Experiências de Formação de Nutricionistas
para o Sistema Único de Saúde
Elaboração da primeira versão: Estelamaris Monego - FANUT∕UFG; Andrea Sugai - FANUT∕UFG. Revisão e elaboração da versão final: Kelly Poliany de Souza Alves – PPGSC- IMS∕UERJ. Revisão: Elisabetta Recine – OPSAN∕NUT-UnB.
NOTA PEDAGÓGICA - CASO 8: A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Para refletir...
[...] O espaço de produção efetiva do conhecimento é a práxis, onde se supera o saber pedante e se produz o saber revolucionário (...) Os espaços de articulação com o movimento do real, como os estágios, a pesquisa e a extensão, acabam por ser atividades marginais. Cair na vida, penetrar no caos, no buraco negro das relações sociais concretas, onde as explicações não são suficientes, onde o conhecimento é frágil, onde a competência formal não serve, é uma aventura que a poucos atrai. É mais confortável o útero morno e seguro da "mãe academia"(...) Os que conseguem, no entanto, romper os muros, por os pés - e a cabeça - para fora, deixando entrar o ar fresco da realidade nos pulmões, têm descoberto que é no movimento, no provisório, no caos, na dinâmica jamais "enquadrada" das relações concretas que se transforma a sociedade, que se faz a revolução (KUNZER, 1992, p. 22).
Construção e troca de conhecimentos na prática extensionista
A universidade é uma instituição social que influi na estrutura e no funcionamento da sociedade como um todo, por meio de opiniões, atitudes e projetos conflitantes que exprimem divisões e contradições da sociedade. Neste contexto, e alicerçada pelo tripé ensino-pesquisa-extensão, tem a função de transmitir, preservar e criar criticamente o conhecimento, a cultura e os valores sociais, bem como a qualificação profissional (CHAUI, 2003).
É no dinamismo das mudanças sociais, dos valores da sociedade, das formas de organização do trabalho, do avanço científico e tecnológico e da
2 acessibilidade aos saberes que as universidades (re) discutem os seus compromissos (VASCONCELOS, 1996). Com isso, buscam responder à necessidade de transformação social e de gestão, dentre outras (HADDAD et al., 2010), para acompanhar as demandas da sociedade por informação, tecnologia, mercado de trabalho (ZABALZA, 2004) e políticas públicas de saúde (MAIA, 2004).
No entanto, a vivência da interação entre a universidade e os diversos setores da sociedade durante a formação profissional, de modo a contribuir para que os novos cidadãos-profissionais exerçam uma prática crítica, reflexiva e comprometida com a transformação social, ainda é um grande desafio.
[...] a Universidade tem um currículo explicitado: há uma parte dita de educação básica, na qual os conteúdos raramente se relacionam à área específica de formação para a qual o curso se destine. Em seguida sobrepõe-se a essa formação genérica e desarticulada um conjunto de conteúdos específicos que não necessariamente integram-se à ela e entre si... ao final, quase como um acessório, o estágio, onde milagrosamente deverá ocorrer a articulação de conteúdos segmentados com a prática (KUENZER, 1992).
Visando minimizar esse desafio institucional e estrutural, a Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade com o ensino e a pesquisa, “é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre Universidade e outros setores da sociedade” (FORPROEX, 2012, p.15).
Nunes e Silva (2011, p. 125) destacam que na extensão universitária a relação entre a sociedade e a universidade “vai além da compreensão tradicional de disseminação de conhecimento, prestação de serviço e difusão cultural, mas aponta para uma participação efetiva da comunidade na própria atuação da universidade, nos conhecimentos produzidos e em um consequente confronto com a realidade”. Desta forma, a formação e produção do conhecimento, das habilidades e atitudes por meio das ações de extensão “se faria na troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, tendo como consequência a
3 democratização do conhecimento”.
De acordo com o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX) são consideradas ações de extensão: programas, projetos, cursos, eventos e prestação de serviços, conforme descrito no quadro a seguir.
AÇÕES DE EXTENSÃO
CARACTERÍSTICAS
PROGRAMA
Conjunto articulado de projetos e outras ações de extensão (cursos, eventos, prestação de serviços), preferencialmente integrando as ações de extensão, pesquisa e ensino. Tem caráter orgânico-institucional, clareza de diretrizes e orientação para um objetivo comum, sendo executado à médio e longo prazo.
