco as oportunidades de aprendizagem de línguas proporcionadas pelas tarefas on-line. Serão empregados os critérios de análise e avaliação de desenhos instrucionais em aprendizagem de línguas mediada pelo computador apresentados em Chapelle (2001).

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem de línguas mediada pelo computador, aprendizagem em regime de tandem, aprendizagem por tarefas, comunicação mediada pelo computador.

1. Introdução.

O presente trabalho tem por objetivo relatar e analisar eventos vivenciados por um aprendiz de português como língua estrangeira engajado em uma experiência de aprendizagem de línguas mediada pelo computador. A experiência em questão é concebida como uma modalidade de telecolaração bilíngüe denominada “aprendizagem de línguas em regime de tandem”. A análise será sustentada por considerações sobre a aprendizagem mediada pelo computador como contexto de instrução formal no ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.

2. A aprendizagem de línguas mediada pelo computador e alguns critérios para sua avaliação.

Por “aprendizagem de línguas mediada pelo computador” podemos entender um conjunto de práticas pedagógicas caracterizadas pelo uso de operações cuja execução é facilitada pelo uso da informática (ex.: armazenamento e recuperação de dados, simulações, telecomunicação) na implementação de estratégias instrucionais no ensino de línguas estrangeiras (LE). Segundo Warschauer & Healey (1998) e Warschauer & Kern (2000), tais práticas podem ser vistas como vinculadas a vertentes teóricas de grande influência no ensino de línguas. Assim, para estes autores, é possível estabelecer-se paralelos entre determinados desenhos instrucionais mediados pela informática e os pressupostos da

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psicologia educacional behaviorista, da abordagem comunicativa e, mais recentemente, das leituras vigotskianas da aquisição e do ensino de LE.

Chapelle (2001) sugere um conjunto de critérios que podem ser utilizados como balizadores da análise e da avaliação das propostas e desenhos pedagógicos em aprendizagem de línguas mediada pelo computador. Para a autora, tratam-se de critérios que reúnem reflexões oriundas da caracterização das circunstâncias facilitadoras da aprendizagem de LE em contextos de instrução formal. Os critérios delineados por Chapelle (2001) encontram-se sintetizados no quadro abaixo.

Critérios para análise e avaliação de propostas/desenhos pedagógicos em aprendizagem de línguas mediada pelo computador segundo Chapelle (2001)

Critério Descrição

Potencial para aprendizagem de LE

Potencial da proposta ou desenho de configurar-se não apenas como atividade de uso espontâneo da LE, mas sim como oportunidade de aprendizagem. Promoção de foco na forma.

Adequação ao aprendiz

Potencial da proposta ou desenho de atender aos diferentes estilos de aprendizagem individuais e ao nível de habilidade do aprendiz.

Foco no significado Potencial da proposta ou desenho de colocar o aprendiz frente a contingências onde ele deverá opinar, decidir, trocar informações para realização de objetivos, etc.

Autenticidade Potencial da proposta ou desenho de apresentar ao aprendiz situações que reflitam contingências de uso da língua alvo que se assemelhem àquelas encontradas fora das situações exclusivamente instrucionais.

Impacto positivo no aprendiz

Potencial da proposta ou desenho de trazer ao aprendiz oportunidades de sensibilização em relação à cultura alvo e o desejo de engajar-se em outras oportunidades de comunicação.

Factibilidade Possibilidade de que a proposta ou desenho venha a ser efetivamente implementado, levando-se em consideração a disponibilidade de recursos de hardware e software.

(Adaptado de Chapelle, 2001. pp.: 55-57.)

Os critérios acima apontados dizem respeito não somente à análise de propriedades de programas ou atividades instrucionais informatizadas, mas também às respostas e percepções dos aprendizes nelas engajadas e até mesmo às circunstâncias institucionais de implementação da aprendizagem de línguas mediada pelo computador. Portanto, tratam-se de critérios que devem nortear análises globais e que contemplem a ecologia das situações de aprendizagem. Especialmente, são critérios que não prescindem em absoluto da voz do próprio aprendiz, voz esta que é o componente central da análise que ora se propõe.

