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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 91/03.2TQPDL.S1

Nº Convencional: 7ª SECÇÃO

Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS MENOR

OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS

Nº do Documento: SJ

Data do Acordão: 04-06-2009

Votação: MAIORIA COM * VOT VENC

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA

Decisão: NEGADO PROVIMENTO

Sumário :

1. O montante das prestações cujo pagamento incumbe ao Fundo

de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores é determinado em função da capacidade económica do agregado familiar, do montante da prestação de alimentos que foi fixado e das necessidades específicas do menor, mas não da capacidade do obrigado, como em regra sucede.

2. Pode, assim, ser superior, igual ou inferior ao da prestação judicialmente fixada e não satisfeita pelo obrigado.

3. Esse critério e a imposição da diligências prévias destinadas a apurar as necessidades do menor revela que o objectivo da lei é o de assegurar ao menor a prestação adequada às suas necessidades específicas.

4. Sob pena de incongruência com o objectivo do regime legal, o limite máximo de 4 UC por devedor que o nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/78 prevê tem de ser entendido em relação a cada menor beneficiário.

5. A aplicação desse limite em qualquer caso, independentemente do número de menores beneficiários – 7, no caso presente –, não é conforme com o objectivo que presidiu à criação do Fundo.

Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Por sentença do Tribunal de Família e Menores de Ponta Delgada, de 21 de Janeiro de 2008, de fls. 127, foi determinado “(…) à luz da Lei 75/98, de 19/11 e do DL 164/99, de 13/05 (…) que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores passe, em substituição do progenitor faltoso, AA, e contra ele ficando sub-rogado pelos montantes que satisfizer, a assegurar o pagamento da quantia mensal de 90,00 €, a título de alimentos a cada um dos menores:

- BB, nascida a 26/8/1990; - CC, nascida a 23/12/1992; - DD, nascido a 5/3/1994;

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- EE, nascida a 2/10/1996; -FF, nascida a 15/12/1997; - GG, nascida a 23/12/1999;

- HH, nascida a 23/12/1999; filhos de AA e de CC, residentes com a mãe no ..., nº ...., Rosário, Lagoa.”

Esta sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Outubro de 2008, de fls. 184.

2. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça; o recurso foi admitido como revista, como efeito meramente devolutivo.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: “1º O douto Acórdão recorrido interpretou e aplicou de forma errónea, ao caso sub iudice, o artº 1º da Lei 75/98 de 19/11 e o artº 3º nº 3 do Dec-Lei nº 164/99 de 13 de Maio;

2° Com, efeito, o Tribunal ao fixar as prestações a atribuir ao FGADM não pode ultrapassar a limitação quantitativa imposta por Lei;

3° Na fixação do montante da prestação, deve o Tribunal atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação fixada, às necessidades específicas do menor e não já às possibilidades de quem os deve pagar – art° 2° nº 2 da Lei e art° 3° nº 3 do Dec-Lei;

4° Deve ter-se em conta, essencialmente "as necessidades específicas do menor, não ultrapassando o limite máximo de 4 UCs por cada devedor;

5° A responsabilidade do FGADM é subsidiária, surge em situação em que não é possível cobrar os alimentos do devedor; 6° A prestação a cargo do FGADM é autónoma e independente da anteriormente fixada ao devedor dos alimentos, em que o valor desta constitui apenas um dos elementos a ponderar na fixação daquela.

7° Não colhe também, o argumento de que o facto de a prestação a cargo do FGADM não poder ultrapassar o valor de 4 UCs, viola o Princípio da Igualdade.

8° O art° 69° n° 1 da CRP "protege" as crianças de forma igual, mas dadas as diferentes situações em que se podem encontrar, deve o Estado e a sociedade adoptar medidas de discriminação positiva, com vista ao seu (de todas elas) desenvolvimento integral tendo por base, por um lado, a garantia da dignidade humana e, por outro, a consideração de que a criança é um ser em formação, "cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades".

9° Recai sobre o Estado um dever de protecção da criança, com necessidades específicas, com vista ao seu desenvolvimento, de garantir a sua dignidade como pessoa em formação, que não prescinde da assistência alimentar para a satisfação das sua necessidades mais elementares, como decorrência mesmo do direito à vida. Em última instância, incumbe ao Estado garantir a

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satisfação "das prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao desenvolvimento e a uma vida digna da criança".

