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Intercorrências na cultura e na identidade surda com o uso da literatura infantil

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Academic year: 2021

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INTERCORRÊNCIAS NA CULTURA E NA IDENTIDADE SURDA COM O USO DA LITERATURA INFANTIL

Dissertação apresentada ao Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, na linha de Ensino e Formação de Educadores, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cristiana Tramonte

Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Gladis Perlin

Tradutoras: Ana Paula Jung e Natália Rigo

Florianópolis 2015

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

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Dedico este trabalho aos meus alunos surdos que contribuíram para a literatura e a cultura surda.

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Escrever. Não posso. Ninguém pode. É preciso dizer: não se pode. E se escreve. É o desconhecido que trazemos conosco:

escrever, é isto o que se alcança. Isto ou nada. (Marguerite Duras)

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Neste espaço quero agradecer:

. primeiramente, a Deus por me permitir mais esta conquista. . aos meus queridos pais, Nelson Boldo e Elvira Boldo, pela vida e por serem os melhores pais do mundo. Dedico este título de Mestre a vocês, do fundo do meu coração.

. aos meus irmãos, sobrinhos e cunhados, por alegrarem minha vida em todos os momentos e, também, por acreditarem em mim com fé. Vocês sempre estarão dentro de meu coração.

. à minha irmã, Josane Boldo, minha melhor amiga que não imagina o quanto a admiro e és realmente muito importante pra mim.

. ao meu noivo, Leonardo de Almeida, pelo total apoio e companheirismo de puro coração.

. à minha orientadora Prof.ª Dr.ª Cristiana Tramonte pela oportunidade, orientação, paciência, compreensão e sugestões valiosas.

. à minha coorientadora Prof.ª Dr.ª Gladis Perlin pela sensibilidade em perceber e compreender minhas angústias e identificar a pesquisa que me proporcionou tamanha aprendizagem. Também agradeço pela paciência, dedicação, e ensinamentos durante a orientação deste trabalho.

. aos professores dos demais Programas de Pós-Graduação que frequentei na UFSC e também membros da banca, Prof.ª Dr.ª Rachel Sutton-Spence, Prof.ª Dr.ª Marianne Rossi Stumpf e Prof. Dr. Leandro Belinaso Guimarães, pelas sugestões, dedicação, paciência e carinho. Também por terem feito parte da minha vida. Tenham certeza que tudo o que aprendi com vocês levarei para vida toda.

. à tradutora-intérprete Daniela Bieleski que acompanhou minha trajetória no mestrado, interpretando as disciplinas cursadas, meus encontros e reuniões de orientação; também obrigadas às queridas tradutora-intérprete Ana Paula Jung e Natália Rigo pelas ajudam com a finalização deste trabalho.

. aos meus queridos alunos da cidade de Erechim, RS. Com vocês aprendi muito sobre cultura e sobre identidade surda.

. em especial às minhas amigas, pela delicadeza, carinho e energia e, aos meus amigos pelo entusiasmo e força.

. ao Programa de Pós-Graduação em Educação, PPGE do Centro de Educação da UFSC, por terem me aceito no programa como aluna e à FADESC pelo apoio financeiro oportunizado na realização desta pesquisa.

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RESUMO

A presente dissertação pretende enfocar a questão sobre como a criança surda, em contato com a Literatura Surda, adquire conhecimento cultural e, em especial, como se dá a estimulação dos canais visuais para que possa perceber e entender o mundo. O objetivo da pesquisa tem como foco a tradução cultural de clássicos da literatura infantil surda, a fim de perceber as intercorrências das transformações culturais e identitárias que ocorrem devido à presença de signos culturais na história infantil. O aparato teórico se baseia em autores como que se posicionam junto às teorias de cultura, identidade e literatura surdas. O método passa pelo uso de narrativas onde os sujeitos relatam o contato com o texto do livro A Cigarra Surda e as Formigas, que foi traduzido para a cultura surda em atividades realizadas em classe bilíngue. A produção final entende que a literatura surda, campo de conhecimento imprescindível, favorece a criança o contado com seu ser nativo.

