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A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: A OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES ( )

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A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: A OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS

POBRES (1970-1990)

BRUNO RAFAEL MACHADO NASCIMENTO∗

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se hoje que os historiadores se voltam para inúmeros objetos de estudo: sexualidade, vestimentas, religiosidades etc. “Atualmente, não mais consideramos ser a única e exclusiva tarefa dos historiadores o estabelecimento de fatos, nomes e datas, em um elenco interminável” (ALBUQUERQUE, 2003:57). Essa é uma postura tida como tradicional, mas que ainda encanta muita gente. Com o advento da História Nova surgem novos objetos, problemas e abordagens, ou seja, a ciência histórica para compreender a realidade ampliou seu campo de estudo e nesse sentido o fenômeno religioso que havia perdido espaço voltou a ser objeto de reflexão histórica.

Existem duas formas históricas de tratar a religião:

uma é a História das Religiões e a outra é a História Religiosa. A História das Religiões está preocupada com as origens e os períodos mais antigos das religiões, seu método está voltado para comparar os discursos sagrados e comparar as próprias religiões por meio dos seus símbolos, mitos, ritos e instituições.

Já a História Religiosa é a mais desenvolvida nos cursos de História, tem por principal característica o contexto histórico no qual o fenômeno religioso está inserido.

Dentro dessa modalidade estão inseridas as diversas histórias da Igreja, com suas múltiplas subdivisões, como história da hagiografia, dos papas etc, para falarmos do cristianismo. Ademais, pode desenvolver aspectos históricos como as relações de uma ou várias religiões com a política, analisar a atuação de sujeitos históricos, ou sujeitos históricos coletivos. Ela pode preocupar-se com a inserção social de determinada religião em certo tempo ( ALBUQUERQUE, 2003:64).

Logo, neste artigo seguiu-se a perspectiva da História religiosa pondo em análise um conjunto de ideias e consequentemente de práticas sociorreligiosas que impulsionaram diversos sujeitos

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históricos na América Latina no período de 1970 a 1990 na luta contra a opressão socioeconômica. Essas ideias e práticas que surgiram no seio da Igreja Católica é chamada de Teologia da Libertação (TDL) que foi:

... Teologia que não se limita a pensar o mundo, mas procura situar-se com um momento do processo através do qual o mundo transformado: abrindo-se – no protesto ante a dignidade humana pisoteada, na luta contra a espoliação da imensa maioria dos homens, no amor que liberta, na construção de nova sociedade, justa e fraterna – ao dom do reino de Deus (GUTIERREZ, 1976:27).

E que possuía um discurso que:

envolvia uma análise da realidade sócio-econômica e política. Para isso, os teólogos utilizaram o instrumental de análise das ciências sociais. Nesse instrumental, algo era retirado da teoria marxista, do materialismo histórico e de outras teorias, com um sentido modificado no que se refere ao papel da religião nas transformações sociais. Os teólogos fazem uma crítica do comportamento da Igreja ao longo da história, do seu envolvimento com o Estado e sua omissão. No entanto, pensam ser possível que a religião, e nesse caso a fé cristã, sirva como incentivo para a conscientização política da população (SANTOS, 2004:5)

Vale ressaltar que o objeto de estudo deste artigo, ou seja, a Teologia da Libertação, surge após o concílio Vaticano II(1962-1965) e amadurece nas duas conferências episcopais latino-americanas: Medellin(1968) e Puebla(1978).

2 AS PROPOSTAS DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO (TDL)

Percebem-se algumas palavras chaves que aparecem quando se trata da TDL( Teologia da libertação), tais como: libertação, opressão, pobre, política. Essa Teologia libertadora fez com que houvesse uma ampla mobilização de religiosos e leigos, em diversos países da América Latina. Muitos padres, bispos e freiras deixaram os seus “ofícios espirituais” e começaram a lutar contra a pobreza, marginalização e opressão. Resta-nos questionar o que ela propõe?

Trata-se de estimular a releitura da história e refazê-la na perspectiva das classes subalternas recuperando seu lugar e suas lutas, e, assim também, reconstruir o lugar dos pobres na história da Igreja, organizar uma prática pastoral que permitisse a criação de uma Igreja popular, integrada pelos valores da cultura popular em seu sentido amplo (IOKOI, 1996:53).