10° Em execução desta norma programática, com vista à realização de uma prestação alimentar para a satisfação das necessidades básicas das crianças foi instituído o regime de

garantia dos alimentos devidos a menores pela Lei 75/98 de 19/11 e pelo diploma que a regulamenta, o Dec-Lei n° 164/99 de 13/05.

11º. Estes diplomas tiveram como objectivo da execução princípios constitucionalmente consagrados.

12º E com esse propósito o artº 1º da Lei determina os requisitos necessários para que o Estado assegure a prestação de alimentos. 13º E o artº 2º da mesma Lei dispõe que «as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4Ucs. 14º Não há qualquer violação à Lei Fundamental, nem aos princípios nela consagrados.

15º O limite máximo de 4 Ucs de prestação social mensal por cada devedor dos alimentos em falta corresponde à fixação de uma prestação social equilibrada e razoável. tanto no contexto económico-financeiro do País, como no alcance das finalidades prosseguidas pela prestação social de garantia dos alimentos

devidos a menores.

16º A referida decisão ao fixar o valor da prestação a cargo do FGADM em € 630,00 não teve, porém, em conta a limitação quantitativa desta prestação, consubstanciada na fixação legal de um limite máximo mensal por cada devedor.

17º O texto dos diplomas legais, nomeadamente o nº 1 do artº 2º da Lei nº 75/98 de 19 de Novembro e o nº 3 do artº 3º do DL nº 164/99 de 13 de Maio, não identifica tal limite máximo das prestações por cada menor. Pelo contrário,

18º O uso da expressão devedor deve ser compreendido como uma referência ao sujeito passivo da obrigação de alimentos, designadamente, por efeito da aplicação da regra de

interpretação legal plasmada no nº 2 do artº 9º do Código Civil. 19º Resulta dos autos que, no caso em apreço, se está em

presença de um único devedor: o progenitor dos sete menores, judicialmente obrigado a prestar alimentos, que não cumpriu a referida obrigação”.

Termina considerando que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por decisão “no qual o valor da prestação a cargo do FGADM do IGFSS não ultrapasse o limite máximo mensal de 4Ucs, imposto por Lei”.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido de não merecer provimento o recurso.

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– Por acordo de regulação do exercício do poder paternal de 18/6/2003, homologado por sentença transitada em julgado, os então menores -II, nascido a 24/11/1988; -BB, nascida a 26/8/1990; -CC, nascida a 23/12/1992; -DD, nascido a 5/3/1994; -EE, nascida a 2/10/1996; -FF, nascida a 15/12/1997; -GG, nascida a 23/12/1999; -HH, nascida a 23/12/1999;

ficaram ao cuidado da respectiva progenitora, estabelecendo-se um regime de visitas ao pai e impondo-se a cargo deste o pagamento de uma prestação alimentar mensal de 75 €, a favor dos menores e a entregar àquela progenitora até ao dia 8 de cada mês.

Porém, o requerido não pagou qualquer dessas prestações e, trabalhando como pescador, sem entidade patronal fixa e recebendo cerca de 150 € mensais, não se lhe localizaram bens móveis ou imóveis.

Os autos foram arquivados relativamente a II, por ter atingido a maioridade.

Os menores vivem com a progenitora e mais dois irmãos

maiores. Os menores frequentam a escola. Um dos irmãos maiores é pescador e recebe cerca de 350 € mensais. O agregado familiar recebe 1.040 € de rendimento social de inserção e 170 € de prestação familiar.

4. Não está em causa neste recurso saber se estão ou não

preenchidos os requisitos de que depende a atribuição ao Fundo

de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, constituído pela

Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, da obrigação de assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas aos menores

acima identificados.

Apenas se trata agora de saber se, ao determinar que o Fundo

pagasse a quantia de € 90 em relação a cada menor e,

consequentemente, de € 630 na totalidade, o acórdão recorrido violou o disposto no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/98 e no nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99, segundo o qual “As prestação (…) são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal

atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”.

5. Conforme se dá conta no preâmbulo do Decreto-Lei nº 164/99, foi em execução da tarefa constitucionalmente definida de

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integral” (artigo 69º) que a Lei nº 75/98 veio garantir que o

Estado assegura o direito a prestações de alimentos a menores em

caso de incumprimento do correspondente dever, judicialmente fixado (artigo 1º), através do Fundo de Garantia dos Alimentos

Devidos a Menores, gerido pelo ora recorrente.

Assim, determinou que, verificadas as condições para que

coubesse ao Fundo o pagamento das referidas prestações (artigo

1º da Lei nº 75/78 e nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99), o montante correspondente fosse fixado tendo em função da

“capacidade económica do agregado familiar, [d]o montante da prestação de alimentos fixada e [das] necessidades específicas do menor” (nº 2 do artigo 2º da Lei nº 75/78 e nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99).