Palavras-chave: literatura surda, cultura surda, tradução cultural, língua de sinais, educação bilíngue.

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ABSTRACT

This dissertation addresses the problem of how a deaf child in contact the deaf literature acquires cultural knowledge and in particular, how it helps to stimulate the use of visual channels to perceive and understand the world. The goal is to focus on the cultural translation of classic deaf children's literature in order to understand the complications of cultural and identity transformations that when there are cultural signs in the story. The theoretical approach is based on authors such as positioned within theories of culture, identity and deaf literature. The method uses narratives in which participants described their experience in a bilingual class of the text of the classic children's book "The deaf grasshopper and the ant" (translated to include deaf culture). The study reveals that deaf literature is a vital field of knowledge to help the child as it is delivered in his native medium.

Key words: deaf literature, deaf culture, cultural translation, sign language, bilingual education

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapeamento de Intercorrências ...28

Figura 2: Ilustração de alguns livros com histórias traduzidas. ...48

Figura 3: Coleção Contos Clássicos em Libras, figura captada na internet...49

Figura 4: Tradução Interlingual e Intermodal ...69

Figura 5: Capa do Livro. ...73

Figura 6: desenho ilustrando personagens sinalizando (Lívia Roberta Lira). ...82

Figura 7: Construção de Maquete. ...84

Figura 8: Teatro em Língua de Sinais. ...86

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LISTA DE FOTOS

Foto 1: Escrita de Sinais e Português. ... 85 Foto 2: A Vassoura da Bruxa Bruxela ... 114 Foto 3: O Fantasma Ziguezague ... 114

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ASL – American Sign Language

CM – Configuração de Mão

EF – Expressão facial

FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos ISL – International Sign Language

L - Local

Libras – Língua Brasileira de Sinais L1 – Primeira Língua L2 – Segunda Língua LA – Língua Alvo LF – Língua Fonte LP – Língua Portuguesa LS – Língua de Sinais

LSB – Língua de Sinais Brasileira MEC – Ministério da Educação M- movimento

SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.

SW – SignWriting

PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 21

2. CAMINHOS TEÓRICOS ... 27

2.1. Formação de identidades e culturas pela literatura ... 29

2.2. Cultura surda e identidade surda ... 33

2.3. Como a criança aprende? ... 37

2.4. Clássicos da literatura infantil ... 41

2.5. O fabular nas produções de imagens e textos - A Cigarra e a Formiga ... 44

2.6. O que é Literatura Surda? ... 46

2.7. Produtividade em escrita de sinais - SignWriting ... 52

2.8. Letramento visual... 56

2.9. Educação Bilíngue: possibilidades culturais ... 59

2.10. Tradução cultural dos clássicos infantis para a cultura surda ... 63

2.11. Tradução linguística ... 68

2.12. Tradução interlingual ... 69

2.13. Tradução intermodal ... 71

2.14. Tradução intersemiótica ... 72

2.15. As diferentes traduções no livro A Cigarra e a Formiga ... 74

3. METODOLOGIA DA PESQUISA ... 76

3.1. Usando a Narrativa ... 79

3.2. Contextualizando o Local da Pesquisa ... 82

3.3. Contextualizando a Tradução Realizada ... 83

3.4. Questões da Pesquisa ... 87

3.5. Sujeitos da Pesquisa ... 87

3.6. Coletando narrativas ... 88

3.7. Identificação das Narrativas ... 89

3.8. Mapeamento das Narrativas dos Estudantes ... 89

3.9. Transcrição para o texto ... 92

4. INTERCORRÊNCIAS DO CONTATO COM A LITERATURA ... 93

4.1. Identificação Cultural e Identidade ... 93

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4.3. Intercorrências em Língua de Sinais ... 99