3. A aprendizagem de línguas em regime de tandem.

A concepção de aprendizagem em regime de tandem originalmente dizia respeito à promoção de encontros entre aprendizes de línguas estrangeiras falantes de diferentes línguas, ambos interessados em aprender a língua do outro, para que eles se ajudassem

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mutuamente. Desde meados da década de 1990, experiências dessa concepção de aprendizagem colaborativa de línguas estrangeiras têm sido implementadas com a utilização sistemática da comunicação mediada pelo computador, tanto assíncrona (ex.: e-mail) (cf. Brammerts, 1996 e Appel, 1999) quanto sincrônica (ex.: chat) (cf. Schwienhorst, 1998 e Donaldson & Kötter, 1999). A aprendizagem de línguas em tandem contemporaneamente é concebida majoritariamente como uma proposta pedagógica de aprendizagem de línguas mediada pelo computador.

Trata-se de uma proposta de aprendizagem colaborativa e fortemente baseada na noção de autonomia do aprendiz. Na aprendizagem em tandem, os aprendizes devem buscar o desenvolvimento em sua L2 através da interação com o parceiro, simultaneamente ajudando-o em seu desenvolvimento como usuário de sua língua. A literatura sobre a aprendizagem em tandem enfatiza que a cada aprendiz caberá a responsabilidade pelo seu processo de aprendizagem, compreendida como a delimitação de seus próprios objetivos de aprendizagem e como a escolha dos melhores métodos para alcançá-los (cf. Little & Brammerts, 1996; Schwienhorst, 1998; Appel, 1999; Little et al.,1999).

Ainda, concebe-se que o regime de tandem seja igualmente baseado em um princípio de bilingüismo e em um princípio de reciprocidade. O primeiro diz respeito ao fato de que se espera dos aprendizes engajados com esta modalidade que eles se dediquem em igual proporção ao uso de sua língua alvo e ao uso de sua língua materna. O segundo diz respeito ao fato de que se espera que os aprendizes proporcionem auxílio mútuo e que se dediquem às necessidades de aprendizagem de seus parceiros.

No segundo semestre de 2001, um projeto de aprendizagem de línguas em regime de tandem foi implementado, vinculando estudantes de língua inglesa brasileiros com um grupo de estudantes de língua portuguesa australianos. Este projeto foi denominado “Projeto de Aprendizagem de Português-Inglês em Regime de Tandem” (cf. Souza, 2003a e Souza, 2003b).

4. As tarefas no “Projeto de Aprendizagem de Português-Inglês em Regime de Tandem”.

O projeto tandem dos estudantes de português na Austrália e dos estudantes de inglês no Brasil foi estruturado em torno da execução de doze tarefas, seis em cada língua. As seis tarefas em português, destinadas aos estudantes australianos, encontravam versões

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equivalentes em inglês, destinadas aos estudantes brasileiros, adequando-se apenas às características locais a serem contempladas. Assim, por exemplo, uma tarefa em português na qual os estudantes australianos organizariam um roteiro de viagem à cidade de Belo Horizonte e sua região tinha como equivalente uma tarefa em inglês na qual os estudantes brasileiros organizariam um roteiro de viagem à região da cidade de Melbourne. A cada tarefa era destinado o prazo de uma semana, sendo que as tarefas em cada uma das línguas alternavam-se uma a uma. Informações sobre o projeto, as tarefas e o ambiente de troca de mensagens (bulletin board) encontravam-se integrados em um site destinado ao projeto.

Seguem as seis tarefas de cada língua do projeto tandem, com um resumo de seus objetivos:

Tarefa/Task Objetivos

Tarefa 1: Conhecendo seu parceiro.

Task 1: Getting to know your partner.

Descoberta de fatos sobre a biografia do parceiro.

Tarefa 2: Planejamento de uma viagem a Belo Horizonte.

Task 2: Planning a trip to Melbourne.

Produção de um roteiro de viagem com tempo e orçamento limitados mediante auxílio do parceiro.

Tarefa 3: Comida em Belo Horizonte.

Task 3: Eating in Melbourne.

Produção de relatório sobre hábitos alimentares e restaurantes na cidade do parceiro.

Tarefa 4: Cultura e sociedade no Brasil.

Task 4: Australian culture and society.

Exploração de aspectos da cultura e da sociedade no país do parceiro. Tarefa 5: Lendo o “Estado de Minas”.

Task 5: Reading “The Age”.

Leitura e discussão de temas correntes na mídia da região dos parceiros. Tarefa 6: A vida universitária em Belo Horizonte.

Task 6: College life in Melbourne.

Descoberta de fatos (a partir de um conjunto de temas sugeridos) sobre a universidade do parceiro.