Esclareceu ainda, com o objectivo manifesto de garantir a adequação do montante apurado, que “a decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo é precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público” (nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 164/99 e nº 2 do artigo 3º da Lei nº 75/78).

Resulta da leitura conjunta das diversas disposições referidas que a lei se preocupou em assegurar ao menor a prestação de

alimentos adequada às suas necessidades específicas, que devem

ser avaliadas tendo naturalmente em conta o agregado familiar em que esteja integrado (nomeadamente a capitação de rendimentos de que o mesmo disponha, como esclarece o nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99).

O montante dos alimentos a prestar pelo Fundo não depende da

quantia em que o obrigado tenha sido condenado, nem da

capacidade que este tenha de prestar alimentos. Esta capacidade,

naturalmente, e como em geral sucede com a obrigação de prestar

alimentos no âmbito das relações familiares (cfr. a disposição

geral do nº 1 do artigo 2004º do Código Civil), foi tida em conta quando o tribunal os fixou; mas não releva agora a não ser indirectamente, e apenas na medida em que o “montante da

prestação de alimentos fixada” (nº 2 do artigo 2º da Lei nº 75/78) é um dos elementos a ponderar para o efeito de definir a extensão da obrigação do Fundo.

Isto significa que a intenção de adequação à situação concreta do menor conduz a que a prestação posta a cargo do Fundo possa ser

de valor inferior, igual ou superior ao daquela que vem substituir. Estabelece ainda a lei que o montante assim calculado não pode exceder, “mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC” (nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/78).

Sob pena de incongruência do regime legalmente previsto e que, em síntese, se descreveu, entende-se que tal montante máximo tem de ser considerado em relação a cada menor, ou seja: não pode ser excedida, por mês, a quantia equivalente a 4 UCs por

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cada menor a que o obrigado tenha deixado de pagar os

alimentos.

Com efeito, e em primeiro lugar, esta interpretação é suportada pela letra da lei, nos termos em que o artigo 9º do Código Civil o exige: os diversos preceitos referem-se sempre ao menor a quem os alimentos são devidos, nomeadamente quando definem a

forma de calcular o montante a pagar. É particularmente significativo que a lei exija que se atenda “às necessidades específicas do menor” a par da “capacidade económica do agregado familiar” em que ele se integre, esclarecendo que é a “capitação” dos seus rendimentos que conta para se considerar ou não preenchido o requisito relativo àquela capacidade.

Daqui resulta uma manifesta preocupação de individualizar as necessidades do menor: a prestação deve ser de montante

individualmente adequado à situação de carência do beneficiário. Para além disso, e em segundo lugar, é a interpretação que obedece ao objectivo com que o legislador criou o Fundo e lhe

atribuiu o encargo de satisfazer o direito a alimentos de menores

carenciados, por não ser cumprida a correspondente obrigação por quem os devia prestar.

É à luz deste objectivo que o limite de 4 UCs tem de ser entendido: é o montante que o legislador, em 1978 e em 1999, considerou em qualquer caso suficiente para o efeito.

O recorrente tem razão quando observa que para a determinação desse limite se teve em conta o “contexto económico-financeiro” do País; e é evidente que, do ponto de vista dos recursos

afectados, leva a gastos inferiores a interpretação que conduz a referi-lo a cada obrigado, independentemente de saber qual o número de menores abrangidos.

Entende-se que aquele contexto foi efectivamente determinante para a fixação do limite, quer quando considerou as necessidades razoáveis do titular do direito a alimentos, quer quando ponderou

os encargos que da sua satisfação necessariamente decorrem para o erário público (até porque é sempre de ponderar a inviabilidade do reembolso que a lei impõe).

No entanto, essa consideração não é apta a afastar a conclusão a que se chegou. Não é possível afirmar, como faz o recorrente, que o montante de 4 UCs satisfaz o objectivo a que o legislador se propôs de “garantiados alimentos devidos” (conclusão 15ª) sem considerar o número de menores pelos quais essa quantia tem de ser repartida (sendo certo, por exemplo, que podem estar

integrados em agregados familiares diferentes, o que conduziria a que a quantia atribuída a cada um viesse afinal a ficar dependente, também, das condições dos outros agregados familiares, o que não seria razoável).