4.4. Tradução Cultural ... 104

4.5. Literatura em Língua de Sinais ... 108

4.6. Teatro em Língua de Sinais ... 112

4.7. Letramento Visual: percebendo o mundo do sujeito surdo .... 117

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 121

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1. INTRODUÇÃO

O tema da presente pesquisa, Intercorrências1 na Cultura e na Identidade Surda com uso de Literatura Infantil, decorre dos muitos questionamentos surgidos durante a minha reflexão para a escolha do foco do anteprojeto de pesquisa para ingresso na seleção de mestrado. Em meio a tantas leituras e contatos com professores surdos e ouvintes, travei conhecimento com a produção acadêmica de autoria surda e ouvinte sobre literatura surda. Para mim era instigante compreender os discursos produzidos por surdos universitários sobre sua própria condição. Eu, também surda, passei a observar o crescente ingresso de surdos na pós-graduação stricto sensu, o que me causou, ao mesmo tempo, admiração e curiosidade.

Decidida a seguir por este caminho, pensei em investigar a criação de literatura surda e suas implicações sobre o sujeito surdo, aliando em parte novos interesses com minhas vivências neste campo educacional: já atuei como professora, período no qual fui autora de um livro, discutido e referenciado nesta pesquisa. Revendo todo este processo vivenciado, neste momento em que apresento minhas reflexões percebo que hoje penso de forma diferente sobre os livros de literatura surda e a influência dos mesmos sobre a identidade e a cultura dos surdos. O fenômeno histórico e sócio educacional da literatura surda é aquele que envolve a tradução cultural e vem ocupando espaço nas classes de surdos e escolas bilíngues2.

Esta pesquisa envolve a minha experiência no trabalho de tradução realizado a partir de um livro clássico da literatura infantil para a literatura surda. Esta experiência inédita me possibilitou observar o

1 O termo Intercorrências será descrito e conceituado mais adiante nesta dissertação, no Capítulo I.

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Cabe mencionar, que as Escolas Bilíngues, ainda não são espaços oficialmente implementados no Brasil, pela SECADI/MEC; muitas, contudo, são tidas como instituições de políticas bilíngues, tendo em vista a prática envolvida nesses espaços semelhantes aos métodos relativos às vistas de uma Política Nacional de Educação Bilíngue, cuja constituição deve ser conjunta com a Política Nacional para as Línguas. Ainda vive-se em tempos de políticas de inclusão, no entanto, neste trabalho não emprego o termo “inclusão” e nem refiro à politica inclusiva do MEC, uma vez que entendo a inclusão efetiva das pessoas surdas a partir de uma Educação Bilíngue não me filiando, portanto, à perspectiva inclusivista, cujos profissionais que a defendem e tentam aplicá-la, geralmente, desconhecem a verdadeira Educação dos Surdos.

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desenvolvimento de crianças surdas a partir do momento que interagem com a história adaptada, construindo conhecimento e aprendizagens, o que resultou no livro de minha autoria “A Cigarra Surda e as Formigas”. Esta vivência foi um momento importante para meu próprio conhecimento e reflexão acerca da cultura surda e a construção de identidade e tudo começou com a história “A cigarra Surda e as Formigas3 foi elaborada com um grupo de alunos, com o objetivo de que preparar uma peça de teatro para apresentar na Semana do Surdo, visando com isso proporcionar momentos de encontro e de celebração da cultura surda.

Assim, desenvolvemos um projeto4 que contemplou uma história escolhida, que foi adaptada através da tradução para Libras – Língua Brasileira de Sinais, e que foi muito bem recebido por todos os envolvidos. Entre tantas outras vivências desenvolvidas no âmbito da educação de surdos, esta experiência em especial fez com que eu me inquietasse com alguns questionamentos: O que representa a literatura surda? Num processo de tradução, que elementos podem ser identificados como sendo signos da cultura surda?