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Compreende-se que uma das propostas da TDL é fazer com que a Igreja seja uma instituição popular, ou seja, que o seu foco seja a libertação plena dos pobres oprimidos, para tanto esta teologia utiliza a mediação dos instrumentos científicos:

1) Ela recorre ante de mais nada à mediação analítica das ciências humanas para conhecer melhor os mecanismos do empobrecimento, da exclusão e do sofrimento dos povos; 2) A teologia da libertação utiliza a mediação das ciências hermenêuticas, que servem para interpretar a Bíblia e os textos do passado a partir do ponto de vista da atual situação dos pobres; 3) Por fim, usa a mediação da prática, que traz consigo uma carga crítica e criativa em relação à teoria, para mudar a realidade e para reformular melhor o sentido da fé na diversidade das situações (REGIDOR, 1997:120).

E ainda apresenta as seguintes características:

a) A práxis de libertação dos pobres e o compromisso evangélico de outros setores sociais com eles. A consciência dessa práxis gera uma nova linguagem religiosa e teológica, fruto da relação dialética entre práxis e teoria, presente na metodologia desse novo pensar teológico.

b) A necessidade de análise científica da realidade social com o recurso à teoria da dependência e, posteriormente, com o que se denominou de “mediações socioanalíticas”.

c) A consciência do condicionamento sócioeconômico da teologia e da Igreja e a crítica de ambas a partir da ótica da libertação histórica dos pobres.

d) A perspectiva da reflexão teológica estar a serviço da transformação da sociedade, com indicações práticas e concretas de caminhos históricos de libertação sociopolítica. Nesse sentido, a Teologia da Libertação não se esgota no âmbito acadêmico.

e) O lugar central da economia na reflexão teológica para, entre outros aspectos, estabelecer uma crítica ao messianismo tecnologista, às relações entre capital e trabalho, e vislumbrar alternativas de cunho socialista (RIBEIRO, 2003:326).

Portanto, a TDL propõe a transformação da sociedade cujos agentes seriam os pobres. Essa transformação atingiria a raiz de toda injustiça e exploração a partir da evangelização que anunciaria a libertação de Cristo.

O evangelho se tornaria um instrumento de conscientização política para os pobres que seriam os agentes de transformação histórica. Para Gutierrez, a exegese bíblica científica parte das classes dominantes. No entanto, as classes populares deveriam fazer a exegese de conscientização política na luta pela libertação; rompendo com

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um sistema opressor, o que conduziria a uma sociedade sem classes. Para isso, segundo o teólogo, a luta ideológica teria um papel fundamental. Assim, o Evangelho relido a partir do pobre e do oprimido, teria uma função de desmascaramento de toda tentativa de usar o Evangelho para justificar a situação contrária á justiça e ao direito. Ou seja, a Evangelização seria libertadora somente a partir da experiência do pobre (SANTOS, 2004b:6)

Percebe-se claramente que um dos discursos da TDL é uma nova leitura bíblica, a partir da experiência de fé e vida do oprimido. Sendo assim, a fé e a religião seriam instrumentos de transformação da realidade. A partir disso a TDL incentiva os cristãos a participarem ativamente da vida política. Tudo isso fez com que seus adeptos sofressem várias críticas dos seus opositores, pois a acusam de “politização” da fé, além de “desobedientes” aos ensinamentos da Igreja por fazer a tal nova leitura bíblica. Qual seria a proposta central da TDL? Como seria a sociedade projetada por ela? Concorda-se com Zilda Grícoli Iokoi quando afirma que a proposta central da TDL seria uma sociedade que:

Elimine a propriedade privada dos meios de produção, uma vez que ela representa a apropriação por uns poucos do fruto do trabalho de muitos, gerando a divisão da sociedade em classes e a exploração de uma pela outra. Uma sociedade na qual a apropriação social dos meios de produção se faça acompanhar da apropriação social, da gestação da riqueza e do poder e, em última análise, da liberdade, dando lugar assim a uma nova consciência social (IOKOI, 1996:65).

Entende-se que a TDL propõe como necessidade histórica a revolução social para a constituição do homem verdadeiramente livre. Os teólogos adeptos desta forma de pensar entendem como revolução social à libertação total do homem. Para Gutierrez a realidade da América Latina colocava a meta da revolução.

