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Mensagens oficiais dos governadores do estado do Paraná ( ) institucionalização para a proteção e assistência às crianças e adolescentes 1

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Mensagens oficiais dos governadores do estado do Paraná

(1928-1945)

ins t it uci ona l i za çã o pa ra a prot e çã o e a s s is tê nc ia à s cria n ça s e ad ol e s ce nt e s1

I re ni Ma r il e ne Za g o Fi gue ire d o Doutora em Educação pela Universidade Estadual Campinas (UNICAMP) Professora do curso de Pedagogia e do Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus de Cascavel Ma ri za S ch e f fe r Fre ire Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) Educadora Social na Unidade de Internação Provisória CENSE I – Cascavel/PR Resumo

Em 1927 foi promulgado o Código Mello de Mattos que trouxe, em sua redação, a terminologia “menor” para se referir aos adolescentes abandonados e/ou delinquentes. A terminologia “menor” foi mantida em documentos oficiais e nos discursos dos políticos e autoridades do estado do Paraná. Neste artigo, a partir da análise documental e de conteúdo, objetiva-se demonstrar, nas Mensagens Oficiais dos Governadores do estado do Paraná, no período de 1928 a 1945, o processo de institucionalização para a proteção e assistência às crianças e adolescentes que viviam na pobreza, considerando a relação entre educação, trabalho e segurança pública. Foram analisadas as Mensagens Oficiais dos Governadores Caetano Munhoz da Rocha e Affonso Alves de Camargo e dos Interventores Federais Mário Alves Monteiro Tourinho e Manoel Ribas. Constatou-se, no período analisado, que a preocupação com o processo de institucionalização para a proteção e assistência das crianças e adolescentes que viviam na pobreza, considerada uma predeterminante para a criminalidade, tinha como uma das metas a formação para o trabalho. O processo de institucionalização para a proteção e assistência para as crianças e adolescentes, foi permeado pela utilização das terminologias “Menores Abandonados”; “Menores Delinquentes”; “Infância Abandonada” ou simplesmente “Menor”.

Palavras-chave crianças, adolescentes, governadores do Paraná, institucionalização, “Menores Abandonados”, “Menores Delinquentes”, “Infância Abandonada”, “Menor”.

Abstract

In 1927 was promulgated the Mello de Mattos code that brought, in his essay, the terminology "minor" to refer to abandoned adolescents and/or offenders. The terminology "minor" was kept in official documents and in the speeches of politicians and authorities of the State of Paraná (Brazil). In this article, from the analysis of documents and content, aims to demonstrate, in the Official Messages of the Governors of the State of Paraná, in the period from 1928 to 1945, the process of institutionalization for 1 Este artigo é parte do estudo realizado na Dissertação de Mestrado “Política Social para a infância e a

adolescência: aspectos políticos nos discursos dos governadores do Paraná (1910–2010)”, apresentada, em 2013, ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Campus de Cascavel, sob orientação da Profª Drª Ireni Marilene Zago Figueiredo.

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protection and assistance to children and adolescents living in poverty, considering the relationship between education, work and public safety. Official messages were analyzed of Governors Caetano Munhoz da Rocha and Affonso Alves de Camargo and the Intervenors Mário Alves Monteiro Federal Tourinho and Manoel Ribas. It was noted, in the period under examination, that the concern with the process of institutionalization for the protection and assistance of children and adolescents living in poverty, considered a predictive for the crime, had as one of the goals the training for the job. The process of institutionalization for protection and assistance for children and adolescents, was permeated by the use of the terminology "Abandoned Children"; "Minor Offenders"; "Abandoned Children" or simply "minor".

Keywords children, teenagers, governors of Paraná, institutionalization, “Abandoned Children”, “Minor Offenders”, “Abandoned Children”, “Minor”.

Introdução

o Brasil, no final do século XIX, por influência externa, ocorreu um processo de formação de uma sociedade para o trabalho, refletindo nos seus estados, como no caso do Paraná, uma redefinição de ordem social. Nesse período, iniciou a formação de trabalhadores livres, embora a sociedade estivesse marcada pela escravidão, se adequando a presença de imigrantes, trabalhadores rurais e trabalhadores urbanos. Consequentemente, os filhos destes trabalhadores deveriam ser preparados “através da educação e de cuidados a tornar-se adulto responsável e apto ao trabalho para a nascente indústria e para o comércio”.2

N

É importante destacar, também, que desde a primeira década do século XX delineou-se uma nova concepção da infância,3 principalmente da infância pobre. “O

significado social da infância circunscrevia-se na perspectiva de moldá-la de acordo com o projeto que conduziria o Brasil ao seu ideal de nação”.4 Nesse sentido, a partir da primeira

década do século XX, o atendimento para a infância e adolescência desvalida começa emergir. Novos ideais foram preconizados para um fator social que estava aumentado nas grandes cidades brasileiras que era a questão do menor, tornando “objeto de uma intervenção contínua e sistemática por parte do Estado”.5 Neste momento, o problema do menor

constituía um problema filantrópico correcional e preventivo, enfim era assunto para a 2 DEBONI, M. I. M. “Construindo trabalhadores: as escolas para o trabalho no Paraná na 1ª metade do século

XX”. IX Encontro Regional de História. ANPUH – Paraná, 2004. Visualizado em:

«http://www.pr.an-puh.org/resources/anpuhpr/anais/ixencontro/». Acesso em: 15 jul. 2013.

3 Esclarecemos que no transcurso deste trabalho, os termos “infância”, “jovens” e “menor”, foram utilizados para fazer referência a toda à população infanto-juvenil (crianças e adolescentes) da época pesquisada, uma vez que estes termos aparecem sem diferenciação nas fontes analisadas.

4 FALEIROS, V. de P. “Infância e processo político no Brasil”. In: PILOTTI, F.; RIZZINI, I. A arte de

governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de

Janeiro: Instituto Interamericano Del Nino, Editora Universitária Santa Úrsula, Amais Livraria e Editora, 1995.p. 83.

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polícia. Com a Ideologia do Progresso, o Estado tinha que dar os primeiros passos para a “proteção” dos desvalidos.6

O crescimento das cidades sem planejamento, por consequência, aumentou o número de não desempregados e pedintes que perambulavam pelas ruas das cidades, filhos de ex-escravos que eram excluídos dos meios de trabalhos.7 Tal reflexão é feita por Santos,8 ao

afirmar que “verifica-se o surgimento ou o agravamento de crises sociais que outrora eram pouco relevantes no cotidiano da cidade”,9 sendo que a criminalidade cresceu, tornando um

enfoque importante daquele cotidiano, e que em menor ou maior grau, atingia todas as camadas da população.

Neste contexto estavam crianças e jovens que experimentavam crueldades inimagináveis. Muitas vezes estas atrocidades estavam presentes no núcleo familiar, nas poucas escolas, nas fábricas, sendo que muitas vezes, tais jovens, eram expostos às ruas ou internatos.10

Esses problemas fizeram emergir uma nova ordem de prioridades no atendimento social que ultrapassou o nível da filantropia privada e seus orfanatos, para elevá-los às dimensões de problema de Estado com políticas sociais e legislações específicas.11

Com o ideário progressista que via a criança12 como a “semente do futuro” e a

“esperança da nação”, no contexto em que estamos discutindo, estas eram vistas com sérias preocupações.