O projeto previa em seu planejamento inicial a sucessão de doze semanas, ou seja, a duração total do segundo semestre letivo da Universidade de Melbourne, na Austrália. Contudo, das seis tarefas de cada língua apenas cinco foram efetivamente alternadas (a tarefa 4 foi omitida da programação original), em virtude do atraso do início do projeto gerado pela deflagração da greve das universidades federais brasileiras no segundo semestre de 2001. Assim, o projeto transcorreu durante as dez semanas finais do calendário

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letivo da University of Melbourne, na Austrália. As tarefas abaixo foram as efetivamente propostas aos participantes do projeto tandem, juntamente com a especificação dos períodos de tempo alocados para cada uma:

TAREFA PERÍODO IDIOMA

Tarefa 1 24/08/2001 – 30/08/2001 Português Task 1 31/08/2001 – 06/09/2001 Inglês Tarefa 2 07/09/2001 – 13/09/2001 Português Task 2 14/09/2001 – 20/09/2001 Inglês Tarefa 3 21/09/2001 – 27/09/2001 Português Task 3 28/09/2001 – 04/10/2001 Inglês Tarefa 5 05/10/2001 – 11/10/2001 Português Task 5 12/10/2001 – 18/10/2001 Inglês Tarefa 6 19/10/2001 – 25/10/2001 Português Task 6 26/10/2001 – 02/11/2001 Inglês

Passaremos ao exame da atividade do estudante australiano Pete em sua interação telecolaborativa com sua parceira brasileira Flávia no projeto tandem. Os eventos foram descritos com base em um questionário, uma entrevista com Pete e uma com Flávia, nas notas de um diário online mantido por Pete, nas mensagens efetivamente trocadas pelos parceiros e em notas de campo do pesquisador.

5. A atividade de Pete no projeto de aprendizagem telecolaborativa de línguas estrangeiras:

Pete era um australiano nascido em uma pequena cidade no estado de Victoria, próxima da capital estadual, Melbourne. Pete era graduado em Direito e Ciência pela University of Melbourne, era falante de francês e estudante de espanhol. Pete teve a experiência de viajar a diversas partes do mundo. À época do projeto tandem, Pete iniciara estudos de língua espanhola na University of Melbourne e estudava língua portuguesa e também hindi no Centre for Adult Education, uma instituição de educação continuada em Melbourne. Em resposta a questionário utilizada na coleta de dados desta pesquisa, ele comentou ser sua motivação para aprender português o plano de uma viagem ao Brasil. Pete tinha a expectativa de que o conhecimento da língua seria facilitador tanto de sua visita a localidades brasileiras quanto no estabelecimento de amizades com as pessoas do país. Pete relatou que as atividades que ele mais valorizava na aprendizagem de português eram aquelas que o obrigavam a falar e escrever, situações que em sua opinião o levariam a cometer erros e então ser corrigido.

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O fato de que Pete percebia a experiência de telecolaboração em regime de tandem como uma oportunidade de refinamento de seu comando de aspectos formais da expressão em língua portuguesa através da elaboração de eventuais erros fica já bem marcado em sua primeira mensagem, que inaugura a atividade da parceria. Redigida em português, nessa mensagem o estudante australiano se apresenta rapidamente (nome e apresentação como parceiro da brasileira), inicia imediatamente a primeira tarefa, propondo perguntas e temas sobre a vida de sua parceira brasileira e faz um pedido explícito para que seus erros na redação do português sejam apontados por sua parceira.

Flávia responde imediatamente ao pedido de apontamento de erros. Utilizando-se de recursos gráficos viabilizados pelo sistema do bulletin board, Flávia produz correções explícitas, valendo-se de palavras escritas em maiúsculas para salientar os aspectos problemáticos (ex.: “Em português você diz: ‘Eu tenho QUE escrever e não DE escrever’”)1. Igualmente, Flávia vale-se de traduções como dispositivo para lidar com vocabulário que ela aparentemente antecipa ser possível fonte de dificuldades.

Na semana da segunda tarefa, Pete escreve uma mensagem na qual menciona sua dificuldade com o uso de tempos verbais para a expressão da noção de passado em língua portuguesa. O interesse do estudante na aprendizagem de aspectos léxico-gramaticais da língua portuguesa torna-se inequivocamente evidente. Além de sua mensagem no bulletin board, em encontros presenciais semanais nos quais a turma de estudantes australianos se reunia em um laboratório de computadores, Pete fazia consultas freqüentes a um dicionário bilíngüe português-inglês. Ele também trazia sempre consigo uma gramática da língua portuguesa.

