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PEREIRA PASSOS E EDUARDO PAES: SITUANDO A CIDADE NA HISTÓRIA

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Academic year: 2021

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PEREIRA PASSOS E EDUARDO PAES: SITUANDO A CIDADE NA

HISTÓRIA

Guilherme Mendes Tenório1

Resenha : AZEVEDO, André Nunes de Azevedo. A grande reforma urbana do Rio de Janeiro: Pereira Passos, Rodrigues Alves e as Ideias de Civilização e Progresso. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2016.

O livro de André Nunes de Azevedo é uma das boas

revelações deste ano. Diria, sem exagero, que é uma boa notícia num ano que tem sido

tão nefasto, pelo menos para aqueles que se alinham ao campo da política progressista.

E por que podemos pensar desta forma? Quer dizer: o que tem de tão especial no livro

de André Nunes?

Primeiro, vamos esclarecer o tema da obra. A pesquisa de André investiga as Reformas

capitaneadas pelo prefeito Pereira Passos no início do século XX a partir da história das

ideias. Trata-se de entender como as noções de progresso e a civilização deram ensejo

ao conjunto de obras que ficou conhecido como Reforma Passos. Entre as obras

1 Doutor em História pelo Centro de Pesquisa em História Contemporânea do Brasil. Atualmente realiza

Estágio Pós-Doutoral pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Território da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGDT-UFRRJ). Gtenorio6@gmail.com

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concretizadas, a mais conhecida é, sem dúvida, a abertura da Avenida Central, hoje

Avenida Rio Branco.

E aí temos o primeiro ponto de grande valor de André Nunes. Na verdade, a

abertura da Avenida Central não coube ao prefeito Pereira Passos e sim ao governo

federal, naquele momento chefiado pelo Presidente Rodrigues Alves. Como diz André

mais de uma vez ao longo do seu livro, a transformação ocorrida na então Capital

Federal, entre 1902 e 1906, consistiu de duas reformas: aquela gerida pelo governo

federal e aquela conduzida pelo então nomeado Pereira Passos.

A reforma promovida pelo governo federal não se reduz, é claro, a construção

da Avenida Central. Conjuntamente, temos a reforma do porto do Rio de Janeiro e a

abertura das Avenidas Francisco Bicalho e Avenida Rodrigues Alves. Isso sem falar na

profilaxia contra doenças que infestavam o Rio de Janeiro a exemplo da varíola, da

malária e da peste bubônica, iniciativa sob a batuta do médico sanitarista Oswaldo Cruz.

Por sua vez, a reforma de Pereira Passos propriamente dita consistiu na abertura

de vias que articulassem o centro da cidade às regiões periféricas, sejam aquelas

situadas ao Sul, sejam aquelas localizadas ao Norte e a Oeste. Entre as novas vias

construídas temos a Avenida Beira Mar e a Rua Visconde de Itaúna, sem esquecer o

alargamento da Rua da Assembleia e da extensão da Rua Floriano Peixoto. Ressalte-se

ainda que Pereira Passos começou a levar a malha urbana até Copacabana, chegando a

construir a Avenida Atlântica e o túnel que ligava Botafogo a Copacabana, hoje chamado

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Mais do que as obras em si, André Azevedo

está a todo o tempo preocupado com as ideias

que se articulam por meio dessas. E nisso estaria

a grande diferença entre a reforma urbana federal

e a reforma municipal: enquanto a primeira se

basearia na noção de progresso, a segunda estava

focada sob a égide da civilização. Neste sentido, o

autor nos lembra de dois pontos de extrema

relevância: a chamada Grande Reforma Urbana se

compõe, a bem dizer, de duas reformas. E ainda

mais: estas reformas têm significados distintos.

Para chegar a estas conclusões, André

retorna ao tempo do Império e lá percorre a formação social e intelectual dos dois

mentores da reforma: Pereira Passos e Rodrigues Alves. Francisco Pereira Passos

formou-se na Escola Militar da Corte entre 1853 e 1856 e ainda fez parte da Comissão

de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro entre 1874 e 1875, tendo ainda passado

uma temporada em Paris justamente no período em que a cidade passava por um

importante período de Reforma Urbana capitaneado por Haussman.

