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A lei do feminicídio e seu impacto na responsabilização penal do agressor e na prevenção da violência contra a mulher: considerações críticas

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

MARLENE SCYZEVSKI

A LEI DO FEMINICÍDIO E SEU IMPACTO NA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO AGRESSOR E NA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

CONSIDERAÇÕES CRÍTICA

Três Passos (RS) 2016

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MARLENE SCYZEVSKI

A LEI DO FEMINICÍDIO E SEU IMPACTO NA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO AGRESSOR E NA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Três Passos (RS) 2016

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Este trabalho atende um objetivo pessoal, agradeço a força e a compreensão dos familiares pelo tempo que estive ausente durante esta jornada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Incentivada por palavras de apoio e confiança, pronunciadas pelo meu esposo, compreendendo a minha ausência, ofereço a você esta conquista.

A minha mãe, apesar de muito sentir minha ausência ao longo do período de estudos, não compreendendo a importância deste desafio, pelo avançado da idade. Mãe! Perdoe-me, esta conquista também é sua.

A meu pai, que Deus, não permitiu estar entre nós para celebrar este momento, contemplo a certeza de que estará sempre ao meu lado, protegendo-me e incentivando-me no alcance dos meus objetivos. Será sempre lembrado em minhas conquistas. Eterna saudade.

À minha orientadora Ester Eliana, que no decorrer do curso demonstrou seu excelente profissionalismo na construção deste trabalho, sua peculiar sabedoria, permitiu a discussão de um relevante tema, presente em nosso contexto social. Mestre! Seus ensinamentos serão cultivados nas etapas que irei vivenciar.

Aos meus colegas, que juntos presenciamos horas de estudos enriquecendo nosso aprendizado. Desejo a vocês, muitas alegrias e exitosas conquistas na carreira profissional.

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“Lei sábia e de efeitos sempre felizes é aquela que prescreve que cada qual seja julgado por seus iguais; pois, em se tratando da fortuna e da liberdade de um cidadão, todos os sentimentos que a desigualdade inspira devem silenciar.” Cesare Beccaria

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise do recente regramento recepcionado pela sociedade brasileira, a Lei 13.104/2015 chamada Lei do Feminicídio que alterou o sistema de justiça criminal de proteção às mulheres, distinguindo o feminicídio dos demais crimes de homicídio. O estudo, ainda aborda o direito a igualdade e os aspectos históricos e legais da discriminação de gênero. Estuda a igualdade de gênero prevista na Constituição Federal de 1988. Expõe sobre as questões de gênero e a violência doméstica e familiar contra a mulher, avançando em aspectos históricos e nos dados estatísticos. Estuda a proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar na Lei Maria da Penha, fazendo uma análise à política de enfrentamento à violência doméstica e familiar na Lei Maria da Penha, observando: o tripé prevenção, atendimento à vítima e responsabilização do agressor. Analisa o impacto da nova lei do feminicídio no processo de penalização do agressor e as considerações a partir da individualização judicial da pena (dosimetria), tecendo considerações sobre o caráter simbólico da norma.

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ABSTRACT

This course conclusion paper is a recent analysis about the recent regulation approved by Brazilian society, the Bill no. 13,104/2015, called Feminicide Law, which changed the women protection criminal justice system, distinguishing feminicide of the others homicide crimes. The study also addresses the right to equality and the historical and legal aspects of gender discrimination. It studies gender equality foreseen in the Federal Constitution of 1988. It exposes on gender issues and domestic violence against women, through historical aspects and statistical data. Studies the protection of women victims of domestic violence in the Maria da Penha Law, making a review of the combating policy against domestic violence in the Maria da Penha Law, looking the tripod: prevention, assistance to victims and accountability of the offender. Analyzes the impact of the law of feminicide in the aggressor penalty process and considerations from the judicial individualization of punishment

(dosimetry), with considerations about the symbolic character of the norm. Keywords: Feminicide. Woman. Gender. Equality. Violence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...08

1 QUESTÕES DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ... 11

1.1 O direito a igualdade e as questões de gênero: aspectos históricos e legais ... 11

1.2 A igualdade de gênero na Constituição Brasileira de 1988 ... 17

1.3 Violências doméstica e familiar contra a mulher no Brasil: aspectos históricos e dados estatísticos ... 19

1.4 O assassinato de mulheres no Brasil: dados estatísticos ... 21

1.5 A proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar na Lei Maria da Penha ... 23

2 A LEI MARIA DA PENHA E A NOVA LEI DO FEMINICÍDIO:AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL ... 27

2.1 A política de enfrentamento à violência doméstica e familiar na Lei Maria da Penha: o tripé prevenção, atendimento à vítima e responsabilização do agressor ... 27

2.1.1 As medidas preventivas ... 28

2.1.2 As medidas protetivas ... 32

2.1.3 A responsabilização do agressor ... 39

2.2 A Lei 11.104/15 e o delito de feminicídio: as mudanças no art. 121 do Código Penal Brasileiro ... 43

3 O IMPACTO DA NOVA LEI DO FEMINICÍDIO NO PROCESSO DE RESPONSABILIZAÇÃO DO AGRESSOR E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO A MULHER E DE PREVENÇÃO A VIOLÊNCIA DE GÊNERO ... 50

3.1 A penalização do feminicídio a partir da Lei 11.104/06 e seu impacto no processo de responsabilização do agressor: considerações críticas ... 50

3.2 A Lei do Feminicídio e a prevenção da violência contra a mulher ... 58

CONCLUSÃO ... 63

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objeto de estudo a Lei do Feminicídio, novel documento que se propôs a aumentar o rigor na reprimenda aos autores de homicídios praticados por razões de discriminação do sexo feminino. O regimento modificou o parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal brasileiro, tornando hediondo o assassinato cometido contra as mulheres, no plano da discriminação sexual. O expediente enfatiza o impacto da recente legislação na responsabilização penal do agressor, a partir da dosimetria da pena, considerando o processo judicial individualizado. O estudo ainda tece ponderações aos novos mecanismos de proteção às mulheres previsto na Lei do Feminicídio, propostos pelo Estado para proteger as mulheres vítimas de violência.

Por conseguinte, o estudo explicita a evolução dos direitos femininos, seus aspectos históricos, examinado os dados estatísticos referentes à violência doméstica e familiar contra a mulher, expondo o número de assassinatos cometidos no Brasil nos últimos anos e refletindo sobre o significado da igualdade de gênero na Constituição Brasileira de 1988. A Pesquisa oportuniza avaliar a resposta da Lei Maria da Penha, como política de enfrentamento à violência doméstica e familiar, como referência legislativa no aspecto garantidor do direito à dignidade humana, e suas políticas públicas de proteção a integridade das mulheres vítimas de violência estabelecidas na legislação.

Para tanto, este trabalho foi extremado a partir de pesquisa do tipo exploratória. Utilizando-se, no seu delineamento, a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e eletrônicos, assim como nos diplomas legais pertinentes à proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, especialmente nos normativos transcritos na Lei 11.340/06 e Lei 13.104/15 e nos dispositivos Constitucionais, valendo-se do método de abordagem hipotético-dedutivo.