A situação revolucionária em que hoje se vive, em particular no terceiro mundo, exprime esse caráter de radicalidade ascendente. Propugnar pela revolução social é abolir o presente estado de coisas e tentar substituí-lo por outro qualitativamente distinto; é construir uma sociedade justa baseada em novas relações de produção; é tentar pôr fim à sujeição dos povos; classes sociais e homens uns aos outros. A libertação desses países, classes sociais e homens solapa o próprio fundamento da ordem atual, contribuindo-se na grande tarefa de nossa época (GUTIERREZ, 1976:52)

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Para Iokoi (1996) Gutierrez ao analisar o desenvolvimento, criticando aqueles que se preocupavam, tão somente, com a dimensão econômica percebeu que o processo de libertação constituiu-se no percurso histórico latino-americano, pela crítica ao desenvolvimento e na busca da revolução social; “No transcurso histórico a teologia aproximou-se do marxismo estabelecendo com este pensamento aproximações, críticas e superações” (IOKOI, 1996:212)

Hoje, os grupos mais despertos, nos quais se impõe o que chamamos nova consciência da realidade latino-americana, crêem que só pode haver desenvolvimento autêntico para a América Latina na libertação da dominação exercida pelos grandes capitalistas e, em especial, pelo país hegemônico: os Estados Unidos da América do Norte. O que implica, além disso, o confronto com seus aliados naturais: os grupos dominantes nacionais. Torna-se, com efeito, cada vez mais evidente que os povos latino-americanos não sairão de sua situação a não ser mediante uma transformação, uma revolução social que mude radical e qualitativamente as condições em que vivem atualmente. Os setores oprimidos no interior de cada país vão tomando consciência lentamente é verdade – de seus interesses de classe e do penoso caminho a percorrer até a quebra do atual estado de coisas, e – mais lentamente ainda – do que implica a construção de uma nova sociedade (GUTIERREZ, 1976:83-84)

Gustavo Gutierrez ao analisar o contexto político-social da América Latina entende que está em processo uma revolução social e que muitos advogam o socialismo. Mas ele faz uma exortação: “para que seja autêntica e plena, deverá a libertação ser assumida pelo próprio povo oprimido, e para isso deverá partir dos próprios valores desse povo. Só nesse contexto pode ser levada a bom termo uma verdadeira revolução cultural” (GUTIERREZ, 1976:87-88). Observa-se que ele propõe um modelo que esteja de acordo com a realidade latino-americana e não um modelo importado composto de dogmatismo, esquematismo, inflexível.

É justo justo atribuir a TDL um slogan “opção preferencial pelos pobres”, pois toda a sua doutrina tem como “princípio” e “fim” o pobre, busca conscientizá-lo da sua realidade e da sua situação enquanto ser social, além da sua missão libertadora. Mas urge a seguinte questão: o que a TDL entende por pobre? Para responder esta questão utilizou-se o pensamento de Gustavo Gutierrez que no entendimento de muitos estudiosos é o sistematizador da TDL.

A TDL faz uma crítica ao conceito de pobre e de pobreza, pregado pela Igreja aos seus fiéis. O pobre deixa de ser visto individualmente (como infeliz, sofredor, pobre de espírito) e passa a pertencer a uma coletividade social (os oprimidos, empobrecidos pelo

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sistema). Na América Latina, a opressão manifesta-se também como uma “destruição” cultural, étnica e de gênero. É necessária, nessa perspectiva, uma ampliação da compreensão do mundo do pobre. Através da análise estrutural da sociedade, utilizando as ciências sociais, faz-se a crítica das causas geradoras da pobreza. O resultado dessa análise deve ser em seguida, lida “à luz dos Evangelhos”. Para Gutierrez(1976), o significado bíblico da pobreza é a pedra angular da TDL englobando três concepções: a) pobreza real-mal, não desejada por Deus. “A pobreza é para a Bíblia um estado escandaloso atentatório da dignidade humana e, por conseguinte, contrária à vontade de Deus” (GUTIERREZ, 1976:238); b) pobreza

espiritual – disponibilidade à vontade de Deus. “Assim, entendida a pobreza é o oposto do

orgulho, de uma atitude de autossuficiência; é, ao invés, sinônimo, de fé abandono e confiança no Senhor” (GUITIRREZ, 1976:243); e c) solidariedade com os pobres – compromisso de solidariedade e protesto. “A solidariedade e protesto de que falamos têm, no mundo atual, evidente e inevitável cunho ‘político’, enquanto têm significação libertadora “optar pelo oprimido é optar contra o opressor” (GUTIERREZ, 1976:248). Portanto o pobre para a TDL seria “o oprimido, o marginalizado pela sociedade, o proletário que luta por seus mais elementares direitos, a classe social explorada e espoliada, o país que combate por sua libertação” (GUTIERREZ, 1976:248).

