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Padrão e perfil do comércio de escravos da Bahia para o Rio Grande do Sul e Colônia do Sacramento, /

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Padrão e perfil do comércio de escravos da Bahia para o Rio Grande do Sul

e Colônia do Sacramento, 1760-70/1811-20

Alexandre Vieira Ribeiro

1

O porto de Salvador foi um dos principais receptores de mão-de-obra africana enquanto perdurou no Brasil o comércio transatlântico de escravos. De lá, muitos cativos foram redirecionados para diversas praças mercantis da América portuguesa, incluindo localidades distantes como Rio Grande do Sul e Colônia do Sacramento. Invariavelmente, esse deslocamento ocorria por via marítima, muitas vezes em navios apinhados de escravos.

É corrente na historiografia brasileira que o fluxo de escravos para a região sul do continente se dava via porto do Rio de Janeiro. De todo modo, é possível sugerir que a demanda por mão-de-obra escrava não fosse de todo atendida pelo porto carioca, cabendo à praça mercantil de Salvador o papel complementar. Tal proposição pode apontar para conexões comerciais envolvendo agentes baianos e aqueles localizados ao sul da América lusa, indivíduos que faziam ligações com diversas partes do Império português. Desta forma, o fluxo de cativos da Bahia para a extremidade sul da América portuguesa pode ser entendido como sendo constituinte da terceira perna do tráfico atlântico baiano (a primeira seria do interior africano aos portos de embarque; a segunda a travessia atlântica até o porto de Salvador).

Esta comunicação, portanto, a partir da analise dos registros de despachos de escravos da cidade de Salvador nos períodos de 1760-70 e 1811-20, tem como objetivo traçar o perfil desse comércio, bem como o padrão demográfico da escravaria remetida para Rio Grande do Sul e Colônia do Sacramento.

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O desenvolvimento da economia colonial brasileira esteve desde seu início atrelado à mão-de-obra escrava. Num primeiro momento, foi o índio a principal força motriz. Porém, ainda no século XVI, desembarcaram no litoral da América portuguesa as primeiras levas de africanos. No Setecentos, a presença do africano nas lavouras baianas e pernambucanas já era superior a do nativo. Invariavelmente, a reposição desta mão-de-obra se dava via tráfico atlântico. Dentro desta lógica econômica, o porto de Salvador, na Bahia, desempenhou papel imprescindível na importação de africanos e no abastecimento de escravo aos mercados regionais do nordeste e demais áreas do interior do Brasil, tornando-se um dos principais portos negreiros das Américas. De um comércio incipiente durante os séculos XVI e XVII, o tráfico expandiu-se ao longo dos anos seguintes, tornando-se uma atividade mercantil lucrativa.

O escravo africano chegava ao porto de Salvador num estado de exaustão física e moral após a longa travessia do Atlântico que durava em torno de dois meses. Em sua terra de origem, fora capturado, posto a ferros, separado de seus familiares, percorrera longas distâncias até ser embarcado em navios apinhados de africanos, onde conhecera as desventuras de uma viagem forçada, convivendo com os maus tratos dos seus condutores, a fome, a sede, a promiscuidade, as doenças e a morte. Ao desembarcar, seu proprietário o via como um importante investimento de capital. Muitos desses novos escravos eram destinados ao interior e cidades litorâneas da América portuguesa. Nos séculos XVI e XVII, os escravos eram direcionados primordialmente para regiões de pequenas dimensões, próximas ao porto de desembarque, áreas onde se cultivava a cana-de-açúcar. A venda do africano se fazia ou por leilão ou de um particular a outro. Neste período, os circuitos de redistribuição de cativos africanos ainda não eram tão desenvolvidos quanto os posteriormente constituídos nos séculos XVIII e XIX. Tratava-se, portanto, de um circuito pequeno de compra e venda.

Com a descoberta das jazidas de metais e pedras preciosas no interior da América portuguesa na última década do século XVII, incrementou-se a demanda por escravos na colônia, gerando um aumento no volume de africanos desembarcados na Bahia (cf. tabela 1). Neste momento, os circuitos de redistribuição de cativos tornaram-se mais complexos, com o surgimento de levas de comerciantes ligando o mercado de Salvador àqueles que necessitavam de mão-de-obra no interior da colônia. Muitos desses redistribuidores eram também traficantes atlânticos.