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Deste modo, o capítulo inaugural abarca o histórico de violência em face das mulheres, em consequência de uma perdurante discriminação de gênero. Esta, derivada da cultura patriarcal e machista, imposta por segmentos religiosos que evoluíram na formação educacional masculina, enquanto que, às mulheres, não era facultado o acesso aos estudos, nem tampouco aprender a ler. Estando restritas à servidão ao pai, com o matrimônio, perdiam sua plena capacidade. Desta maneira, o marido obtinha poder e autoridade sobre elas. Este modelo social consolidado no patriarcalismo é fonte reveladora de constantes violações aos direitos fundamentais da mulher.

Em ato contínuo, o capítulo pronuncia que diferentes legislações implantadas no decorrer dos tempos, assentiram à discriminação de gênero em seus dispositivos. Nesse sentido, merece ênfase o Código Penal de 1830, que não tipificava crime o marido matar a mulher quando a encontrasse em flagrante adultério, entendimento jurisprudencial que perdurou até meados de 1970, absolvendo homens criminosos sob o argumento de legítima defesa da honra. Esta realidade dramática é comprovada na exposição dos elementos estatísticos, envolvendo crimes praticados no contexto da violência doméstica e familiar que protagonizam o Estado Brasileiro entre os primeiros no âmbito mundial que mais matam mulheres pela condição sexual, ferindo inclusive princípios constitucionais, que consagram igualdade de tratamento entre mulheres e homens.

O capítulo subsequente analisa mais profundamente, a nominada lei Maria da Penha publicada no Brasil, atendendo recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Sua finalidade constitucional é inibir a discriminação de gênero no âmbito doméstico e familiar, considerando a situação de vulnerabilidade da mulher. Tal regramento é marco legislativo e importante conquista feminina, permitindo ações integrais de prevenção, assistência às vítimas, promoção e garantia de direitos, além da punição aos autores.

Logo após, neste capítulo, é promovida uma análise do recente regramento recepcionado pela sociedade brasileira à Lei 13.104/2015, chamada Lei do Feminicídio, a qual alterou o sistema de justiça criminal de proteção às mulheres, distinguindo o feminicídio dos demais crimes de homicídio. A partir de então, o ordenamento jurídico passou a reconhecer o feminicídio como crime hediondo. Com tal medida, o Brasil espera reverter a gravidade do problema que afeta as mulheres, o crime praticado em razão da discriminação de gênero.

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O capítulo final analisa o impacto da Lei do Feminicídio na responsabilização do agressor, considerando o processo de individualização judicial da pena e as novas circunstâncias previstas para o crime, avaliando como e em que medida a lei poderá contribuir para a prevenção da violência. Porquanto, será analisado um caso concreto de homicídio praticado contra a vítima com a qual o agressor convivera, como se casados fossem, até dias antes do ocorrido. Animado por sentimento de posse em relação à vítima, então grávida de filha sua, veio a matá-la por motivo torpe.

A partir da análise depreendida, tem-se que o agravamento na penalização imposta ao agressor nos moldes da novel norma, é meramente simbólico, a Lei do feminicídio, não promoveu o agravamento penal a partir do calculo da dosimetria da pena. Ainda mais, os homicídios praticados contra as mulheres nas circunstancias, anteriores ao ingresso da norma, apresentavam a qualificadora de motivo torpe enquadrando esta modalidade de homicídio como crime hediondo. Perante a construção desse estudo, constata-se que a norma é contraproducente ao seu propósito, tornando-se instrumento simbólico no ordenamento jurídico penal brasileiro.

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1 QUESTÕES DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER NO BRASIL

A vigente pesquisa tem o propósito de apresentar o quadro de violência doméstica e familiar, suportada pelas mulheres ao longo dos séculos. Uma violência que, segundo indicam dados estatísticos, reproduz a opressão à mulher resultante de questões culturais e costumes sociais, que solidificam comportamentos fundados e preservados ao longo da história. Uma história construída com o marco da exploração feminina, que impôs valores e costumes atrelados à supremacia patriarcal e machista, infundida na orientação de gênero radicado nos moldes da organização social.

No Estado brasileiro, assim como em muitos países do mundo, a exploração e desigualdade estiveram presentes ao longo da trajetória feminina. Tal realidade deu origem a muitas lutas que lentamente reproduziram significativos avanços na legislação, tanto na garantia e equidade de direitos, quanto à penalização dos agressores. Isso porque, a violência concebida contra a mulher, tem gerado, de longa data, índices alarmantes de assassinatos, os quais colocam o Brasil entre os Países do mundo, onde mais se matam mulheres pela questão da discriminação de gênero, demonstrando o descaso e a incapacidade do poder público de enfrentar os problemas sociais e culturais presentes na sua jurisdição.

1.1 O direito à igualdade e as questões de gênero: aspectos históricos e legais

Desde os primórdios da humanidade, as mulheres foram subestimadas e inferiorizadas no âmbito da sociedade, recebendo este tratamento como forma de penalização ao seu suposto comportamento social pecador, considerado como instigante ao adultério ou como responsável pelo pecado original no paraíso. Tal pensamento, instituído pelo poder dominante religioso, se fez presente durante longo período.

A Bíblia cristã, manuscrito referendado pela Igreja católica, pregoado na ordem cronológica, como primeiro livro escrito por Deus, veio apontar aos povos, o mais certo sentido da vida humana. Formada por cinco livros, entre eles Gênesis do Antigo Testamento, que propaga o estudo da palavra de Deus, anunciando o advento da mulher. Gênesis (1982, p. 24) catequiza:

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O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Édem para cultivar e guardar. [...] E o Senhor Deus disse: Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar que lhe corresponda. [...] então o Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre o homem e ele adormeceu. Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Depois, da costela tirada do homem, o Senhor Deus formou a mulher e apresentou ao homem. E o homem exclamou: Desta vez sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Chamar-se-á mulher porque foi tirada do homem.

Sob esta inteligência, a mulher veio ao mundo legitimada como um ser humano auxiliar, propensa a satisfazer as ansiedades e referendar a supremacia masculina. Importa destacar que esta razão acompanha as pregações religiosas, desde o surgimento da humanidade, revelando-se ainda nos dias atuais.

Perante isso, cabe mencionar a perspectiva de tradição religiosa de Maria José de Figueiredo Cavalcanti (2003, p. 29),

Ora, a cultura religiosa agostiniana impregnou o Direito e aí se segue um esforço de transcendentalizar a doutrina jurídica, ao lado de uma concepção pessimista e demeritória da natureza humana, o que levou a estabelecer desigualdades entre sexos, em virtude do pecado original. A mulher, responsável pela fraqueza no Éden, levou o seu companheiro a pecar, e daí a decaída do ser humano em toda a sua descendência.

Infere-se que no período do medievo os fatores sociais mostram-se determinantes para alimentar o desiquilíbrio dos gêneros, merecendo igualmente destacar o reflexo da educação conservadora e patriarcal, doutrinada pela Igreja Católica durante longos séculos. Os homens eram orientados para uma educação com o propósito de assumir posições relevantes na sociedade, por outro lado, fomentava-se a subjugação feminina, impedindo às mulheres o acesso à educação e aos espaços públicos.

A normalidade da violência contra a mulher no horizonte cultural do patriarcalismo justifica, e mesmo autoriza que o homem pratique essa violência, com a finalidade de punir e corrigir comportamentos femininos que transgridam o papel esperado de mãe, de esposa e de dona de casa. (WAISELFISZ, 2015, p. 75).