É certo que a integração de mais de um menor no mesmo

agregado familiar provoca economias de escala; no entanto, basta considerar o número de menores abrangidos pela prestação a que

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este recurso respeita para se ter por concluir que seria

manifestamente inadequado afirmar que, em qualquer caso, seria apta a cumprir a tarefa que o legislador se propôs a

desconsideração do número de beneficiários para o efeito de fixação do limite previsto no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/78 e no nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99).

6. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso. Sem custas

Lisboa 04 de Junho de 2009

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora) Salvador da Costa (*)

Lázaro Faria

(*) VOTO DE VENCIDO I

Este acórdão, o primeiro sobre esta matéria proferido por este Tribunal, confirma o da Relação no sentido de que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores passar, em

substituição do progenitor que não prestou alimentos por ele

devidos, a assegurar o pagamento da quantia mensal de € 90 a cada um dos sete filhos menores daquele, no montante global de € 630.

Negou, assim, provimento ao recurso interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no qual invocou ser o limite da responsabilidade daquele Fundo, no caso espécie, o

correspondente a quatro unidades de conta.

Nele se afirma resultar tal solução dos artigos 3o, n°s 1 e 2, 4o, n° 1 e 69° do Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de Maio, e Io, 2o, n° 2 e 3o, n° 2, da Lei n° 75/98, de 19 de

Novembro. II

É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual que releva no recurso:

1. BB, HH, DD, EE, FF, GG e KK, nascidos entre 26 de Agosto de 1990 e 23 de Dezembro de 1999, são filhos de AA e de CC. 2. No dia 18 de Junho de 2003, em acção de regulação do exercício do poder paternal intentada pelo Ministério Público, ocorreu a homologação do acordo no sentido de os menores mencionados sob 1 serem confiados à mãe e de o pai contribuir para eles com a quantia mensal de € 75.

3. AA trabalha como pescador, sem empregador fixo, recebendo cerca de € 150 mensais, e não lhe foram localizados bens móveis ou imóveis, e não pagou qualquer das prestações mencionadas sob 2.

4. Os menores vivem com a mãe, frequentam a escola, um dos irmãos é pescador, auferindo cerca de € 350 mensais, e o

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agregado familiar aufere € 1 040 de rendimentos social de inserção e € 170 de prestação familiar.

III

A questão essencial a decidir no recurso é a de saber se o acórdão da Relação, ao manter a decisão do tribunal da primeira instância, infringiu ou não o disposto no n° 1 do artigo 2º da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, e o n° 3 do artigo 3º do Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de Maio.

A resposta à referida questão pressupõe essencialmente a análise da seguinte problemática:

- normatividade relevante para o caso; - critério legal da interpretação da lei;

- sentido determinante das normas pertinentes.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas vertentes da questão 1.

Comecemos por uma breve referência à normatividade relevante para a decisão do recurso.

Resulta da Constituição, em tanto quanto é susceptível de relevar no caso vertente, que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei e que ninguém pode ser

privilegiado, beneficiado ou prejudicado por virtude da sua situação económica (artigo 13°).

Decorre deste normativo dever ser tratado por igual o que é igual e como desigual o que é desigual, com a consequência de a lei ordinária não dever estabelecer discriminações sem fundamento material bastante.

Acresce, como também resulta da Constituição, que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais

instituições (artigo 69°, n° 1).

Decorre, pois, do referido normativo que o Estado deve prosseguir políticas tendentes à protecção das crianças com necessidades específicas, incluindo a de sustento lato sensu, de modo a proporcionar-lhes o mínimo necessário ao seu

desenvolvimento integral e à sua formação.

Em concretização das mencionadas normas da lei fundamental, a fim de proporcionar a satisfação da básica necessidade de sustento lato sensu, a Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, estabeleceu um regime de garantia da prestação de alimentos devidos a menores.

Visou, pois, a garantia do direito a prestações de alimentos a

menores em caso de incumprimento do correspondente dever judicialmente fixado por parte dos obrigados, através do Fundo

de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

Com efeito, ela prescreve, por um lado, que o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando a pessoa judicialmente

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obrigada a prestar alimentos a menor residente em território

nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189° do Decreto-Lei n° 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentando não tenha rendimento líquido

superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (artigo 1º). E, por outro, que as prestações atribuídas nos termos desta Lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidades de conta (artigo 2º, n° 1). E, finalmente, que para se determinar o aludido montante deverá o tribunal atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades

específicas do menor (artigo 2º , n° 2).

Acresce decorrer da referida Lei que ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue

cabe requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar (artigo 3º , n° 1).

