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HEIDEGGER: UMA NOVA CONCEPÇÃO PSÍQUICA DO SER

Fabrício Ramos de Oliveira Orientador: Prof. Dr. Éder Soares Santos

RESUMO

Heidegger nos Seminários de Zollikon relata a necessidade de uma ciência da psique que não seja pautada na representabilidade, ou seja, que não se reduza a um aparelho representado por sintomas, objetificante, ou seja, uma forma de não “rotular” a existência humana, tanto em sua saúde como em sua patologia. Convém lembrar que Heidegger em Ser e Tempo já inaugura o questionamento e debate a respeito dos modos de acesso à realidade, ou seja, desvelar os fenômenos e com isso tratar originalmente sobre o sentido do ser. Nessa linha de raciocínio, Heidegger nos seminários junto ao psiquiatra Medard Boss, lança críticas a psicanálise freudiana, a qual concebe o homem como um aparelho psíquico que reconhece a realidade apenas por meio da representação, fato que objetifica o ser humano. Nesse contexto, Heidegger propõe um novo campo para a psique em que a representação como modo de lidar com a realidade perde a força e que o campo psíquico pode se consolidar por meios não objetificantes.

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A filosofia heideggeriana funda sua teoria no reencaminhamento da questão sobre o sentido do ser, que, segundo Heidegger (1927) esteve velada por toda a tradição filosófica, ou seja, de Aristóteles à Nietzsche. Desse modo, Heidegger propõe uma análise existencial a tal questionamento, bem como, uma destruição, no sentido de apropriação e reconstrução histórica – do pensamento tradicional, promovendo assim o encaminhamento ontológico de tal tema, visto que por meio da referência historial, ou seja, da historicidade filosófica, o questionamento por toda a metafísica, privilegiou o ente em detrimento do ser – fato que o filósofo da floresta negra denuncia e propõe tratar.

Diante de assunto tão delicado, pois se constrói e se revela pela crítica e reconstrução do pensamento tradicional – pensamento esse vigente na formação da humanidade e reforçado principalmente pela modernidade, isto é, por meio das ciências – verifica-se que Heidegger promove – ao tratar dessa forma – um “apocalipse” na Filosofia, ou seja, promove um “tirar o véu”, em sentido literal do termo, em outras palavras, esse autor propõe uma re-velação, ou seja, revelar o que está oculto – o ser.

Esses fundamentos filosóficos enraizados pela história no pensar é o que compõe as ciências e norteia o desenvolvimento técnico e intelectual. Diante disso, a área do conhecimento que estuda a psique humana também se constrói diante de tal arcabouço, ou seja, que a Psicanálise se constrói pautada no modelo das ciências naturais, isto é, por meio do comprovado, calculado, mensurado.

Nessa linha de raciocínio, Heidegger nos Seminários de Zollikon, sugeridos pelo psiquiatra Medard Boss, intenta proferir a estudantes e profissionais da saúde mental – psiquiatria – um novo olhar, em outras palavras, um verdadeiro olhar ao modo como se concebe à psicopatologia e a possibilidade de pensá-la sem o uso de rótulos, de representações.

A intenção heideggeriana nesses seminários consolida-se em pensar o homem de modo não mecanicista, não devedor das ciências naturais,

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como também não reduzido a um aparelho psíquico como Freud postula – fato que esbarra na metapsicologia freudiana; bem como, desconstruir conceitos enraizados pela tradição filosófica; desvelar a “certidão de nascimento” de conceitos como corpo, espaço, tempo, sofrimento psíquico, causalidade, etc. Nesse ponto, mostra-se possível e conveniente ressaltar que Heidegger não critica a psicanálise, mas analisa os fundamentos filosóficos presentes a metapsicologia freudiana, fato que caracteriza uma crítica dirigida à psicanálise, mas à concepção de homem que ela reproduz, isto é, ao legado pelo pensamento moderno. Oportuno também mencionar que o título dessa comunicação não significa e nem se aproxima do intento de apresentar uma nova concepção psíquica do ser frente à desenvolvida por Freud, mas sim, tratar a psicanálise por meio do pensamento heideggeriano, ou melhor, apontar para a possibilidade de se pensar o ser sem a necessidade de constructos especulativos que o molda, visto que o ser não precisa ser (de)limitado, mas sim, revelado.