Estas perguntas formaram o ponto de partida para que eu começasse a refletir e, em seguida, desenvolver meu projeto de pesquisa. Ao rever este processo, que desencadeou toda a presente pesquisa, percebo que desde o princípio mantive a convicção de que através do estímulo da comunicação do diferente, a criança surda, na convivência com seus pares, passa a conhecer a cultura e a identidade surda e, essencialmente, passa percebê-las.

Para tecer minhas considerações, no referencial teórico opto por pautar minhas reflexões a partir dos Estudos Culturais5, dos quais faço

3 Livro de minha autoria “A cigarra surda e as formigas” tradução do clássico infantil para a cultura surda e publicado pela Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, em 2004. Em co-autoria. Foi produzido a partir de intenso trabalho em conjunto com meus alunos e que envolveu diferentes tipos de traduções 4

O Projeto em questão foi notificado na imprensa. 5

Stuart Hall (2003, p. 227) esclarece: [...] os estudos culturais “começaram” em Birmingham, no Reino Unido, com uma interrogação sobre as categorias de alto/baixo do debate cultural... Em parte estes termos foram herdados da preocupação de Leavis com o desaparecimento de uma cultura popular “viva” e orgânica no século dezoito e sua substituição por uma “civilização de massa” degradada que representava uma séria ameaça à “cultura minoritária ou da minoria”. Desta forma, estes estudos serviram para enfatizar as culturas e trazer à tona suas especificações, valores e crenças.

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alguns recortes para então agregar aos estudos realizados para fins desta pesquisa. Este foi o caminho que encontrei para apresentar argumentos plausíveis para a tradução da história A Cigarra e a Formiga feita pelos próprios alunos surdos, onde a partir das cenas apresentadas no livro tornava-se possível captar as narrativas posteriores, além de possibilitar também verificar como elas contribuem para a expressão da literatura e da cultura surda, fazendo com que acontecem as intercorrências.

Aventurei-me por um referencial teórico extenso em Estudos Culturais e Estudos Surdos, nos aspectos educacionais e linguísticos, priorizando alguns autores, tais como Hall (1997), Skliar (1999), Silveira (2000), Costa (2004), Bhabha (2005), Giordani (2005), Perlin (2006), Strobel (2006 e 2008), Quadros (2006), Sutton-Spence (2006), Stumpf (2007), Magalhães Jr. (2007), Jakobson apud Vasconcellos (2008), Karnopp (2009), Lebedeff (2010), Mourão (2011) e Rosa & Klein (2012).

Estes autores subsidiam minha construção uma vez que seus textos tratam da teoria cultural, da apresentação de novos significados culturais, onde surge a perspectiva da tradução cultural, salientando o que é a literatura em nossa sociedade (sendo que alguns autores tratam especificamente da literatura surda), apontando outros aspectos relevantes, como por exemplo a formação de identidades culturais por meio da literatura infantil e a produtividade.

Unindo minhas observações e interesses às experiências práticas a escolha do tema de pesquisa finalmente se definiu e desta forma consegui determinar também o contexto de onde provém o meu interesse acadêmico pela pesquisa em literatura surda, que está intimamente ligada à percepção da sua importância para o sujeito surdo. É neste contexto que surge a pergunta através da qual interagi no corpus investigativo: como a criança surda, em contato com a literatura surda, adquire conhecimento cultural e, em especial, como se dá a estimulação dos canais visuais, para que possa perceber o mundo e acessar o conhecimento universal produzido da pela humanidade?

Um dado interessante a ser destacado refere-se ao fato de que crianças surdas que convivem em famílias ouvintes normalmente perdem muitas das oportunidades de desenvolvimento em função da diferença cultural e linguística que se estabelece nesta convivência. Nestes contextos, pais e familiares raramente sabem a língua de sinais.