Como visto, a trajetória feminina esteve marcada pela submissão, sendo as mulheres, desde sempre, treinadas para servidão masculina, inicialmente ao pai, quando solteira e, após o matrimônio, sua plena capacidade era subtraída, sendo reservado ao marido pleno poder e autoridade sobre elas (PORTO, 2014, p. 19).

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Platão, importante filósofo grego da antiguidade, no decurso de suas ideologias, fundamentou o comportamento na Grécia Antiga. Em manuscritos da época, revela sua percepção em relação à mulher (apud MACHADO, 2003, p. 81):

Conheces alguma profissão humana em que o gênero masculino não seja superior, em todos os aspectos, ao gênero feminino? Não percamos o nosso tempo a falar de tecelagem e de confecção de bolos e guisados, trabalhos em que as mulheres parecem ter algum talento e em que seria totalmente ridículo que fossem batidas.

Por esse ângulo, é notória a condição discriminatória reservada à mulher perdurante ao longo dos séculos, tornando perceptível que na sua trajetória, a sociedade resguardou relevante supremacia ao sexo masculino, caracterizado como detentor do poder, ferindo profundamente a igualdade de gênero. Maria Berenice Dias (2012, p. 26) assevera:

Desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetivada, monitorizada. Ainda assim, a violência doméstica nunca mereceu a devida atenção, nem da sociedade, nem do legislador, e muito menos do judiciário.

Tem-se, portanto, um modelo patriarcal implantado e nutrificado na conjuntura histórica, tolerante com o sofrimento e discriminação pela condição de gênero, de modo que o próprio legislador não instituiu limites ao poder masculino em relação à mulher. Léo Rosa de Andrade (2015, s. p.) confronta:

Nesse mundo dos homens, as mulheres foram postas para servir a casa dos homens, parir para os homens, cuidar dos filhos dos homens. Os homens repartiam entre si o controle sobre as mulheres, vigiando-as, reprimindo-as, matando-as. As leis dos homens absolviam os homens de tudo. As mulheres eram dos homens. Sumiam-se, inclusive, na adoção do nome dos homens. Pelos fatos elencados, Maria Berenice Dias (2012, p. 26), ao referir-se a violência doméstica contra a mulher, pondera seu juízo:

A ideia sacralizada da família e a inviolabilidade do domicílio, sempre serviram de justificativa para barrar qualquer tentativa de coibir o que acontecia entre quatro paredes. Como eram situações que ocorriam no lar, doce lar, ninguém interferia.

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Nesta acepção, o pensamento de Daniel Rubens Cenci e Gilmar Antônio Bedin (2014, p. 07) contribui com o feito:

Destaque deve-se a reiterada violência, discriminação e exclusão social que as mulheres foram historicamente vítimas, em especial como consequência da predominância de uma visão patriarcal da sociedade e das prerrogativas diferenciadas a partir daí estabelecidas.

Compreende-se, portanto, que a historicidade feminina é ferida pelo menosprezo e discriminação, onde a força física do homem transformada em poder, subtraiu não somente sua liberdade, mas igualmente os seus direitos. A própria legislação brasileira, por muitas décadas, até mesmo séculos, desprezou os direitos da mulher, merecendo destaque o Código Penal de 1830 ao não tipificar como crime o ato do marido matar a esposa quando a encontrasse em flagrante adultério, análogo o entendimento Jurisprudencial perdurante até meados de 1970. Esta inteligência machista absolvia homens criminosos sob o argumento de legítima defesa da honra, mesmo ausente o flagrante adultério.

Confirma o referenciado, o Ministro José Antônio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, ao preconizar seu entendimento extraído do Relatório Lilás (2013, p. 17) “Tanto que, até 1830, o direito penal brasileiro chegava a permitir ao marido matar a mulher, quando a encontrasse em flagrante adultério”.

Ademais, o Código Civil de 1916, que vigorou até o ano de 2002, referendada lei basilar que formaliza o regramento social, sancionou princípios que revestiam de legalidade a demasiada supremacia masculina em diferentes artigos do seu diploma, chocante o preceituado no dispositivo ora referendado.

Art. 242. A mulher não pode sem autorização do marido:

I – praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher. II- alienar ou gravar de ônus real os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens.

III- alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem. IV – Aceitar ou repudiar herança ou legado.

V – Aceitar tutela, curatela ou outro múnus público.

VI- Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados no art. 248 e 251.

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Ainda no âmbito legislativo, a desigualdade é perceptível no artigo 219 do referido Diploma, conforme doutrina Alice Bianchini (2013, p. 21), tem-se a “possibilidade de o marido anular o casamento caso constatasse que sua esposa fora deflorada anteriormente”. A essas desigualdades jurídicas, congrega-se o tratamento ainda mais detestável exibido no Código Penal de 1940, legislatura até esse tempo vigorante no Estado Brasileiro. Neste ínterim, Alice Bianchini (2013, p. 21) acentua que

O Código previa (também até 2005) a possibilidade de um estuprador não ser condenado caso a mulher vítima do estupro viesse a se casar com ele após o crime, pois entendia o legislador de então que a punição se tornaria desnecessária em face da reparação do dano aos costumes, que era o bem jurídico tutelado pela criminalização do estupro.

À vista disso, é perceptível o arbitrário da legislação brasileira ao tutelar direitos fundamentais da mulher, à medida que, no decorrer das épocas, subestimou suas garantias individuais. Não obstante, as contrariedades perceptíveis na trajetória feminina, seu heroísmo é difundido nas glórias legislativas desencadeadas brandamente retidas, por meio de conservadorismo político na implementação das leis.

Imprescindível consignar no orbe de façanhas femininas, a coadjuvante do Código Eleitoral de 1932, facultando o direito ao voto, assentindo também sua integração na disputa eleitoral, em similares circunstâncias masculinas. (GROSSMANN; CARDOSO, 2013).

Por consequência, é explícito que o afinco das mulheres é respeitoso entre os demais grupos sociais, graças à forma como prosperaram em direitos políticos. No entanto, nos dias que correm até então, é restrita a atuação feminina nos parlamentos, considerando ser suprema sua parcela populacional no País. A afirmativa, ora prolatada, pode ser corroborada por intermédio dos indicadores interativos da mulher na política brasileira, que ao longo dos períodos nunca ultrapassou a 10% dos membros no Congresso Nacional. (KAMEDA, 2014).

Nesta esfera, a publicação do Estatuto da Mulher Casada, que adveio no ano de 1962, editado pela Lei 4.121, instituiu-se como relevante balizador na ascensão feminina, cooperando para a ruptura da hegemonia masculina conferida pelo Direito dos povos Romanos. Este documento consentiu a plena aptidão da mulher que, de forma deveras lenta, sobreveio a ter alguma interferência nas providências familiares. (GROSSMANN e CARDOSO, 2013).

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Concorrendo ao supradito, Grossmann e Cardoso (2013, p. 71) atestam que:

O Estatuto da Mulher Casada, em 1962, foi um marco histórico no que tange à liberdade da mulher no Brasil, abolindo a incapacidade feminina e removendo vários dispositivos discriminatórios constantes no Código Civil de 1916. A mulher casada passou a ter liberdade no exercício da profissão, sem a necessidade de autorização do marido.