[...] quando se afirmava que na criança estava o futuro da nação, entendeu-se que era mais importante ‘moldar’ para manter a massa populacional arregimentada como nos velhos tempos, embora sobre novos moldes, impostos pela demanda de produção industrial capitalista.13

6 NUNES, E. S. N. A infância como portadora do futuro: América Latina, 1916-1948. São Paulo, SP: 2011. Tese (doutorado em História), USP – Universidade de São Paulo, 2011.

7 SANTOS, A. C. dos. Criança e criminalidade no início do século XX. In: PRIORE, M. D. (Org.). História

das crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2013.

8 Idem.

9 Ibidem, p. 213.

10 PASSETTI, E. “Crianças carentes e políticas públicas”. In: PRIORE, M. D. (Org.). História das crianças no

Brasil. 7. ed. 1 reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013.

11 Idem.

12 “Observa-se que, em geral até os idos de 1900, não se costumava fazer distinção entre a fase da infância e da adolescência” (RIZZINI, I. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para infância no Brasil. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 134).

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O elevado índice de delinquência, principalmente na passagem do século XIX para o XX, levou muitos juristas a se preocuparem com o assunto, passando a ser discutido principalmente em congressos internacionais: “falava-se numa justiça mais humana, que relevasse a reeducação, em detrimento da punição”.14

A questão da pobreza, dos menores abandonados, dos desvalidos e da delinquência juvenil era expressa nos discursos de várias autoridades, como governantes e juristas, que buscavam na infância pobre, a origem dos problemas da criminalidade infantojuvenil15 que

assolava as grandes cidades brasileiras. “Foi o tempo das filantropias e políticas sociais que valorizou, preferencialmente, a internação sem encontrar as soluções efetivas”.16

Em meio a grandes transformações econômicas, políticas e sociais, que marcaram a era industrial capitalista no final do século XIX e começo do século XX, o conceito de infância é idealizado com novos significados, novos paradigmas. Moncorvo Filho expõe em 1926: “[...] Temos uma pátria a reconstruir, uma nação a firmar, um povo a fazer... e para empreender essa tarefa, que elemento mais dúctil e moldável a trabalhar do que a infância?!”.17 Nesse sentido, “[...] a criança deixa de ser objeto de interesse, preocupações e

ação no âmbito privado da família e da Igreja para tornar-se uma questão de cunho social, de competência administrativa do Estado”.18

Neste período, observa-se que para muitos políticos e governadores, principalmente no do estado do Paraná, havia uma relação entre delinquência e modernidade. Nesse sentido, as crianças e adolescentes que viviam à margem da sociedade eram considerados responsáveis pelo aumento da criminalidade. Este artigo demonstra, a partir da análise documental19 e de

14 RIZZINI, I. “Meninos desvalidos e menores transviados: a trajetória da assistência pública até a Era Vargas”. In: RIZZINI, I.; PILOTTI, F. (Org.) A arte de governar crianças: A história das políticas sociais, da

legislação e da assistência a infância no Brasil. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 22

15 No início do século XX, usava-se a terminologia “criminalidade infantojuvenil”, para representar o envolvimento de crianças e adolescentes com a prática de atos ilícitos. Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), esta nomenclatura foi abolida. Porém, respeitando a história, utilizaremos esta expressão quando nos referimos ao período anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente (FEITOSA, J. B. “A institucionalização do adolescente autor de infração”. In: BOARINI, M. L. (Org.).

Higiene mental: ideias que atravessaram o século XX. Maringá: Edeum, 2012. p. 81).

16 PASSETTI, E. Op. cit., p.348.

17 MONCORVO FILHO, A. Histórico da proteção à infância no Brasil (1500-1922). Rio de Janeiro: Empreza Graphica Editora, 1926.

18 RIZZINI, Irene. Op. cit., p. 23.

19 A análise documental “[...] antecede a de conteúdo e incide sobre o próprio documento, o qual pode ser contemporâneo ou retrospectivo, oriundo de fontes escritas primárias (documentos) ou secundárias (livros, revistas, teses, jornais) ou de fontes não escritas (filmes, fotos, audiovisuais, vestuário, canções, folclore, etc.)” (CARDOSO; ALARCÃO; CELORICO, 2010, p 35 apud MORI, N. N. R. Metodologia da pesquisa. Maringá: EDUEM, 2012. p. 39).

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conteúdo,20 as Mensagens Oficiais21 dos Governadores do estado do Paraná, no período de

1928 a 1945, para o processo de institucionalização para a proteção e assistência às crianças e adolescentes que viviam na pobreza, considerando a relação entre educação, trabalho e segurança pública.

Institucionalização voltada para a proteção dos menores abandonados e/ou delinquentes

Dentre as transformações sociais e políticas que o Brasil passou no começo do século XX, destacam-se os ideais de igualdade política e social, associadas à constituição da República, a substituição do trabalho escravo para o trabalho livre e o processo acelerado de urbanização acelerado, principalmente nas grandes cidades brasileiras. “Assim, o antigo medo das elites diante dos escravos será substituído pela grande inquietação em face da presença da pobreza urbana nas principais metrópoles do país”,22 em consequência à pobreza ganhava

visibilidade, sendo que

[...] As ruas das cidades passaram a ser ocupadas por crianças, cuja condição material de existência passaria a ser vista como fator favorável à transgressão. Com efeito, os registros documentais da época dão destaque especial aos problemas que representavam um entrave para a manutenção da ordem social.23

De acordo com Zaniani,24 nas primeiras décadas do século XX as contradições

inerentes ao novo sistema político e econômico contrapunham-se ao modelo de sociedade idealizado. Percebeu-se uma urgente mudança por parte dos intelectuais, políticos e 20 A análise de conteúdo constitui o “[...] procedimento metodológico para estudar o conteúdo do documento com o intuito de obter observações mais finas, voltadas à construção de categorias gramaticais ou ideológicas” (Idem).

21 Utilizamos as Mensagens Oficiais dos Governadores destinadas à Assembleia Legislativa, como rege a Cons-tituição Estadual do Paraná, no Artigo 87: “Compete privativamente ao Governador”. X - remeter mensa-gem e plano de governo à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da Sessão Legislativa, expondo a si-tuação do Estado; XI - prestar contas anualmente à Assembleia Legislativa, dentro de 60 (sessenta) dias após a abertura da Sessão Legislativa, relativamente ao ano anterior (PARANÁ. Constituição do Estado do

Para-ná 1989. – Curitiba: Imprensa Oficial, 2006. Disponível em:

«http://www.alep.pr.gov.br/system/files/cor-po/constituic_parana.pdf». Acesso em: 15 out. 2013.

22 ALVAREZ, M. C. “A Criminologia no Brasil ou Como Tratar Desigualmente os Desiguais”. Revista de

Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 45, nº4, 2002, p. 693.

23 ZANIANI, E. J. M. “Criminalidade infantil: a ‘edemia traiçoeira’ do Brasil republicano”. In: BOARINI, M. L. (Org.). Higiene mental: ideias que atravessaram o século XX. Maringá: Edeum, 2012. p. 53.

