A FENDA
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Ao mistério da origem que vive na essência feminina A todas as mulheres da minha vida; da minha mãe que me cuidou desde embrião até às que me guardarem na memória,
9 Em Ti soam cantos silenciosos
a celebrar toda a existência, o mistério da púbere latência e os frémitos mais poderosos
Está nu o acto de amar, no oceano do Teu seio
e na fenda, Teu centro e enleio, onde a Lua se vai ocultar
Morra o atávico medo que profana a Tua luz e desacata o Teu segredo
Sheela Na Gig, nos espíritos crus a Tua metafísica vibrátil e essencial é Vulva e pórtico do Cálice original que ao mais puro de nós conduz.
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CAMPO
ABER
TO
O que procuro na tua carne viva não é ela, és tu!
o que procuro no teu sexo não é a rosa da sua substância,
as vibrações e o sal que temperam o fogo, nem as naturezas que lá habitam
e cravam o seu esporão na carne. O meu querer não aspira
ao perfume agridoce
ou à concha marinha do êxtase... O prazer e os espasmos
são um cálice vazado sobre o espelho do tempo. Há uma alma que se esconde de ti, em ti,
um espectro feito do absoluto. Na tua imaterialidade
procuro o coração e o sorriso. Por fim, sempre por um fim
que é um princípio no infinito circular, o que anseio ao percorrer-te
profundamente o vazio pleno, no centro do teu âmago,
é uma floração cósmica num campo amplo de ternura que me tome como a um lobo, faminto e terminal, no altar da natureza.
Corre uma aragem morna e um raio de lua cheia; a aragem sempre retorna no tempo, ao correr da areia. No perfume doce e picante que exala de ti, Bea,
a tempo serei teu amante. Esse perfume enche a casa, regressa a ti
e ao parar extravasa. A casa tem mil janelas e só uma porta estreita. Pelas vidraças amarelas tem mil meninas à espreita… Procuro-te Bea, já te vi, posso perder todas elas, mas morro se fico sem ti. No centro do grande salão estás deitada no chão. Arqueias o corpo de neve, mostras a matriz e o coração, toda a lua em ti se atreve a lamber-te a ilusão
que, docemente, se oculta na gruta da emoção
e em sentimento se avulta
BEA
13 no vértice, em oração,
das tuas pernas abertas onde moram certezas certas e as regras da precisão. Ofereces o corpo ao espaço que respira pelo salão vasto, as mil meninas te cobrem, unem-se sem embaraço,
mar, fluídos, ondas e um aroma casto um incenso que eu faço
no alto de onde te vejo.
O meu olhar é o corpo do traço na fresta da torre, ao centro…
vai nas línguas que juntas te cobrem, na atmosfera de aço
para a fissura onde entro. Eu sei que ao amanhecer quando todas se recolherem, mil virgens a adormecer, é quando te irei ver, Bea.
Sei que irei beber oceanos e licores na doce e rubra rosa, e à tua boca formosa darei os meus amores.
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LUPINO
Ama-me como se fora um lobo domado pela manhã
nos teus dedos amantes, no aroma do gengibre da sinfonia animal,
nas marés altas dos corpos feitas de leite e mel.
Com o espinho das minhas presas roçando o teu pulso leve,
ao meu cerrar das pupilas verás a acre doçura de um abandono vigil que irá pelo teu corpo, len-ta-men-te,
do rosto abaixo até mergulhar em ti lupino, sim,
mais humano e visceral, sôfrego de todas as formas de correr em ti e te amar. O oceano do mistério é só a conjugação dos olhares cruzados, nessa dança metafísica, no madrigal dos gemidos, no altar dos gritos roucos pelo cume dos sentidos. Numa boca a outra respira e juntas absorvem
o éden de ser ferino, és a deusa de um destino onde as garras se dissolvem.