Os clássicos infantis e outras histórias traduzidas para as Línguas de Sinais possibilitam que as crianças surdas aprendam conceitos sociais e culturais da humanidade que são repassados pelas histórias da literatura infantil, visualizando da maneira mais adequada as

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mensagens, os signos e as ideias contidas nestas histórias. Muitas vezes, para as crianças surdas, o primeiro contato com as histórias contadas em língua de sinais se dá por meio da escola. É necessário que elas tenham acesso à literatura surda em sua própria língua, fortalecendo sua identidade cultural e linguística. Compreendendo como fundamental o incentivo para a produção da literatura surda, justifica-se consequentemente a importância desta pesquisa.

Pesquisar em uma perspectiva de Estudos Culturais depende de como entendo, o olhar que estendo sobre os fenômenos socioculturais que imperam entre os surdos, bem como as ferramentas de que me vou servir. Reconhecendo que esta temática redunda na importância da pesquisa, nos dados que esta pode oferecer acerca da importância da literatura surda em contato com o aluno surdo dentro da escola, posicionei meu olhar nesta perspectiva. Pude perceber mais nitidamente que a ampliação de experiências voltadas à apropriação dos conhecimentos da sociedade, através da tradução, como no caso especificado nesta pesquisa, pode ser responsável por permitir e promover o acesso à língua de sinais, à cultura e à identidade surdas, atuando na aquisição e na ampliação dos conhecimentos.

Nesse sentido, busca-se compreender o papel da literatura surda no processo de criação e conhecimentos culturais e identitários do sujeito surdo. A partir da atividade desenvolvida com a literatura surda, fora possível observar também as intercorrências que acontecem com esses alunos no que tange a cultura e identidade surda.

No primeiro capítulo apresento minha incursão teórica, meus interesses de pesquisa e o surgimento do tema relativo à literatura infantil, usando a mesma contextualização no mapeamento temático. Apresento alguns clássicos da literatura infantil e fábulas, observando a forma como são elaboradas as produções de imagens e textos especificamente com relação à história A Cigarra e a Formiga. Teço considerações a respeito das crianças, como se dá o comportamento humano e o quanto às narrativas orais produzidas pelas pessoas são importantes. Também apresento reflexões sobre o que é a literatura surda, falando um pouco da história da tradução: a tradução em si, a adaptação e a criação de histórias que são trazidas nos registros das narrativas de pessoas surdas, assim como tem sido realizado na produção de materiais como livros, DVDs, representações, entre outros.

Compreendendo a importância de aprofundar alguns conceitos, apresento ainda algumas diferenças entre tradução, adaptação e criação de histórias. Em seguida abordo sobre a escrita de sinais, o sistema SignWriting especificamente, e sua produtividade, mostrando que a

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escrita de língua de sinais é uma modalidade já existente e possível. Também apresento algumas reflexões e referências sobre o letramento visual, destacando a questão da visualidade das pessoas surdas que utilizam meios visuais de experiência e vivência de mundo.

Nesse capítulo ainda falo sobre a educação bilíngue como área de possibilidade cultural que viabiliza o aprendizado da segunda língua (L2) na modalidade escrita ou oral, com base na língua natural dos surdos, a língua de sinais. Ainda, trato sobre a tradução cultural dos clássicos infantis para a cultura surda, apresentando a tradução de clássicos infantis para a língua de sinais; as traduções linguísticas, a tradução interlingual, tradução intermodal e intersemiótica. Neste direcionamento, apresento ainda que a tradução cultural é um conceito usado nos Estudos Culturais, considerando a criação de novos significados para os símbolos culturais presentes na tradução dos clássicos infantis. Cultura surda e identidade surda são questões refletidas e trazidas a partir de um contexto de diferentes modalidades culturais, finalizando este capítulo abordando como a criança surda necessita adquirir a língua de sinais como primeira língua (L1).