Equitativamente, as autoras coadjuvam ao apreciar que a “década de 70 ficou marcada no país pelo surgimento dos primeiros movimentos feministas, organizados e engajados politicamente em defesa dos direitos das mulheres e contra o sistema opressor machista vigente” (GROSSMAN; CARDOSO, 2013, p. 71).

Por conseguinte, é acentuado o discernimento de que na década de 70 prosperaram impetuosas mobilizações feministas, suscitando forças na luta pela uniformidade de direitos, favorecendo a atuação da mulher em infindos setores da sociedade e enfraquecendo, substancialmente, o poder opressor masculino. Validando ainda mais a evolução no âmbito legislativo, faz jus a edição da Lei nº 6.515/77, que difundiu o instituto do Divórcio, facultada por meio da promulgação de Emenda Constitucional, chancelando a dissolução do vínculo matrimonial, consentindo apreciáveis avanços no cenário de inserção social da mulher. Corroborando o retro citado, Grossmann e Cardoso (2013, p. 71) relatam que:

Em 1977, com a Lei do Divórcio, oportunizou-se ao casal o fim da sociedade conjugal, possibilitando a ambos a formação de uma nova família. A mulher conquistou a faculdade de optar pelo sobrenome do marido, retirando-se a obrigação anterior, pela qual ela estava obrigada a agregar ao seu nome o nome da família do marido. O regime de comunhão parcial de bens, preservando a sucessão hereditária dos filhos, não importando a natureza da sua filiação.

Por consequência, designa-se imperiosa a dedicação feminina no duelo pela vitória de pertinentes consecuções na conjuntura legislativa do País. Ainda assim, é descontente o Brasil perseverar vastamente na violência empregada à população historicamente subjugada pela condição sexual. Desta maneira, o governo anuiu o latente dever de instituir inovadoras medidas protetivas, desejando garantir a esta população, vulneravelmente desprotegida, um resultado convincente na proteção de direitos e na abolição da violência, liberando a plena isonomia entre homens e mulheres.

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Neste padrão, em agosto de 1996, o governo brasileiro, mediante Decreto nº 1.973, promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conclusa em 09 de julho de 1994, em Belém do Pará. (DIAS, p. 244).

Contudo, certifica-se o esforço governamental de desfecho producente na problemática da violência contra a mulher. Não obstante, exige-se persistência progressiva no processo de enfrentamento à discriminação social obstinada na sociedade brasileira.

1.2 A igualdade de gênero na Constituição Brasileira de 1988

É manifesto, no perpassar do trabalho, a exteriorização das relevantes providências inauguradas no direito brasileiro, originárias da conduta feminina audaciosa. Nada obstante, as transformações prolatadas, ainda assim, a desigualdade de gênero entre homens e mulheres é ponderada como fator de grande aflição social, clemente por ações estatais para minorar os efeitos produzidos pela mentalidade discriminatória sexista.

Nesse sentido, o Estado Brasileiro, oprimido pelo reclamo popular a difundir a igualdade entre todos os cidadãos, promulgou sua Carta Maior, a democrática Constituição Federal de 1988. Inovadora na ordem jurídica nacional, ela brindou novos dispositivos, promulgando consideráveis poderes à população feminina. No mesmo feito, instituiu medidas para abarcar a discriminação de gênero presente no cotidiano social e no contexto familiar. Alguns dispositivos constitucionais contribuíram mais efetividade para garantir a igualdade de gênero. Destaque para o artigo 5º, inciso I, da respectiva Carta, ao fixar taxativamente:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I- homens e mulheres serão iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 1988, p. 09). Por seu turno, logra consignar a inovação concernente ao exercício do poder no relacionamento familiar, revelada no artigo 226, § 5º, in verbis: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (BRASIL, 1988, p. 79).

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Portanto nessa ocasião, o país, por meio dos dispositivos constitucionais, ostentou garantias necessárias para romper o ciclo discriminatório presente na composição legislativa antecedente, assegurando igualdade de direitos e obrigações no universo populacional de todos os brasileiros, independente da condição de sexo.

Neste aspecto, faz-se importante enfatizar o posicionamento de Dias (2012, p. 56) ao afirmar o seguinte:

Três eixos norteiam uma grande reviravolta nos aspectos jurídicos da família. Ainda que o princípio da igualdade já viesse consagrado desde a Constituição Federal de 1937, além da igualdade de todos perante a lei (art.5º), pela primeira vez foi enfatizada a igualdade entre homens e mulheres, em direitos e obrigações (inc. I do art. 5º). De forma até repetitiva, é afirmado que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º do art. 226). Mas a Constituição foi além. Já no preâmbulo assegura o direito à igualdade e estabelece como objetivo fundamental do Estado promover o bem de todos, sem preconceito de sexo (inc. IV do art. 2º).

Em concordância, é incontestável a estreia de uma democracia, onde homens e mulheres são seres humanos inteiramente correlatos, resguardados constitucionalmente aos princípios que suprimem condutas discriminatórias.

No entanto, em que pese às alusivas prosperidades constitucionais, os avanços pretensos pelas mulheres no que corresponde à violência de gênero, estão distantes dos desejados, pois que, os números de violência no contexto doméstico e familiar imperam largamente. Corroborando este pensamento Dias (2012, p. 27) conclama que,

[...] apesar de a igualdade entre os sexos estar ressaltada enfaticamente na Constituição Federal, é secular a discriminação que coloca a mulher em posição de inferioridade e subordinação frente ao homem. A desproporção quer física, quer de valoração social, que ainda existe entre os gêneros masculino e feminino, não pode ser desconsiderada.

Fundado em constatação de Daniel Rubens Cenci e Ester Eliana Hauser (2015, p. 49) tem-se que:

Construir igualdade de gênero e defender as mulheres é educar para os Direitos Humanos, promovendo a construção de “sujeitos de direitos” e lutando diariamente pelos “direitos dos sujeitos”. Direitos não são

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abstrações, são concretos e se fazem ao longo da história nas relações entre os sujeitos, no singular e no plural.

Respaldando, Pedro Rui da Fontoura Porto (2014, p. 21) orienta que:

[...] enquanto persistir esta situação de violência contra a mulher, o Brasil não será uma sociedade nem livre, nem igualitária e nem fraterna e, consequentemente, não se caracterizará como um Estado Democrático de Direito, objetivos fundamentais da República, sacralizados no pórtico da Carta Democrática de 1988.

É verdadeiro que a democracia, enquanto valor fundamental da nação brasileira, doravante a promulgação da Constituição Federal de 1988, sentenciando iguais direitos e garantias entre os gêneros, efetivamente, não vedou o ciclo da historiografia discriminatória motivadora da mortalidade feminina. Neste ponto, observa-se a fragilidade constitucional diante de uma questão profundamente complexa, que requer uma ampla efetividade na aplicação material das leis, somada a profundas reformas no contexto educacional, no sentido da superação da ideologia patriarcal e machista, ainda presente na sociedade.

1.3 Violências doméstica e familiar contra a mulher no Brasil: aspectos históricos e dados estatísticos

A partir de todo o exposto, observa-se que as medidas adotadas pelo Estado, objetivando enfrentar a violência contra a mulher, ainda não cumpriram seus objetivos. Os aspectos históricos e os dados estatísticos revelam que a legislação brasileira supostamente elaborada como garantidora do tratamento igualitário a todos os brasileiros, independente do gênero, não cumpre a função a que se propôs na sociedade. Desta forma, apesar do reconhecimento normativo da igualdade e da democracia como valores fundamentais do estado brasileiro, amplo é o descumprimento das medidas assecuratórias de direitos, que contribuem para a impunidade dos agressores e para a disseminação da violência.