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Ano # de escravos Ano # de escravos Ano # de escravos 1582-1690 29 538 1741-50 87 694 1801-10 89 066 1691-1700 76 528 1751-60 75 833 1811-20 113 376 1701-10 85 719 1761-70 66 751 1821-30 99 437 1711-20 109 283 1771-80 73 267 1831-40 12 142 1721-30 106 962 1781-90 76 539 1841-51 64 329 1731-40 89 985 1791-1800 93 259 TOTAL 1 349 724 Fonte: Apêncice 1

A Coroa também lucrava com o fluxo de cativos entre o porto de Salvador e o circuito aurífero. O cargo de contratador do recolhimento dos direitos, que os comerciantes deviam pagar para redistribuir os cativos pela América lusa, era leiloado no Conselho Ultramarino, em Lisboa. O valor da taxa que devia ser paga ao contratador por cada “tratante” variava conforme o destino intencionado. Em 1757 Francisco da Silva Pereira arrematou por um período de três anos o contrato das saídas dos escravos das capitanias da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro que se dirigiam pela primeira vez para as “minas”, por um valor anual de 30:285$000 livres para a Fazenda Real. O contrato estipulava que se cobraria 4$500 por escravo que saísse das capitanias do Rio de Janeiro e Pernambuco e 9$000 quando partisse da Bahia.2 O escravo deveria obrigatoriamente ser despachado pela Provedoria da Fazenda Real. Estavam isentos de pagarem essa taxa os senhores que viajavam com escravos acompanhantes e os moradores do “caminho das minas” que levassem escravos para trabalharem em suas lavouras e não os passassem para as “minas”. Caso cometesse esse delito, o infrator seria preso e castigado por cada escravo descaminhado.3

Infelizmente não temos conhecimento da existência em arquivos de exemplares das guias emitidas em Salvador. Porém, foi possível recuperar dois livros de despachos de escravos partindo da capital baiana.4 Um onde constam passaportes para os anos de 1760 a 1770 e um outro para os anos de 1811 a 1820. Em ambos os códices é possível perceber estruturas semelhantes. As informações contidas na documentação são: data do despacho, nome do “tratante”, a quantidade de escravos e o destino. Na documentação do século XVIII é possível saber se o escravo é africano (novo ou ladino) ou crioulo. Em poucos também consta a origem étnica do cativo. Já para o século XIX, podemos identificar o sexo dos escravos.

2

Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), Mç 626, “Contrato da saída dos escravos da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco 1757”, pp. 1-2.

3

Idem, p. 2. 4

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Tais informações constantes nos livros de despachos podem ser ilustradas reproduzindo os registros abaixo.

Passaportes de escravos:

“Em 09 do dito mandou o mesmo governador passar passaporte a Justo Manoel Espindola para levar para as Minas pelo sertão, dois escravos de que pagou direitos”.5

“Em 15 do dito mandou o governador passar passaporte a João de Oliveira para levar para as Minas quarenta escravos de que pagou direitos e mais dois ladinos livre dos mesmos”.6

“Em 30 do dito a Antônio Francisco Ribeiro para levar para o Rio Grande do Sul um escravo e uma escrava”.7

“Em 22 de maio do dito ano a Francisco Aguiar para levar a Capitania do Espírito Santo 9 escravos e 4 escravas”8

Ao fornecer tais informações, a documentação de despacho de escravos nos permite aferir as flutuações do comércio atlântico de cativos e sua redistribuição nos mercados regionais da América portuguesa; a concentração dos negócios; a demografia dos escravos vendidos.