No segundo capítulo, que compreende a metodologia da pesquisa, apresento as teorias metodológicas usadas, as estratégias de pesquisa, o contexto de investigação, a busca das narrativas e a identificação das mesmas e, por fim, a realização do mapeamento nesta pesquisa proposto. Minha intenção foi de mapear os estudos a serem desenvolvidos entre a teoria e a narrativa, identificando estratégias metodológicas utilizadas sobre a temática: Intercorrências na Cultura e na Identidade Surda com uso de Literatura Infantil. Procurei uma metodologia para dialogar de forma efetiva com a teoria e as narrativas dos alunos que envolvem depoimentos carregados de conhecimentos na cultura e identidade surda, como bem se refere Silveira (2005, p.198, A). No terceiro capítulo aprofundo minha pesquisa teórica em conexão com as narrativas dos sujeitos pesquisados, apresentando minha reflexão com relação ao mapeamento realizado sobre o tema do estudo. Trata-se de um capitulo em que a teoria, as narrativas e as minhas reflexões dialogam com algumas explanações.

Meu conhecimento teórico delineado até aqui nos estudos da pós-graduação e perpassado pelo contexto de alguns autores servira de base teórica no mapeamento. Do mesmo modo, as narrativas contadas pelos alunos (as), sujeitos da pesquisa, as historias por eles contadas e as intercorrências que aconteceram como implicantes na identidade cultural. Comentários por mim feitos complementam e unem este

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aspecto final da pesquisa. São essenciais para organizar a parte final de minha reflexão no mestrado.

Antes de introduzir os caminhos teóricos nos quais esse trabalho se inscreve, cabe considerar na conclusão deste primeiro capítulo introdutório que ler histórias em língua de sinais significa ler visualmente, ou seja, visualizar o mundo, que por vezes é encantador e cheio mistérios e surpresas. Este mundo, sem dúvida, apresenta-se sempre muito interessante e curioso, capaz de divertir e ensinar. A relação lúdica e prazerosa da criança com a obra literária é o que a forma enquanto leitora. A criança aprende brincando em um mundo de imaginação, sonhos e fantasias. Desta forma, é por meio de experiências felizes com histórias, com contos infantis em sala de aula, que a criança tem a possibilidade de interagir com diversos textos, possibilitando o entendimento do mundo em que vive e permitindo uma construção significativa de seu próprio conhecimento.

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2. CAMINHOS TEÓRICOS

A minha incursão teórica por diferentes temas me ajudam a entender e fundamentar o objetivo de pesquisa, lançando mão de algumas ferramentas na direção do tema central, que considero muito instigante. O referencial teórico escolhido ajuda a função de validar a dimensão interna do construto da pesquisa, estabelecendo relações causais que serão operacionalizadas com a ajuda deste referencial.

A intercorrência para este capítulo segue sua trajetória no campo dos Estudos Culturais em Educação e da Linguística, com referência à cultura e identidade e tradução cultural, além das contribuições dos Estudos Surdos em Educação. No aspecto da diferença, transito também pelo campo da Linguística Aplicada no que se refere aos aspectos próprios das línguas de sinais, como a escrita de sinais e a tradução. Ainda, seleciono algumas ferramentas teóricas refletindo sobre os diferentes tipos de tradução, tais como a tradução cultural e suas designações no campo linguístico, a cultura e a identidade surda, língua de sinais e sua escrita, a educação bilíngue, refletindo como se dá a aprendizagem na criança surda em relação a aproximação com a literatura surda. Nesta perspectiva multifocal é que me propus conduzir minhas reflexões. Acredito serem estas as ferramentas que me possibilitam alcançar respostas à questão que busco. Significativamente a epistemologia da palavra “intercorrência” refere-se ao fato que ocorre entre dois extremos, ou seja, o produto que se insere ou impõe ao resultado de ações. Melo (2005, p. 96) aponta que

As praticas orais e escritas das crianças exemplificam as características do ser humano enquanto organismo, regido por leis biológicas da espécie, convergindo para o encontro de sua cultura e dos produtos culturais de seu ambiente. Tais praticas oferecem a possibilidade de observação de como este encontro se desenvolve ao longo dos anos e, também, das nuances que ele apresenta quando ha alguma intercorrência, algum fato que interfira neste processo natural. (MELO, 2005, p. 96).