A referida Lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de Maio, do qual resulta, além do mais que aqui não releva, competir ao aludido Fundo o pagamento das prestações de alimentos aos menores residentes em território nacional (artigo

2º , n° 2).

Aquele Fundo deve assegurar as referidas prestações de alimentos até ao início do efectivo cumprimento da obrigação

quando a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não satisfizer as quantias em dívida pela formas previstas no Decreto-Lei n° 314/78, de 27 de Outubro, e o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimento de outrem a cuja guarda se encontre (artigo 3º , n° 1).

Trata-se dos pressupostos de facto relativos à fixação da prestação a cargo do Fundo no confronto dos menores, que, referenciada

embora à prestação devida pelo obrigado, envolve uma obrigação de novo constituída.

Entende-se que o alimentando não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário (artigo 3º, n° 2).

As prestações a que se refere o n° 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidades de conta, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às

necessidades específicas do menor (artigo 3º , n° 3).

Temos, assim, resultar deste normativo um limite máximo - o correspondente a quatro unidades de conta - à fixação do

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montante da prestação do Fundo no confronto com o menor ou os

menores em causa.

Isso não é, naturalmente, incompatível com a circunstância de a prestação devida aos menores pelo referido Fundo poder ser de

valor inferior, igual ou superior ao daquela que visa substituir. O valor da unidade de conta que aqui releva, no quadro da sucessão de leis no tempo, é ainda a correspondente a € 96

(artigos 22°, 25°, n° 2, alínea f), e 27° do Decreto-Lei n° 34/2008, de 26 de Fevereiro, 5o do Regulamento das Custas Processuais e 12°, n° l, do Código Civil).

Em consequência, o valor máximo da prestação a cargo do Fundo

a que a lei se reporta é de €384.

A decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo é

precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público (artigo 4o, n° 1).

Trata-se de diligências de prova tendentes a determinar o âmbito das necessidades dos menores, instrumentais em relação à decisão da fixação do montante das prestações devidas pelo Fundo.

O Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem

sejam atribuídas as prestações, com vista à garantia do respectivo

reembolso (artigo 5º, n° 1).

Confrontando o que se prescreve nos n°s 1 e 2º do artigo 2º da Lei n° 75/98 e no n° 3 do artigo 3º do Decreto-Lei n° 164/99, verifica-se que este último inverifica-sere normas que não assumem a função de regulamentar a primeira, antes se traduzindo em inútil repetição. 2.

Continuemos, ora com uma ligeira referência ao critério legal da interpretação da lei.

O critério de interpretação da lei é o que consta do artigo 9o do Código Civil em que se conjugam elementos objectos e

subjectivos, em termos de o pensamento legislativo, a captar por via do chamado espírito da lei ou escopo finalístico, sem abstrair das circunstâncias específicas envolventes da sua elaboração e as do tempo da sua aplicação e a unidade do sistema jurídico.

O pensamento legislativo, fim da interpretação, não pode prescindir de um mínimo de correspondência verbal.

No caso de se não conseguir determinar claramente o sentido prevalente da lei, ou seja, o pensamento legislativo, por via da respectiva letra, do exórdio justificativo e dos registos

preparatórios, ainda o intérprete pode recorrer a critérios

objectivos, designadamente a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Tendo em conta que na interpretação da lei ordinária se deve atender à unidade do sistema jurídico, nela se deve considerar o que resulta da Constituição e dos princípios nela consignados. Além disso, não podem os tribunais, nos feitos submetidos a

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julgamento, aplicar normas que infrinjam o disposto na

Constituição ou os princípios nela consignados (artigo 204° da Constituição).

3.

Prossigamos, agora com a determinação do sentido determinante das normas pertinentes.

Trata-se das normas dos artigos 2o n° 1 da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, e 3o, n° 3, do Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de Maio. Conforme acima referiu esta é a primeira decisão deste Tribunal sobre a interpretação das referidas normas, não obstante, haver nas instâncias, a propósito, decisões contraditórias.

Já foi afirmado em algumas decisões judiciais implicar a interpretação das normas acima referidas de harmonia com a Constituição a solução a que maioritariamente se chegou neste acórdão.

Tal afirmação tinha em vista os princípios da protecção da infância, da paternidade e da maternidade, e com base neles se referiu dever imperar tal interpretação da lei ordinária, sob pena de discriminação dos filhos menores do mesmo devedor e os pais e as mães cuja filiação estivesse estabelecida relativamente a vários menores carecidos de alimentos incobráveis e que

estivessem à sua guarda.