Da Bahia, muitos escravos partiam para seu derradeiro destino por via marítima ou por via terrestre. Em ambas as rotas, não estava excluída a possibilidade do “tráfico interno”, realizado por proprietários que revendiam seus escravos para outras capitanias em função da demanda de mão-de-obra. Em que pese a importância do “tráfico interno”, a tabela 2 nos mostra que no intervalo temporal de 1760 a 1770 o contingente de africanos representava quase a totalidade (99,3%) dos 17191 cativos despachados pelo porto de Salvador. Entre os africanos, 95,5% correspondiam a escravos novos. Desta forma, podemos perceber que a atividade de redistribuição dos escravos na cidade de Salvador estava intimamente associada ao comércio atlântico e, portanto, deve ser entendida como um trecho da rota transatlântica – a terceira perna do tráfico –, atividade distinta do “tráfico interno”.9

5 APEB, Códice 249, p. 15v. 6 APEB, Códices 249, p. 35. 7 APEB, Códice 252, p. 22. 8 APEB, Códice 252, p. 11. 9

Denominamos de terceira perna do tráfico atlântico o deslocamento dos escravos entre o porto de desembarque na América portuguesa até o seu destino no interior do continente. Já a primeira perna era o percurso do sertão africano (interior) até os portos de embarque no litoral e a segunda a própria travessia do Oceano Atlântico. Tal

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Tabela 2: Remessas anuais de escravos africanos (novos e ladinos) e crioulos de Salvador (1760-70)

Africanos Crioulos Anos

# Novos % Novos # Ladinos % Ladinos # %

Total de escravos 1760 1749 98,3 29 1,6 2 0,1 1780 1761 1119 91,9 96 7,9 2 0,2 1217 1762 1627 93,8 101 5,8 7 0,4 1735 1763 1637 96,0 65 3,8 4 0,2 1706 1764 1127 97,6 25 2,2 2 0,2 1154 1765 1243 98,5 13 1,0 6 0,5 1262 1766 1244 97,7 34 2,6 9 0,7 1287 1767 1102 95,1 51 4,4 6 0,5 1159 1768 2062 93,8 113 5,1 24 1,1 2199 1769 1012 85,0 149 12,5 30 2,5 1191 1770 2432 97,3 41 1,6 28 1,1 2501 Total 16354 95,1 717 4,2 120 0,7 17191

Fonte: APEB, Códice 249

A partir da análise dos registros de despachos de escravos de Salvador, localizados no códice 249 que se encontra sob a guarda do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), foi possível elaborar a tabela 3, onde podemos verificar os números de escravos despachados por capitania entre 1760-1770. Cerca de 60% dos cativos da Bahia eram remetidos para as minas. Tal fato se devia a forte demanda na mineração. Contudo, outras regiões se destacavam como acolhedoras de braços escravos, como por exemplo, Goiás, que captou cerca de 10% dos escravos saídos de Salvador. Em 1767, essa taxa chegou a um terço.

Mas o que nos chama atenção é a existência em meados do século XVIII de um fluxo de cativos partindo de Salvador em direção ao Rio Grande do Sul e Colônia do Sacramento. Essas localidades tinham fortes ligações comerciais com o porto do Rio de Janeiro. Eram os cariocas os fornecedores de mão-de-obra para as praças do sul. De todo modo, parece que a demanda sulista tinha que ser complementada com as remessas do porto baiano.

expressão foi cunhada por Roberto Martins num estudo sobre as remessas de cativos do Rio de Janeiro para Minas Gerais no início do século XIX em palestra proferida no V Congresso Brasileiro de História Econômica e

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Tabela 3: Remessas anuais de escravos africanos e crioulos por Capitania saídos de Salvador (1760-70)