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principalmente pelos reformadores25 que “colocavam a necessidade de novas formas de

exercício do poder de punir”.26

Os motivos para detenção incluíam os atos de andar pela rua, sozinho ou em bando, participar de brigas ou praticar pequenos delitos. O Código Penal de 189027 determinava o

recolhimento de crianças e adolescentes, entendidos como menores, em estabelecimentos disciplinares industriais. Como os estabelecimentos eram em números reduzidos os sujeitos eram presos juntos aos maiores ou enviados para entidades de assistência privada. Muitos segmentos da sociedade e a imprensa reclamavam da ação desses menores e exigia a atuação enérgica das autoridades policiais.28

Segundo Câmara,29 muitas eram as críticas da imprensa, principalmente dos jornais

que alertavam que a sociedade não poderia ver com bons olhos as iniciativas do poder judiciário que “em nome da lei, arrebanhava aqueles que passavam ao seu alcance sem estabelecer as devidas distinções entre os bons e os maus elementos, não cogitando saber se eram vadios ou laboriosos, honestos ou viciosos”.30

O medo se instalou no país pelo crescimento acelerado da pobreza nas grandes cidades, vista como origem dos problemas da criminalidade, principalmente pelas crianças e adolescentes que perambulavam pelas ruas dos núcleos urbanos e se amontoavam nas periferias. A “criminalidade não rimava com os ideais nacionalistas republicanos. Era urgente estimular o desenvolvimento do patriotismo e o amor pelo trabalho. Era preciso preparar as futuras gerações de brasileiros, já que seriam os pequenos de hoje, os grandes de amanhã”.31

Vários grupos da sociedade brasileira, dentre eles os reformadores e políticos, estavam discutindo sobre o tema da proteção de que necessitavam a infância pobre, em nosso país. Exemplo que em 1922 aconteceu o Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância (PCBI).32

25 Parafraseando Câmara, a palavra reformadores é utilizada “com intuito de localizar os juristas, educadores, médicos e cientistas sociais que estiveram envolvidos na elaboração e implementação de projetos de reforma na órbita do estado” (CAMARA, S. “Sob a defesa da República’: A produção da infância pobre nos debates jurídico-educacionais no Brasil e em Portugal nas décadas de 1910-1920”. In: III Congresso Brasileiro de

His-tória da Educação, 2002, Curitiba. Visualizado em:

«http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe3/Docu-mentos/Individ/Eixo3/239.pdf». Acesso em: 16 jul. 1015. p. 1). 26 ALVAREZ,M. C. Op. cit.

27 BRASIL. Código Penal de 1890. Decreto Nº 847, de 11 de outubro de 1890. Visualizado em: «http://legis.se-nado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049». Acesso em: 29 dez. 2014.

28 KUHLMANN JUNIOR, M. Op. cit. 29 CAMARA, S. Op. cit.

30 Ibidem, p. 1.

31 ZANIANI, E. J. M. Op. cit.

32 No PCBI foram expostos cerca de 262 trabalhos, divididos em cinco seções temáticas: I) Sociologia e Legislação; II) Assistência; III Pedagogia; IV) Medicina Infantil e V) Higiene. Ocorreu entre os dias 27/08 a

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Outros grupos levantavam a bandeira da coerção, pois a violência crescia principalmente nos grandes centros. Crianças e jovens estavam inseridos na marginalidade, principalmente os entendidos como menores que em “sua modalidade mais grave, caracterizam-se por uma anormalidade pronunciadíssima, com tendências perversas oriundas de sua inafetividade congênita”.33 Os grupos que levantavam a bandeira da coerção

empreendiam uma política de “criação de instituições para atender categorias de menores, que vinham se definindo com mais clareza: os abandonados, os moralmente abandonados e os delinquentes”.34

A discussão sobre a população infantojuvenil ficou eminente e era considerada como uma das causas da criminalidade crescente, por isso merecia mais atenção e cuidado por parte do Estado. Os considerados menores, independente das categorias que os mesmos estavam incluídos, eram percebidos como um sinal eminente de risco “da condição de vítima passava a ser vista como foco de ameaça, passava de infância em perigo, para infância perigosa”.35

Percebeu-se a urgência de criação de mecanismos para enfretamento da criminalidade que estava envolvendo a infância pobre, principalmente nos grandes centros urbanos do Brasil. Esse enfoque, que envolvia o público infanto-juvenil, passaria a demandar uma intervenção judiciária, legislativa e institucional.36

Uma das ações que foi muito discutida e defendida era em prol de uma nova legislação ou uma legislação específica para público infanto-juvenil (pois o que era usado era o Código Penal Republicano de 1890), também a instalação de um juizado que “incumbissem exclusivamente da proteção e do julgamento dos menores delinquentes”.37

Em 1925, foi apresentado na Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro um projeto que visava legalizar a assistência e proteção à infância no Brasil, baseado na nova legislação da Europa e da América e teve a contribuição de juristas, pedagogos, parlamentares e higienistas brasileiros. Foi exposto por seu maior representante, o magistrado Mello Mattos que estava no primeiro Juizado de Menores da América Latina. Esse projeto foi transformado em Lei, em 1926, e pelo Decreto nº 17.943, em 1927, foi finalmente promulgado e passou a se chamar Código de Menores Mello Mattos, que “[...] outorgava ao Estado a assistência e a proteção contra o abandono, os maus tratos e as influências imorais exercidas pelo meio social sobre os

05/09/1922, mas algumas conferências, atividades culturais e confraternizações se estenderam até 15/09/1922 (Ibidem, p. 55).

33 LOPES, 1930 apud ZANIANI, E. J. M. Op. cit. 34 RIZZINI, Irma. Op. cit., p. 233, grifo nosso. 35 ZANIANI, E. J. M. Op. cit., p. 62.

36 Idem.

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menores”.38 Esta foi à primeira Lei brasileira destinada para o público infanto-juvenil e

ampliou a atuação do Juiz, destacando que o seu idealizador o Juiz Mello Mattos atuava em várias frentes de ações:

[...] Visitando favelas, hospitais, organizando diligências, fiscalizando as instituições de atendimento as crianças e as fábricas, “capturando” “menores”, comunicando suas ideias e intenções pela imprensa, divulgando os procedimentos com relação às denúncias de maus tratos, violências e abandono, encabeçando campanhas para arrecadar recursos para criar instituições, o Juiz Mello Mattos buscou reafirmar o seu poder e competência na tutela da infância. Neste processo, alargou-se também a atuação do Juiz sobre as famílias pobres num esforço preventivo que visava “cercar” o corpo delituoso ou em risco de “vir a ser”. Com a implementação destas práticas na cidade, Mello Mattos procurou demonstrar que sua atuação pautava-se pela proteção da causa da infância. Ilustrativa desta intenção foi à imagem publicada na Revista da Semana. Com título O pai das crianças pobres, a imagem suscita a ideia da proteção e do amparo como tônicas presentes na ação do Juiz.39

OCódigo de Menores Mello Mattos, estava destinado a proteger os considerados abandonados e a reprimir comportamentos antissociais dos percebidos como menores transviados de dezoito anos. “A idade de dezoito anos passou a ser o limite, um corte cronológico absoluto, sendo aqueles que tiverem menos que esta idade, classificados juridicamente como menores”.40 Considerando o Artigo 26 do Código de Menores de 1927:

[...] Consideram-se abandonados os menores de 18 anos:

I- Que não tenha habitação certa nem meios de subsistência, por serem seus pais falecidos, desaparecidos ou desconhecidos ou por não terem tutor ou pessoa cuja guarda, vivam.

II- Que vivem em companhia de pai, mãe, tutor ou pessoas que se entreguem a habitualmente a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes.

III- Que se encontrem em estado habitual de vadiagem, mendicância ou libertinagem.

IV- Que frequentem lugares de jogo ou de moralidade duvidosa ou andem na companhia de gente viciosa ou de má vida.