Neste acórdão, por via da interpretação das normas da lei

ordinária nele referidas, dando relevo ao elemento de referência ao menor constante de algumas das normas acima referidas, foi entendido que o montante máximo da prestação do Fundo, sob

pena de incongruência do regime legalmente previsto, tem de ser considerado em relação a cada menor a que o obrigado tenha deixado de pagar alimentos.

Relembre-se decorrer dos referidos normativos que as prestações fixadas pelo tribunal não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidades de conta.

A lei reporta-se expressamente ao limite das prestações do Fundo

de quatro unidades de conta por cada devedor, e o devedor é a pessoa obrigada, por virtude da concernente decisão judicial, a prestar alimentos a menores.

Não se refere a lei à unidade de prestação, mas sim às prestações, expressão que constituiu o sujeito plural da previsão normativa, que deve constituir o ponto de partida da interpretação em causa. Os referidos preceitos legais não inserem, pois, o mínimo verbal que sustente a interpretação no sentido de o mencionado limite correspondente ao valor de quatro unidades de conta se reportar a cada devedor relativamente a cada menor, ou seja, em função da posição de credor de cada um deles.

Perante tal base literal das referidas normas, não vemos elementos extra-literais que legitimem a conclusão interpretativa no sentido de o pensamento legislativo ser o que foi considerado no acórdão. A circunstância de as normas se reportarem ao menor e às

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necessidades específicas deste, e não aos menores, é insusceptível de permitir a conclusão de que o legislador pretendeu relacionar a unidade de sujeito devedor com a unidade de menor credor.

Com efeito, noutras normas do conjunto normativo em causa, por exemplo a propósito da incumbência do Fundo quanto ao

pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores,

como é o caso do artigo 2o, n° 2, do Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de Maio, refere-se esse elementos plural.

Acresce que o mencionado secundário elemento literal, retirado do contexto de contadas normas, queda desvalorizado, não obstante o relevo considerado no acórdão pelo mero confronto com a expressão da lei no n° 1 do artigo 2o da Lei n° 75/98, onde refere a prestações e não a prestação.

Perante este quadro, o que resulta da lei é que o legislador utilizou a expressão menor e menores com o mesmo sentido, ou seja, de pessoas em função das quais foi estabelecido o regime social em causa.

O Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos

a Menores, não é o sujeito originário da obrigação de prestação de

alimentos aos menores. É como que um provisório substituto

daquele devedor em termos de salvaguardar a satisfação mínima da sua necessidade de sustento lato sensu.

Acresce que o Estado já realiza prestações sociais para o agregado familiar dos menores em causa, designadamente € 1 040 a título de rendimento social de inserção e €

170 a título de prestação familiar.

Tendo em conta o conteúdo das normas dos artigos 13° e 69°, n° 1, da Constituição, a referida posição do Estado e o escopo da solução normativa que entendemos resultar das aludidas normas, não se vislumbra que a interpretação destas

últimas contrarie o conteúdo das primeiras.

A interpretação considerada no acórdão não é suportada, nem pelo chamado espírito da lei ou o seu escopo finalístico, isto sem abstrair das circunstâncias específicas envolventes da sua

elaboração e as do tempo da sua aplicação, ou da unidade de sistema jurídico

Acresce que nem há fundamento para considerar que o legislador não adoptou a solução mais acertada, na medida em que as deste tipo dependem da existência de recursos financeiros disponíveis no Estado-Comunidade para proporcionar as prestações

sociais envolventes.

Não se vislumbra, pois, a incongruência do regime legalmente previsto afirmada no acórdão pela circunstância de se interpretar o referido normativo no sentido de o limite da prestação do Fundo

se cifrar em € 384 por referência ao devedor de alimentos aos

menores. 4.

(13)

de motivação.

O sentido prevalente do disposto nos artigos 2o, n° 1, da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, e 3o, n° 3, do Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de Maio, é o de que as prestações atribuídas ao seu artigo não podem exceder mensalmente o valor equivalente a quatro unidades de conta, independentemente do número de menores a que se destinem.

A referida interpretação não envolve a ofensa do disposto nos artigos 13° e 69°, n° 1, da Constituição.

IV

Pelo exposto, daria provimento ao recurso de revista e alteraria o acórdão da Relação e a sentença proferida no tribunal da primeira instância em termos de fixação da prestação de alimentos a

atribuir a BB, HH, DD, EE, FF, GG e KK, por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos aos Menores, no montante de

trezentos e oitenta e quatro euros. Salvador da Costa

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