Seguindo em sua formulação Gutierrez(1976) pensa ser possível transformar a história dentro da perspectiva do “Reino de Deus”, entendido como libertação. A solidariedade com os pobres seria a “verdadeira espiritualidade”, e o real cumprimento do evangelho. Mas, torna-se necessário que os próprios pobres tomem consciência de seu papel como agentes transformadores do mundo. A reflexão bíblica somada ao processo histórico resultaria na “libertação em cristo”.

Mas o que a TDL compreende por libertação? Este conceito é entendido em três

dimensões. Para os teóricos da libertação este processo não é algo espiritualizado ou uma forma de fuga deste mundo.

Mas o homem de hoje não aspira somente a libertar-se daquilo que vindo do exterior o impede de realizar-se enquanto membro de uma classe social, de um país ou de uma sociedade determinada. Visa igualmente uma libertação interior, em dimensão individual e íntima. Libertação em plano não apenas social, mas também psicológico. Liberdade interior entendida não como evasão ideológica do confronto social, como a interiorização de uma situação de servidão, mas em referência real

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ao mundo do psiquismo humano tal como é compreendido desde Freud (GUITERREZ, 1976:38)

Observou-se que para os “libertadores” a libertação é uma conquista histórica, na qual não acontecerá sem lutas contra tudo aquilo que oprime o homem. “Este fato implica não apenas melhores condições de vida, radical mudança de estruturas, revolução social, mas muito mais: a criação continua e sempre inacabada de nova maneira de ser do homem, uma permanente revolução cultural” (GUTIERREZ, 1976:40).

Para Gustavo Gutierrez (1976), as três dimensões do termo libertação seriam:

1)- aspirações das classes sociais e dos povos oprimidos, sublinhando o aspecto conflituoso do processo econômico, social e político que os opõe às classes opressoras e aos povos opulentos. Portanto, libertação das situações econômicas e sociais de opressão e marginalização;

2)- a história concebida como um processo de libertação do homem que progressiva e conscientemente, foi assumindo seu próprio destino. A libertação passou a ser concebida como processo histórico, no sentido da conquista do conhecimento, da eliminação dos preconceitos, “uma permanente revolução cultural rumo à construção de um homem novo e de uma sociedade qualitativamente diferente...) (GUTIERREZ, 1976:44). Portanto, transformação pessoal ética, articulada entre o político e o religioso.

3)- no nível teológico, significou superar o termo desenvolvimento e apropriar-se do termo libertação, entendida como a presença de Cristo histórico, que libertou o homem do pecado lutando contra as injustiças e permitiu a possibilidade de homem de viver em comunhão com Ele. Portanto, o termo libertação, para Gutierrez, é mais amplo que o termo

desenvolvimento, pois permite articular a história humana com a história sagrada e

restabelecer o novo humanismo.

Para Gutierrez (1976) essas três dimensões entrelaçam-se, por conseguinte, faz-se necessário uma ação pastoral que trabalhe equilibradamente as três para não “cair em posições idealistas ou espiritualistas, que não passam de formas de evadir uma realidade crua e exigente...” (GUTIERREZ, 1976:45).

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Segundo Zilda Iokoi (1996) a TDL ensina que sem a luta pela libertação é impossível construir o reino de Deus. Essa luta constituiu-se simultaneamente no plano temporal e espiritual. Com esse conteúdo, como teologia ela se constituía em heresia, mesmo sem ter sido assim considerada, não porque rompia no plano espiritual, mas porque no plano da hierarquia, das normas eclesiásticas, ela propunha em novo jeito de ser cristão e homem. Sua grande riqueza não está na dialética, mas no enfrentamento entre homem materialidade e homem espiritualidade.

Dessa maneira, ela significou um momento importante na reflexão contra o dogmatismo e na possibilidade de enfrentar o dilema filosófico do homem: razão, sentimentos, símbolos, crenças, etc. foi em razão desse desafio que ela se constituiu numa referência para a reflexão teológica na América Latina, no desafio para o tema da libertação do homem, da exploração exercida pelo homem (IOKOI, 1996:63).

Constatou-se que o conceito de libertação entendido e proposto pela TDL é bastante amplo, englobando as várias dimensões do ser. Sabe-se que é uma proposta audaciosa e difícil de ser realizada, pois propõe não só uma nova sociedade, mas também um novo ser.

4 FÉ E POLÍTICA

Os intelectuais “libertadores” também sabiam dessa dificuldade e por isso não abriam mão de incentivar os cristãos a participarem da vida política, pois entendiam que a transformação das estruturas passaria pela via política.

