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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFMG

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Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFMG

ALEXANDRE SILVA NOGUEIRA

SISTEMAS DE STATUS E CONTROLE SOCIAL NO INTERIOR DO MOVIMENTO DE LUTA POR

MORADIA DE BELO HORIZONTE-MG (1985 – 1995): análise a partir de uma perspectiva Neoestrutural

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SISTEMAS DE STATUS E CONTROLE SOCIAL NO INTERIOR DO MOVIMENTO DE LUTA POR

MORADIA DE BELO HORIZONTE-MG (1985 – 1995): análise a partir de uma perspectiva Neoestrutural

Versão final

Dissertação de Mestrado defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFMG, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Sociologia.

Orientador: Prof. Dr. Silvio Segundo Salej Higgins.

Coorientador: Prof. Dr. Dimitri Fazito de A. Rezende.

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minha mãe, Terezinha, e meus irmãos, Alana, Amaury e Adelaine.

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Não escrevi esta dissertação sozinho, ela foi possível graças ao apoio que recebi de uma porção de gente. Agradeço primeiramente à minha querida avó, Francisca, que me guiou nos meus primeiros passos no caminho da alfabetização e da formação escolar. Nessa trajetória, de igual importância foi a ajuda, o carinho e dedicação da minha mãe, Terezinha. Eu não chegaria aqui sem os seus esforços para me tornar um aluno dedicado e exemplar. Agradeço também o apoio e o companheirismo de meus irmãos, Adelaine e Amaury, e a alegria e serenidade proporcionada pela irmãzinha que recém-chegou, Alana. Fundamentais para a consecução deste trabalho foram meu Orientador, Silvio Salej, e meu Coorientador, Dimitri Fazito. Agradeço muitíssimo o apoio, a disponibilidade e os ensinamentos que eles me ofertaram em mais essa etapa da minha formação como Sociólogo. Por último, agradeço a todos os amigos e amigas que estiveram comigo nessa jornada: os amigos e amigas da UFMG, da Moradia Universitária, do futebol e, especialmente, os amigos e amigas da Pós-Graduação em Sociologia da UFMG, do CESAP – Centro de Estudos de Sociologia Antônio Augusto Pereira Prates – e do GIARS – Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Análise de Redes Sociais –, os quais tornaram minha passagem pelo Mestrado mais divertida e ainda mais rica intelectualmente.

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e vá em direção ao realismo relacional. Reconheça que uma parte substancial da realidade social consiste de transações entre unidades sociais, que essas transações cristalizam-se em laços, que elas moldam as unidades sociais envolvidas e se concatenam em estruturas variáveis” Tilly, Charles (2002)1

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Este trabalho tem dois objetivos principais: por um lado, visa entender as condições de funcionamento de um movimento social - o Movimento de Luta por Moradia de Belo Horizonte-MG entre os anos 1985 e 1995 - a partir da investigação de dois eixos

analíticos, o do “poder” e o da “coesão social”; e por outro, visa entender como se dão os

processos de controle social lateral dentro desse movimento e como as dinâmicas de poder e de coesão social afetam esses processos. A investigação das dinâmicas de poder e coesão – assim como de seus impactos sobre os mecanismos de controle social – é aqui realizada a partir da perspectiva Neoestrutural. Ao seguir essa perspectiva, reivindica-se a importância que tem o exame das estruturas de interação social (estruturas sociais) de um movimento para o entendimento de suas condições de funcionamento e de seu sucesso enquanto fenômeno de ação coletiva. Ao mesmo tempo, quando se segue tal perspectiva, reconhece-se as autonomias e interdependências que essas “estruturas sociais” guardam para com a dimensão “cultural” e a dimensão da “agência humana”. Tendo isso em vista, buscou-se aqui explicar as condições de funcionamento – dinâmicas de poder e de coesão social - do Movimento de Luta por Moradia de BH (1985-1995) por meio da modelagem de seus processos interativos mais básicos. Esses processos interativos abarcam quatro dimensões ou domínios relacionais do movimento: o domínio das relações de reconhecimento/status; o domínio das relações de confiança; o domínio das relações de colaboração; e o domínio das relações de controle social lateral. Para operacionalizar as trocas que perfazem esses domínios relacionais foi usada a técnica de Análise de Redes Sociais (ARS). A aplicação de entrevistas semiestruturadas e questionários sociométricos em 17 lideranças do movimento possibilitou a reconstrução de quatro redes sociais, uma

para cada um dos domínios supracitados. Tendo por base os relatos das lideranças e

usando-se de métricas específicas da ARS, descobriu-se que as redes do movimento apresentavam um grau considerável de “fechamento” e que as dinâmicas de coesão do movimento – ao menos no domínio das relações de controle social lateral - estavam na interseção de duas tendências distintas: por um lado, havia uma dinâmica de coesão baseada na formação de “facções” em torno das organizações aglutinadoras; e, por outro, uma dinâmica de coesão do tipo “centro/periferia”. Em termos das dinâmicas de poder, os dados mostram que uma elite de lideranças ocupava as posições mais centrais em todos os domínios de rede investigados. Os membros dessa elite eram também os maiores brokers do movimento, sendo os responsáveis por ligar as diversas alas e facções existentes. Essa posição vantajosa nas hierarquias de poder, por sua vez, era fundamental para a vigência dos mecanismos de controle social lateral, já que as lideranças com maior “poder” eram também as mais encarregadas de “guardar a ação coletiva”. Além das diferenças nas hierarquias de poder, outro fator que sustentava os mecanismos de controle social lateral era a homofilia em termos do pertencimento às organizações aglutinadoras: os relatos das lideranças e outros dados coletados sobre o movimento sugerem que essa importância da homofilia pode estar ligada ao fato de que lideranças de uma mesma organização tendiam a estar mais coesas em diversos domínios de interação. Essa coesão multiplexa entre os atores de uma mesma organização ajudava, de formas variadas, a abaixar os custos (e a aumentar as chances de sucesso) do exercício do controle, funcionando, dessa forma, – junto às hierarquias de poder – como solução para o “problema do carona de segunda ordem”.

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This thesis has two main objectives: on the one hand, it aims at understanding the functioning conditions of a social movement - the Housing Movement of Belo Horizonte-MG between 1985 and 1995 - based on the investigation of two analytical axes, that of "power" and that of " social cohesion”; and on the other hand, it aims to understand how the processes of lateral social control take place within this movement and how the dynamics of power and social cohesion affect these processes. The investigation of the dynamics of power and cohesion, as well as their impacts on the mechanisms of social control, is carried out here from the Neo-Structural perspective. By following this perspective it is claimed the importance of examining the social interaction structures (social structures) of a movement to understand their functioning conditions and their success as a phenomenon of collective action. At the same time, when this perspective is followed, the autonomies and interdependencies that these "social structures" have with the "cultural" dimension and the dimension of "human agency" are recognized. With this in view, we sought to explain the functioning conditions - dynamics of power and social cohesion - of the Housing Movement of Belo Horizonte-MG (1985-1995) by modeling its most basic interactive processes. These interactive processes encompass four dimensions or relational domains of the movement: the domain of recognition/status relations; the domain of trust relations; the domain of collaborative relationships; and the domain of lateral social control relations. In order to operationalize the exchanges that make up these relational domains, the technique of Social Network Analysis (SNA) was used. The application of semi-structured interviews and sociometric questionnaires to 17 leaders of the movement made possible the reconstruction of four social networks, one for each of the aforementioned domains. Based on the reports of the leaders and using specific SNA metrics, it was found that the networks of movement had a considerable degree of "closure" and that the dynamics of cohesion of the movement - at least in the domain of lateral control relations - were located at the intersection of two distinct trends: on the one hand, there was a cohesion dynamic based on the formation of "factions" around the agglutinative organizations; and, on the other, a "center / periphery" cohesion dynamic. In terms of power dynamics, the data show that a leadership elite occupied the most central positions in all network domains investigated. The members of this elite were also the biggest brokers of the movement, being responsible for connecting the various wings and factions. This advantageous position in power hierarchies, in turn, was fundamental for the validity of lateral social control mechanisms, since the leaders with more "power" were also the ones in charge of "guarding collective action". In addition to the differences in power hierarchies, another factor that supported the mechanisms of lateral social control was homophilia in terms of belonging to agglutinating organizations: leaders' reports and other data collected about the movement suggest that this importance of homophilia may be linked to the fact that leaders of the same organization tended to be more cohesive in various domains of interaction. This multiplex cohesion among the actors of the same organization helped, in a variety of ways, to lower the costs (and increase the chances of success) of the exercise of control, thus functioning - along with hierarchies of power - as a solution for the "second-order free-rider problem".