Referendando o supramencionado, mostra-se relevante o entendimento de Bianchini (2013, p. 33):

Além da maior vulnerabilidade da mulher no lar, dada a sua maior exposição ao agressor e a distância das vistas do público, é comum que o agressor se prevaleça desse contexto de convivência para manter coagida a mulher, desencorajando-a a noticiar a violência sofrida aos familiares, aos amigos ou

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às autoridades. Essa situação fataliza o quadro de violência, e a mulher, sentindo-se sem meios para interromper a relação, toma-o por inevitável. Submetida a um limite sempre cruel e não raro fatal, a mulher acaba aceitando o papel de violência doméstica.

Neste âmbito, merece destaque o relatório da Organização Mundial da Saúde ao informar (apud DIAS, 2012, p. 44) que:

[...] a maioria dos casos de violência cometida contra a mulher ocorre dentro do lar ou junto à família, sendo o agressor o companheiro atual ou o anterior. E o pior. As mulheres agredidas ficam em média, convivendo um período não inferior a dez anos com seus agressores.

Lamentavelmente, os infindos esforços das mulheres ao longo da história e os pertinentes progressos legislativos não inibem o tratamento discriminatório e violento dispensado à mulher agredida no ambiente familiar, que deveria ser supostamente acolhedor. Nossa sociedade reproduz as raízes do comportamento patriarcal, sustentando a violência sentida pelas mulheres como fator perfeitamente aceitável, fazendo com que as vítimas permaneçam desamparadas e tornando-se, assim, alvo plausível para os agressores.

Em sua obra, Bianchini (2013, p. 66-67) externa as principais formas de violência que atingem as mulheres:

O principal tipo de violência sofrido pelas mulheres vítimas de violência doméstica e familiar é a física (65%), seguida da psicológica (38%) e da moral (32%) (Data Senado 2011).

Nos registros de recepções da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 – de 2011, dentre os 58.512 relatos de violência, a agressão física ficou em primeiro lugar, seguida da psicológica e da moral.

No ano de 2012 a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 – registrou 201.569 chamadas, sendo que 24.775 ligações tratavam de casos de violência.

Os dados do primeiro trimestre de 2012 revelam que a violência física predomina entre os atendimentos (57,7%).

Verifica-se que a violência psicológica ocupa o segundo lugar (26,2%), seguida da violência moral (12%), da violência sexual (2%) e da violência patrimonial (1,7%).

A cada 2 minutos, 5 mulheres são espancadas. (Pesquisa Fundação Perseu Abramo/SESC 2010).

Tais dados permitem demonstrar que a agressão física ocupa destaque no plano da violência doméstica e familiar contra as mulheres, atingindo um percentual de incidência superior às demais formas de violência. Isto demonstra que a condição física masculina

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propicia este comportamento violento, somado ao convívio direto com a agredida, que em diversas oportunidades omite o acontecido, pela falta de amparo e proteção dos órgãos responsáveis.

1.4 O assassinato de mulheres no Brasil: dados estatísticos

A datar de seu descobrimento, o Brasil exara os indicativos da violência contra as mulheres que usufruíram da sua história. Em distintos ciclos da trajetória feminina, os eventos apontam para desigualdade de gênero como sendo o fator determinante para a agressão suportada pelas mulheres. No entanto, inicialmente a violência acontecia de forma mais intensa devido a submissão e dependência financeira da mulher para com seu protetor.

No transcorrer dos tempos, o modo comportamental inovador da mulher, refletindo o desejo de mudança, assentiu grandiosa evolução na forma de agir e de pensar da mulher. A realização profissional, a satisfação dos desejos pessoais e sua independência financeira despertamprofundas mudanças nas relações familiares, propagando insegurança e inquietação no comportamento masculino, que se logra da violência para frear o processo emancipatório da sua companheira.

Nessa seara, contribui Dias (2012, p. 20) ao revelar

A evolução da Medicina, com a descoberta de métodos contraceptivos, bem como as lutas emancipatórias promovidas pelos movimentos feministas levaram a redefinição do modelo ideal de família. A mulher, ao se integrar no mercado de trabalho, saiu do lar, impondo ao homem a necessidade de assumir responsabilidades domésticas e de cuidado com a prole. Essa mudança acabou provocando o afastamento do parâmetro preestabelecido e, por ser uma novidade, traz muita insegurança, terreno fértil para os conflitos. Odila de Melo Machado (2003, p. 121) acentua que:

[...] os movimentos feministas não deram resposta a todas as dúvidas e anseios femininos. No entanto, eles foram vitoriosos, porque tiraram as mulheres da sombra da História e mexeram com o modelo patriarcal que sempre vigorou no Brasil, lançando a semente da transformação e modificando a posição que a mulher ocupa na sociedade: no campo profissional e na política. É necessário ressaltar, no entanto, que uma nova realidade social igualitária e progressista ainda está longe de milhões de mulheres.

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Como o ponderado, a autonomia feminina, aos desbravar importantes posições na sociedade motivou, em muitos lares, a inquietude masculina. Tal realidade ocasionou conflitos que acabaram por conturbar o cotidiano familiar, tornando este espaço marcado de reiteradas crueldades contra a mulher. Isso ocorreu, geralmente, em razão da falta de habilidade do companheiro em romper padrões culturais conservadores, o que o fez valer-se da violência como forma de opressão e controle da companheira. Nestes casos, o agressor recorre a meios violentos para encobrir, em muitos casos, sua própria frustração, seja pessoal ou profissional. Nestes ambientes, instaura-se o ciclo da violência: primeiramente com palavrões, evoluindo para agressões físicas e, face ao crescimento da agressividade, culminando no assassinato das mulheres.

O Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2015, p. 11), evidencia dados atuais em relação ao assassinato de mulheres no Brasil, permitindo observar:

Pelos registros do SIM, entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do tempo, tanto em número quanto em taxas, morreu um total de 106.093 mulheres, vítimas de homicídio. Efetivamente, o número de vítimas passou de 1.353 mulheres em 1980, para 4.762 em 2013, um aumento de 252%. A taxa, que em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, passa para 4,8 em 2013, um aumento de 111,1%, o que equivale a um crescimento de 2,3% ao ano; 50,3% do total de homicídios de mulheres, nesse ano, foram perpetrados por um familiar direto da vítima (7 por dia). [...] o perfil preferencial das mulheres vítimas de homicídio são meninas e mulheres negras; Prevalência entre 18 e 30 anos de idade; nossa taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, em 2013, nos coloca na posição 5ª posição internacional entre 83 países do mundo. Nesses 83 países analisados, a taxa média foi de 2,0 homicídios por 100 mulheres.

Referindo-se a essa realidade, Patente Dias (2012, p. 39) acentua ”Criminosa a omissão estatal que, sob o manto da deturpada noção de inviolabilidade do espaço privado, tem chancelado as mais cruéis e veladas formas de violência dos direitos humanos”. Nesse prisma, afirma Waiselfisz (2015, p. 76) que “Cada país tem o número de feminicídio que decide politicamente ter, assim como o número de condenações por essa agressão”.