Para fundamentar as suas propostas da relação entre fé e política os “libertadores” foram beber nas fontes do Concílio Vaticano II, sobretudo, no documento que fala da missão da Igreja no mundo, intitulado: Gaudium et Spes.

A razão humana tornou-se razão política. Para a consciência histórica contemporânea, a política já não é algo a que se dê atenção nos momentos livres que sobram da vida privada, nem se quer uma região bem delimitada da existência humana. A construção – a partir de suas bases econômicas – da polis, de uma sociedade em que os homens possam viver solidariamente como tais, é uma dimensão que abrange e condiciona severamente todo o labor humano. É o lugar do exercício de uma liberdade crítica que se conquista ao longo da história. É o condicionamento global e o campo coletivo da realização humana. Só neste sentido amplo do político pode situar-se o sentido mais preciso da política como orientação para o poder (GUTIERREZ, 1976:51).

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Os teóricos da libertação viam a política como algo salutar e inseparável da existência humana. Espaço onde o ser poderia realizar-se como tal em plenitude, compreendiam o espaço político como instrumento de realização humana e acima de tudo transformador. Foi esse espírito que animou vários cristãos em toda a América Latina a lutarem contra a opressão, miséria, discriminação. Muitos os que foram inspirados a lutar contra as ditaduras em seus países, quantos foram perseguidos, presos, expulsos, torturados, mortos por lutarem por uma sociedade justa e igualitária.

Os teólogos buscavam unir fé e política numa versão popular, que pudesse através da tomada de consciência e análise das estruturas sociais, criar condições para uma efetiva mudança na sociedade. Primeiramente apontavam a reivindicação para projetos de infra-estrutura básica, desenvolvidas nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), com a finalidade de se conseguir água, luz, esgoto, etc. Posteriormente, ampliando as reivindicações com propostas para toda a sociedade, país e continente (SANTOS, 2004:6).

5 A VISÃO DA TDL SOBRE A IGREJA

As CEB’s( Comunidade eclesial de base) foram o local privilegiado onde a TDL manifestou-se (isso no Brasil), onde as pessoas humildes em todos os sentidos reuniam-se para receber formação, orar, discutir a sua situação.

Segundo os “libertadores” a Igreja enquanto instituição deveria assumir a sua missão no mundo. Essa seria o instrumento da transformação do status quo.

Tudo isso levará a fazer da Igreja <<uma instituição crítica da sociedade>>. Sua missão crítica definir-se-á como um serviço à libertação do homem. A Igreja, e não o cristão isolado, seria então o sujeito da práxis libertadora animada pela mensagem evangélica. Para tanto, porém, deverá a Igreja ser uma instituição não repressiva, mas <<em segunda potência>>, crítica e libertadora (GUTIERREZ, 1976:188-189)

E ainda:

Na América Latina, ser Igreja hoje quer dizer tomar posição clara com relação à situação atual de injustiça social e do processo revolucionário que procura aboli-la e criar uma ordem mais humana. O primeiro passo consistirá em reconhecer que na realidade já está tomada uma posição: a Igreja acha-se vinculada ao sistema social vigente. Contribuiu ela em muitos lugares para criar <<uma ordem cristã>> e dar certo caráter sagrado a uma situação alienante e à pior das violências: a dos poderosos contra os fracos. A proteção que recebe da classe social usufrutária e

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defensora da sociedade capitalista imperante na América Latina fez da Igreja institucional uma peça do sistema, e da mensagem cristã um componente da ideologia dominante (GUTIERREZ, 1976:220)

Observa-se claramente que na TDL a Igreja tem um papel muito importante, ou seja, deve ser uma Igreja libertadora que luta pelos direitos dos pobres, posiciona-se contra o sistema opressor, envolve-se em questões sociopolíticas, luta por uma sociedade e homem novo, faz a “opção pelos pobres”. Para os teólogos da libertação a Igreja na América Latina fez a “opção pelos ricos”, basta lembrar o padroado, a colaboração de diversas formas na alienação do povo latino-americano. Não se quer também somente “jogar pedras” na Igreja, vale ressaltar que ela em lugares e formas diferentes ajudou a melhorar as condições de vida do povo pobre. Mas segundo os “libertadores” essa ação caritativa é muito tímida, nesse sentido a Igreja deve quebrar os paradigmas e romper definitivamente com as estruturas opressoras tornando-se verdadeiramente libertadora.