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Figura 1: Tipologia de poder (Knoke, 1990) Figura 2 - Rede de status

Figura 3 - Rede de colaboração Figura 4 - Rede de confiança

Figura 5 - Rede de controle social lateral Figura 6 - Análise de facções

Figura 7 - Exemplo de “equivalência estrutural”

Figura 8 - Análise de Equivalência Estrutural da rede de “controle social lateral” Figura 9 - Rede de controle social completa

Figura 10 - Rede completa sem os 7 maiores brokers Figura 11 - Rede de controle social (sem os laços fracos)

Figura 12 - Rede de controle social (sem os laços fracos), sem os 7 maiores brokers Figura 13 - Diferentes formas de ser um broker

Figura 14 - rede de controle social lateral com o InDegree de cada nodo Figura 15 - rede de controle social lateral com o OutDegree de cada nodo

Figura 16 - Modelo de Centro/Periferia: rede de controle social lateral “binarizada” (completa - à esquerda – e “sem laços fracos” - à direita)

Figura 17 - Modelo de Centro/Periferia: rede de controle social lateral “valorada” (completa - à esquerda – e “sem laços fracos” - à direita)

Figura 18 - Diagrama de clusterização da matriz de coparticipação dos atores ao longo dos cliques (rede de controle social lateral, sem os laços fracos)

Figura 19 - Diagrama de clusterização da matriz de coparticipação dos atores ao longo dos cliques (rede de controle social lateral, com os laços fracos)

Figura 20 - Coreness (rede de controle social lateral “valorada”, à esquerda, e rede de controle social lateral “sem laços valorados”, à direita)

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Tabela 1 - Densidade (rede completa)

Tabela 2 - Densidade da rede sem laços múltiplos (rede simplificada) Tabela 3 – Distâncias geodésicas (rede completa)

Tabela 4 - Tabela de densidades (densidade dentro e entre facções)

Tabela 5 – Correlação de Pearson entre os InDegree das redes de status(1), colaboração(2) e confiança(3)

Tabela 6 - Betweenness (rede de controle social completa)

Tabela 7 - Múltiplas medidas de buraco estrutural (da rede simplificada) tendo como referência a rede do ego

Tabela 8 - Múltiplas medidas de buraco estrutural (da rede completa – com laços valorados) tendo como referência a rede do ego

Tabela 9 – Brokerage a partir da abordagem de Gould & Fernandez (1989) (rede de controle social completa)

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AMABEL - Associação dos Moradores de Aluguel de Belo Horizonte AVSI - Associazone Volontari per il Servizio Internacionale

BNH - Banco Nacional da Habitação Federal CASA - Centro de Apoio aos Sem Casa CGT - Central Geral dos Trabalhadores

CHISBEL - Coordenação de Habitação de Interesse Social CMH - Conselho Municipal de Habitação

COHAB - Companhia de Habitação CUT - Central Única dos Trabalhadores

FAMOBH - Federação de Associações de Moradores de Belo Horizonte FAVIFACO - Federação das Associações de Vilas, Favelas e Conjuntos FCP - Fundação da Casa Popular

FERROBEL - Companhia Ferro de Belo Horizonte IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil

IAP - Institutos de Aposentadoria e Pensões MLM – Movimento de Luta por Moradia OP - Orçamento Participativo

OPH - Orçamento Participativo da Habitação POR - Orçamento Participativo Regional PAE - Plano de Atendimento Emergencial PBH - Prefeitura de Belo Horizonte PCB - Partido Comunista Brasileiro PC do B - Partido Comunista do Brasil

PRODECOM - Programa de Desenvolvimento de Comunidades PROFAVELA - Programa Municipal de Regularização de Favelas PT - Partido dos Trabalhadores

PUC Minas - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais SE4 - Setor Especial 4

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URBEL - Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte UTP - União dos Trabalhadores da Periferia

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Capítulo 1. Introdução………..………..………….16

1.1 Poder e coesão social………...17

1.2 Poder, coesão social e controle social……….……….20

1.3 Poder, coesão social e capital social………..…..23

Capítulo 2. Abordagens teóricas: por uma análise Neoestrutural dos movimentos sociais………...……….29

2.1 Abordagens utilitaristas………....31

2.2 Abordagens estruturalistas………...32

2.3 Alternativas para a tensão “estrutura/ação”: abordagens construtivistas e neoestruturais………..…………...36

2.4 Análises neoestruturais da ação coletiva………...40

2.5 Encaminhamentos para a pesquisa……….…..45

2.6 Perguntas de pesquisa………..48

Capítulo 3. Contextualização histórica da luta por moradia em Belo Horizonte.….53 3.1 Introdução à contextualização histórica……….………..53

3.2 Uma breve história da luta por moradia em Belo Horizonte – MG (1897-1985) ………...54

3.2.1 O interregno da luta por moradia após 1964………...….62

3.2.2 A luta por moradia após 1974……….…..63

3.3 A luta por moradia entre os anos 1985 e 1995: Descrição Geral……….72

3.3.1 O conceito de “movimento social” e a luta por moradia em BH entre 1985 e 1995………....72

3.3.2 FAMOBH………..75

3.3.2.1 O envolvimento da FAMOBH com a luta dos “sem-casa”………...…….77

3.3.3 AMABEL………..81

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Horizonte-MG (1985 – 1995) ………..………87

4.1 A construção do dado ………..87

4.1.1 Entidades presentes na rede………..93

4.1.2 Questionário sociométrico……….…...94

4.1.2.1 Rede de status……….…...94

4.1.2.2 Rede de colaboração…………..………....95

4.1.2.3 Rede de confiança………..………..…..96

4.1.2.4 Rede de controle social………..………..…..96

4.2 Análise das redes: coesão social e dinâmicas de poder no interior de um movimento social………..98

4.2.1 Dinâmicas de coesão social nas redes do movimento………..98

4.2.2 O impacto das fronteiras organizacionais sobre a coesão do movimento………...105

4.2.3 Dinâmicas de poder: uma elite dentro da elite………....108

4.2.4 Um “papel social” diferenciado para a elite………...110

4.2.5 Identificando brokers e sua relevância para a coesão do movimento……….112

4.2.6 Diferentes formas de cumprir o papel de broker………...122

4.2.7 Hierarquias de poder e mecanismos de autorregulação em uma rede de movimento ou “quem guarda os guardiões?”………..………...129

Capítulo 5. Conclusão e considerações finais: coesão social, poder e controle social lateral………...……...134

5.1 Os impactos das dinâmicas de poder e de coesão social sobre os processos de controle social lateral……….147

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1. Introdução

Os estudos sobre movimentos sociais conformam uma área de pesquisa clássica dentro da Sociologia. As teorias sobre movimentos sociais têm focado em diferentes aspectos dos movimentos, desde as relações com as mudanças no ambiente político, os processos de tomada de decisão pelos atores e as bases organizacionais dos movimentos até os enquadramentos interpretativos e formas de identidade coletiva emergentes

(BENFORD & SNOW, 2002; MELUCCI, 1996; TARROW, 2009; JENKINNS &

FORM, 2005; MCCARTHY & ZALD, 1977; OLSON, 1999). O presente estudo foca em um aspecto em particular: aquele que compreende os processos relacionais existentes dentro de um movimento. Tendo em vista esse aspecto, busca-se, então, entender as dinâmicas ou condições de funcionamento de um movimento social – o Movimento de Luta por Moradia de BH-MG entre 1985 e 1995 – a partir da investigação de dois eixos analíticos: o do poder e o da coesão social.