Para tanto, mostra-se imprescindível não mencionar a obra Ser e Tempo (1927) de Heidegger, na qual esse autor revela seu pensamento e reencaminha a questão sobre o sentido do ser. Nessa obra, o foco central consiste nos modos como se tem acesso à realidade, isto é, Heidegger investiga os modos como o homem existe no mundo, contrapondo-se a tradição filosófica, ou seja, à metafísica moderna em que a única via de acesso à realidade se dá pelo conhecer intuitivo e que o postula que o homem se relaciona com o mundo de modo representacional. Nessa jornada, tal autor formula o conceito de ser-no-mundo, o qual significa o co-pertencimento entre o ser e o mundo, ou seja, dá luz ao Dasein, que desconstrói o imperativo moderno – do sujeito que representa e do objeto representado – bem como, inaugura um modo de ser originário, pois se dá sem representação intuitiva.

Assim, Heidegger (1927) desenvolve sua fenomenologia, a qual consolida-se no mostrar o que precisamente não se mostra, em outras palavras, esse autor trata do revelamento, visto que, o ocultar-se é possibilidade da própria constituição do fenômeno, assim, o velamento funda o desvelar. A dinâmica do fenômeno para Heidegger se dá pela

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ocultação-desocultação, fato que caracteriza a fenomenologia desse autor. Assim, pelo ser poder velar-se, não é possível uma representação cristalizado dele, característica que exige um novo método – a fenomenologia de Ser e Tempo (§7) – e um horizonte adequado – o tempo. Por essa via, Heidegger redimensiona as noções de homem e fenômeno. Nesse contexto, é por meio do agir e lidar com o mundo que ocorre a compreensão do ser, isto é, na relação com os entes que vêm ao encontro dele dentro do mundo, é nesse comércio com os entes que o homem existe. Tal fato permite afirmar que os entes são e que o homem – um ente determinado, concreto que pode interrogar sobre sua própria existência – existe, visto que ele está posto. Assim, Heidegger postula o Dasein ou Ser-aí, que é entendido como o homem, que se caracteriza por sua precariedade, pois a todo momento tem que escolher as possibilidades de ser, assim, o dasein é pelo que ele pode-ser. Poder-ser refere-se a um modo de ser do ente que está sempre lançado num mundo determinado e cuja “essência” é agir, isto é, ser, pois o homem só é na medida em que está sendo, a ação configura-se na compreensão do dasein de ser. Homem e mundo são co-originários, existem simultaneamente, o que caracteriza a constituição fundamental do ser.

Verifica-se que esse ente (ser-aí) lida com os entes que vem ao seu encontro no mundo, fato que caracteriza a fenomenologia heideggeriana de hermenêutica, pois conforme Dubois (2004, p.24) para o Ser-aí “[...] existir, [...], é compreender e explicar”, no simples fato de existir o dasein já se compreende. Assim, Heidegger escolhe a analítica dos modos de ser do homem como caminho, o qual não pode ser acessado por atos representacionais, mas apenas pelo “como”, ou seja, de modo hermenêutico, pela compreensão.

Dessa forma, o conhecimento representacional funda-se como um modo derivado de um modo de ser, as relações do dasein com o mundo não se reduzem à representação, ao sujeito que objetifica, que mensura o real, na apropriação propositiva e teórica dos objetos. Os modos de ser do dasein não devem e nem podem ser subordinados aos imperativos científico-naturais da ciência moderna, às leis de causalidade e calculabilidade. É esse contexto

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usado por Heidegger nos Seminários de Zollikon para denunciar a psicanálise freudiana, a qual para Heidegger consolida-se numa ciência serviçal dos imperativos científicos. O filósofo da floresta negra pontua que a concepção de homem da psicanálise como aparelho psíquico regido por forças (pulsões1 -

trieb) compactua com a herança moderna que objetifica o ser humano e o reduz a relação de forças físico-matemáticas, onde impera o principio de causalidade (pressão que mobiliza as pulsões).