V- Que devido a crueldade, abuso de autoridade, negligência ou exploração dos pais, tutor ou encarregado de sua guarda sejam: a) vitimas de maus tratos-físicos e habituais ou castigos imoderados:

38 Idem.

39 CÂMARA, S.; RANGEL, J. A. (Fidel). “A atuação do Juiz José Candido de Mello Mattos e a pedagogia

as-sistencial na criação do primeiro juízo privativo de menores do rio de janeiro (1924-1934”). Universidade do

Estado do Rio de Janeiro/NIPHEI. Visualizado em: «http://www.grupeci.fe.ufg.br/up/693/o/TR-64.pdf». Acesso em: 15 jan. 2015. p. 6

40 COLOMBO, I. Adolescência Infratora Paranaense: História, Perfil e Prática Discursiva. 2006. 315 f. Tese (Doutorado em História). Universidade de Brasília - UnB, Brasília – DF, 2006. p.59, grifo nosso.

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b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensáveis a saúde. c) excitados habitualmente para gatunice, mendigagem ou libertinagem.41

A partir da promulgação do Código Mello de Mattos42 houve a definição legal para a

institucionalização de crianças e adolescentes. Conforme Cossetin,43 este Código trouxe a

separação do adolescente da boa família e do adolescente abandonado ou infrator. Proclamava-se como instrumento de assistência e de proteção, com o objetivo de educar. No entanto, em seu artigo 1º, revelava quem seriam os destinatários das determinações nele apregoadas: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código”.44

E trouxe algumas denominações em sua redação. Chamava de “[...] expostas às crianças menores de sete anos, abandonados aos menores de dezoito anos, vadios aos que moravam nas ruas, mendigos aos que pediam esmolas ou eram vendedores de rua e libertinos àquele que frequentavam prostíbulos e se davam à pratica da prostituição”.45

Outra denominação para o público infanto-juvenil que estavam em risco social, foi à definição e caracterização do termo “menor”, que esteve presente na redação do Código de Menores de 1927. O termo “menor” passou a significar uma situação social da criança e do adolescente, fixados como delinquentes ou abandonados e sobre os quais deveriam plainar a mão protetora do Estado e a mão fiscalizadora e vigilante da justiça que demarcou o reconhecimento do poder interventor que se exercia sobre ela a partir de então.46

Conforme Cavalliere,47 a palavra “menor” contém uma conotação jurídica inegável,

levando à interpretação de que no rol social existiriam meninos, crianças e garotos em risco social. No entanto, quando sai da esfera jurídica a referência para a palavra “menor” tem a conotação de “menor abandonado”, “menor delinquente”, “menor vítima”, “menor

41 BRASIL. Código de Menores de 1927. Disponível em: «http://www.promenino.org.br/». Acesso em: 15 de fev. 2012.

42 O Capítulo V do Código incorporaria um decreto de 1924 em que aparece pela primeira vez o termo

adolescência na legislação nacional (COLOMBO, I. Op. cit., p. 58).

43 COSSETIN, Márcia. Sócio educação no Estado do Paraná: os sentidos de um enunciado necessário. 190f. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Cascavel, PR: UNIOESTE, 2012.

44 BRASIL. Op. cit.

45 ZANIANI, E. J. M. Op. cit., p.64 46 CÂMARA, S. Op. cit.

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transviado”, “menor promiscuo”, “menor vagabundo” etc., adquirindo um tom pejorativo popular e socialmente ligado a esse termo.

O fadário de meninos(as) pobres, abandonados, desviados, vagabundos ou futuros bandidos, seriam as escolas que os reformassem ou que influísse o interesse pelo trabalho e disciplina moral, ou seja, um lugar que os recuperasse, antes que se tornassem adultos incorrigíveis.48

Concordando com Feitosa,49 a promulgação do Código Mello de Mattos, em 1927,

continuou reafirmando práticas de segregação e confinamento, marcando a infância pobre, entregando ao juiz o lugar de autoridade máxima na solução de conflitos sociais e negando as contradições sociais da época ao desassociar a criminalidade infanto-juvenil da base material “marcada pela desigualdade social produzida pelo capitalismo”,50 dando continuidade a

ideologia de que a violência era um problema pessoal, orgânico ou hereditário.

Quando se incorporou a categoria “menor” e outras já referenciadas também veio à idealização de outros mecanismos para a correção e “para cada categoria o cerne da atenção projetada também se diferenciava”.51

No Brasil, desde o Império, já havia locais designados para a infância abandonada,52

porém neste momento pesquisado o comportamento desviante estava tomando feitio de enfermidade social. Nesse sentido,

A docialização do caráter e a incursão de hábitos saudáveis através do trabalho, conformavam com o modelo requisitado de homem para o desenho de uma nação civilizada. Esse seria o mote das medidas reivindicadas por grande parte dos intelectuais republicanos que concebiam o trabalho como melhor.53

Foi dado ênfase para a institucionalização. A necessidade de institucionalizar seria a melhor contenção, pois afastava o sujeito do seu meio, de suas companhias e, principalmente, de sua família que muitas vezes eram consideras culpadas pelas infrações juvenis. A

48 ZANIANI. E. J. M. Op. cit.

49 FEITOSA, J. B. “A institucionalização do adolescente autor de infração”. In: BOARINI, M. L. (Org.).

Higiene mental: ideias que atravessaram o século XX. Maringá: Edeum, 2012. p. 79-110.

50 Ibidem, p.94.

51 ZANIANI, E. J. M. Op. cit., p. 66

52 No Rio de Janeiro, no ano 1861, o Decreto nº 2745 criou o Instituto dos Menores Artesãos da Casa de Correção da Corte.

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institucionalização era entendida como tratamento ou reeducação: para o abandonado, as Escolas de Prevenção e, para o infrator, as escolas de Reformas.54

As denominações dos locais de institucionalização eram assim definidas: os Abrigos de Menores eram locais de recolhimento primário e onde se realizava a triagem dos entendidos menores. Os que eram considerados abandonados ficavam nas Escolas de Preservação, Patronatos Agrícolas e outras Escolas de Ofícios. As Escolas de Reforma eram destinadas para promover a regeneração dos considerados menores infratores, menores delinquentes, transviados, etc.55

A profissionalização de crianças e jovens pobres, como estratégia disciplinadora, foram de uso intenso e frequente, O discurso sobre a criança pobre como vagabunda, as propostas de correção através de educação pelo e para o trabalho e as práticas de enquadramento em um padrão, exercícios físicos e ensino prático (oficinas, agricultura, etc.) foram homogeneizadas de forma à obtenção de similaridades, que dificultam ao pesquisador a identificação na história, de seus cenários institucionais.56

No estado do Paraná,

Após a criação do Juizado Privativo de Menores em Curitiba, dentro de suas próprias instalações, na esquina da rua Marechal Floriano com a Avenida Sete de Setembro, optou-se pelo trabalho industrial. Pretendia regenerar os adolescentes pelo trabalho educativo industrial. Em 1927 a Escola de Preservação Masculina do Juizado teve instaladas suas oficinas de alfaiataria, sapataria e ferraria.57

Por influência do Código de Menores, em 1927, no Paraná, foi criada a Escola de Reforma do Canguiri, a qual tinha o objetivo de regenerar os adolescentes infratores através do trabalho educativo; predominando, neste caso, a atividade agrícola. Nota-se que no Paraná já era, na maioria dos casos, a opção pelo trabalho educativo rural como fator regenerador. Como salienta a Lei Estadual 887, de 12 de abril de 1909:

Art. 3º Tendo por base de sua organização o ensino agrícola, reconhecido como o mais eficaz, como agente educativo, a Colônia Infantil será estabelecida na parte não cultivada do Campo de

54 COLOMBO, I. Op. cit.

55 KUHLMANN JUNIOR. M. Op. cit.

56 DIEZ, C. L. F. “Escolas de reeducação do Paraná: da assistência à pobreza não disciplinarizada, à constitui-ção do ‘arquipélago carcerário’”. XXI Reunião ANPED. Caxambu, MG – GT História da Educaconstitui-ção – se-tembro de 1998. Disponível em: «http://carmendiez.8m.com/Arquivos/reedpr.htm». Acesso em 26 abr. 2013.