Ao pensarmos as dinâmicas de funcionamento de um movimento social com foco nos processos relacionais que compõem o mesmo, estamos contribuindo para (e seguindo) uma abordagem específica dos estudos de ação coletiva: a “abordagem relacional”, segundo Diani (2003), ou “abordagem Neoestrutual”, segundo Lazega (2015; 2009; 2013). Vamos dar preferência ao termo “Neoestrutural” para definir a abordagem analítica e teórica que guia esta pesquisa pelo fato deste termo denotar uma tradição de pesquisa que vê quase como indispensável o uso da técnica de Análise de Redes Sociais na explicação das dinâmicas de ação coletiva. Lazega (2015; 2009; 2013) é um dos proponentes do conceito de “Sociologia Neoestrutural”. Essa abordagem, segundo ele, procura analisar os processos de mudança e reprodução social, particularmente os fenômenos de ação coletiva, a partir da integração de três dimensões básicas: estrutura, cultura e agência (individual e coletiva); mas faz isso atribuindo um lugar central à Análise de Redes Sociais. Em um texto de 2015, ele afirma:

a sociologia neoestrutural é definida aqui como uma abordagem que faz as mesmas distinções analíticas [entre agência, estrutura e cultura], mas usando [da técnica de] Análise de Redes, combinada com outros

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métodos, para enriquecer as teorias da ação individual e coletiva. Ela faz isso modelando processos sociais genéricos como solidariedade e exclusão, controle e resolução de conflitos, socialização e aprendizagem coletiva, e regulação e institucionalização, baseando-se em definições específicas de reflexividade, contextualização e julgamentos de adequação (LAZEGA, 2015, p.114).

1.1 Poder e coesão social

Um dos objetivos centrais desta pesquisa, qual seja, explicar as condições funcionamento de um movimento social em termos das dinâmicas de poder e de coesão social que emergem a partir do processo de interação, segue o programa de pesquisa lançado por Mario Diani em “Networks and Social Movements: a research program” (DIANI, 2003). Nesse texto, Diani propõe que as análises sobre movimentos sociais que fazem uso da ideia de “redes” devem elaborar

modelos teóricos apropriados para explicar certos padrões de rede e/ou certas obrigações dos atores em posições específicas. Com esse propósito, [o autor] chama atenção para duas importantes dimensões das redes, quais sejam, uma oposição entre estruturas hierárquicas e

descentralizadas, por um lado, e estruturas segmentadas e reticulares, por outro (DIANI, 2003, p.306).

Tendo em mente essa orientação de Diani (2003), propomos uma análise do Movimento de Luta por Moradia de BH que explique tanto a organização desse movimento em termos das dinâmicas de poder e de coesão social, quanto os impactos dessas dinâmicas sobre processos de controle social existentes no movimento. Todavia, enquanto Diani (2003) pensa a estrutura em rede dos movimentos a partir das dimensões da “centralização” e da “segmentação”, usamos aqui uma conceituação diferente para tratar dessas dimensões. A dimensão da centralização será analisada a partir do conceito de “poder” e a dimensão da segmentação será tratada a partir do conceito de “coesão social”. A importância da análise dessas duas dimensões reside no fato de que elas

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permitem, primeiro, entender mais claramente as condições de ação (e a ação efetiva) dos atores individuais durante os processos de ação coletiva, e, segundo, permitem apreender o impacto das “estruturas sociais” sobre o funcionamento do movimento.

Na perspectiva aqui adotada, “estruturas sociais” podem ser pensadas como “uma ordem ou um padrão estável de relações entre posições, [ou seja, como] um conjunto de conexões diretas e indiretas entre atores ocupando essas diferentes posições sociais” (knoke, 1990, p.11). Emirbayer & Goodwin (1996, p.367) definem a estrutura social – ou, segundo eles, “contextos socioestruturais”2 - como “aqueles padrões de relações sociais que compreendem um contexto interpessoal e interorganizacional de ação. Tais padrões têm a ver com os tipos de configurações de laços sociais que são estudados hoje pelos praticantes da Análise de Redes”. É possível pensar que outras formas de estruturas também impactem a ação individual e coletiva; podemos citar, por exemplo, a importância das “estruturas culturais” - ou “contextos culturais”, segundo (EMIRBAYER & GOODWIN, 1996). Não negamos nem deixamos de lado o impacto que a cultura e outras estruturas presentes no ambiente – (EMIRBAYER & GOODWIN, 1996) - têm sobre a ação social. Entretanto, procuramos neste trabalho dar um destaque maior aos efeitos que as estruturas sociais/relacionais têm sobre a capacidade de ação dos agentes individuais e coletivos e sobre determinados elementos de cunho cultural, como as identidades coletivas e os enquadramentos interpretativos. Nesse sentido, partimos de um ponto de vista próximo ao de Emirbayer & Goodwin (1994), que consideram as estruturas sociais e as estruturas (ou contextos) culturais interligadas de maneiras bastante complexas – afinal, toda relação social tem uma dimensão simbólica (FUHSE, 2009; BLUMER, 1969) -, mas, ao mesmo tempo, também atribuem certa autonomia causal a estes dois elementos dos contextos da ação.

Sobre o conceito de “poder”, este tem a ver com a capacidade de um ator controlar o comportamento dos outros atores. O “poder” existe sob duas formas: como influência, forma sob a qual o controle do comportamento dos outros atores depende de que estes acreditem na informação passada pelo influenciador; e como dominação, 2 Tradução própria.

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forma na qual o controle do comportamento dos atores depende do controle que o agente dominador tem sobre recursos escassos e/ou sobre meios de impor sanções aos dominados. Partimos aqui de um entendimento bastante específico do conceito de “poder”. De um ponto de vista mais relacional, ou melhor, em termos de uma estrutura social/relacional, “poder” tem a ver com a localização dos atores em uma rede. Essas estruturas em rede podem abarcar tanto o fluxo de ideias e recursos (materiais e não materiais) valiosos para os agentes quanto o fluxo de sentimentos ou emoções (confiança, reconhecimento, etc.) que impactam nas chances dos atores acreditarem na informação

que é passada pelos influenciadores (KNOKE, 1990). Atores bem posicionados em uma

estrutura relacional, portanto, têm maior capacidade de manipular a circulação de ideias e recursos importantes e de fazer usos estratégicos das emoções e sentimentos que embasam as relações de determinados subgrupos sociais. É importante destacar que, à diferença de Diani (2003), o poder aqui diz mais respeito ao conceito de “centralidade” do que ao conceito de “centralização”. O conceito de centralidade tem a vantagem de permitir uma análise da posição de cada ator nas hierarquias de poder, enquanto o conceito de centralização está mais voltado para as desigualdades de poder existentes na rede como um todo. Além da centralidade, outro conceito que pode nos ajudar a entender o poder – ou, seja, a capacidade de um ator controlar o comportamento dos outros atores numa rede – é o de “brokerage”, o qual será detalhado mais adiante.

Já a coesão social tem a ver com aspectos mais “horizontais” do movimento. Resumidamente, coesão diz respeito a como uma rede social se encontra integrada ou fragmentada em termos das distâncias e do grau de adensamento das relações entre seus nodos. Mas além de tratar das distâncias e densidades relacionais na rede como um todo, a coesão social também diz respeito às dinâmicas de grupo - ou seja, aos subgrupos, cliques ou facções - que emergem em uma rede como efeito das diferenças nas distâncias ou densidades relacionais entre conjuntos específicos de nodos e seus entornos. O maior adensamento das relações dentro de um subconjunto de nodos – ou em todo o conjunto da rede - facilita a criação de identidade coletiva e a aceitação de novas normas, promove a emergência de interesses comuns, aumenta a eficiência dos mecanismos de controle social e favorece a circulação de informações, ideias e recursos

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diversos entre os membros do grupo (LAZEGA, 2001; BURT, 2005; COLEMAN, 1988; BORGATTI, JONES & EVERETT, 1998; DIANI, 2003).

