PORTUGUÊS: Literatura Brasileira
Ensino médio – 3ª série
Orientações gerais
1.
O melhor método para se preparar para uma prova de literatura
é a leitura das obras indicadas.
2.
Um dos maiores erros é ler resumos, pois somente a leitura das
obras indicadas possibilita o conhecimento dos aspectos
linguísticos e estilíticos dos autores, aspectos cobrados nas
avaliações.
3.
Pelo mesmo motivo, outro erro é assistir a um filme no lugar da
leitura das obras indicadas. Lembre-se de que o filme é uma
adaptação da obra literária e favorece, essencialmente, o
entendimento do enredo. Outros aspectos literários somente serão
percebidos por meio da leitura integral da obra.
4. Entenda o que é cobrado em relação às obras.
A. No Sigma, o roteiro de leitura entregue em cada período
esclarece os aspectos que serão avaliados.
B. Nos vestibulares, as questões já aplicadas esclarecem esses
aspectos. Lembre-se de que cada universidade cobra aspectos
diferentes das leituras: algumas cobram trechos mais pontuais
relacionados aos livros e personagens e outras, tópicos
relacionados com o contexto atual.
Particularmente, no PAS, esses aspectos estão claros na Matriz
dos Objetos de Avaliação do Programa (também abordados no
roteiro de leitura do Sigma, que indica, primordialmente, as obras
do PAS).
5. Encaixe a leitura das obras indicadas em seu ritmo diário de
estudo. A leitura muito rápida, ou de última hora, faz com que
pontos importantes para o entendimento e a análise das obras não
sejam percebidos e assimilados.
6. Caso você não consiga ler alguma obra indicada para o
vestibular,
A. entenda
o que a prova vai pedir e o contexto histórico das
obras,
B. recorra a resenhas e análises literárias, NUNCA A RESUMOS.
“Poética”, Manuel Bandeira
“O homem; as viagens”, Carlos Drummond de Andrade
“Química orgânica”, Vinícius de Moraes
Poética
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e [manifestações de apreço ao Sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho verná- [culo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador Político
Raquítico Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo. De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com [cem modelos e cartas e as diferentes
[ maneiras de agradar às mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira.
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O homem; as viagensO homem, bicho da Terra tão pequeno chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão, faz um foguete, uma cápsula, um módulo toca para a Lua
desce cauteloso na Lua pisa na Lua
planta bandeirola na Lua experimenta a Lua coloniza a Lua civiliza a Lua humaniza a Lua
Lua humanizada: tão igual à Terra. O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena a suas máquinas. Elas obedecem, o homem desce em Marte pisa em Marte
coloniza civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado. Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho sofisticado e dócil. Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus, vê o visto – é isto?
idem idem idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa repetir o inquieto repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias. O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol. Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro espanhol domado.
Restam outros sistemas fora do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos só resta ao homem (estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo: pôr o pé no chão do seu coração experimentar colonizar civilizar humanizar o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.
Química orgânica
Há mulheres altas e mulheres baixas; mulheres bonitas e mulheres feias; mulheres gordas e mulheres magras; mulheres caseiras e mulheres rueiras; mulheres fecundas e mulheres estéreis; mulheres primíparas e mulheres multíparas; mulheres
extrovertidas e mulheres inconsúteis; mulheres homófagas e mulheres inapetentes; mulheres suaves e mulheres wagnerianas; mulheres simples e mulheres fatais; - mulheres de toda sorte e toda sorte de mulheres no nosso mundo de homens. Mas, do que pouca gente sabe é que há duas categorias antagônicas de mulheres cujo
conhecimento é da maior utilidade, de vez que pode ser determinante na relação desses dois sexos que eu, num dia feliz, chamei de "inimigos inseparáveis". São as mulheres "ácidas" e as mulheres "básicas", qualificação esta tirada à designação coletiva de compostos químicos que, no primeiro caso, são hidrogenados, de sabor azedo; e no segundo, resultam da união dos óxidos com a água e devolvem à tintura do tornassol, previamente avermelhada pelos ácidos, sua primitiva cor azul.