(12)

Experiências do Bacachery em área previa e perfeitamente limitada, mas de modo que a aprendizagem teórica e pratica de agronomia e zootecnia possa ser feita, sem argumento de despesas.58

Na Mensagem Oficial de 1928, o Governador do Paraná, Caetano Munhoz da Rocha, expressou particular atenção para este trabalho, procurando dotar de todas as instalações necessárias e aparelhamento indispensável para que culminasse em um trabalho satisfatório para os devidos fins. Sobre os Abrigos de Menores e Escolas de Preservação e de Reforma, discursou: “têm correspondido inteiramente ao objetivo da sua criação estes institutos de amparo e proteção aos menores abandonados e delinquentes”.59

Em 1928, na Escola de Preservação, seção masculina, foram recolhidos 203 adolescentes. O Governador Caetano Munhoz da Rocha destacou que 105 meninos frequentaram as aulas de instrução primária e na seção feminina havia 136. Na Escola de Reforma foram recolhidos 61 menores masculinos e, na seção feminina, foram recolhidas 53 meninas, não contado os desligamentos. Ressaltou que em todas as seções funcionava a instrução primária com todos os seus regulamentos, instrução profissionalizante e oficinas.60

Desse modo,

[...] Em 1928 seus ocupantes são transferidos para o Instituto Disciplinar junto ao Campo Experimental do Bacacheri. Neste ano o conjunto formado pela Colônia Infantil, mais o Patronato Agrícola, mais o Instituto Disciplinar e as crianças e adolescentes vindos da escola de Reforma e Preservação de Curitiba, passa a se chamar Escola de Trabalhadores Rurais Carlos Calvacanti. Desta, sairão os adolescentes abandonados, vadios e infratores para constituir, mais ao norte, na Granja do Canguiri, a Escola de Reforma. Esta também receberá, mais tarde, os adolescentes da insustentável Ilha das Cobras.61

Em 1929, o Governador do Paraná, Affonso Alves de Camargo (1928-1930), continuou, assim como o seu antecessor, exaltando os trabalhos desenvolvidos no Abrigo de Menores (seção masculina e feminina), na Escola de Reforma e Preservação (seções masculina e feminina), “em pavilhão independente, no Azylo São Vicente de Paulo”.62

58 PARANÁ. Constituição do Estado do Paraná 1989. – Curitiba: Imprensa Oficial, 2006. Disponível em: «http://www.alep.pr.gov.br/system/files/corpo/constituic_parana.pdf». Acesso em: 15 out. 2013.

59 ROCHA, C. M. da. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Paraná no ano de 1928. p.183 Disponí-vel em: «http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/msg1928_p.pdf». Acesso em: 15 dez. 2012.

60 Idem.

61 COLOMBO, I. Op. cit., p.59

62 CAMARGO, A. A. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Paraná no ano de 1929. p.107 Disponí-vel em: «http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/msg1929_p.pdf». Acesso em 06 nov.

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No ano seguinte, Camargo lembrou que o país estava passando por uma fase de intensa atividade política e ressaltou que “o Paraná figura, entre as unidades federadas do Brasil, como uma das mais promissoras do futuro”.63

Alguns meses após o pronunciamento do Governador do Paraná, Affonso Alves de Camargo, foi deflagrada a Revolução em outubro de 1930. No mesmo mês, os partidários de Getúlio Vargas, com apoio das forças militares, apossaram-se do governo estadual paranaense, instalaram um governo provisório e substituíram as autoridades no interior.64

O então Governador do Estado do Paraná, Affonso Alves de Camargo, foi deposto, e o general Mário Alves Monteiro Tourinho (1930-1931) assumiu como o primeiro Interventor.65 Sobre a questão social, o Interventor Federal do Paraná, General Mario

Tourinho discorre ao chefe do governo Provisório da República Getúlio Vargas:

A questão social, resumida no problema proletário, deve constituir a mais premente preocupação dos governos e dos povos atuais, porque de sua pronta solução está hoje necessariamente dependendo a própria garantia e a estabilidade da ordem humana no Planeta (TOURINHO, 1931, p. 39).

Uma nova proposta é exposta. Com interesse na urbanização, houve uma grande aproximação dos interesses de industriais e do governo, cooptando os operários. “Os industriais passam a exigir do novo governo mudanças na Constituição e no Código de Menores, com fim de permitir que crianças menores de 14 anos possam trabalhar”.66

De acordo com Ferreira,67 o Estado Novo estava se caracterizando por uma política

centralizadora e intervencionista em todos os sentidos e a orientação em relação aos que eram entendidos como menores tiveram a mesma especificidade do governo autoritário estado

2012.

63 CAMARGO, A. A. de. Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo do Paraná no ano de 1930. p.3 Disponí-vel em: «http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/msg1930_p.pdf». Acesso em: 06 nov. 2012.

64 BONDARIK, R. “Revolução de 1930: o Paraná e o norte pioneiro.” Artigo desenvolvido para o PDE, 2007, SEED-PR. Visualizado em: «http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/produ-coes_pde/md_roberto_bondarik.pdf». Acesso em: 16 jul. 2013.

65 O Sistema de Interventorias foi acionado após a vitória dos “revolucionários” de 1930, como mecanismo político-institucional. Pelo Código dos Interventores, nome dado ao Decreto nº 20.340, de agosto de 1931, Getúlio Vargas visava, sobretudo, regulamentar o controle por ele exercido sobre as interventorias estaduais (DAGOSTIM, M. W. O imaginário político paranaense na “era Vargas”: a representação social da figura pública de Manoel Ribas (1930-1937). Trabalho de Conclusão de Curso de História - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008, p. 33).

66 COLOMBO, I. Op. cit., p.62

67 FERREIRA, L. V. P. Menores desamparados da Proclamação da República ao Estado Novo. Disponível em: «http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/05/artigo-7a5.pdf». Acesso em: 31 out. 2015

(14)

novista. “As questões econômicas e sociais passam a serem questões nacionais numa visão da intervenção política no âmbito do Brasil como um todo e como forma de se desestruturarem os poderes regionais”.68

O tratamento dado à política de menores articulava-se em consonância com uma concepção de Estado que privilegiava o trabalho e o bem-estar coletivo em detrimento das liberdades individuais. A educação para o trabalho era a tônica das práticas propostas pelo governo. A intenção era criar cidadãos preparados para o trabalho.69

A política menorista do Estado Novo buscava a articulação nas ações governamentais com o setor privado,70 principalmente com o setor religioso, sendo que as

instituições privadas recebiam verbas e orientações do Estado.