Essa oposição entre dinâmicas de poder e dinâmicas de coesão social é, entretanto, menos rígida do que parece. Em um muitos casos as diferenças no grau de coesão de grupos específicos de atores presentes em uma rede têm efeitos diretos sobre a capacidade desses atores controlarem os comportamentos uns dos outros. Veja o caso de redes que seguem uma estrutura do tipo “centro/periferia”. Nessas redes a dinâmica básica de coesão vigente é a formação de um núcleo de atores muito conectado internamente – ou seja, com alta densidade relacional – e de uma periferia de atores que tem poucas conexões (ou, idealmente, nenhuma conexão) entre si, mas tem muitas relações com o núcleo. Uma dinâmica de coesão desse tipo claramente afeta as hierarquias de poder, já que os atores do núcleo/centro da rede têm maior capacidade de controlar o fluxo existente de recursos, ideias e informações, ou seja, têm maior capacidade de controlar o comportamento dos atores da periferia da rede.

As dinâmicas de poder e de coesão social variam conforme os diferentes domínios de interação que perfazem um determinado contexto ou realidade social. As “estruturas sociais” aqui analisadas são estruturas de “trocas multiplexas” (LAZEGA, 2001). Isso quer dizer que os atores podem desenvolver entre si diferentes tipos de laços/ vínculos sociais e cada tipo de laço conforma um domínio de interação diferente. Dois atores podem ter ao mesmo tempo, por exemplo, um laço de confiança e um laço de colaboração. Podemos tratar cada um desses laços como parte de um domínio de interação diferente. Cada domínio, por sua vez, pode ser traduzido em uma rede social diferente. E cada rede possui dinâmicas de poder e de coesão social peculiares.

1.2 Poder, coesão social e controle social

Em determinados contextos sociais, o poder (ou dinâmicas de poder) e a coesão social (ou dinâmicas de coesão social) são influenciados, respectivamente, pelos processos que Emmanuel Lazega (2009; 2001) denomina de “competição por status” -

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“status competion” - e “procura por nichos” - “niche seeking”3. Lazega aponta para a importância que esses processos ou disposições têm em certos contextos de mercado, nos quais os agentes estão competindo entre si, mas, ao mesmo tempo, precisam cooperar para ter acesso a recursos indispensáveis. Tais interdependências entre os atores levam a que eles invistam na construção de laços com parceiros estratégicos. E essa construção de uma rede de parceiros de troca tem uma forte dimensão simbólica, marcada por uma “racionalidade social” que pressupõe a capacidade de construir compromissos, de negociar valores precários e de entender as semelhanças entre os atores, as identidades sociais, as hierarquias de autoridade e os subgrupos existentes (LAZEGA, 2009).

A conquista de status – ou seja, de certa posição social perante os demais atores, o que é resultado do acúmulo de diversos recursos que circulam em uma rede e que são cruciais para a produção e performance individual – e a construção de nichos sociais – ou seja, de espaços sociais marcados por uma alta densidade relacional e em que relações sociais duradouras de diversos tipos (amizade, aconselhamento, etc.) se sobrepõem ligando agentes que possuem certas homofilias sociais (por exemplo, profissões semelhantes, mesma religião ou idade, etc.) – são duas estratégias fundamentais para que os atores protejam seus investimentos relacionais e abaixem os custos das transações. Isso acontece porque os nichos são lugares onde a confiança entre os atores é maior e o cálculo puramente racional pode ser suspenso momentaneamente. De outra parte, ter maior status significa também ter maior influência sobre o regime de trocas existentes, ter preferência em determinadas transações, etc.: o que implica em uma maior capacidade de proteger e gerir os próprios investimentos relacionais.

Segundo Lazega (2009), a “procura por nichos” e a “competição por status” têm impactos sobre as estruturas relacionais, dando origem a “nichos sociais” e a sistemas de “status”, os quais, por sua vez, direcionam certos “processos (ou mecanismos) sociais” imprescindíveis para a existência de cooperação entre os atores; processos como o controle social, a regulamentação e institucionalização de normas, a solidariedade e o aprendizado coletivo. No caso específico dos “processos de controle social”, os 3 Tradução própria.

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trabalhos de Lazega (2001; 2009) mostram que os laços de controle em contextos de organizações colegiadas tendem a acontecer entre atores de um mesmo nicho e que certas formas de status são fundamentais para definir quem controla quem.

Temos, nesta dissertação, um particular interesse em entender como o controle social acontece em um movimento social e em como as dinâmicas de poder e as dinâmicas de coesão social o afetam. O controle social é um processo importante porque ele funciona como mecanismo inibidor do comportamento oportunista – free rider ou carona (OLSON, 1999) -, contribuindo, assim, para a existência de cooperação social entre os atores de um determinado grupo. Nesse sentido, entender como se dá o controle social é uma das chaves para responder o velho “problema da ordem social” colocado por Hobbes (MUNCH, 1981; ELSTER, 1989), qual seja, nas palavras de Jon Elster (1989, p.1), ““what is it that glue societies together and prevents them from disintegrating into chaos and war?” (“O que é que mantém as sociedades juntas e previne que elas se desintegrem em caos e guerra?”). A cooperação - ou, seguindo a

Elster (1989), a “ordem social”4 - acontece ou se mantém graças a diversos fatores e um

deles certamente é o controle social (LAZEGA, 2001; OLSON, 1999; OSTROM, 1990).

Tendo em vista essa importância do processo de controle social e as análises de Lazega (2001; 2009) sobre os efeitos do status e dos nichos sociais sobre tal processo, um dos objetivos deste trabalho é apreender os impactos que as “dinâmicas de poder” e as “dinâmicas de coesão social” têm sobre os mecanismos de controle social presentes no

Movimento de Luta por Moradia de BH (1985-1995). Sobre isso devemos fazer algumas

ressalvas. Os conceitos de “status” e “nichos sociais” lembram as duas dimensões aqui investigadas - “poder” e “coesão social” -, mas não são exatamente a mesma coisa. De fato, a forma como operacionalizamos o conceito de “poder” está muito próxima da forma como Lazega (2001) operacionaliza o conceito de “status social”. O poder aqui, a

4 Em “The Cement of Society: a study of social order”, Jon Elster (1989) cita dois conceitos de ordem social, um baseado na ideia de previsibilidade e o outro na ideia de cooperação. Segundo essas concepções, o contrário da ordem, ou seja, a desordem, pode ser visto no primeiro caso “como falta de previsibilidade [...]”, e no segundo caso “como ausência de cooperação, [e] é expressa na visão que Hobbes tem sobre a vida no estado de natureza , [uma vida] “solitária, pobre, desagradável, brutal e curta”” (Elster, 1989, p.1)

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exemplo do “status” na obra de Lazega (2001), também é mensurado a partir da localização/centralidade dos atores em redes por onde circulam determinados tipos de recurso5. Como o poder, o status também impacta a capacidade de ação dos agentes, ou seja, a capacidade de influenciar o comportamento dos demais atores presentes em um determinado contexto social.

Por outro lado, o conceito de “coesão social” não trata exatamente do mesmo fenômeno que o conceito de “nicho social”. O termo coesão se refere não só à emergência de cliques e subgrupos (conceitos próximos ao de “nicho social”), mas às distâncias entre os atores na rede como um todo e às dinâmicas mais amplas de fragmentação/integração do movimento daí derivadas. Dessa forma, quando falamos dos efeitos das dinâmicas de coesão social sobre os processos de controle social estamos nos referindo especificamente aos efeitos daquelas variáveis/dimensões do conceito de coesão que são também subjacentes ao conceito de “nicho social”, ou seja: aos subgrupos, cliques ou facções que emergem como decorrência de um maior adensamento relacional entre atores que compartilham certas homofilias sociais e identidades comuns.