O interesse de Pete nos aspectos lingüísticos da língua portuguesa parece tê-lo motivado particularmente a tirar o máximo de proveito dos objetivos da segunda tarefa e dos recursos disponibilizados para alcançá-los (a mensagem de sua parceira brasileira e o site indicado para consulta). Como resultado de seus trabalhos naquela tarefa, Pete envia ao bulletin board uma mensagem na qual ele descreve o roteiro de viagem a Belo Horizonte detalhado por ele redigido como produto de sua segunda tarefa. Pete relata na própria mensagem que ela tomara muito de seu tempo por causa de dificuldades com vocabulário,

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Durante a interação dos participantes do projeto, não era questionada ou comentada a adequação e a acuidade das informações por eles fornecidas a seus parceiros.

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expressando sua satisfação por tê-la trazido a uma conclusão. A questão da dificuldade com vocabulário e a estratégia utilizada para superá-la (uso freqüente do dicionário) são abordadas por Pete em seu diário online. Ainda, ele relata em seu diário que a tarefa proporcionou-lhe o início de uma apreensão da expressão da noção de futuro em língua portuguesa. Segue abaixo o texto do diário online, no qual o estudante registra suas primeiras impressões e hipóteses:

Meudiario: I have just completed tarefa 2. It was a big job as I have such a small vocabulary so had to look up so many words in the dictionary. The main thing I learnt from this exercise was the future tense. Because I was talking about what I was going to do in Belo Horizonte I used only the future tense. I didn't know that tense before so had to learn it, but found ita quite easy. It seems there are just 3 verbs that are irregular in the future tense; dizer, fazer and trazer.

Na semana de trabalho sobre a tarefa 3, Flávia oferece uma exposição detalhada dos hábitos alimentares e da variedade de restaurantes encontrados em Belo Horizonte. Um aspecto interessante de sua mensagem é a atenção a vocábulos provavelmente antecipados como problemáticos e também seu interesse em apresentar formas por ela percebidas como típicas de variantes regionais do português em Minas Gerais. Mais uma vez, suas estratégias para tratar tais questões formais foram a utilização de traduções e explicações tanto em inglês como português, marcadas graficamente com o uso de parênteses. Tais ocorrências na mensagem de Flávia encontram-se reproduzidas abaixo:

• “frango com quiabo (okra) e angu”

• “tutu (feijão batido bem temperado com farinha de mandioca)”

• “Normalmente as pessoas comem mandioca frita com carne de sol (uma carne seca e salgada) ou comem a mandioca cozida com torresmo (torresmo is the skin – with a part of meat, like bacon, but not smoking – of the pig)”

• “Nós gostamos muito de comer doce de leite com queijo Minas, ‘é bão demais sô’ ou ‘êta trem bão’ é assim que falamos quando gostamos muito de uma coisa. Os mineiros sempre falam ‘trem’ ao invés de ‘coisa’ e também falamos ‘uai’. São expressões típicas mineiras e em todo o Brasil pessoas nos conhecem por estas frases. ‘Uai’ não tem nenhum significado, mas expressa espanto ou surpresa”

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• “coxinha (uma massa recheada com frango desfiado)”

Como de costume, Pete retribui as informações de Flávia em duas mensagens nas quais ele expõe detalhes sobre os hábitos alimentares e opções de restaurantes em Melbourne.

Apesar de não haver evidência acerca de Pete ter aprendido especificamente os itens explicitamente ensinados por Flávia, o estudante australiano revelou-se particularmente atento à oportunidade de aprendizagem de formas lingüísticas coloquiais a ele proporcionada por sua experiência de telecolaboração. Em reflexões por ele verbalizadas na ocasião da entrevista, Pete menciona que uma de suas expectativas em relação ao modelo de aprendizagem do qual ele era voluntário era que a leitura de mensagens escritas por um falante de português traria usos da língua diferentes daqueles que ele poderia encontrar em livros didáticos.