1ª badana - O Tempo e o Espaço (detalhe) Pag. 4 - Serenidade
Pag. 6 - Metamorphosis II Pag. 7 - Metamorphosis I Pag. 8 - Sheela na Gig Pag. 10 - Sombra com Luz Pag. 12 - Papaia
Pag. 14 - Pulsão Pag. 16 - Mar
Pag. 18 - Aventura de Mar Pag. 20 - Gólgota (detalhe) Pag. 24 - Linhas
Pag. 26 - Maçãs do Futuro Pag. 28 - Ela
Pag. 30 - Sorriso semi-oculto Pag. 32 - Natureza
Pag. 34 - Luz Vibrante Pag. 36 - Jarro
Pag. 38 - Força Corrente Pag. 40 - A Essência Pag. 42 - A Fenda
Pag. 44 - A Origem e o Sonho Pag. 45 - Fenda na Poesia Pag. 46 - Asas
Pag. 48 - Sinais
Pag. 52 - A Mão e a Palavra Pag. 54 - Sinais do Tempo II Pag. 56 - Teia
Pag. 60 - Futuro Aberto (detalhe) Pag. 62 - Virtus (detalhe) Pag. 66 - Gryphus Pag. 68 - Artéria Pag. 70 - Cravo
Pag. 71 - Serenamente Agreste Pag. 72 - Vértice
Pag. 78 - O Chamamento do Olhar Pag. 80 - A Entidade
Pag. 82 - Sacra Aridez Pag. 84 - Manhã do Tempo Pag. 86 - Selene
Pag. 92 - Música em Voo Pag. 94 - Paixão da Terra
Pag. 98 - O Tempo e o Espaço (detalhe) Pag. 102 - Húmus
Pag. 104 - Garça Visível Pag. 105 - Fértil Ancestralidade Pag. 106 - Caminho
Pag. 108 -Espinho Róseo Pag. 1 1 1 - As Graças Pag. 112 - Formas
Pag. 114 - Amenos Gigantes Pag. 116 - Alaúde
01. Fenda Original 02. Campo Aberto
03. Água (voz: António Freitas)
04. Amêndoas e Menta (voz: Helena Carlos) 05. Navegar (voz: Helena Carlos)
06. O Absoluto e o Nada (voz: Jaime Costa) 07. Poema(s) A-O-Caso I (voz: Inês Fouto) 08. Poema(s) A-O-Caso II (voz: Inês Fouto) 09. Rimar ou não Rimar
10. Sermão ao Rio
11. Ao Correr da Água I (voz: Inês Fouto) 12. Ao Correr da Água II (voz: Inês Fouto) 13. Declaração
14. Poesia 15. Fogo Sagrado
16. Bodas Cósmicas (voz: António Freitas) 17. Céu Quântico
18. Galera (voz: Jaime Costa) 19. Salamandra
20. Uma Garça Transparente Descreve um Arco na Paisagem Ausente
21. Graça Dolorosa (voz: Pedro Giestas) 22. Revoada de Pardais (voz: Pedro Giestas) 23. ...!!!!!!!...
Agradecimentos
Faixas 3, 4, 5, 6, 16 e 18 gravadas na Mais Oeste rádio 94.2fm - Caldas da Rainha com a intervenção técnica de
Helena Carlos e Tiago Trincadeiro
A gravação das restantes faixas e trabalho de produção audio são da responsabilidade do autor do livro, António R.
Os poemas em que a voz não está identificada foram lidos por António R.
Por ordem alfabética dos nomes agradece-se a amizade e gentil colaboração de:
António Freitas - Helena Carlos - Inês Fouto Jaime Costa - Pedro Giestas - Tiago Trincadeiro
5 Estudou na Escola Veiga Beirão e por outros lados. Tr a b a l h o u nos jornais “A Capital”e “ D i á r i o d e Notícias” e em projectos pessoais de publicidade e comunicação. Alternou bonanças com tempos alimentados pelo pão saído do forno de Lucífer.
Não come carne. Não bebe álcool. Não fuma. Come, bebe e fuma a vida, o sol e as cores do dia-a-dia.
Não aspira à santidade, mas faz o que pode para ser decente com todas as formas de vida, incluindo a humana, e tem uma relação pessoal, desalinhada e caótica, com o Mistério que vive nos vastos limites da consciência.