Pulsão é sempre uma tentativa de explicação. Entretanto, não se trata de uma tentativa de explicação, mas é preciso observar, em primeiro lugar, o que é mesmo o fenômeno que se quer explicar e como ele é. Tenta-se sempre explicar por pulsões algo que, para começar, nem se viu. As tentativas de explicação de fenômenos humanos a partir de pulsões têm o caráter metódico de uma ciência, cuja matéria não é o homem, mas sim a mecânica. Por isso, é fundamentalmente discutível se um método tão determinado por uma objetividade não-humana pode mesmo ser apropriado para afirmar o que quer que seja sobre o homem enquanto homem. (HEIDEGGER, 2009, p.211). Com isso, tentar explicar o existir do homem por meio de leis de causalidade, acaba por objetificar os entes – fato que compõe a psicanálise. Heidegger, ao provocar os membros dos Seminários em relação ao modo de ajuda médica, enfatiza que o funcionamento do ser humano não ajuda e nem serve para o dasein, mas apenas o seu existir e é isso que deve ser tratado, fato que foge a Freud, no qual o acesso à realidade depende dos modos passíveis de representação, aspecto esse utilizado por esse autor para determinar o que é “normal” e o que é “patológico”, bem como, estruturar isso. Em Freud é o princípio de realidade2 (o que se pode representar – mundo

externo) que regula o funcionamento psíquico, algo que se desvie disso é rotulado como doença, ou pode provocá-la. Assim, conforme Loparic (1995) já

1 Primeiro uso desse termo foi feito por Freud no artigo Três ensaios sobre a sexualidade

(1905).

2 Segundo o Vocabulário de Psicanálise (LAPLANCHE, 2001, p.368), o princípio de realidade

se impõe como regulador e adia a satisfação em função das condições impostas pelo mundo externo, bem como, relaciona esse princípio a favor do ego.

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pontua, o real – em Freud como também em Descartes e Kant – defini-se como o que é representável de certo modo.

Em Freud, segundo seu artigo Os instintos e suas vicissitudes (1915), define pulsão como: um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, [...] o representante psíquico dos estímulos que se originam de dentro do organismo e alcançam a mente” (FREUD, 1915/2006, pág.142). Além disso, as vicissitudes (ou destinos) da pulsão consolidam-se em: fonte, objeto, força e finalidade, cujo problema é saber a qual objeto (representação) a pulsão lança seus investimento para obter satisfação.

Diante disso, Heidegger denuncia em Seminários de Zollikon o caráter objetificante da psicanálise. Segundo o autor o conceito de objeto e objetidade (ou objetividade) são modernos é caracterizam uma “modificação da presença das coisas”. (HEIDEGGER, 2009, p.136) e completa:

A presença a partir de si mesma de uma coisa é entendida aí pela sua possibilidade de representação através de um sujeito. A presença é compreendida como representação. A presença não é mais tomada como o que é dado a partir de si mesma, mas como aquilo que se contrapõe a mim como sujeito pensante, como é ob-jetado [ob-jiziert] para dentro de mim. Esta forma de experiência do ente só existe a partir de Descartes, isto é, desde que o homem alçou a condição de sujeito. (idem, p.136)

Em Descartes a dúvida é o que garante – como ato do pensamento – a certeza do pensar, como também do existir, que se resume em sua máxima: Penso, logo existo. Tal fato inaugura a dependência do sujeito com seu ato de pensar, pelo qual o sujeito passa a re-apresentar para si aquilo que lhe opõe – a realidade, ou melhor, os objetos – isto é, aquilo que se apresenta e se opõe ao sujeito. Então aqui como na Psicanálise, o ente é apresentado como objeto de uma representação. É nesse sujeito representante que repousa a verdade, como fundamento inabalável da verdade, enquanto certeza, ou seja, como afirma Heidegger em seu texto O que é isto – a Filosofia? (1955) sobre Descartes:

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Para ele a dúvida se torna aquela dis-posição em que vibra o acordo com o ens certum, o ente que é com toda certeza. [...]. A dis-posição afetiva da dúvida é o positivo acordo com a certeza. Daí em diante a certeza se torna a medida determinante da verdade. (HEIDEGGER, 1955, p.38).