Durante a execução da tarefa cinco, na qual o objetivo era a leitura de um artigo de jornal da região dos participantes e a subseqüente discussão com os parceiros, Pete mais uma vez se mostra atraído por peculiaridades do uso informal do português. Em sua mensagem, Pete pede a Flávia informações sobre o cantor Wando, sobre quem ele lera na versão online do jornal Estado de Minas, em uma resenha do lançamento do álbum entitulado “Maridos Bundões”. Pete menciona em sua mensagem especificamente o aprendizado desta expressão. Este aprendizado se dera no encontro presencial dos participantes australianos, no qual todos estavam envolvidos com a leitura de textos do Estado de Minas. Pete perguntara naquele momento o significado de “maridos bundões”2. O estudante australiano mostrou nesse evento um grande interesse em expressões de cunho coloquial, tendo inclusive escrito uma brevíssima anotação em seu diário online registrando a observação da expressão.

Meudiario: i thought the 'bundoes' word was pretty funny. funny word!

Segundo as reflexões de Pete na entrevista, este interesse por formas típicas da língua oral vinha de sua experiência como aprendiz de outras línguas estrangeiras. Pete relatou que seu aprendizado de francês ocorreu basicamente com o auxílio de livros e

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Um incidente cômico ocorrido neste encontro foi o fato de que a professora Maria Tereza, para quem Pete inicialmente fizera sua pergunta, não tinha familiaridade com o sentido figurado de “bundões”. Em sua resposta, ela se utiliza de linguagem corporal para explicitar o sentido literal da palavra, e faz o comentário de que lhe soaria mais natural falar-se de maridos “barrigões”, e não “bundões”.

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artigos. Contudo, este aprendizado foi por ele visto como insuficiente quando ele se viu inserido em situações de interação através do francês falado. Pete explica que mesmo ele não tendo uma experiência grande com o português escrito, sendo está basicamente a leitura de jornais e sites na web, ele percebia com freqüência palavras usadas por Flávia que eram para ele inteiramente novas. Na entrevista, Pete concluiu que esse vocabulário deveria ser usado comumente no falar brasileiro, portanto própria do português usado na fala cotidiana.

No período planejado para a sexta tarefa, Pete escreve mensagens em português cujo tom era primariamente pessoal. Ele relata eventos de seu cotidiano, sua decisão de vir ao Brasil no ano seguinte e também solicita a manutenção dos contatos com Flávia após término do projeto. Pete também escreve em inglês expondo detalhes sobre a University of Melbourne e a vida universitária na Austrália, em reciprocidade a uma mensagem em português na qual sua parceira descrevera a vida universitária na UFMG. Apesar de não haver evidência de observação de aspectos lingüísticos particulares, Pete comenta em sua mensagem em inglês sua surpresa em saber sobre o tamanho do campus da UFMG.

Pete revelou em entrevista ter tido uma impressão favorável da parceria em regime de tandem. Ele relatou ter sido sua motivação inicial o conhecimento do sistema lingüístico do português e o desenvolvimento de sua capacidade de uso dessa língua através das correções que ele esperava que sua parceira fornecesse. Pete comentou em sua entrevista acreditar que sua parceira escrevia-lhe fazendo um uso natural da língua portuguesa. Para ele, o contato proporcionado por sua parceira com padrões coloquiais e típicos do português falado cotidianamente foi a principal contribuição positiva por ela trazida a sua aprendizagem. Ficou-lhe, contudo, a impressão de que ela poderia ter corrigido mais seus erros, pois segundo sua crença essa seria a melhor maneira de aprender uma língua. Entretanto, ele comentou na entrevista ter observado o fato de que Flávia usava traduções e explicações em inglês dentro de parênteses após certos trechos de suas mensagens, tendo sido sua percepção de que o procedimento de Flávia foi bastante útil. Ainda, ele comenta na entrevista que sempre tivera interesse em geografia, e que vira no projeto uma oportunidade de conhecer algo sobre Belo Horizonte e Minas Gerais, localidades sobre as quais ele não tinha nenhum conhecimento antes da parceria.

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6. Considerações sobre a experiência de aprendizagem de línguas mediada pelo computador de Pete.

Partindo dos critérios de análise e avaliação de propostas pedagógicas na aprendizagem de línguas mediada pelo computador de Chapelle (2001), discutidos acima, buscaremos tecer considerações sobre a experiência de Pete com a aprendizagem de português em regime de tandem. Retomaremos cada um dos seis critérios propostos.

1.Potencial para aprendizagem de LE:

As percepções de Pete sobre sua experiência na aprendizagem em tandem, assim como suas reflexões sobre tarefas específicas revelam com bastante clareza que seu desempenho nelas constitui-se uma oportunidade valiosa de conscientização sobre os recursos formais em âmbito lexical e gramatical de sua língua alvo. Pete mostrou-se continuamente interessado em engajar-se com a busca de elementos que o possibilitassem exprimir-se da maneira mais adequada possível em relação às convenções de uso de sua língua alvo.