Tomando esta passagem de Pereira Passos pela Paris de Haussman, muitos

historiadores, entre eles Jayme Bechimol, apontam as modificações introduzidas por

Pereira Passos como uma cópia daquelas promovidas pelo alcaide francês. A fim de

questionar esta tese, André Azevedo faz considerações importantes: a primeira delas

diz respeito ao fato de que a proposta de reforma urbana encaminhada por Haussman

“(...)a reforma de

Pereira Passos

propriamente dita

consistiu na

abertura de vias que

articulassem o

centro da cidade às

regiões periféricas,

sejam aquelas

situadas ao Sul,

sejam aquelas

localizadas ao Norte

e a Oeste(...)”

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não fora a única naquele momento, convivendo com outros projetos urbanos que não

lograram êxito.

A segunda concerne à questão da inclusão das classes operárias no traçado

urbano. Enquanto a reforma parisiense teria excluído os trabalhadores do centro,

Pereira Passos promoveu a inclusão dos trabalhadores nos espaços novos da urbe como

a Avenida Central. Para tanto, Passos mandou construir coretos e banheiros públicos na

região para que a população pudesse aproveitar melhor a cidade em seus passeios. De

fato, há autores, entre eles Rosa Maria Barboza de Araújo (1993), que pontuam como

as reformas de Pereira Passos aclimataram a cidade para novos hábitos de lazer. Ainda

em relação aos trabalhadores, André cita que Passos construiu escolas públicas em

diversos bairros da Zona Norte e uma vila operária na Avenida Salvador de Sá.

Poderíamos pensar que o livro de André enquadrar-se-ia no revisionismo

histórico que tem encetado em novas leituras de eventos como o Holocausto, a

Revolução Russa ou processos como a escravidão. Leituras muitas vezes de viés político

conservador, como adverte o pensador Domenico Losurdo (2017) em livro recente

sobre o tema. Mas não é o caso, visto que o livro de André pontua em diversas ocasiões

como as reformas de Pereira Passos incluíram os trabalhadores a partir de um viés

conservador, não levando em conta algumas tradições da cidade, notadamente aquela

que divide o Rio de Janeiro entre a “cidade da ordem” e a “cidade da desordem”, uma

em constante interação com a outra.

A “cidade de desordem” seria aquela formada desde os tempos coloniais pelos escravos,

libertos e trabalhadores pobres que tentavam garantir sua sobrevivência por uma série

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persiste até os dias atuais e que naquele momento foi combatida por Pereira Passos

através de uma série de práticas voltadas para os hábitos populares, como, por exemplo,

a proibição do entrudo e a retirada dos quiosques do centro da cidade.

Assim, por mais que revisite de forma favorável as reformas de Pereira Passos, o

livro de André não chega ao extremo do revisionismo. Senão teria que desconhecer

totalmente como o prefeito da então Capital Federal empreendeu uma inclusão dos

populares a partir de um viés conservador, muito no sentido de um processo civilizador

como queria Norbert Elias.

Na verdade, por mais que tivesse incluído os operários, Passos não levou em

conta uma série de expedientes de sobrevivência utilizados pela população carioca,

notadamente a afrodescendente. Devemos lembrar primeiro que o Rio de Janeiro

recebeu um contingente expressivo de escravos libertos pela Lei Áurea. Segundo,

muitos destes ex-escravos tiveram enorme dificuldade de encontrar colocação no

mercado de trabalho formal, só restando empreender formas de sobrevivência que

contribuíram para a ocupação desordenada do espaço urbano. Ou, melhor dizendo, tais

expedientes de sobrevivência não casavam com o figurino de civilização que o prefeito

Passos queria emprestar ao Rio de Janeiro. Uma civilização sustentada pela valorização

da alta cultura e da ação do Estado, sem maiores diálogos com o mundo dos populares.

Os pontos levantados acima são esclarecidos com precisão no livro de André

Nunes. Definitivamente, não se pode reduzir Pereira Passos a um destruidor de cortiços.

Até porque os fatos desmentem tal assertiva: segundo André, a freguesia de Santana

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não mexeram um milímetro com aquela região da cidade. Se houve derrubada de

cortiços na cidade do Rio de Janeiro, durante sua história, não foi obra de Pereira Passos.