1.3 Poder, coesão social e capital social

Como dito no início deste capítulo, a análise dessas duas dimensões – poder e coesão social – a partir da abordagem Neoestrutural visa iluminar tanto as condições de ação (e a ação efetiva) dos atores individuais quanto as variáveis estruturais do movimento que o ajudam a se manter como um ator coletivo com potencial para produzir ações coordenadas e de grande impacto social. Nesse sentido, a oposição entre as duas dimensões – poder (dimensão vertical) e coesão social (dimensão horizontal) – lembra também a oposição entre as duas formas de existir do “capital social” delineadas por 5 Lazega pontua, entretanto, que o status pode ser mensurado tanto de forma exógena, como na obra de Max Weber, quanto de maneira endógena, o que é possível graças às métricas fornecidas pela Análise de Redes Sociais. Em suas palavras, “[…] as múltiplas dimensões do status social definidas por Max Weber podem ser mensuradas como o acúmulo de diferentes formas de recursos. Com medidas como aquelas oferecidas pela Análise de Redes Sociais (essencialmente medidas de centralidade e proeminência), formas heterogêneas de status podem ser identificadas endogeneamente (e não simplesmente exogeneamente como em Weber)” (Lazega, 2009, p.13). A forma como pensamos o conceito de “poder” aqui está bem próxima da forma como Lazega pensa o conceito de “status” quando este é mensurado e tratado de maneira endógena.

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Ronald Burt (2005): capital social enquanto brokerage e capital social enquanto closure (fechamento). O capital social é qualquer aspecto da estrutura social que confere vantagens aos grupos sociais e/ou aos seus membros; em outras palavras, pode ser usado pelos indivíduos e/ou pelos grupos como recurso (ou capital) para o alcance de finalidades específicas (BURT, 2005; COLEMAN, 1988).

Closure é uma propriedade de redes nas quais todos os atores estão ligados entre si, quer dizer, nenhum nodo está desconectado do circuito de informações da rede. Esse “fechamento” da rede traz vantagens para o grupo e para os indivíduos que o compõem. Uma primeira vantagem é o acesso a informações mais seguras, dado que os atores estão conectados de forma mais direta àqueles que possuem informação mais intacta. A segunda vantagem é a maior facilidade na aplicação de sansões; o que por sua vez facilita o surgimento de relações de confiança e a vigência das normas do grupo. Ao facilitar a aplicação de sansões e a existência de confiança e de normas sociais, o closure se torna também um importante recurso para o grupo, pois viabiliza os processos de ação coletiva. O closure será tratado aqui como um aspecto das dinâmicas de “coesão social”.

Já o capital social na forma de brokerage tem um caráter mais “vertical”, ele diz respeito à capacidade dos atores controlarem o (ou participarem do) processo de difusão de recursos e informações dentro de uma rede (BURT, 2005). Quando uma rede apresenta baixa densidade de relações entre os subgrupos de atores que a compõem, surgem oportunidades para que determinados atores controlem o fluxo de recursos entre os subgrupos. Esses espaços com baixa densidade de relações são chamados de “buracos estruturais” (structural holes). Ocupar esses espaços significa não somente controlar as relações entre subgrupos diferentes, mas também ter acesso a mais informações, já que o ator nessa posição consegue alcançar por via indireta um número maior de nodos. Outra vantagem tem a ver com o fato de que essas informações tendem a ser menos redundantes do que as informações que circulam no interior de um grupo fechado. Como se vê, o brokerage tem também efeitos sobre a dimensão da coesão social. Os brokers podem funcionar como figuras que ligam grupos sociais dispersos na forma de um único grande grupo. Em momentos de mobilização eles podem ajudar as facções de um

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movimento a superarem suas diferenças, aumentando as chances de sucesso de um episódio de ação coletiva.

Se voltarmos ao conceito de “poder” colocado acima, veremos que o brokerage é um indicador da capacidade que certos atores têm de controlar o comportamento dos demais agentes; ou seja, o brokerage é uma medida de poder. O brokerage, entretanto, não é a única forma de pensar as posições de poder dentro de uma rede. A noção de “centralidade” também trata disso. Centralidade tem a ver com a quantidade de laços que partem e/ou chegam a um ator em uma rede (HANNEMAN & RIDDLE, 2016). Os dois conceitos (medidas) serão usados para abordar o problema do poder nas redes do movimento.

O conceito de coesão social – que abarca noções/métricas como closure, densidade e distância relacional, cliques e facções - e o conceito de poder - brokerage e centralidade - serão aqui operacionalizados a partir do uso da técnica de Análise de Redes Sociais. Com essa técnica, os comportamentos dos atores e os processos sociais podem ser explicados não em termos das escolhas individuais, dos atributos ou das categorias a que os indivíduos pertencem, mas sim em termos das estruturas de interação (redes ou estruturas sociais) em que estes se encontram inseridos. É o que Emirbayer & Goodwin (1994) chamam de premissa “anticategórica”.

As redes construídas para análise abarcam quatro formas de relação social: relações de reconhecimento, de colaboração, de confiança e de controle social lateral. Como dito acima, assumimos aqui que as estruturas sociais têm um caráter “multiplexo”, isto quer dizer que os atores estão ligados entre si a partir de diversos domínios de interação, e em cada domínio um tipo diferente de relação (ou laço) social predomina (LAZEGA, 2001; 2009). Os domínios aqui investigados são fundamentais para se entender o funcionamento e o sucesso de uma ação coletiva. No domínio das relações de confiança, de colaboração (em torno de recursos materiais) e de reconhecimento/status circulam três tipos de recursos – confiança, recursos materiais e reconhecimento – que podem ser vitais para uma mobilização coletiva. O engajamento em uma mobilização é

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mais provável, por exemplo, quando os atores têm confiança entre si (OSTROM, 1990). A troca de recursos materiais/financeiros também costuma necessária em muitos cenários de mobilização coletiva. Já as relações de reconhecimento podem indicar mais diretamente como funcionam as estruturas de status dentro de um grupo social, e estas, por sua vez, podem servir como indicadores das hierarquias de poder existentes. Por último, algumas dessas relações - as relações de controle social lateral e as relações de colaboração em torno de recursos materiais - podem constituir a base de processos sociais indispensáveis em variadas dinâmicas de ação coletiva; por exemplo, para os processos de controle social e os processos de solidariedade (LAZEGA, 2009).

Um diferencial de nossa análise é que ela, diversamente de outros trabalhos (DIANI, 1995), não se debruça sobre as estruturas de interação entre as organizações que compõem um movimento, mas, antes, sobre as trocas existentes entre os indivíduos que compõem este movimento. Ou seja, construímos aqui redes de lideranças individuais e não redes de “organizações de movimento”.

Uma discussão mais elaborada sobre os conceitos de poder e coesão social é realizada no capítulo 2. Tal capítulo também oferece um panorama das principais teorias desenvolvidas no campo de estudos de movimentos sociais. Essas teorias são agrupadas em quatro grandes abordagens, quais sejam: utilitaristas, estruturalistas, construtivistas e neoestruturais. As descrições e comparações realizadas entre essas abordagens visam demonstrar as possibilidades analíticas colocadas pela perspectiva Neoestrutural. Ao final dessas comparações são realizados alguns encaminhamentos para a pesquisa, incluindo-se aí os questionamentos que a preincluindo-sente disincluindo-sertação pretende ajudar a responder.

No capítulo posterior (3), é realizada uma contextualização histórica do movimento de luta por moradia de Belo Horizonte. Nesse sentido, é feita uma descrição da evolução histórica da luta por moradia na cidade, com foco no período posterior a 1975. É nessa época que se formam as condições sociopolíticas fundamentais para a emergência e expansão do movimento de luta por moradia de BH. De 1975 até meados da década de 80 a luta por moradia foi levada a cabo principalmente pelo movimento de

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favelados. A partir de 1985, entretanto, a entidade comprometida com a luta dos favelados entra em crise. Desse momento em diante assume preponderância a luta feita pelos grupos organizados de “sem-casa”. Essas duas alas do movimento de luta por moradia não agiam de forma isolada. Suas principais lideranças se conheciam e estabeleciam relações de cooperação entre si, como será visto no capítulo 4.