Nessa linha de raciocínio, Heidegger aponta que a Filosofia Moderna pressupõe um sujeito desmundanizado e um mundo como ente físico-matemático acessível pela representatividade.

Desse modo, para Heidegger a representação não consolida a primeira forma de relação do dasein com o mundo, mas sim, a sua relação com os entes que lhe vêm ao encontro no mundo, visto que o dasein é um ser-no-mundo e está imerso na cotidianidade.

Esse contexto de fundamentação dos modos de ser-no-mundo constitutivos do conhecimento do mundo evidencia que, ao conhecer, a pre-sença (Dasein) adquire uma nova posição ontológica no tocante ao mundo já descoberto. Esta nova possibilidade ontológica pode-se desenvolver autonomamente, pode-se tornar uma tarefa e, como ciência, assumir a direção do ser-no-mundo. Todavia, não é o conhecimento quem cria pela primeira vez um “commercium” do sujeito com um mundo e nem este commercium surge de uma ação exercida pelo mundo sobre o sujeito. Conhecer, ao contrário, é um modo da pre-sença (Dasein) fundado no ser-no-mundo. (HEIDEGGER, S.T., 1927, §13, p.102).

Esse ser-no-mundo marca a ruptura com a dualidade sujeito-objeto cartesiano, pois há um copertencimento entre o homem e o mundo (constituição ontológica), situação que a ciência tende a ofuscar por meio de uma subjetividade representante. Assim, observa-se que a Psicanálise freudiana, como membro do pensamento moderno, reduz a concepção do ser a seus imperativos e com isso encobre o sentido do ser e suas possibilidades,

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fato que Heidegger refuta por esse pensamento não desvendar o sentido da existência.

Portanto, Heidegger propõe a procura de uma psicanálise não subjugada a dicotomia sujeito representante – objeto representado, que não reduza a realidade a representação. Conforme Loparic (2001, p.132):

[...] a filosofia contemporânea vem forçando a psicanálise a reconhecer como datados os pressupostos ontológicos centrais do paradigma freudiano ou, pelo menos, a encarar, com seriedade, as consequências coisificantes desses pressupostos.

Logo, Heidegger reencaminha a questão do existir em um campo semântico diferente da metapsicologia freudiana, cujos pressupostos não se submetam à metafísica da subjetividade. Assim, observa-se que por meio da fenomenologia heideggeriana possibilita-se um novo olhar ao contexto da psicanálise e mostra-se possível uma prática clínica que conceba o homem frente a sua própria existência.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUBOIS, Christian. Heidegger: introdução a uma leitura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

FREUD, Sigmund. (1915). Os Instintos e suas vicissitudes. In:_______. Edição

Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de S. Freud. Trad.

sob a direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago, 2006, v. XIV. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2005.

_______. Seminários de Zollikon. Petrópolis: Vozez; Bragança Paulista: Ed. Universitária São Francisco, 2009.

_______ (1955). O que é isto – a Filosofia? São Paulo: Ed. Nova Cultura Ltda, 1999.

LAPLANCHE, Jean. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

LOPARIC, Zeljko. 1995: "Winnicott e o pensamento pós-metafísico".

Psicologia USP, v. 6, n. 2, pp. 39-61.

_______. "Além do inconsciente: sobre a desconstrução heideggeriana da psicanálise". Natureza humana, v. 3, n. 1, pp 91-140, 2001.

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