Portanto, André cumpre seu dever de historiador e mantem-se a parte de disputas pela

memória das reformas Pereira Passos, seja afastando-se das obras que nos anos 1930

enalteceram as transformações da Capital Federal, seja da historiografia dos anos 1980,

que trocou o sinal positivo pelo negativo ao pesquisar aquele contexto da cidade do Rio

de Janeiro.

Afinal de contas, História e Memória não necessariamente são equivalentes. A

Memória tende a ser uma reconstrução do passado menos rigorosa do ponto de vista

científico, em que se constrói uma narrativa do que aconteceu para dar bases

pretensamente mais sólidas a uma identidade pessoal ou social. Já a História lida com o

passado a partir de um arcabouço científico que inclui a busca e a crítica de fontes a

partir de referenciais teóricos. Contudo, como nos ensina o filosofo francês Paul Ricoeur

(2010), os livros de História são narrativas que podem ser apropriadas por distintos

atores em prol de lutas de memórias existentes no presente. Assim, é factível que a

pesquisa de André possa dar sustentação seja a uma reconfiguração do passado do Rio

de Janeiro e mesmo ao seu presente.

Isto porque, passados cem anos, uma nova onda de reformas atravessou alguns

espaços da cidade do Rio de Janeiro. Desta feita, elas foram encaminhadas pelo prefeito

Eduardo Paes em conjunto com os governos estadual e federal. Tais reformas podem

ser resumidas em três eixos: a revitalização da região portuária; a incorporação de novos

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arenas esportivas tendo em vista os Jogos Olímpicos de 2016, da qual o Rio de Janeiro

foi a sede.

Dos três eixos citados, o que apresenta maior parentesco com a reforma de

Pereira Passos é a revitalização da área portuária. O projeto Porto Maravilha incluiu a

construção de um aquário, do Museu do Amanhã e do Museu de Arte do Rio de Janeiro,

o MAR. Também é interessante observar como a atual Avenida Rio Branco, antiga

Avenida Central, foi novamente remodelada e arborizada, traçando um dialogo

intencional ou não entre o rio de Eduardo Paes e o de Pereira Passos.

Alias, traçar um dialogo entre as reformas do passado e as reformas do presente

não é das tarefas mais simples. Entre outros fatores, por conta das diferenças entre os

dois contextos, as quais não devem ser esmaecidas. Hoje, estamos falando de uma

cidade de 6 milhões de habitantes e que faz parte de uma metrópole de 12 milhões,

números que a colocam em segunda posição no ranking nacional, atrás de São Paulo.

No início do século XX, tínhamos uma cidade de pouco mais de 800.000 que mantinha

parcas relações com seu entorno, o então Estado do Rio de Janeiro com capital em

Niterói.

Vamos deixar as diferenças entre o Rio de antanho e o Rio atual para outra

oportunidade porque aqui o objeto é o livro de André Azevedo. De qualquer maneira,

penso que o autor nos fornece caminhos interessantes para abordarmos as reformas de

Eduardo Paes. Um deles seria uma pesquisa mais aprofundada acerca do ideário que

sedimentou as atuais intervenções urbanas. O outro seria averiguar os usos que têm

sido feitos dos novos espaços urbanos, principalmente daqueles localizados na região

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Até porque, como lembra o uruguaio Angel Rama, uma coisa é a cidade ideal

planejada por governantes. A outra, bem distinta, é a cidade do dia-a-dia, aquela que

refazemos a cada dia em nosso caminhar.

Referências bibliográficas:

ARAUJO, Rosa Maria Barboza de. A vocação do prazer: a cidade e a família no Rio de

Janeiro republicano. Rio de Janeiro: ROCCO, 1993.

AZEVEDO, André Nunes. A grande reforma urbana do Rio de Janeiro: Pereira Passos,

Rodrigues Alves e as ideias de civilização e progresso. Rio de Janeiro: Ed.Puc-Rio, 2016.

FERREIRA, Álvaro. A cidade no século XXI: segregação e banalização do espaço. Rio de

Janeiro: consequência, 2011.

LOSURDO, Domenico. Guerra e revolução: o mundo um século após outubro de 1917.

São Paulo: Boitempo, 2017.

RAMA, Angel. A cidade e as letras. São Paulo: Brasiliense, 1982.

RICOUER, Paul. Tempo e narrativa. Vol.3. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

Data de Submissão: 28/11/2017 Data da Avaliação: 20/12/2017

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