Conforme a explanação, é imperdoável a inércia do Estado frente a problemática contumaz e nefasta que afeta vasto grupo de mulheres. Não obstante os números alarmantes, ainda assim, tem-se que os mesmos não retratam a realidade, pelo fato que, em grande parte dos casos, a violência cometida no convívio familiar não é denunciada. Além do que, tal

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violência também permite o sofrimento dos demais integrantes do grupo, especialmente as crianças, que na convivência acabam por externar o comportamento agressor para a sociedade.

1.5 A proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar na Lei Maria da Penha O Brasil, membro integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ainda assim mostrou-se omisso, durante parte significativa de sua história, à violência praticada por questões de gênero. Fato que demonstra tal omissão foi o acontecido com Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, residente em Fortaleza, Ceará, que, quando casada foi vítima de repetidas agressões praticadas pelo marido, professor universitário e economista. Por longo período sofreu calada, temente a retaliações contra suas três filhas advindas do relacionamento. Em duas oportunidades seguidas, seu marido tentou assassiná-la, ocasião em que ficou paraplégica. A partir daí, decidiu formalizar denúncia contra seu agressor, no mês de setembro do ano de 1984. (DIAS, 2012).

Primeiramente, não houve qualquer manifestação da Justiça brasileira, no entanto, a denunciante não se retraiu. A partir daí, passou a escrever sobre sua história e juntou-se ao movimento de mulheres vítimas de violência na defesa dos seus interesses, sempre persistindo na luta pela condenação do seu agressor, que ocorreu somente após 19 anos e 6 meses dos fatos ocorridos, estando preso por apenas dois anos. (DIAS, 2012).

Todavia, o acontecido com Maria da Penha suscitou uma denúncia do Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos estados Americanos, a primeira concernente à violência doméstica contra a mulher aceita pela OEA. Essa denúncia propiciou a condenação internacional do Brasil, tornando-o obrigado a indenizar a reclamante pela negligência e omissão na condução do caso. Tendo ainda, em seu desfavor, a imposição da obrigatoriedade na adoção de políticas públicas visando à proteção da mulher vítima de violência. (DIAS, 2012).

Por conseguinte, o Brasil lançou a Lei 11.340/2006 a chamada Lei Maria da Penha, renomada a mais importante conquista feminina na incansável luta para assegurar a igualdade de gênero no País. A comentada lei foi assim nominada, em homenagem a sua idealizadora e

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simbolizou um avanço significativo na prevenção e atendimento à mulher vítima de violência doméstica. (DIAS, 2012).

Complementando o entendimento, Bianchini (2013, p. 116) alvitra

A Comissão recomendou ao Brasil, dentre outras medidas, prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra a mulher no País, particularmente, dentre outras: simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo.

Trilhando no curso da norma, concerne ponderar o julgamento de Dias (2007, p. 21) com relação ao fato de que:

Até o advento da Lei Maria da Penha, a violência doméstica não mereceu a devida atenção, nem da sociedade, nem do legislador e muito menos do judiciário. Como eram situações que ocorriam no interior do lar, doce lar, ninguém interferia. Afinal, em briga de marido e mulher ninguém põe a colher.

Deste modo, deduz-se que o Brasil se revelou faltoso ao tratar dos problemas que lesam as mulheres vítimas de agressão, exteriorizando seu desprezo para uma profunda adversidade social cotidianamente retratada na essência familiar, digna de destacada gravidade.

Nesta matéria, Porto (2014, p. 25) acentua que:

[...] a Lei Maria da Penha ingressa no sistema jurídico brasileiro com uma finalidade muito determinada: contribuir para modificar uma realidade social, forjada ao longo da história, que discrimina a mulher nas relações familiares ou domesticas, aviltando-a a condição de cidadã de segunda categoria, rebaixando sua autoestima e, por consequência, afetando-lhe a dignidade humana.

Interessa também, salientar o compêndio de Maria Berenice Dias (2012, p. 173) ao versar que:

A Lei Maria da Penha veio para corrigir uma perversa realidade histórica. A ausência de uma legislação própria desestimulava a vítima a denunciar o seu algoz, o que tornava a violência doméstica um crime quase invisível. Após a

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sua edição, a voz das mulheres vitimadas ganhou força, e toda a sociedade passou a enxergar essa chaga que corrói a vítima em silêncio.

Torna-se distinto, que a Lei Maria da Penha desponta graças à tolerância brasileira no tocante aos processos de crimes executados em desprezo as mulheres. A Lei, por seu turno, é excepcionalmente dilatada, originando alternas para reprimir o agressor e medidas que intentam a segurança das vítimas, coibindo a discriminação de gênero, por intermédio de ações que fortificam o empoderamento das mulheres.

Na direção de Alice Bianchini (2013, p. 248-249, grifo do autor) a edição da Lei Maria da Penha, propicia a chegada de distintas formas de proteção às mulheres. Para ela,

As medidas protetivas de urgência [...] a principal inovação [...] ao lado da criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher [...]; as medidas protetivas permitiram não só alargar o espectro de proteção à mulher, [...] dar ao magistrado uma margem de atuação para que possa decidir por uma ou outra medida protetiva; a medida de afastamento do lar visa preservar a saúde física e psicológica da mulher, diminuindo o risco iminente de agressão [...], a retirada do agressor do interior do lar, ou a proibição de que lá adentre, além de auxiliar no combate e na prevenção da violência doméstica, pode encurtar as distâncias entre vítimas e Justiça [...]; a proibição de aproximação estende-se aos familiares da vítima e às testemunhas [...], limite mínimo de distância a manter [...]; a proibição de contato atinge qualquer meio de comunicação, [...], visa resguardar especialmente a integridade psíquica da mulher em situação de violência; a proibição de frequentar determinados lugares [...] principalmente dirigida aos locais de frequência comum das mulheres de seus familiares [...].

Externa-se assim, o aprimoramento das políticas públicas de afrontação à violência contra a mulher. Porquanto, a Lei Maria da Penha despontou com a finalidade de vencer a crueldade contra ela empregue, consistindo-se em uma lei complacente ao permitir ações integrais de prevenção, assistência às vítimas, promoção e garantia de direitos, além da punição aos autores. (DIAS, 2012).

Logo, o estabelecimento da Lei facultou maior conscientização da sociedade, que ostentou reconhecer a magnitude do obstáculo que agoniza as mulheres. Porém, decorrida uma década de constância da própria lei, é sabido pelos elementos recenseadores exibidos no transcorrer deste trabalho, que o Estado não conquistou a obrigação a que se propôs quando da edição da lei, pois a mortalidade das mulheres continua em patamares muito elevados. (WAISELFISZ, 2015).

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Seguindo este pensamento, contribui Flávia Elaine Remiro Goulart Ferreira (2015, s. p), ao certificar que:

Tem-se conhecimento de que a violência praticada contra a mulher é um ato extremamente repugnante e disso não se discorda. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) pretendeu reduzir drasticamente a violência doméstica, prevendo medidas protetivas: para assegurar a integridade física e psíquica da vítima. No entanto, é errôneo acreditar que a referida Lei atingiu seu objetivo, qual seja, o de proteger, efetivamente, a mulher, impedindo que seus agressores sequer se aproximem de sua vítima. Passou, pois, muito longe disso.