PROJETO
Ação processual e contínua de caráter educativo, social, cultural, científico ou tecnológico, com objetivo específico e prazo determinado. O projeto pode ser: • Vinculado a um programa (forma preferencial – o projeto faz parte de uma nucleação de ações);
• Não vinculado à programa (projeto isolado).
CURSO
Ação pedagógica, de caráter teórico e/ou prático, presencial ou à distância, planejada e organizada de modo sistemático, com carga horária mínima de 8 horas e critérios de avaliação definidos.
Observações:
• Ações dessa natureza com menos de 8 horas devem ser classificadas como “evento”.
• Prestação de serviço realizada como curso deverá ser registrada como curso. • Curso presencial exige a presença do aluno durante toda a oferta da carga horária.
• Curso de extensão à distância é caracterizado pela não exigência da presença do aluno durante toda a oferta da carga horária; as atividades presenciais (sessões de esclarecimento, orientação presencial, avaliação, etc) não devem ultrapassar 20% da carga horária total.
EVENTO
Ação que implica na apresentação e/ou exibição pública, livre ou com clientela específica, do conhecimento ou produto cultural, artístico, esportivo, científico e tecnológico desenvolvido, conservado ou reconhecido pela Universidade.
Tipos: Congresso, Seminário, Ciclo de debates, Exposição, Espetáculo, Evento esportivo, Festival e Outros (ação pontual de mobilização que visa a um objetivo definido. Inclui campanha).
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Realização de trabalho oferecido pela Instituição de Educação Superior ou contratado por terceiros (comunidade, empresa, órgão público, etc.); a prestação de serviços se caracteriza por intangibilidade, inseparabilidade processo/produto e não resulta na posse de um bem.
Observação: quando a prestação de serviço é oferecida como curso ou projeto de extensão deve ser registrada como tal (curso ou projeto).
Fonte: FORPROEX, 2007.
A formação profissional traz embutido um incômodo: formam-se profissionais para atender uma demanda do mercado de trabalho ou para satisfazer as necessidades da população? A resposta a esta questão estará sempre atrelada à concepção da função social do profissional de saúde
4 (re)conhecida pelos docentes formadores. A formação pautada num aprendizado que envolve fortemente ações de extensão universitária é desafiadora, na medida que não é usual que os docentes, no seu conjunto, reconheçam a importância desta interlocução. O lócus mais confortável ainda é o da sala de aula convencional e de bancadas de laboratórios, que trazem uma realidade artificial e destoante da encontrada no mundo do trabalho (VICTORIA, 2011).
A concepção de extensão enquanto espaço real de ensino, articulando a teoria e a prática na graduação, é defendida por Sousa (2005), ao afirmar que
[...] a Extensão Universitária cria novos espaços na academia. A sala de aula deixa de ser o laboratório, a biblioteca, a sala convencional. Derrubam-se as paredes e destroem-se limites para as ações. Alunos e professores estão inseridos na realidade concreta experimentando o fazer acadêmico junto ao fazer profissional e tecendo relações sociais que refletem nas políticas públicas instituídas.
Ou seja, a formação integrada entre a comunidade e a universidade é um lócus rico, porém ainda pouco fortalecido nas Instituições de Ensino Superior (IES). Pode-se listar como fatores dificultadores nesta formação integrada: a indefinição do papel profissional; a dissociação entre a teoria e a prática; a desconsideração da relevância da realidade; a prioridade na formação técnica em detrimento da crítica; o método científico como sendo uma mera atividade acadêmica e a insuficiente interação entre os membros integrantes das IES, dentre outras (SOUSA, 2005).
A formação em nutrição, enquanto um curso situado na área de Ciências da Saúde, encontra-se estruturada a partir de um modelo tradicional e técnico- científico (HORA et al., 2013). No entanto, na atualidade surgem propostas orientadas por um projeto político-social e ético-humanista que tencionam esse modelo com vistas a sua transformação (OLIVEIRA et al., 2008). A (re)discussão das Diretrizes Curriculares conjuntamente com as (re)avaliações dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) são mecanismos de reflexões para mudanças nesse modelo. Reforçar a importância de atividades de extensão universitária são formas de ampliar a práxis na formação.