Darei exemplos para evitar que os ínscios e levianos, ao se deixarem levar pela mania de classificar, que às vezes resulta de uma teoria paracientífica, cometam injustiças irreparáveis. Pois a verdade é que mulheres que podem parecer em princípio "ácidas", como as louras (conf. com a expressão corrente: "branca azeda", etc.), podem apresentar tipos da maior basicidade. Não é possível haver mulher mais "básica" que Marylin Monroe,* por exemplo; enquanto que Grace Kelly, que muita gente pode tomar por "básica", é a mulher mais cítrica dos dias que correm. Podia-se fazer com Grace Kelly a maior limonada de todos os tempos, e nem todo o açúcar de Cuba seria capaz de adoçá-la.
De um modo geral, a mulher "ácida" é sempre bela, surpreendente mesmo de beleza. É como se a Natureza, em sua eterna sabedoria, procurasse corrigir essa hidrogenação excessiva com predicados que a façam perdoar, senão esquecer pelos homens. Porque uma coisa eu vos digo: é preciso muito conhecimento de química orgânica para poder distinguir uma "básica" ou uma "ácida" pela cara. A mulher "ácida" tem uma consciência intuitiva da sua química, e não é incomum vê-la querer passar por "básica" graças ao uso de maquilagem apropriada e outros disfarces próprios à categoria inimiga.
Como um homem prevenido vale por dois, dou aqui, por alto, noções geográficas e fisiológicas dos dois tipos, de modo que não chupe tamarindo aquele que gosta de manga, e vice-versa. À vol d'oiseau1 se pode dizer que as regiões escandinavas, certas regiões balcânicas e a América do Norte são infestadas de mulheres "ácidas", no caso da América, sobretudo o Sul e Middle West2, onde há predominância do tipo one hundred per cent American3. Ingrid Bergman é uma "ácida escandinava" típica e é
preciso ir procurar uma Greta Garbo para achar a famosa exceção comum a toda a regra. As Ilhas Britânicas em si não são "ácidas"; mas há que ter cuidado com certas regiões da Escócia e da Irlanda, onde o limão come solto. Na França, com exceção de Paris e Île-de-France4, e naturalmente da Côte d'Azur5, reina uma certa acidez,
sobretudo na Bretanha, Alsácia e Normandia. A Itália é "básica", tirante, talvez, o Veneto e a Sicília. Os Países Baixos são o que há de mais "ácido", Flandres ainda mais que a região fiamenga. A Alemanha é à base do araque. Há, aí, que ir mais pelo padrão psicofisiológico que pelo geográfico.
Desconfie-se, em princípio, de mulheres com muita sarda ou tache-de-rousseur6. Há
exceções, é claro; mas vejam só Betty Davis, * * que é de dar dor na dentina. É bom também andar um pouco precavido com mulheres, louras ou morenas, levemente dentuças. Acidez quase certa.
Felizmente, a grande maioria é constituída de "básicas", para bem de todos e
felicidade geral da nação. Sobretudo no Brasil, felizmente liberto, desde alguns meses, da sua "ácida número um" - aliás de outras plagas, diga-se, o peito inchado do mais justo orgulho nacional.
Vinícius de Moraes. 1 Em linha reta.
2 Centro Oeste.
3 Cem por cento americana.
4 Ilha de França - uma das 27 regiões administrativas da França. Sob o Antigo Regime, era uma
província francesa. Após a Revolução passou a chamar-se Região Parisiense, até 1975, quando recuperou o antigo nome.
5 Costa Azul - parte do litoral sul da França no Mar Mediterrâneo, indo de Toulon a Menton na fronteira
com a Itália. Também chamada de Riviera Francesa, esta região é considerada uma das áreas mais luxuosas, caras e sofisticadas do mundo.
6 Mancha de sardas.
* O autor congratula-se consigo mesmo de haver escrito, há dez anos, urna verdade que resulta em tão graciosa homenagem póstuma à grande estrela americana.