Minas Gerais (a) Rio de Janeiro (b) Bahia (c) Pernam-buco (d) Rio Grande do Sul

Goiás (e) Mato Grosso (f) Piauí Alagoas (g) Colônia de Sacramento Outros (h) Total Ano # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % 1760 1669 93,8 25 1,4 13 0,7 0 - 0 - 42 2,4 0 - 0 - 0 - 30 1,7 0 - 1779 100 1761 779 64,0 21 1,7 25 2,0 8 0,7 0 - 310 25,5 0 - 0 - 6 0,5 68 5,6 0 - 1217 100 1762 1389 80,0 104 6,0 41 2,4 12 0,7 4 0,2 153 8,8 0 - 0 - 0 - 0 - 32 1,8 1735 100 1763 1181 69,3 109 6,4 75 4,4 41 2,4 10 0,6 225 13,2 3 0,2 2 0,1 5 0,3 0 - 54 3,1 1705 100 1764 920 79,7 21 1,8 17 1,5 2 0,2 0 - 173 15,0 0 - 0 - 1 0,1 2 0,2 18 1,5 1154 100 1765 849 67,3 14 1,1 21 1,7 8 0,6 0 - 324 25,7 0 - 14 1,1 0 - 31 2,4 1 0,1 1262 100 1766 826 64,2 14 1,1 37 2,9 55 4,3 4 0,3 243 18,9 62 4,8 1 0,1 2 0,1 16 1,2 27 2,1 1287 100 1767 542 46,8 150 13,0 41 3,6 18 1,6 0 - 374 32,3 9 0,7 3 0,2 1 0,1 0 - 21 1,7 1159 100 1768 562 25,6 751 34,1 326 14,8 20 0,9 34 1,5 247 11,2 6 0,3 92 4,2 18 0,8 0 - 143 6,5 2199 100 1769 461 38,7 121 10,1 278 23,3 30 2,5 0 - 65 5,4 120 10,1 32 2,7 5 0,4 22 1,8 57 4,9 1191 100 1770 903 36,1 749 29,9 503 20,1 19 0,7 5 0,2 55 2,2 19 0,7 50 2,0 5 0,2 42 1,7 151 6,1 2501 100 1760-70 10081 58,7 2079 12,1 1377 8,0 214 1,2 57 0,3 2211 12,9 219 1,3 194 1,1 43 0,2 211 1,2 504 3,0 17191 100

Fonte: APEB, Códice 249.

OBS: (a) Inclui as regiões de Itacambira, das minas de Arassuaí, Curumataí, Paracatu, do rio das Mortes, do rio das Velhas, Serro do Frio e Traíras, (b) Inclui a cidade do Rio de Janeiro, e regiões de Parati e Campos dos Goitacases;

(c) Inclui as regiões de Caetete, Cairu, Camamu, Caravelas, Cotinguiba (Comarca do Sergipe), Comarca do Espírito Santo, Ilhéus, Inhambupe de Cima, Jacobina, Porto Seguro, Serra do Tiúba, sertões do rio São Francisco, do rio das Contas, do rio Pardo e do rio Preto;

(d) Inclui as regiões de Olinda e Recife;

(e) Inclui as regiões das minas do rio Verde, de Natividade, de Tocantins, de São Félix e Vila Boa de Goiás; (f) Inclui as minas de Cuiabá;

(g) Inclui as regiões de Maceió e Penedo

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Tabela 4: Remessas de escravos africanos e crioulos por Províncias (1811-20)

Destinos Alagoas (a) Bahia (b) Maranhão (c) Pernambuco (d) Piauí Rio de Janeiro Rio Grande do Sul São Paulo (e)

Sergipe (f) Outros (g) Total

Ano # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % # % 1811 70 5,8 179 14,9 1 0,1 438 34,5 0 - 166 13,8 26 2,2 4 0,3 199 16,6 118 9,8 1201 100 1812 174 6,1 604 21,1 728 25,4 136 4,7 46 1,6 244 8,5 254 8,9 150 5,2 123 4,3 406 14,2 2865 100 1813 123 8,2 149 10,0 102 6,8 69 4,6 19 1,3 296 19,9 177 11,9 70 4,7 182 12,2 304 20,4 1490 100 1814 9 0,7 170 13,8 536 43,6 11 0,9 65 5,3 11 0,9 192 15,6 0 - 59 4,8 176 14,3 1229 100 1815 65 5,2 59 4,7 276 21,9 12 0,9 102 8,1 18 1,4 117 9,3 0 - 274 21,8 332 26,4 1257 100 1816 111 8,2 139 10,3 332 24,5 2 0,1 121 8,9 21 1,6 73 5,4 1 0,1 339 25,0 155 11,4 1354 100 1817 175 7,1 506 20,6 1378 56,0 7 0,3 30 1,2 14 0,6 88 3,6 0 - 194 7,9 67 2,7 2459 100 1818 270 11,1 263 10,8 1353 55,6 2 0,1 267 11,0 8 0,3 12 0,5 2 0,1 160 6,6 96 3,9 2433 100 1819 140 9,5 156 10,6 309 21,0 3 0,2 267 18,1 3 0,2 84 5,7 2 0,1 374 25,4 132 9,0 1470 100 1820 239 18,9 131 10,3 162 12,8 7 0,6 139 11,0 1 0,1 153 12,1 5 0,4 333 26,3 96 7,6 1266 100 1811-20 1378 8,1 2356 13,8 5177 30,4 687 4,0 1056 6,2 782 4,6 1176 6,9 234 1,4 2296 13,5 1882 11,0 17024 100 Fonte: APEB, Códice 252