Valoroso valer-se do auxílio de Dias (2012, p. 30) ao reiterar que:

Os alarmantes níveis de violência começaram a assustar e despertaram a atenção de todos. Tudo isso, é claro não chegou ao fim com a Lei Maria da Penha. No entanto, sua enorme repercussão vai construindo uma nova cultura, de que a mulher não pode ser considerada propriedade do homem, que ele não tem o direito de dispor do seu corpo, da sua saúde e até da sua vida.

Finalizando o presente capítulo, a verificação do aspecto de violência doméstica e familiar padecida pelas mulheres brasileiras, retrocede a circunstâncias extremante complexas e recorrentes. Na história do Brasil, as políticas públicas consagradas às mulheres em estado de violência, a todo momento, foram excessivamente desfavorecidas, o que assentiu a reprodução da violência nas diversas classes sociais. No entanto, com vigência da lei Maria da Penha, passos significativos já foram dados, o que não representou, infelizmente, a redução dos índices de violência doméstica contra a mulher. Vários fatores contribuem para isso, em especial a tolerância para com a agressividade que se dá no ambiente privado da família, o que faz permanecerem ocultas diversas formas de violência e também a manutenção da cultura patriarcal e machista que continua a ver a mulher como objeto dos interesses masculinos e não como sujeito de direitos e merecedora de respeito a sua dignidade de pessoa humana.

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2 A LEI MARIA DA PENHA E A NOVA LEI DO FEMINICÍDIO: AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL

A crescente mortalidade feminina derivada, em especial, da desigualdade de gênero, tem sido motivadora de reivindicações populares, protagonizadas por grupos sociais organizados, que clamam por soluções governamentais para erradicar a violência contra as mulheres vítimas da crueldade masculina. Diante de, tais demandas, é comum o recurso ao direito penal, por meio da edição de normas que reforçam a punição, o que, nem sempre se mostra eficaz.

Este é o contexto em que foram promulgadas os principias diplomas normativos referentes a esta temática, quais sejam, a lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, e a lei 13. 104/15 também denominada Lei do Feminicídio. Tais diplomas normativos buscam assegurar, a partir da consolidação de uma política de enfrentamento a violência de gênero, maior proteção às mulheres e também a responsabilização do agressor, visando erradicar esta forma de violência, problema tolerado cotidianamente ao longo da história.

Apesar disso, são significativas as dificuldades que envolvem a temática, especialmente em razão dos obstáculos que dificultam o enfrentamento das causas da violência contra as mulheres.

2.1 A política de enfrentamento à violência doméstica e familiar na Lei Maria da Penha: o tripé prevenção, atendimento à vítima e responsabilização do agressor

Ao adotar, na legislação pátria, a Lei 11.340/2006, o estado brasileiro priorizou a implementação de políticas públicas abrangentes, entendendo ser o caminho para proteger amplamente os direitos humanos das mulheres violados pela complexidade da violência doméstica e familiar. Da mesma forma, articulou ações para o enfrentamento das consequências motivadoras da condição de vulnerabilidade, através de programas que promovam a igualdade de gênero.

Nesse sentido, as inovações instituídas por este diploma legal, foram elaboradas sob vários aspectos, preenchendo as lacunas até então existentes, desencadeando diretrizes e medidas estruturadas nos fundamentos da prevenção à violência, do atendimento às vítimas e

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da responsabilização dos agressores. Tais medidas, amplamente integradas, propõem estratégias de conscientização cultural dos valores recebidos pelos seres humanos e a implementação de mudanças no comportamento social existente, visando uma sociedade fortalecida nos paradigmas da justiça e da igualdade.

Em publicação, Maria Berenice Dias (2012, p. 41-42) demonstra a amplitude da norma em estudo:

Daí o grande mérito da Lei Maria da Penha que veio assegurar maior proteção a uma parcela da população visivelmente mais frágil quando o assunto é violência doméstica. E mais: por via complementar, pode-se afirmar que a Lei Maria da Penha protege, além da mulher vítima de violência, a família e a sociedade, dado que o sofrimento individual de mulheres ofendidas agride ao equilíbrio de toda a comunidade e a estabilidade das células familiares como um todo.

De tal forma, o espectro da norma compreende a complexidade da violência sentida pelas mulheres, de forma a alargar seus efeitos aos demais integrantes do grupo, especialmente a prole. As angústias e o sofrimento transmitidos pela violência são visivelmente reconhecidos no contexto das relações sociais destes indivíduos, seja no desempenho escolar, seja nas expressões exteriorizadas como indivíduos propensos a reproduzir o aprendizado construído no seio familiar, gerador de insegurança à coletividade. (BIANCHINI, 2013).

2.1.1 As medidas preventivas

A Lei Maria da Penha, projeta-se com importantes instrumentos para a implementação de medidas preventivas e protetivas, buscando enfrentar os fatores socioculturais que estão na base da violência de gênero. Sob essa ótica, é necessário apresentar os dispositivos e suas inovações, resultantes da dedicação especialmente feminina, em construir uma legislação própria, reconhecida pela sua amplitude, e por medidas eficazes no resgate à prevalência dos valores étnicos, de gênero e sociais. De seu artigo 1º se depreende:

Art. 1.º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8.º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais

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ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. (BRASIL, 2006).

Pelo teor extraído da norma, entende-se que o legislador brasileiro instituiu a Lei, atendendo a recomendações internacionais, almejando uma nova construção cultural com mudanças sociais, através da implantação de políticas públicas que fortaleçam ações educativas, que permitam aos grupos mais vulneráveis, no caso as mulheres inferiorizadas, desfrutarem de relações igualitárias permeando o equilíbrio social.

Objetivamente, a atuação preventiva imbuída na norma, mostra-se articulada no art.8º, que estabelece as diretrizes orientadoras das políticas públicas para o enfrentamento da violência contra a mulher. Nesse sentido, preconiza o caput do referido dispositivo:

Art. 8.º A política pública que visa coibir a violência domestica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais. (BRASIL, 2006).

O caput do dispositivo contempla a celebração de parcerias intergovernamentais, atuando conjuntamente na probabilidade de satisfazer o propósito normativo.

Já o inciso I prevê “a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação”, sendo que nele o legislador preza por unificar a atuação estatal, especialmente o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública com as demais áreas, para implementar as medidas protetivas às mulheres que se encontram em eminente perigo. (BRASIL, 2006).

No inciso II estão previstas estratégias que visam à realização de diagnóstico da situação de violência vivenciada pelas mulheres brasileira, mediante:

II – a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados

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nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; (BRASIL, 2006).

A norma recomenda, portanto, acompanhamento através de pesquisas periódicas da realidade enfrentada pelas mulheres em situação de violência doméstica e familiar, construindo-se, com isso, diagnósticos estatísticos para avaliar as medidas a serem implantadas e contemplar futuras ações direcionadas a sanar o quadro vigente.

Já o inciso III, prevê a adoção de medidas que promovam

O respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1.º, no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal. (BRASIL, 2006).

Por seu turno, a norma adverte que os meios de comunicação social, devem propagar valores morais de igualdade e respeito ao conjunto familiar, abstendo à publicidade estereotipada que intensifica a violência em razão do gênero.