Diante desta necessidade de concreção a Igreja não pode ficar neutra; a própria neutralidade seria reforço aos poderes estabelecidos e por isso seria já uma tomada de partido, mesmo inconscientemente. Ela deverá optar por aqueles mais desprivilegiados pelos quais optou Jesus Cristo e a partir daí definir seu amor para com todos os demais, dando seu respaldo moral aos movimentos que buscam uma sociedade mais justa, fraterna e participante. (BOFF, 1980:227-228)

Desta forma a Igreja assume a missão profética, ou seja, a missão de denunciar o status quo e mais ainda a de lutar contra a opressão. “Por isso a atitude fundamental da Igreja é profética, de anúncio e de denúncia; não antecipará reconciliações sem conversões e viverá sempre em tensão com a ordem estabelecida que não se abrir para a promoção e libertação de todos” (BOFF, 1980, p.225). Sendo assim, a Igreja também é conscientizadora política devido a sua grande influência social. “Não se trata de instrumentalizar a fé e o evangelho para fins políticos; trata-se de resgatar as dimensões sociais presentes na fé e no Evangelho, muitas vezes encobertas por um tipo intimista e privatizante de compreensão da fé e do evangelho” (BOFF, 1980:226).

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Este artigo classificou-se como de revisão bibliográfica e utilizou-se de diversos autores de livros, artigos e revistas que pesquisam ou são adeptos da Teologia da libertação com o objetivo de compreender as principais propostas da TDL.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concorda-se com Zilda Iokoi (1996) que afirma que a TDL constituiu-se em uma resposta para as condições degradadas em que viviam e vivem grande parte da população latino-americana. Essa tem um discurso baseado na esperança de que é possível constituir um homem novo e uma sociedade qualitativamente melhor. Essa esperança dever ser o alimento que impulsiona os oprimidos a lutarem pela libertação. Não temos conhecimento teológicos suficientes para analisar as bases teológicas da TDL e nem é nossa intenção, mas compreendemos que ela foi uma resposta da Igreja na América Latina a uma necessidade histórica nas décadas de 60, 70 e metade de 80 que influenciou e animou milhares de pessoas a lutarem contra uma situação de miséria extremada.

Portanto, a Teologia da Libertação é um conjunto teórico religioso que emerge historicamente do Concilio Vaticano II, da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-mericano (Medellín) e dos conflitos que entremearam as relações entre a Igreja católica e o Estado entre 1960 à década de 80 na América Latina. Este conjunto teórico apresenta uma pedagogia estruturada a partir da análise da dependência econômica do continente sul-americano, propondo uma reorientação da teoria e da prática católica. Através da mudança do lugar social, na opção pelos pobres, esta teologia apresenta conteúdos vetero e neotestamentários que fundamentam esta opção e orientam uma prática a favor dos oprimidos. Buscando uma prática histórica temporal de acordo com as exigências da fé, aproxima-se da teoria marxista para subsidiar sua própria análise sócio-política-econômica. Comumente associada como uma produção infletida à esquerda da ideologia capitalista, ela tem o objetivo de reconhecer e clarificar as restrições econômicas impostas à América latina pelo capital

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monopolista do ponto de vista da fé. Assim, não apresenta uma proposta de superação econômica das contradições impostas.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Eduardo Basto de. Distinções no campo de estudo da Religião e da História. In: GUERREIRO, Silas (org.). O Estudo das Religiões: desafios contemporâneos. São Paulo: Paulinas, 2003. Cop.4, pp. 57-68. (Coleção de estudos da ABHR).

BOFF, Leonardo. Teologia do Cativeiro e da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1980.

GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da Libertação: Perspectivas. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1976.

IOKI, Zilda Gricoli. Igreja e Camponeses: Teologia da Libertação e movimentos sociais no campo Brasil e Perú, 1964-1986. São Paulo: Editora Hucitec – FAPESP, 1996.

REGIDOR, José Ramos. Libertação e Alteridade: 25 anos de história da Teologia da Libertação. Revista Eclesiástica Brasileira. São Paulo, v. 255, Março, 1997, pp. 118-138. RIBEIRO, Cláudio de Oliveira. A Teologia da Libertação morreu? Revista Eclesiástica

Brasileira. São Paulo, v. 250, Abril, 2003, pp. 321-353.

SANTOS, Irinéia Franco dos Santos. 40 anos de Teologia da Libertação: 1960-2000. Set. 2004. Disponível: http://.historiaecultura.googlepage.com. Acesso em: 03set. 2008.

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