OBS: (a) Inclui as regiões de Maceió e Penedo;

(b) Inclui as regiões de Caeté, Caravelas, Freguesia de Santo Antônio do Urubu; Freguesia de S Sebastião do Sincorá, Itapicuru Grande, Jacobina, Porto Seguro, sertões do rio São Francisco, do rio das Contas, do rio Real;

(c) Inclui as regiões de São Luís e Vila de Caxias; (d) Inclui as regiões de Olinda e Recife;

(e) Inclui as regiões de Santos, São Sebastião e São Paulo;

(f) Inclui as regiões de Cotinguiba, freguesia de Santa Luzia; vilas do Lagarto e de Itabaiana;

(8)

Um outro corpo documental nos permite estabelecer as rotas da redistribuição dos cativos

para as diversas praças regionais da América portuguesa na segunda década do século XIX.

Infelizmente, nesta documentação não há especificação quanto à naturalidade do escravo

despachado. O cenário apresentado para os anos do século XVIII sofre grandes alterações,

quando passamos a analisar o período de 1811 a 1820. Observando a tabela 4 notamos a ausência

de envio de escravos para as duas principais capitanias receptoras no século XVIII, Minas Gerais

e Goiás. Para as Minas foram achados apenas 7 registros (5 no ano de 1813, 1 nos anos de 1819 e

1820) perfazendo um total de 14 escravos remetidos, cerca de 0,1% do total de cativos remetidos.

Para Goiás e também Mato Grosso, áreas de extrativismo mineral, nenhuma leva partiu de

Salvador.

O principal destino para o período de 1811-20 é a província do Maranhão, que representa

aproximadamente 1/3 das compras efetuadas no mercado de Salvador. Em 1817 e 1818 chegou a

ser o ponto final para mais da metade dos cativos que eram redistribuídos no Brasil. É de se supor

que tanto a região do Pará, quanto a região do Maranhão, tenham tido dificuldades em manter o

seu volume no tráfico internacional, após 1815, quando este comércio foi proibido ao norte da

Linha do Equador, pois as principais regiões fornecedoras de africanos para estas províncias

brasileiras eram Cachéu e Bissau, que se encontravam bem acima do limite estipulado para o

trato negreiro. Desta forma, o mercado baiano passou a desempenhar um papel de fornecedor de

mão-de-obra para as províncias do norte do Brasil.

As regiões ao sul do Brasil limitaram-se a uma participação de 13% no total dos escravos

despachados de Salvador. As Províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul

tinham a cidade do Rio de Janeiro como principal praça fornecedora de mão-de-obra cativa.

Berute constatou que entre 1788 e 1802 apenas 6% dos escravos que entravam no Rio Grande do

Sul eram provenientes da Bahia, enquanto os originários do Rio de Janeiro representavam 88%.

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Passemos a olhar mais especificamente para o comércio entre a Bahia e o Rio Grande do Sul e a

Colônia do Sacramento.

A demografia dos escravos despachados para o sul

Como já observado, o fluxo para as regiões sul era bem inferior àqueles realizados entre a

Bahia e as regiões mineradoras. Na segunda década do século XIX observamos um incremento

(9)

no número de escravos despachados para o Rio Grande. Em contrapartida, por questões que

envolviam a política da região, o comércio legal entre Salvador e Sacramento foi extinto.