Ainda sobre o capítulo 3, deve-se pontuar que a descrição histórica realizada sobre o movimento entre os anos 1985 e 1995 se baseia principalmente no relato das lideranças. A razão para isso é que não existe na literatura informação consistente e abundante sobre a luta por moradia ocorrida em BH nesse período. Para o período anterior a 1985, entretanto, existe uma quantidade razoável de fontes bibliográficas. Portanto, a descrição desse último período é feita com maior embasamento na literatura. Nesse sentido, por meio das análises empreendidas nesta pesquisa, pretende-se contribuir também para o acúmulo de fontes especializadas que tratam desse importante movimento social.

Por fim, nos capítulos 4 e 5 é realizada a análise dos dados em rede. Além da análise, há também uma ligeira descrição do processo de coleta desses dados. No capítulo 5, que também é a conclusão, tem-se uma discussão dos resultados da pesquisa e das possibilidades analíticas colocadas por esta dissertação.

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2. Abordagens teóricas: por uma análise Neoestrutural dos movimentos sociais

O objetivo desta revisão da literatura é tanto encaixar as principais correntes teóricas sobre movimentos sociais desenvolvidas na sociologia dentro de um quadro sinóptico que demonstre as características e implicações teóricas de cada uma delas quanto chamar atenção para as possibilidades analíticas da abordagem teórica usada neste trabalho: a abordagem Neoestrutural (ou abordagem Relacional). O uso desta abordagem não implica na falta de importância das outras abordagens para explicar a emergência e reprodução de movimentos sociais. Cada uma delas tem sua importância analítica e suas fraquezas teóricas; de forma um tanto diferente da abordagem Neoestrutural, todas elas se firmaram como os esquemas teóricos mais usados e criticados dentro do campo de estudo

de movimentos sociais e fenômenos afins (ALONSO, 2009; JENKINNS & FORM,

2005; JASPER, 2010). Sendo assim, essa revisão teórica deve ser lida mais em termos de um “diálogo entre teorias” do que em termos de uma pretensa “superação teórica”.

Dito isso, estas são as teorias que compõem o supracitado quadro sinóptico: Teoria das Oportunidades Políticas, Teoria da Ação Coletiva de Olson, Teoria da Mobilização de Recursos, teorias sobre frames e Identidades Coletivas e análises baseadas na perspectiva Neoestrutural (ou relacional). Vamos aqui classificar essas teorias em quatro grandes abordagens teóricas: abordagens utilitaristas; abordagens estruturalistas; e abordagens construtivistas e neoestruturais. As partes desse esquema

classificatório refletem as grandes ontologias6 que permearam a teoria social ao longo do

último século: o individualismo metodológico, o estrutural-funcionalismo e a tradição “microinteracionista” representada pelo interacionismo simbólico e pela fenomenologia/etnometodologia (COLLINS, 2009; TILLY, 2002). Pode-se, diversamente, classificar as teorias sobre movimentos sociais seguindo outros padrões, 6 Tilly (2002) resume as ontologias que guiaram as ciências sociais no último século, incluindo aí o campo de estudos dos movimentos sociais, em quatro tipos: o individualismo metodológico, o estrutural-funcionalismo, o individualismo fenomenológico e o realismo relacional. O autor cita o esgotamento dos três primeiros paradigmas e a tendência atual das ciências sociais em seguir o paradigma relacional. Essa classificação proposta por Tilly se assemelha à divisão das teorias de movimentos sociais usada nesta revisão da literatura.

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por exemplo, diferenciando entre abordagens culturalistas e abordagens materialistas (JASPER, 2010). Todavia, enquadrar tais teorias segundo as grandes tradições citadas acima permite que se faça uma articulação mais direta entre elas e o debate acerca da tensão entre agência (micro) e estrutura (macro). Essa tensão tem sido, principalmente nas últimas décadas, o fio condutor da maioria das discussões em matéria de teoria social. E também dentro do campo das teorias dos movimentos sociais podemos enxergar suas influências. As teorias de cunho estruturalista prezaram mais a importância que as variáveis estruturais têm sobre a emergência da ação coletiva. As perspectivas utilitaristas, por sua vez, se basearam na ação racional dos agentes como forma de explicar o comportamento coletivo. Já as abordagens construtivistas e neoestruturais deram maior atenção aos “processos locais de interação” subjacentes aos fenômenos de ação coletiva.

A perspectiva Neoestrutural é, dessa forma, um caminho teórico que se distancia tanto dos paradigmas utilitaristas, representados pela Teoria da Ação Coletiva de Olson, quanto das abordagens ditas estruturalistas, representadas pela Teoria das Oportunidades Políticas, a Teoria da Mobilização de Recursos, as teorias funcionalistas do Comportamento Coletivo e por boa parte dos autores da Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TARROW, 2011). O ponto de vista Neoestrutural não se apoia nem na ação (utilitária) dos agentes, nem na influência de “grandes estruturas” - estas pouco ou nada ligadas às dinâmicas de interação presentes nos movimentos - para explicar os fenômenos de ação coletiva. A ênfase está no processo “interativo” entre os atores. Essa via para explicar a ação coletiva não é recente. Já se encontrava (em alguma medida) nos trabalhos de Alberto Melucci e de maneira geral também era enfatizada nos trabalhos daqueles sociólogos e sociólogas que, influenciados pela cultural turn na sociologia, deram maior peso à cultura no estudo da ação coletiva (TARROW, 2011; BENFORD & SNOW, 2002). Entretanto, ela veio a ser renovada com o uso da Análise de Redes Sociais, como pode ser visto nos trabalhos de Mario Diani e Emmanuel Lazega (MISCHE, 2011; TILLY, TARROW & MCADAM, 2007; TARROW, 2011; TAVOLARO, 2007; DIANI, 2003; LAZEGA, 2001).

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O uso de uma abordagem Neoestrutural como a perspectiva teórica basilar deste trabalho tem sua razão em dois argumentos. Primeiro, porque ela permite explicar a capacidade de ação (e os direcionamentos da ação) daqueles agentes e grupos que compõem os movimentos sociais sob o ponto de vista do contexto relacional em que se encontram inseridos. Segundo, porque ela permite observar os mecanismos sociais e as variáveis estruturais internas que afetam o funcionamento dos movimentos sociais (ex. coesão, fragmentação, cliques, subgrupos, identidade coletiva, solidariedade, sistemas de controle social, estruturas de status, etc.) enquanto produtos emergentes, construídos e mediados a partir da interação constante entre os agentes. Assim, tanto a agência quanto a estrutura são explicadas, mas ambas, desse ponto de vista, são resultantes das interações [social e simbólica] existentes entre os atores que compõem os movimentos sociais (DIANI, 2002, 2003; GRANOVETTER, 1985; MISCHE, 2011). Para deixar bem claro as possibilidades analíticas e as deficiências de cada uma das quatro abordagens, e para melhor entender as vantagens teóricas da abordagem Neoestrutural, segue abaixo uma rápida exposição de cada uma delas.

2.1 Abordagens utilitaristas

A primeira vertente teórica a ser revista aqui é a utilitarista. Dentro dessa vertente

destaca-se a teoria da ação coletiva de Mancur Olson (1999). Olson (1999) pensou a ação

coletiva do ponto de vista de uma racionalidade econômica. As pessoas tomariam parte nos empreendimentos coletivos por meio de cálculos estratégicos que levariam em conta os custos e benefícios de se engajar. A teoria de Olson lida com aquelas formas de ação coletiva em que os benefícios resultantes podem ser apreciados ou usados por todos os membros do grupo, mesmo que um ou vários desses membros não tenham contribuído para seu alcance. Isso pode levar esses membros a agirem de maneira oportunista, ou seja, como caronas, ou “free riders”, dado que eles podem sempre escolher se absterem de contribuir para a ação coletiva e ainda assim usufruírem de seus resultados.