No Estado do Paraná isto também ocorria, mas não era relatado nas mensagens governamentais. Exemplo disto foi a Mensagem de 1931 do Interventor Federal General Mário Alves Monteiro Tourinho, o qual relatou que assistência social era mantida diretamente pelo Estado e constituía-se dos Abrigos de Menores e Escolas de Reforma, com seções masculinas e femininas e o Asilo São Vicente de Paula que abrigava a velhice desamparada. Informava que: “a secção masculina do Abrigo de Menores hospeda atualmente 118 crianças e a feminina 103; na secção masculina da escola de reforma acham-se internados 69 menores e na feminina 29”.71

O poder governamental se fortaleceu e se hegemonizou em todo o território nacional, em contraposição ao período anterior, no qual as ações dos governos eram pontuais e desarticuladas nacionalmente. Isso possibilitou articulações e uniformização de vários segmentos nacionais.72

No governo de Getúlio Vargas, foram sistematizadas as leis e os órgãos governamentais, abrangendo os setores de controle da relação de trabalho, de educação, de assistência social, de previdência, de energia e petróleo, de controle mineral e de águas, da política para menores, entre outras.73

68 FALEIROS, V. de P. Op. cit., p. 23 69 FERREIRA, L. V. P. Op. cit. p.09 70 Idem.

71 TOURINHO, M. Mensagem dirigida pelo Interventor Federal do Paraná ao Chefe do Governo Provisório da República Dr. Getúlio Vargas no ano 1931. p. 41 Disponível em: «http://www.arquivopublico.pr.go-v.br/arquivos/File/pdf/Mensagem_1931_Governo_Republica_MFN_937.pdf». Acesso em: 13 nov. 2012. 72 COLOMBO, I. Op. cit.

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Em 1934, foi outorgada a Constituição Federal. Esta foi à primeira Constituição Federal do país a possuir um capítulo referente à esfera econômica e social. Foi, também, precursora na definição de responsabilidades sociais do Estado, tais como a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, dando ensejo a novas iniciativas governamentais no campo das políticas sociais.74

A Assistência Social, nas Mensagens Oficiais dos Governadores Interventores do Paraná, abordou uma questão prioritária.

É outro assumpto que tem merecido especial atenção do Governo. Assaz notável é o facto de não haver mendigos perambulando pelas ruas da Capital. Os raros que aparecem, de quando em quando, a Polícia encaminha com presteza às instituições mantidas para esse fim, e os falsos pedintes são devidamente processados.75

Ainda na Mensagem de 1935, Manoel Ribas (1932-1945), também como Interventor Federal, expressou que os Abrigos destinados a menores, os reformatórios masculino e feminino, o Asylo São Vicente de Paulo e os outros estavam funcionando perfeitamente. Quando se referiu as instituições expôs: “O Governo tem mantido e ampliado às instituições que possuem o Estado, com o fim de amparar os menores abandonados e delinquentes e os velhos inválidos e enfermos”.76

Com argumentos de proteção e assistência ao menor, muitas dessas escolas não passavam de “reformatórios” ou de verdadeiras “prisões correcionais”.77

O Governador Manoel Ribas, ao assumir a interventoria do Paraná, vislumbrou na vocação agrícola uma saída estrutural para a economia. Surge o Paraná como “Celeiro do Brasil” e o governo vinculava, nas propagandas da época e nas mensagens do Governador para o legislativo,78 “uma obra construtora de riquezas para o Paraná como fio condutor das

principais orientações políticas da administração Manoel Ribas deste período aqui”.79

74 DEBONI, M. I. M. Op. cit.

75 RIBAS, M. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado, ao instalar-se a 1ª. Legislatura da Se-gunda República em 1935. p. 17. Disponível em: «http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arqui-vos/File/pdf/Ano_1935_MFN_938.pdf_1935_MFN_938.pdf». Acesso em: 13 nov. 2012.

76 Ibidem, p.20

77 DEBONI,M. I. M. Op. cit. 78 Idem.

79 DAGOSTIM, M. W. O imaginário político paranaense na “era Vargas”: a representação social da figura pública de Manoel Ribas (1930 -1937). Curitiba, PR: Universidade Federal do Paraná, 2008. Trabalho de Conclusão de Curso de História, p. 39.

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Em mensagem ao legislativo, em 1935, o Governador Manoel Ribas salientou: “Intensificar por todos os meios a lavoura e a pecuária, é conduzir o Estado á sua grandeza”.80

Até então a base do crescimento econômico do estado do Paraná era uma economia capitalista periférica.

A cafeicultura, tratando-se dos Estados mais fortes política e economicamente, e a economia do mate, no que tange ao Estado do Paraná, haviam proporcionado respectivamente um desenvolvimento urbano-industrial, o qual reclamou uma maior integração econômica baseada no mercado interno. Se tal mercado interno, por um lado vinha abrindo caminho para o crescimento econômico brasileiro, por outro lado, necessitava, para a sua expansão, responder às turbulências internas e externas, agravadas neste momento da conjuntura da crise de 1929.81

Conforme a Mensagem do Governador Ribas, em 1936, o estado do Paraná vinha trabalhando com verba orçamentária pendente. A partir daí “a política econômica da gestão Ribas procurou incentivar a iniciativa privada através do fomento à agricultura e à pecuária”.82

Repercutiu-se na forma de investimento para a educação e criação de alguns cargos que remetiam a fiscalização dos estabelecimentos criados nesta gestão, principalmente aquela educação profissionalizante destinada ao menor desvalido. Como o cargo de Instrutor de Cultura Physica, construção de estabelecimentos voltados para ensinos profissionalizantes como o prédio da Escola de Aprendizes Artífices, onde hoje está a Universidade Tecnológica Federal do Paraná.83

Conforme relato da Mensagem do Governador Manoel Ribas, em 1935, percebe-se o direcionamento de ensino agrícola e instalações de instituições para atendimento aos menores delinquentes que podia ser resolvido de forma “racional e proveitosa para nossa economia”.84

A Ilha das Cobras foi preparada para os menores delinquentes:

O Governo apoiou uma sugestão do então Chefe de Policia do Estado, Tte. Cel. Sylvio Van Erven, no sentido de ser transformada e adaptada a Ilha das Cobras, no município de Paranaguá, para a instalação de uma Colônia Correcional, para a reclusão de pequenos delinquentes (uma vez alterado o respectivo Código), que receberiam ali ensinamentos agrícolas. Nesse sentido, entrou o Governo em entendimento com o Ministério da Marinha, sendo a referida ilha cedida ao Estado, a titulo precário.85

80 RIBAS, M. Op. cit., p.31. 81 DAGOSTIM, M W. Op. cit.,p.12 82 Ibidem, p.40-41

83 Idem. 84 Idem.

(17)

Houve a construção do “edifício onde se acha instalada a Escola de Trabalhadores Rurais ‘DR. Carlos Cavalcanti’, tipo moderno com dois pavimentos e todas as acomodações necessárias”.86 Esta escola recebeu 200 alunos internos que eram do Abrigo de Menores (seção

masculina), que estavam outrora alojados no prédio situado na Rua Marechal Floriano e agora tinham sido transferidos para esta escola com intuito de receber ensino preciso e prático que “os habilitará a exercerem a profissão de trabalhadores ruraes”.87

Além dos internos, a Escola de Trabalhadores Rurais Dr. Carlos Cavalcanti atendia 600 alunos externos que “receberam instrução igual á que é ministrada nos grupos escolares, foi iniciada e concluída em 1934”.88

O Regulamento interno da Escola de Trabalhadores Rurais Dr. Carlos Cavalcanti, tinha sido aprovado pelo Decreto nº 234, em 22 de fevereiro de 1935. E para reforçar a campanha sobre a agricultura

[...] o governo do Paraná não se descuidou de todos os problemas que se relacionam com a agricultura, da qual estava dependendo, em grande parte, emancipação econômica. Continuarei a ‘empregar todos os meus esforços, para a victoria dessa campanha’.89