No que tange a demografia dos escravos enviados para a Colônia de Sacramento, entre

1760-70, verificamos que quase a totalidade (208 de 211) tratava-se de africanos novos. O

mesmo padrão é verificado para os direcionados ao Rio Grande do Sul (54 de 57) caracterizando

uma forte dependência deste fluxo de mão-de-obra frente ao tráfico atlântico.

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Esta característica

da redistribuição pode estar baseada numa questão de ordem demográfica: o baixo índice de

reprodução natural dos escravos na colônia, o que acarretava numa necessidade constante de se

repor a mão-de-obra via comércio internacional. Porém, podemos vislumbrar por traz desses

números uma questão de caráter político do sistema escravista na América portuguesa: não eram

interessantes a compra e a circulação de crioulos pela colônia. Vender um crioulo significava

separá-lo de sua família, de seus amigos, o que poderia gerar conflitos que viessem a

desestabilizar o sistema. Era comum a fuga de escravos no percurso entre a moradia de seu

ex-senhor até o seu novo “lar”. Muitos se revoltavam fugindo ou agredindo o seu ex-senhor frente a

uma possível venda. A alta taxa de africanidade também é verificada para as demais localidades.

Portanto, percebemos que a não opção da inserção do escravo crioulo (nativo) no mercado

ocorreu de maneira uniforme. Infelizmente para o período de 1811-20 não há registros da

naturalidade dos escravos despachados.

Para além do perfil da naturalidade, podemos ainda apontar algumas outras características

demográficas desses escravos que saíam da Bahia e eram levados para as áreas ao sul do

continente. Sabemos que no conjunto dos escravos despachados no período de 1760-70 a taxa de

africanos novos (recém-desembarcados) chegou a atingir cerca de 96%. De acordo a uma vasta

historiografia, a razão de masculinidade no tráfico transatlântico aproximava-se de uma taxa de

3/1.

12

Muitos negreiros acreditavam que as mulheres não resistiriam a longa travessia do

Atlântico, outras acabavam perecendo no percurso do interior africano aos portos de embarque no

10

BERUTE, Gabriel Santos. “Características dos escravos transportados para o Rio Grande de São Pedro (1788-1802)”.In: Humanas. nº 26 (2003). Porto Alegre: Ed. da Universidade, 2003, pp. 365-85.

11

RIBEIRO, Alexandre Vieira. O tráfico de escravos e a Praça mercantil de Salvador (c. 1680-c. 1830)”. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) – UFRJ, 2005, pp. 109.

12

Essa taxa significa que para cada 100 mulheres eram embarcados 300 homens. Cf. CURTIN, Philip D. The Atlantic slave trade: a census. Madison: Wisconsin University Press, 1969; KLEIN, Herbert. The middle passage (Comparative studies in the atlantic slave trade). Princeton: Princeton University Press, 1978; MANNING, Patrick. “Escravidão e mudança social na África”. In: Novos Estudos CEBRAP, n.º: 21, 1988, pp. 8-29; FLORENTINO,

(10)

litoral. Além disso, existia uma forte demanda por mulheres escravas no Oriente Médio, elevando

o preço da cativa africana em algumas localidades na África, o que acaba acarretando num baixo

volume de embarque de mulheres. Sendo assim, podemos supor que aproximadamente 75% dos

cativos despachados no referido período deveriam ser do sexo masculino.

Do mesmo modo que sugerimos o padrão sexual dos escravos despachados a partir do

tráfico internacional, podemos fazer o mesmo em relação à idade dessa escravaria. Deviam ser

adultos os escravos remetidos para o sul, pois segundo a historiografia a maioria dos africanos

transportados para as Américas era formada por adultos (entre 15 e 49 anos). Poucos se

arriscariam a comprar crianças, uma vez que elas ainda não estariam plenamente desenvolvidas

para fazer trabalhos pesados. Apostar na criação de uma criança escrava por doze ou quatorze

anos até esta atingir a idade de trabalho seria um investimento arriscado para os donos de terras.