2. Adequação ao aprendiz:

Os relatos de Pete indicam que o projeto de aprendizagem em regime de tandem do qual ele foi participante adequou-se razoavelmente a seus interesses e inclinações como aprendiz. Pete manifestou explicitamente seu interesse em manter contato com usos informais e coloquiais da língua alvo, o que ele certamente obteve como insumo lingüístico ofertado por sua parceira. Igualmente, os esforços por ele despendidos para executar as tarefas propostas foram convergentes com sua disposição para a aprendizagem de aspectos formais. Contudo, Pete ficou com a impressão de que ele poderia ter recebido mais feedback na forma de correções a seu desempenho. Ao que parece, ele e sua parceira brasileira não conseguiram chegar a um acordo satisfatório quanto a como realizar esta aspiração.

3. Foco no significado:

A observação dos eventos da parceria entre Pete e Flávia deixa bastante claro que a construção de significados teve importância preponderante ao longo de sua participação no projeto de aprendizagem de línguas em tandem. As circunstâncias nas quais a observação

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de aspectos formais ganharam prevalência evidenciam que tais aspectos formais tinham o caráter de recursos expressivos para a realização de eventos comunicativos.

4. Autenticidade:

A interação com um morador de uma localidade a respeito da qual deseja-se obter informações é uma situação plausível e possível em contextos extra-instrucionais. Igualmente, o uso da internet como fonte de informações é hoje em dia parte do cotidiano daqueles que têm acesso a esta tecnologia. As tarefas desempenhadas por Pete não se afastaram, portanto, de operações perfeitamente possíveis de acontecer fora da situação instrucional.

5. Impacto positivo no aprendiz:

Pete revela ter tomado conhecimento de aspectos da vida de uma localidade onde a língua portuguesa é falada da qual ele anteriormente nada conhecia. A observação da curiosidade e do empenho de Pete em buscar informações sobre Belo Horizonte e sobre o Brasil constituem evidência de que o aprendiz obteve através da aprendizagem em regime de tandem a ampliação de seus conhecimentos sobre a cultura e o cotidiano de uma comunidade de falantes do português.

6. Factibilidade:

Por dispor de um site onde todos as informações, links e até mesmo o mecanismo de comunicação encontravam-se integrados, o projeto de aprendizagem de línguas em regime de tandem do qual Pete foi participante fazia poucas exigências de comando da tecnologia. Ao participante era necessário apenas o acesso a um computador com conexão com a internet e habilidades de uso de um programa de navegação em sites.

A experiência de Pete no projeto de aprendizagem de línguas em tandem parece evidenciar que o regime de tandem tem o potencial de ser um desenho pedagógico em aprendizagem de línguas mediada pelo computador bastante rico. Trata-se, sobretudo, de um desenho pedagógico que proporciona oportunidades de uso e desenvolvimento da língua alvo convergentes com os critérios preconizados por Chapelle (2001) para a análise de atividades e projetos instrucionais informatizados.

É interessante observar, contudo, que o único ponto crítico da experiência de Pete, ou seja, sua percepção de que no projeto houve pouca resposta a sua demanda por feedback

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explícito, parece estar ligada a um aspecto central do desenho: a expectativa de que a organização e gerenciamento da experiência de aprendizagem seja feita de maneira autônoma pelos parceiros. Em um outro trabalho sobre a aprendizagem de línguas em tandem (Souza, 2003), mostro que as assimetrias entre os interesses e até das circunstâncias de aprendizagem de línguas estrangeiras na qual os aprendizes encontram-se imersos podem conduzir os participantes desta modalidade a não conseguir estabelecer a reciprocidade que é central à proposta. Talvez, a busca de um equilíbrio ótimo perante a miríade de diferenças individuais e socioculturais que são colocadas em contato através de um arranjo de telecolaboração como a aprendizagem em regime de tandem seja seu maior desafio. É por certo também um convite a futuras investigações.

BIBLIOGRAFIA:

APPEL, M. C. 1999 “Tandem language learning via e-mail: some basic principles and a case study”. CLCS occasional paper no. 54. Dublin: Trinity College, Centre for Language and Communication Studies.

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Referências

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