Na Mensagem, de 1936, o Governador Manoel Ribas falou sobre o esforço do governo em manter os estabelecimentos de Assistência Social funcionando regularmente. “Dessa maneira, o amparo aos menores abandonados e aos que enveredam pelo caminho do crime, bem como aos velhos que se tornam inválidos e aos enfermos, é uma vitoriosa realidade em nosso Estado”.90 Ele prometeu que se esforçaria, no sentido de ampliar e melhorar as

beneméritas instituições, e na mesma mensagem acrescentou que:

O Abrigo de Menores e Escola de Preservação (Secção Masculina), passaram a constituir a Escola de Trabalhadores Rurais ‘Dr. Carlos Cavalcanti’, achando-se instalada em edifício novo e apropriado, cuja construção ideei e realizei com o fim de dar o máximo conforto material e ensinamentos proveitosos aos menores que se achavam pessimamente localizados em acanhado prédio.91

86 Ibidem, p.23 87 Ibidem, p.34 88 Ibidem, p.23 89 Ibidem, p.34

90 RIBAS, M. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado, ao instalar-se a 1ª. Legislatura da Se-gunda República, em 1936. p. 13 «http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/Ano_1936_-MFN_939.pdfvos/File/pdf/Ano_1936_MFN_939.pdf». Acesso em: 13 nov. 2012.

(18)

De acordo com Colombo,92 a Escola de Trabalhadores Rurais Dr. Carlos Cavalcanti

nunca foi vinculada a Secretaria de Educação, então não poderia ser chamada de escola. Sobre este fato Cossetin,93 comprova “pois ao investigarmos o registro de matrículas escolares

provenientes dessas instituições no Arquivo Público do Estado do Paraná no período demarcado, não as encontramos”.94

Em novembro de 1936, foi inaugurada a Escola de Pescadores Antônio Serafim Lopes, conforme a Mensagem do Governador Manoel Ribas (1937). Ela tinha a finalidade correcional e foi construída na Ilha das Cobras, na baía de Paranaguá, tendo capacidade para 100 alunos. A Escola possuía todas as instalações necessárias para cumprir os objetivos propostos: “possui diretor sob cuja orientação ministra-se ensino regular aos menores que ali se acham recolhidos”.95

O Governador acrescentou que esse empreendimento foi um compromisso do governo pela infância e pela juventude paranaense. Ressaltou a beleza do lugar e que naquele ambiente “recebem educação, instrução, ensinamentos morais e cívicos, lições de trabalho e de pesca, num largo robustecimento físico, para se converterem em cidadãos uteis à Pátria, à família e aos seus semelhantes”.96 Entretanto,

Esse novo estabelecimento, anunciado como de ‘prevenção, preservação e regeneração’, foi um local que, anteriormente, destinava-se a receber estrangeiros que necessitavam passar por um período de quarentena e já havia servido também como leprosário. Compreendemos então, que esta instituição pode ter se prestado aos objetivos de preservação da sociedade do convívio com os chamados delinquentes e abandonados, mas não teve, certamente, esse mesmo significado para os que ali estiveram reclusos. Todavia, só foi fechada em 1955, após uma fuga em massa e diversas denúncias de violência e de maus tratos que passaram a emergir nos noticiários da capital.97

Os adolescentes que eram enviados para a Ilha das Cobras passavam a ficar isolados, sem contato com as autoridades do Juizado de Menores e sofriam com os maus tratos, com a superlotação, com a alimentação insuficiente, com a falta de vestuário e com o pouco ensino que era fornecido,98 sendo que “o orfanato e a prisão para crianças e jovens são imagens que

92 COLOMBO, I. Op. cit. 93 COSSETIN, M. Op. cit. 94 Ibidem. p. 85

95 RIBAS, M. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado, ao instalar-se a 1ª. Legislatura da Se-gunda República, em 1937. p. 28. «http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/A-no_1937_MFN_940.pdfdf/Ano_1937_MFN_940.pdf». Acesso em: 13 nov. 2012.

96 Ibidem. p. 29

97 COSSETIN, M. Op. cit., p. 85-86 98 COLOMBO, I. Op. cit.

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assustam quem está fora deles e apavoram quem está dentro”.99 A partir do momento em que

o Estado escolheu políticas de internação para crianças abandonadas e infratoras, ele escolheu educar pelo medo.100

Em 1937, o Governador Manoel Ribas exaltava a atenção que o governo dispensava aos estabelecimentos de assistência social: “continuam prestando relevantes serviços concernentes ao amparo da velhice e da infância abandonada e à reforma e regeneração dos menores perversos e delinquentes”.101

E continuou pontuando:

A assistência a menores abandonados e delinquentes do sexo masculino processa-se hoje de forma mais racional e eficiente que antes, através da Escola de Operários Rurais ‘Carlos Cavalcanti’ da Escola de Pescadores ‘Antônio Serafim Lopes’ e da Escola de Reforma do Canguirí, estabelecimentos que são algo mais que simples asilos de recolhimento, pois constituem educandários completos, onde a instrução técnico-profissional prepara homens aptos para a vida em sociedade.102

Divergindo da Mensagem do Governador Manoel Ribas,103 Colombo104 ressaltou

que as instituições que eram destinadas a instrução era apenas discurso pedagógico que o Governador usava como componente principal para a ressocialização. Sobre estas instituições o Governador discursava “afirmando uma abordagem educacional, mas, sob a tutela da polícia e juízes”.105

Os adolescentes estavam esquecidos, principalmente os que eram mandados para a Escola que se localizava na Ilha das Cobras, na cidade de Paranaguá e que desde sua fundação apresentou inúmeros problemas.106

Como Mansão Diabo era conhecida a Escola de Pescadores Antônio Serafim Lopes, na Ilha das Cobras, na baía de Paranaguá, instalada em pavilhão que era utilizado até o século passado para a quarentena de estrangeiros que chegavam ao país via Porto de Paranaguá, conforme o país de origem e as práticas de saúde das várias épocas. A implantação dessa Escola concretizou as leis de fins do século passado e do início deste, que autorizavam a criação de colônias correcionais ou instituto disciplinar, em uma das ilhas do litoral. Destinada a menores, desde sua fundação em 1936, teve o 99 PASSETTI, E. Op. cit., p. 356

100 Idem.

101 RIBAS,M. Op. cit., 1937, p.39 102 Ibidem, p.40

103 Idem.

104 COLOMBO, I. Op. cit. 105 Ibidem, p.83

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destino de seus reclusos colocado sob a certeza da maior penúria, a partir das seleções propostas no relatório de 1946, seleção perversa, que relegou a escola ao esquecimento quanto ao suprimento de suas necessidades, num primeiro momento as consideradas supérfluas, como educação e ensino, e em seguida, das mais elementares.107

Se, por um lado, a introdução dessas obrigações do poder público no novo sistema legal sugeria um salto de qualidade nos serviços sociais existentes na época, expressando novas determinações políticas e ideológicas na relação entre o Estado e a sociedade civil, por outro lado, as formulações da política social introduzidas pelo modelo adotado na esfera governamental, além de manifestadamente assistencialistas, eram correntemente utilizadas como instrumentos de controle e repressão das reivindicações por melhores condições de vida, promovidas por segmentos organizados da classe trabalhadora, a representação do Estado como paternalista.108

Com a instalação do Estado Novo, no ano de 1937, outro período pode ser demarcado para aquele modelo inicial de organização das políticas sociais no país. A educação tinha garantia para as crianças e para os adolescentes, porém, dentro das instituições voltadas para o adolescente que era percebido como delinquente e aos abandonados, a educação era puramente direcionada para o trabalho.