Florentino constatou que dos 393 escravos africanos que tiveram a idade registrada,

aproximadamente 80% eram adultos, ratificando o peso do tráfico transatlântico na configuração

demográfica dos escravos despachados.

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Portanto, podemos sugerir que o padrão demográfico

preponderante dos cativos despachados para o Rio Grande do Sul e Colônia do Sacramento a

partir de Salvador entre 1760-70, era de africanos novos, do sexo masculino e de idade adulta.

Contudo, Gabriel Berute percebeu um padrão diferente para o período de 1788-1802. A partir dos

registros de entradas dos escravos no Rio Grande, Berute constatou a alta participação de crianças

nesse tráfico. No mínimo 36% do contingente eram de infantes, pois esse número pode ser maior

tendo em vista que em 53% dos registros não foi possível definir a idade do cativo.

14

O que pode

explicar a diferença entre nossos dados resida no fato do grosso do volume da mão-de-obra

importada pelo Rio Grande sair do Rio de Janeiro e não da Bahia, logo o peso dos escravos

saídos de Salvador não seria suficiente para alterar o padrão etário da escravaria importada pelos

gaúchos.

Para o período de 1811-20, conseguimos levantar o sexo dos escravos enviados para o Rio

Grande do Sul. Com tais dados elaboramos a tabela 5 onde podemos verificar a razão da

masculinidade ano a ano. Na média da década, a razão foi de 326 escravos homens para cada 100

Manolo. Em Costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro. São Paulo: Cia. das Letras,1997.

13

FLORENTINO, op. cit., p. 221.

14

Sobre a alta importação de crianças para o Rio Grande do Sul ver BERUTE, Gabriel Santos. Dos escravos que partem para os portos do sul: características do tráfico negreiro do rio Grande de São Pedro do Sul, c. 1790 – c. 1825. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História – UFRGS, 2006 , pp. 59-66.

(11)

mulheres. Esse valor só não é inferior aos dados referentes ao envio de escravas para o interior da

Bahia, Piauí, Sergipe e São Paulo, cujas razões foram respectivamente de 410, 433, 406 e 609.

15

Cabe destacar o ano de 1818, quando houve um número igual de escravos masculino e feminino

enviado para o sul. Talvez essa distorção esteja relacionada ao baixo número de registros

efetuados nesse ano. Esses dados reforçam a hipótese levantada para os anos de 1760-70 de que

para a região sul, predominava o despacho de escravos masculinos.

Tabela 5: Flutuação sexual por ano dos escravos despachados de Salvador para o Rio Grande do

Sul (1811-20)

Masculino Feminino Total

Ano # % # % # % A 1811 16 66,7 8 33,3 24 100 200 1812 200 78,7 54 21,3 254 100 370 1813 130 73,4 47 26,6 177 100 276 1814 155 80,7 37 19,3 192 100 418 1815 88 75,2 29 24,8 117 100 303 1816 61 83,6 12 16,4 73 100 508 1817 55 62,5 33 37,5 88 100 166 1818 6 50,0 6 50,0 12 100 100 1819 64 76,2 20 23,8 84 100 320 1820 123 80,4 30 19,6 153 100 410 Total 900 76,5 276 23,5 1176 100 326

OBS: A = razão de masculinidade (x homens/100 mulheres) Fonte: APEB, Códice 252

Concentração dos negócios da redistribuição

Entre os anos de 1760 e 1770 foram despachados 57 escravos em 19 remessas para o Rio

Grande do Sul e 211 em 11 levas para a Colônia de Sacramento. Nenhuma remessa para o Rio

Grande contava com mais de dez escravos. A característica desses despachos era de pequenas

levas, na sua maioria de um a dois escravos, efetuadas por comerciantes residentes na Bahia

como João dos Santos Horta que atuava em outros circuitos como Bahia-Minas e Bahia-Rio de

Janeiro. Para João a atuação nesta atividade lhe possibilitou amealhar cabedal, pois na década

15

(12)

seguinte ele passou a atuar no comércio internacional de escravos enviando duas curvetas a Costa

da Mina.