O mesmo artigo determina, em seu inciso IV, “a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres em particular nas Delegacias de Atendimento a Mulher”, assegurando a esse atendimento especializado a ser realizado nas Delegacias Especializadas de Atendimento, compostas preferencialmente por mulheres, visando apurar os fatos delituosos na integralidade e permitindo que medidas sejam impostas na exata demanda apresentada. (BRASIL, 2006).

Com relação à promoção de políticas preventivas, a norma determina a realização de campanhas e programas educativos de valorização étnica, de gênero e raça, visando afirmar os direitos igualitários e assegurar a erradicação da violência doméstica e familiar:

V – a promoção e realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltada ao público escolar e a sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI – a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgão governamentais, tendo por objetivo à implementação de programas de erradicação da violência domestica e familiar contra a mulher; (BRASIL, 2006).

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Além do que, recomenda a legislação o treinamento e capacitação aos agentes para compreender o sentimento das vítimas, buscando a aplicabilidade das medidas de forma a romper preconceitos na conduta dos servidores, bem como o despreparo técnico ao prestar o atendimento. Este é o teor do inciso VII, ao afirmar a importância da:

VII – a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; (BRASIL, 2006).

Finalmente, integrando as diretrizes da política nacional, destacam-se as estratégias preventivas que, baseadas em programas educacionais, busquem promover mudanças culturais que, pautadas no valor da dignidade humana e da igualdade, permitam o rompimento com a ideologia patriarcal que se encontra na base da violência contra a mulher. Este é o sentido das diretrizes constantes nos incisos VIII e IX

VIII – a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX – o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. (BRASIL, 2006).

Entretanto, importa destacar o entendimento da Promotora de Justiça Fabiana Lemes Zamalloa do Prado (2007, s. p.) para quem, infelizmente as:

[...] medidas integradas de prevenção, como outras instituídas em outros diplomas legais para a proteção e defesa de outros segmentos sociais, além de insuficientes para resolver o problema da violência doméstica e familiar contra a mulher se não efetivadas de modo integrado com outras medidas também de caráter social, certamente ficarão apenas no papel, pois sua eficácia exige investimentos sociais que não estão na pauta de “prioridades” do Poder Público.

Conforme preconiza a exposição de motivos, a Lei Maria da Penha contempla importantes inovações, visando prevenir a violência doméstica e familiar, propondo reeducar a sociedade, especialmente o agressor, por meio de medidas sócio educativas. No entanto, diante do atual quadro de violência e injustiças sociais que assolam a sociedade brasileira,

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especialmente as praticadas contra as mulheres, a lei mostra-se ineficaz em cumprir o propósito pronunciado. A mesma tem, em desfavor, o pouco interesse governamental, visto que sua aplicabilidade depende de uma estrutura organizada com investimentos públicos satisfatórios que atendam a demanda social existente.

2.1.2 As medidas protetivas

O seguinte propósito da Lei está no artigo 12º, que regulamenta as providências de natureza técnica, pertinentes ao atendimento prestado pelas autoridades policiais à vítima após o incidente fático, visando um tratamento célere, seguro, sem afetar as normas elencadas no Código de Processo Penal, que igualmente se reportam ao tema. (PORTO, 2014).

Dessa forma, os ritos procedimentais no atendimento prestado aos casos previstos no artigo 12º da Lei determinam:

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; (BRASIL, 2006).

Encerrado o registro de ocorrência pela autoridade policial, deverá a ofendida ser ouvida. No que diz respeito à representação, tal providência, se mostra necessária em delitos de ação privada ou de ação pública condicionada, mas não se aplica, segundo Porto (2014), ao pedido de proteção, uma vez que, no caso da violência doméstica, a ofendida, devido ao abalo emocional, ficará desprovida das condições psicológicas para postular proteção. Ademais, entende-se que a representação constitui condição de ação judicial e não do pedido de medidas protetivas. (PORTO 2014).

Já os incisos II e III do art. 12º orientam que feita a coleta das provas para elucidação dos fatos, havendo pedido de fixação das medidas protetivas de urgência, estas, deverão ser encaminhadas ao magistrado, em expediente apartado, respeitando os prazos estabelecidos pela norma.

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IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; (BRASIL, 2006).

As orientações previstas nos incisos supracitados contemplam as providências iniciais para elaboração do inquérito policial, observando a coleta de provas periciais, a efetivação de exames de corpo de delito, sempre preservando o bem estar da vítima, tendo ainda que, proceder na oitiva das testemunhas do agressor com a juntada dos seus antecedentes policiais. (PORTO 2014).

A Lei ainda sentencia no art. 12 º, inciso VII, as previsões a serem observadas quando:

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde. (BRASIL, 2006). Determina o inciso e parágrafos que, concluso o inquérito policial, os autos serão remetidos ao Magistrado e Ministério Público, sendo tomado a termo o pedido da ofendida, admitindo todos os meios de prova existente no direito, findando assim. a explanação proposta para o artigo 12º da LMP. ( PORTO 2014).

Por outro turno, a Lei Maria da Penha, nos artigos 18 a 24, trata das medidas protetivas de urgência, que passam a ser objeto de análise do presente estudo. Segundo entendimento de Alice Bianchini (2013, p. 164-165):

As medidas protetivas de urgência constituem a principal inovação da Lei Maria da Penha ao lado da criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher. Até então, o juiz, nesses casos, encontrava-se muito

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limitado nas suas ações voltadas à proteção da mulher, sendo a maioria das causas de competência dos Juizados Especiais Criminais, [...]. As medidas protetivas permitiram não só alargar o espectro de proteção da mulher, aumentando o sistema de prevenção e combate a violência, como também dar ao magistrado uma margem de atuação para que possa decidir por uma ou outra medida protetiva, de acordo com a necessidade exigida pela situação [...]. é dado ao magistrado [...] instrumentos de caráter civil, trabalhista, previdenciário, administrativo, penal e processual.

Analisando a contribuição da autora, compreende-se que a Lei Maria da Penha ampliou o manto de proteção às mulheres em situação de violência, criando medidas judiciais inovadoras em caráter de urgência, com dispositivos de diversas naturezas jurídicas, permitindo sua atuação na concretude dos fatos, sendo autorizado à mulher requerê-las diretamente em juízo, em ocasiões dispensando inclusive à presença de advogado, pois os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher representam o liame de aproximação entre os sistemas jurisdicionais, no entanto, não exime a possibilidade da solicitação por meio de advogado particular ou da defensoria pública. (PORTO, 2014).

Nesta perspectiva, o artigo 18º da LMP determina os procedimentos a serem observados em caráter de urgência imediatamente após o protocolo do expediente contemplando as medidas requeridas pela vítima:

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. (BRASIL, 2006).

Considerando o preconizado na lei, subsequente ao recebimento do expediente emitido pela autoridade policial, o Magistrado terá de decidir imediatamente no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito) horas, as medidas urgentes e necessárias para atender a vítima, providenciando seu encaminhamento para o Ministério Público ou aos órgãos assistenciais para adoção de providências necessárias diante da situação fática. Para Alice Bianchini (2013, p.179) “Tal modificação procedimental, apesar de ofender o princípio da imparcialidade, é justificada sempre que se esteja diante de situação de urgência”. Esta exceção, justifica-se em razão dos princípios da devida diligência do Estado e da ampla proteção à mulher. (BIANCHINI 2013).

Referências

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