O discurso apontava para a educação como alternativa e solução para a questão dos infratores, a fórmula pedagógica para este caso era a do trabalho educativo, mas na instituição a prática se resumia em disciplinamento e trabalho, puro e simples.109

A Constituição outorgada em 1937 reforçou o controle central do Governo no território nacional, “evitando divergências de classes e articulando o privado e o estatal, na educação, na saúde, nas relações sindicais e de trabalho e no atendimento à criança e ao adolescente”.110Outras legislações foram anunciadas neste Governo, sempre tentando, na

atuação do Estado, o controle de todas as esferas. Para tanto, algumas leis foram criadas para

107 Idem.

108 COLOMBO, I. Op. cit. 109 Ibidem, p.63

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favorecer a camada mais empobrecida da população, como: Conselho Nacional do Serviço Social, em 1938, e a Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1943.111

Para o atendimento aos menores, foi criado um conjunto de ações que foram deflagradas pelo Departamento Nacional da Criança (DNCr), em 1940, pelo Serviço Nacional de Assistência a Menores (SAM), em 1941, e pela Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942. No entanto, suas alterações não foram significativas, visto que poucas foram às modificações da legislação que vigoravam desde 1927.112

O Decreto-lei 6.026/43, também se preocupou mais em estabelecer o procedimento de apuração da prática da infração penal, estabelecendo duas modalidades de processos para infrações praticadas por menores, conforme a faixa etária. Até 14 anos, o procedimento se faria necessariamente diante do juiz de menores, podendo, na faixa etária de 14 a 18 anos, iniciar-se na polícia com posterior intervenção do Juiz de Menores.113

Partindo do pressuposto de um modelo tutelar, que se estenderam a partir do Decreto 6.026/1943, no Brasil, muitos foram os países que instituíram sistemas presididos por juízes de menores, muitas vezes sem a intervenção do Ministério Público, o que tornava os tribunais livres pela decisão da medida ao menor, “sem que tivesse qualquer peso o fato cometido pelo infrator, mas considerando-se tão-somente suas circunstâncias pessoais, familiares e sociais”.114

Deve-se destacar que o Brasil, no início da década de 1940, estava passando por um período considerado notadamente autoritário, ditatorial, iniciado em 1937, com o golpe de Estado, pelo presidente da República, Getúlio Vargas. Neste período foi inaugurada uma política mais aberta para a proteção e a assistência ao menor e à infância, “representada pela criação de órgãos federais que se especializaram no atendimento a essas duas categorias, agora indiscutivelmente separadas e especificas: o menor e a criança”.115

Especialmente em 1941, no que se referia à assistência pública, o menor e seus dissabores vinham sendo regidos pelo campo jurídico, através de Juízes de Menores e por alguns estabelecimentos para menores. Porém, em 1941, o governo federal criou um órgão que

111 Idem. 112 Idem.

113 SHECAIRA, S. S. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 40 Idem.

114 Idem.

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deveria centralizar a assistência ao menor. Neste contexto, foi instituído o Serviço de Assistência ao Menor – SAM. 116

A criação do Serviço de Assistência aos Menores (SAM) não pode ser entendida somente como uma atitude de caráter centralizador de um governo ditatorial. Deve-se levar em conta que, há pelo menos três décadas, os “apóstolos” da assistência vinham defendendo o lema de sua centralização em um órgão que passaria a ter o controle sobre as ações dirigidas a esta população, tanto do setor público quanto do privado.117

O SAM ficou responsável pela sistematização e orientação dos “serviços de assistência a menores desvalidos e transviados”.118 Para os delinquentes ou transviados,

restavam às escolas públicas de reforma, as colônias correcionais e os presídios; os menores carentes e abandonados eram destinados aos patronatos agrícolas e às escolas de aprendizes de ofícios urbanos, com algumas iniciativas privadas. Os estabelecimentos federais, como alguns institutos e patronatos agrícolas, ficaram subordinados ao SAM.119

Mas, o SAM “alcançou uma fama tal que automaticamente nos remete à imagem de uma enorme estrutura cuja atuação representava mais uma ameaça à criança pobre do que propriamente proteção”.120 “Algumas representações o órgão foi adquirindo com o tempo,

como: “Escola do Crime”, Sucursal do Inferno” “Fábrica de Monstros Morais”, “SAM – Sem Amor ao Menor”, entre outras.121

O SAM não era a única entidade que atendia os menores, uma vez que foram criadas algumas entidades federais ligadas à figura da primeira dama. Alguns destes programas tendiam para o campo de trabalho, todos eles atravessados pela prática assistencialista.122

Algumas entidades foram criadas, tais como: LBA - Legião Brasileira de Assistência; Casa do Pequeno Jornaleiro; Casa do Pequeno Lavrador; Casa do Pequeno trabalhador e Casa das Meninas.123

116 RIZZINI, Irene. Op. cit. 117 RIZZINI, Irma. Op. cit., p. 262 118 RIZZINI, Irene. Op. cit., p. 264 119 Idem.

120 RIZZINI, Irma. Op. cit., p. 266 121 Idem.

122 LORENZI, G. W. “Uma Breve História dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil”. Disponível em «http://www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/70d9fa8f-1d6c-4d8d-bb69-37d17278024b/Default.aspx#top». Acesso: 09 jun. 2013.

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Algumas considerações

Como foi mencionado, foi promulgado, em 1927, o Código Mello de Mattos que trouxe, em sua redação, a terminologia “menor” para se referir aos adolescentes abandonados e/ou delinquentes. A terminologia “menor” foi mantida em documentos oficiais e nos discursos dos políticos e autoridades do estado do Paraná. Dessa forma, pode-se constatar, por meio das Mensagens Oficiais dos Governadores do estado do Paraná, no período de 1928 até 1945, que o processo de institucionalização para a proteção e assistência aos adolescentes foi permeado pela utilização das terminologias “Menores Abandonados”; “Menores Delinquentes”; “Infância Abandonada” ou simplesmente “Menor”. Conforme Quadro 1, a terminologia predominante foi “menor abandonado” que, de certa forma, é explicado pela existência do documento Código Mello de Mattos, de 1927, e pela Constituição Federal de 1934, precursora na definição de responsabilidades sociais do Estado.

Quadro 1 Terminologias utilizadas nas Mensagens Oficiais dos Governadores do Estado do Paraná (1928 – 1945)

GOVERNADORES MANDATOS TERMINOLOGIAS

Caetano Munhoz Rocha 1924-1928 Infância Desvalida; Menores Viciosos; Menores Desvalidos; Menores Abandonados; Menores Vadios e Libertinos

Affonso Alves De Camargo 1928-1930 Menores Abandonados e Menores Delinquentes

Interventor Federal Mário Alves

Monteiro Tourinho 1930-1931 Menores

Interventor Federal Manoel Ribas 1932-1945 Menores Abandonados; Menores Perversos; Menores Delinquentes e Infância Abandonada

Fonte Mensagens Oficiais dos Governadores do Estado do Paraná de 1928 a 1945. Elaboração da autora. As Mensagens Oficiais dos Governadores do estado do Paraná, portanto, preconizavam a preocupação com a questão do menor. Uma parte das discussões estava voltada para a proteção das crianças e adolescentes desamparados e a outra parte das discussões estava voltada para a coerção, pois a preocupação com a violência estava relacionada ao ideário de que a delinquência estava remetida ao menor marginalizado. Constatou-se que no período analisado a preocupação com o processo de institucionalização para a proteção e

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assistência das crianças e adolescentes que viviam na pobreza, considerada uma predeterminante para a criminalidade, tinha como uma das metas a formação para o trabalho.

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