5 Como relatado no Caso Didático sobre a experiência da UFG, os projetos de extensão desenvolvidos ao longo dos 40 anos da Instituição têm sido fundamentais para articular o alunado às necessidades de saúde da população, permitindo-se criar uma interlocução prévia entre os atores. Com esses projetos têm sido possível trabalhar com ênfase no conhecimento, habilidades e atitudes do aluno em prol das demandas da sociedade. Por outro lado, os desafios têm sido na formação de docentes que reconheçam a importância desta interlocução e com a transformação social; no número elevado de alunos por turmas, inviabilizando projetos e ações; do pouco apoio tanto Institucional, quanto das Instituições de Fomento e Pesquisa Regionais e Nacional; dentre outros.
No seu conjunto, estas iniciativas têm sido de fundamental importância para o fortalecimento da formação proposta pela FANUT/UFG, com avanços importantes na interface do ensino com a extensão e com a pesquisa nesta instituição. Elas se unem a outras experiências desenvolvidas que buscam integrar a instituição à realidade social, com vistas a formar profissionais capazes de ter uma sólida formação teórica, aliada a uma prática que inclui um compromisso com a sociedade.
Referências
CHAUI, MA. Universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira Educação, São Paulo, n. 24, 2003.
Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras - FORPROEX. Política Nacional de Extensão Universitária. Manaus, 2012. Disponível em: <http://www.renex.org.br/documentos/2012-07-13-Politica-Nacional-de-Extensao.pdf> Acesso em: novembro de 2015.
Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras - FORPROEX. Extensão Universitária: organização e sistematização. Belo Horizonte: Coopmed, 2007.
HADDAD AE, MORITA MC, PIERANTONI CR, BRENELLI SL, PASSARELLA T, CAMPOS FE. Formação de profissionais de saúde no Brasil: uma análise no período de 1991 a 2008. Rev Saúde Pública 2010; 44(3):383-393.
HORA, DL, ERTHAL, RMC, SOUZA, CTV, HORA, EL. Propostas inovadoras na formação do profissional para o Sistema Único de Saúde. TrabEducSaúde 2013;11(3):471-86.
6 KUNZER, AZ. Para Estudar o Trabalho como Princípio Educativo na Universidade : categorias teórico-metodológicas. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1992. 209 pág. Tese (professor Titular)
MAIA JA. O currículo no ensino em saúde. In: Batista NA, Batista, SHSB, organizadores. Docência em saúde: temas e experiências. São Paulo: Senac 2004; p.102-124.
NUNES, A. L. de P.; Ferreira, N., SILVA, M.C. C. A extensão universitária no ensino superior e a sociedade. Mal-Estar e Sociedade - Ano IV - n. 7 - Barbacena - julho/dezembro 2011 - p. 119-133.
OLIVEIRA, NA, MEIRELLES, RMS, CURY, GC., ALVES, LA. Mudanças curriculares no ensino médico brasileiro: um debate crucial no contexto do Promed. Revista Brasileira de Educação Médica. 2008;32(3):333-46.
SOUSA, ALL. Extensão universitária na UFG: Olhando para o passado. Revista da UFG, Vol. 7, No. 2, dezembro, 2005. Disponível em:
<http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/45anos/M-extensao.html>
VASCONCELOS, M. L. M. C. A formação do professor de terceiro grau. São Paulo: Pioneira, 1996. 73 p.
VICTORIA, M.B.R. (Org.). Formação pedagógica de preceptores do ensino em saúde. Juiz de Fora (MG): Ed UFJF, 2011
ZABALZA MA. Os professores universitários. In: Zabalza MA. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed; 2004. p.105-142.
PARA SABER MAIS
Sobre o tema ”Formação do Nutricionista”: acesse a Biblioteca da RedeNutri no endereço eletrônico
http://ecos-redenutri.bvs.br/tikiindex.php?page=Biblioteca Sobre extensão universitária e formação profissional:
Rede Nacional de Extensão. Disponível em: <http://www.renex.org.br> Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras - FORPROEX. Indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão e a flexibilização curricular: uma visão da extensão. Brasília: MEC/SESu, 2006.