16

Para Sacramento, verificamos que houve remessas com grande contingente de escravos,

sendo que cinco contavam com mais de 20 escravos. Nesta atividade encontramos homens como

Libório Ferreira de Sousa e Antônio da Silva Lisboa, traficantes atlânticos que faziam a conexão

com o litoral africano e diversas praças mercantis da América.

Tabela 6: concentração dos despachos e quantidade de escravos saídos de Salvador

(1760-70 / 1811-20)

# de escravos enviados por despacho Despacho % Total dos escravos despachados %

1 632 39,4 632 3,7 2 198 12,3 396 2,3 3 109 6,8 327 1,9 4 70 4,4 280 1,6 5 a 10 265 16,5 1913 11,2 11 a 25 185 11,5 3135 18,4 26 a 50 83 5,2 2998 17,6 Mais de 50 52 3,8 7344 43,1 Total 1604 100 17025 100

Rio Grande do Sul

1 296 66,8 296 25,2 2 57 12,9 114 9,7 3 32 7,2 96 8,2 4 12 2,7 48 4,1 5 a 10 29 6,5 210 17,8 11 a 25 12 2,7 191 16,2 26 a 50 3 0,7 105 8,9 Mais de 50 2 0,4 118 10,0 Total 443 100 1176 100

Fonte: APEB, Códices 249 e 252

Podemos analisar também a concentração dos despachos para o período de 1811-1820

observados na tabela 6. Os pequenos envios correspondiam à cerca de 52% dos totais,

responsáveis pelo envio de 1028 escravos (6%). Já aqueles que remetiam mais de 50 escravos

(cerca de 4%) foram responsáveis pelo envio de 7344 (cerca de 41%). Já os intermediários

aproximadamente 17% dos registros remeteram 6133 (36%) dos escravos. Observamos, deste

modo, um alto nível de concentração de escravos por despachos, demonstrando que eram os

16

(13)

grandes comerciantes que controlavam a reprodução física nas diversas áreas abastecidas pela

praça mercantil de Salvador.

Analisando os dados somente do Rio Grande do Sul, notamos uma maior pulverização

dos despachos com um peso maior para as pequenas levas, diferenciando-se portanto do perfil

geral. Na tabela verificamos que a alta participação das pequenas remessas, de 1 a 2 escravos

(79,7% do total) responsável por um terço dos escravos enviados ao sul. Outro um terço

concentrou-se nos 17 maiores despachos (3,8 do total). Comparando com os dados relativos a

todas as capitanias, percebemos que o grau de concentração era menor. Provavelmente isso se

deve ao fato da praça de Salvador não ser a principal fonte abastecedora de escravos para o Rio

Grande. Acreditamos que muitos dos escravos remetidos para o sul já fossem destinados a um

proprietário conhecido, com a função específica de trabalho. Desta maneira, parece que a Bahia

atendia uma demanda complementar ao qual não era de todo suprida pela praça carioca. Isso por

certo afastava os grandes comerciantes, especialistas do tráfico, acostumados a lidar com grandes

levas de cativos, abrindo espaço para a atuação de pequenos agentes que viam no fluxo entre

Bahia-Rio Grande do Sul uma possibilidade de lucro.

Tendo em vista tudo o que foi apontado acima, podemos inferir que a rota do comércio de

escravos para o Rio Grande do Sul e Colônia do Sacramento era parte de um complexo sistema

de deslocamento humano que se iniciava no interior do continente africano e se encerrava no sul

do continente. Essa conexão comercial alimentada pelo tráfico internacional moldou o perfil da

escravaria que se deslocava tal qual o perfil dos escravos desembarcados nos negreiros na baía de

Todos os Santos: africanos novos, adultos do sexo masculino. Notamos que embora fosse

pequeno o número de remessas entre os anos de 1760-70, havia a participação de agente

atlânticos no comércio entre Bahia e sul da América. Para os anos de 1811-20, percebemos uma

grande pulverização no tamanho das remessas, evidenciando se tratar de uma atividade

secundária atraindo agentes mercantis menos especializados.

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