A participação dos indivíduos em ações coletivas desse tipo está diretamente relacionada ao tamanho dos grupos. Em grupos pequenos é mais fácil de evitar o

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comportamento do free rider (carona). Entre as vantagens dos grupos pequenos está, primeiro, o fato de que neles os atores estão mais próximos entre si e podem monitorar mais facilmente os comportamentos uns dos outros, e, segundo, a questão de que os atores percebem mais claramente os impactos de sua contribuição para a ação coletiva. Os grandes grupos (grupos latentes), por sua vez, são mais susceptíveis à ação do carona. Neles os benefícios individuais da ação coletiva são bem menores em relação aos custos com que os indivíduos têm que arcar; além disso, é mais difícil perceber o impacto da contribuição de cada membro para a ação coletiva e o monitoramento informal entre pares é mais difícil de acontecer. Isso aumenta as chances de existirem free riders. Diante desse problema, Olson propõe que os grandes grupos devem promover incentivos seletivos, negativos ou positivos (punições ou prêmios), para que todos os membros contribuam de alguma forma para a ação coletiva e não se comportem como free riders (OLSON, 1999; TARROW, 2011).

2.2 Abordagens estruturalistas

Em contraposição às abordagens utilitaristas/racionalistas existem aquelas teorias que procuram explicar a ação coletiva a partir de variáveis mais estruturais. As três correntes teóricas que mais exemplificam tal abordagem são a Teoria da Mobilização de

Recursos (TMR), a Teoria das Oportunidades Políticas (TOP) e a Teoria dos Novos

Movimentos Sociais (TNMS).

Na década de 70, dois sociólogos norte-americanos, John McCarthy e Mayer Zald, inspirados, em parte, em Olson, desenvolveram uma teoria da ação coletiva que dava forte ênfase ao caráter racional da ação dos indivíduos. Diferentemente das linhas teóricas sobre a ação coletiva anteriores aos anos 60 (teorias do comportamento coletivo e abordagem da sociedade de massa), que enfatizavam a dimensão emotiva e irracional do comportamento coletivo, a TMR explicitou o quanto a atuação dos movimentos se dá com base no cálculo racional. Mas, a racionalidade dos agentes não é o único fator a explicar o surgimento e continuação dos movimentos. Também entram nessa conta os recursos necessários para sustentar a ação coletiva. Tais recursos são de diversos tipos:

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humanos, materiais (financeiros e infraestrutura), culturais (legitimidade dos movimentos frente à sociedade) e organizacionais (ação coordenada entre os atores). Ou seja, além de pensar no "por quê" do engajamento dos indivíduos, os teóricos da TMR se preocuparam também no "como" era possível o surgimento e continuação dos movimentos sociais. Essa forma de abordar os movimentos, enquanto empreendimentos coletivos que necessitam de recursos para obterem sucesso, aproximou os estudos da ação coletiva dos estudos organizacionais. Os movimentos sociais eram vistos como uma espécie de “empresa” disputando recursos em um mercado cheio de outras organizações de movimentos sociais. É justamente por conta desse foco nas estruturas organizacionais que tratamos a TMR como uma abordagem estruturalista, ao invés de uma abordagem puramente utilitarista (MCCARTHY & ZALD, 1977; ALONSO, 2009; TARROW, 2011).

Já a Teoria das Oportunidades Políticas surgiu, em parte, como uma crítica à Teoria da Mobilização de Recursos e a outras abordagens que davam pouco peso ao contexto político em que operavam os movimentos. Entre os principais nomes dessa linha teórica estão Sidney Tarrow, Doug McAdam e, seu mais importante expoente, Charles Tilly7. Uma ideia central dessa corrente, e que dá nome à teoria, é a de que as oportunidades políticas são importantes para o surgimento e o sucesso da ação coletiva. As mudanças no ambiente político criam facilitações ou impedimentos à ação dos atores (GOHN, 2012; TARROW, 2011; ALONSO, 2009; JENKINNS & FORM, 2005).

Uma dimensão importante na ideia de oportunidades políticas é a diferença entre oportunidades dinâmicas e oportunidades estruturais. As oportunidades dinâmicas são aquelas mais voláteis, que dizem respeito ao ambiente institucional mais próximo dos movimentos sociais. Mudam mais facilmente de acordo com eventos, políticas e atores políticos. Exemplos de oportunidade desse tipo são: divisões entre as elites, pouca ou muita repressão por parte do governo, ajuda de partidos aliados, crises passageiras - políticas ou econômicas. Dependendo das oportunidades citadas acima, as elites políticas podem se tornar neutras ou mesmo ajudar na ascensão dos movimentos. Já as 7 Vale lembrar que Charles Tilly, apesar de ter sido um grande representante de abordagens estruturalistas, como é o caso da Teoria das Oportunidades Políticas, se aproximou e se tornou seguidor, ao final de sua carreira acadêmica, de uma perspectiva mais relacional (Krinsky & Mische, 2013; Tilly, 2002).

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oportunidades estruturais dizem respeito aos aspectos mais fixos das instituições políticas e da cultura; estas apresentam uma maior resistência a transformações (JENKINNS & FORM, 2005).

Diferente da TMR, a Teoria das Oportunidades Políticas incorpora mais fortemente em sua estrutura explicativa a dimensão cultural. Nesse sentido, traz o conceito de repertório de ação, largamente utilizado nos estudos sobre movimentos sociais (ALONSO, 2009; TILLY, 2008). Segundo Tilly (TILLY apud TARROW, 2009, p.51):

repertórios de confronto [são] as maneiras através das quais as pessoas agem juntas em busca de interesses compartilhados [...] a palavra repertório ajuda a descrever o que acontece, identificando um conjunto limitado de rotinas que são aprendidas, compartilhadas e executadas através de um processo relativamente deliberado de escolha.

As duas teorias citadas acima, a Teoria das Oportunidades Políticas e a Teoria da Mobilização de Recursos, acabaram se coadunando, junto à perspectiva dos frames de Benford & Snow (2002), em um esquema teórico mais amplo, a Teoria do Processo Político (TPP), que dominou os estudos sobre movimentos sociais nos EUA e em parte da Europa a partir do final da década de 80 (GOODWIN & JASPER, 1999). Importante lembrar que a Teoria do Processo Político também usou do conceito de “redes”, essencialmente como parte da noção mais ampla de “estruturas de mobilização”. Mas, segundo Goodwin & Jasper (1999, p.42), os teóricos do processo político veriam as redes “quase como estruturas físicas em vez de fluxos de emoções, ideias e informações8”.

A terceira grande abordagem estruturalista é a Teoria dos Novos Movimentos Sociais. A TNMS – assim como a TOP e a TMR - surgiu como resposta às mudanças vistas na sociedade ocidental a partir dos anos 60. Mudanças que exigiram novas teorizações sobre os fenômenos de ação coletiva. Segundo Ângela Alonso (2009), seus teóricos não formam uma escola tão coesa como a TOP e a TMR, mas possuem alguns 8 Tradução própria.

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pontos em comum que nos permitem colocá-los juntos em uma mesma linha de pensamento. Entre os principais representantes da TNMS estão Alain Touraine, Jürgen Habermas, Klaus Offe e Alberto Melucci. Como pano de fundo para as teorias desses autores está a ideia de que na modernidade o capitalismo havia passado por mudanças estruturais responsáveis por tirar da esfera do trabalho e da produção industrial a importância central que possuíam para a vida social no passado. Essa transformação macroestrutural das sociedades contemporâneas teria ensejado mudanças também na esfera do conflito político, criando novas formas de ação coletiva (ALONSO, 2009).

De forma geral a ênfase das mobilizações coletivas teria deixado de ser a conquista do Estado. As novas reivindicações se ligavam a temas como a conquista de qualidade de vida e de estar dos indivíduos e mudanças culturais visando tal bem-estar. Os atores coletivos mais marcantes não eram mais os sindicatos e entidades de classe. Entraram em cena os novos movimentos sociais: movimento feminista, movimento ambientalista, movimento pacifista, movimento gay, movimentos anti-nuclear, entre outros (GOHN, 2007; GOHN, 2012; ALONSO, 2009).

O primeiro desses autores, Alain Touraine, concebeu um corte na história moderna: dos anos 60 em diante um novo padrão de sociedade teria emergido, a "sociedade programada" ou "pós-industrial". Nessa nova forma de sociedade o conflito e a dominação se estruturariam mais em torno da esfera da cultura do que na do trabalho e da técnica. Antes, na "sociedade industrial", o mundo do trabalho e as questões de classe é que direcionavam os conflitos sociais. Mas nas sociedades pós-industriais as questões de identidade comporiam as principais pautas dos movimentos sociais (ALONSO, 2009). Touraine, ademais, reavivou o conceito de sociedade civil. Para ele trata-se de uma esfera separada tanto do Estado como do mercado. É na sociedade civil onde nascem os movimentos sociais. Nela eles ocupam um lugar central, são os agentes dinâmicos da sociedade, visando, sobretudo, operar mudanças na esfera dos valores (GOHN, 2007).

Habermas também considerou que novas formas de conflito político haviam surgido no “capitalismo tardio”. Essas novas formas de conflito eram resultantes do

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processo de colonização do mundo vivencial promovido pela expansão da lógica sistêmica que imperaria nas esferas econômica e política. Tal colonização do mundo vivencial se expressaria em duas tendências: a monetarização - típica da esfera econômica - e a burocratização - típica da esfera do Estado - das relações sociais comunitárias. A expansão do Estado sobre a vida privada, na tentativa de dirimir os efeitos do conflito entre capital e trabalho por meio de políticas sociais e regulação do mercado, teria aumentado a atuação da burocracia e da normatização jurídica sobre a família, a educação e a vida pessoal (ALONSO, 2009). Para Habermas, no capitalismo tardio a esfera do trabalho deixou de ser a base para os conflitos políticos. As mobilizações coletivas passaram a girar em torno dos problemas decorrentes do processo de colonização do mundo vivencial. Aí as lutas por redistribuição de bens materiais não eram as mais comuns e sim as lutas de cunho simbólico, pela busca de direitos e de qualidade de vida. Nas palavras de Alonso (2009, p.62),

os novos movimentos sociais seriam, então, formas de resistência à colonização do mundo da vida, reações à padronização e racionalização das interações sociais e em favor da manutenção ou expansão de estruturas comunicativas, demandando qualidade de vida, equidade, realização pessoal, participação e direitos humanos.

2.3 Alternativas para a tensão “estrutura/ação”: abordagens construtivistas e neoestruturais

As duas grandes abordagens teóricas explicitadas acima representam os polos da tensão entre ação e estrutura. A ação coletiva na primeira abordagem (utilitarista) é realizada por indivíduos agindo racionalmente, objetivando aumentar benefícios e diminuir custos. A interação é vista como trocas entre indivíduos que visam maximizar seus interesses. Mas as preferências dos indivíduos continuam fixas, apesar do processo de interação. A ação coletiva é, assim, fruto do cruzamento de estratégias utilitárias individuais, havendo pouco espaço para a dimensão axiológica e normativa e para os efeitos das estruturas de interação. As teorias estruturalistas, por outro lado, concebem a ação coletiva como determinada por variáveis “macrosociais”, sejam elas as estruturas de

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oportunidades políticas, as estruturas de mobilização de recursos ou as novas estruturas sociais do capitalismo pós-industrial que determinaram mudanças na esfera do conflito político. Nestas teorias a dimensão cultural ganha importância, mas desde um ponto de vista macroestrutural; já as formas de “estrutura” implícitas em cada uma delas não leva em conta de maneira séria e detalhada os efeitos das trocas e relações sociais presentes num nível mais básico da existência dos movimentos.

Fazendo contraponto a tais teorias existem aquelas abordagens que tentaram explicar o surgimento e possibilidade da ação coletiva a partir de aspectos cognitivos e das dinâmicas culturais e relacionais em que os atores se encontram inseridos

(BENFORD & SNOW, 2002; DIANI, 2002; GRANOVETTER, 1985). Essas abordagens

serão chamadas aqui de “construtivistas” e “neoestruturais” (LAZEGA, 2009; TILLY,

TARROW & MCADAM, 2007; DIANI, 2002; LAZEGA & HIGGINS, 2014). O

primeiro grupo se ateve mais à dimensão cultural e axiológica dos movimentos. Foram fortemente influenciadas por uma cultural turn9 na sociologia (TARROW, 2009). Já o segundo grupo se aprofundou mais no caráter relacional dos movimentos sociais - mas sem deixar de lado a dimensão cultural e as interdependências que esta tem com a dimensão da interação social (MISCHE, 2011; EMIRBAYER, 1997; MISCHE & PATTISON, 2000; DIANI, 2002).

Dois exemplos muito citados de teorias “construtivistas” para explicar movimentos sociais são aquelas baseadas nas noções de “identidade coletiva” e “framing” (enquadramento). A primeira abordagem tem em Alberto Melucci seu grande representante. Apesar de ter muito em comum com os autores da TNMS10, Melucci 9 Segundo Tarrow (2009) três elementos são responsáveis por essa cultural turn nos estudos sobre ação coletiva. São eles: a “culturalização” do conceito de classe promovido por E. P. Thompson; a abordagem “interpretativista” do antropólogo Cliford Geertz; e a influência da psicologia social por meio dos conceitos de "enquadramento interpretativo" de Ervin Goffman, "mobilização por consenso" de Bert Klanderman e "pacotes ideológicos" de William Gamson - ligada a esse último elemento estava a influência do pós-estruturalismo francês, levada a cabo principalmente pelo filósofo Michel Foucault e suas análises sobre o discurso.

10 Melucci não é completamente oposto às teorias de cunho mais estruturalista. Compartilha com a TNMS muito dos seus pressupostos estruturais para explicar a emergência dos “novos movimentos sociais”. Em relação à TPP, admite que existem constrangimentos e oportunidades políticas perpassando a ação dos movimentos sociais, mas diz que essas oportunidades são mediadas pela percepção e cognição dos atores. Melucci também reconhece a importância das lideranças e das organizações. Esses dois

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(1996) analisa a ação coletiva sob um ponto de vista diferente do daqueles. Usando de uma perspectiva mais psicossocial, ele criticou tanto as teorias baseadas no nível “macro social” quanto aquelas baseadas na psicologia individual. Segundo ele, essas teorias deixam sem resposta a questão de como - por quais mecanismos e processos - a ação individual leva ao comportamento coletivo, ou, inversamente, como a ação coletiva é formada a partir do comportamento individual. Na tentativa de responder a essa questão, Melucci advogou uma perspectiva “construtivista” que vê a ação coletiva como resultado do processo relacional entre os atores. Essa abordagem, que reconhece o caráter interativo e reflexivo da ação social, se aproxima àquela dos interacionistas simbólicos, que também viam os valores e normas construídos por meio do processo de interação (MELUCCI, 1996; ALONSO, 2009; GOHN, 2007).

Foi Melucci quem trouxe para o centro do debate sobre movimentos sociais a questão da importância que a identidade coletiva tem nos processos de ação coletiva. Para ele, parte substancial da atividade dos movimentos é voltada para a construção de uma identidade coletiva. Essa construção é concebida como dinâmica, processual, resultado das negociações constantes entre os atores. Mas as negociações não envolvem apenas escolhas racionais, envolvem também "reconhecimento emocional" (MELUCCI, 1996; ALONSO, 2009; GOHN, 2007). Assim define Melucci a identidade coletiva: "Identidade coletiva é uma definição interativa e compartilhada produzida por numerosos indivíduos e relativa às orientações da ação e ao campo de oportunidades e constrangimentos onde essa ação tem lugar” (MELUCCI, 1996, p. 65). A emergência de uma identidade coletiva pressupõe elementos como “definições cognitivas” comuns acerca dos objetivos, dos meios e do campo de ação em que operam os agentes, certo “envolvimento emocional” entre esses agentes, fortes dinâmicas de interação social, o reconhecimento interno e externo sobre essa condição e identidade comum dos agentes, etc (MELUCCI, 1996).

elementos seriam responsáveis por manter estáveis as orientações comuns dos atores em relação aos fins e meios da ação coletiva. Ele também aceita a ideia de que relações ou organizações já existentes facilitam o engajamento. Mas ele usa o termo “redes de relacionamento” em vez de "estruturas de mobilização" para falar disso. É nas “redes de relacionamento” que se formam as motivações para a ação coletiva (Alonso, 2009).

Referências

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