Portanto, para as ciências sociais, a palavra intercorrência refere a algum fato que interfira no processo natural das nuances apresentadas. Quando há alguma intercorrência esta pode salientar-se

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como um fato importante, por exemplo, quando acontece o ensino na hora do conto. A intercorrência que se observa pode vir a ser a expressão cultural através da literatura, ou o fato de que durante o desenrolar do conto, este repleto de signos culturais, a criança surda vai percebendo sua própria identidade surda. A intercorrência refere então a uma soma considerável de fatores sociais, culturais e linguísticos que ocorrem e conduzem a politicas inerentes.

A figura abaixo é a chave para o entendimento de como foi feita a tradução cultural do clássico infantil; trata-se de um mapeamento das intercorrências a partir da hora do conto da Cigarra e da Formiga. O mapeamento realizado é produzido para uma leitura de direcionamento de baixo para cima. Trata-se de uma estratégia de explicação, utilizada para melhor compreensão e interpretação. A ilustração pretende mostrar como se dá o desenvolvimento dos diferentes temas relevantes da pesquisa, o que é apresentado no capitulo final, juntamente com a imagem da planta do mapeamento.

Figura 1: Mapeamento de Intercorrências Fonte: Autora Jaqueline Boldo

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2.1. Formação de identidades e culturas pela literatura

Nos últimos tempos, graças ao conceito de tradução e a formação de identidades culturais, tradutores e pesquisadores, por meio de estudos de tradução, conseguiram firmar algo importante, destacando algumas pesquisas e mostrando qual tem sido o papel da tradução ao longo da história, bem como os efeitos de suas intercorrências na formação de identidades culturais.

O entendimento da questão das identidades surdas está diretamente relacionado com a noção de língua e de cultura, porque a constituição da subjetividade se dá pelo exercício do poder da linguagem e da cultura que se estabelece no contato entre surdos. Ao enfocar a questão da identidade, chega-se à questão da diferença, visto que a identidade cultural só pode ser compreendida em sua conexão com a produção desta diferença, que não é outra coisa senão um processo social. Segundo a pesquisadora Avelar (2010 p.46),

“Como se abordou, mas retomada a questão do choque cultural, a tradução não é apenas entre línguas, mas entre culturas e também se destaca a questão da singularidade das traduções literárias. Como exemplo, no clássico infantil “Alice no país das maravilhas”, a equipe de tradução se deparou com o desafio de como traduzir a passagem na qual Alice, dentro do túnel, ouve os passos apressados (pisadinhas) do Coelho se aproximando. A sugestão da tradutora surda, acatada pela equipe, foi a visualização da sombra das orelhas do Coelho Branco, tremendo de nervoso. A opção da tradutora foi “ensurdecer” (tornar surda) Alice e seus companheiros em todo texto” (AVELAR, 2010, p. 46).

Como ocorre na história adaptada A Cigarra Surda e as Formigas, seus personagens também assumem características culturais específicas do povo surdo, como o uso da língua de sinais entre outros aspectos visuais. Daí os personagens da história passaram a usar os olhos para se comunicar, pois é desta forma que eles leem6, sinalizam no

6

Ler os sinais falados ou escritos no ar é uma característica surda, atribuída à cigarra surda pelos surdos, pois os surdos usam a experiência mesma de olhar para captar

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ar. Esse recurso de fazer com que os personagens usem os olhos e as mãos, promove que ocorra a modificação do enredo dos clássicos infantis durante as traduções para a Língua de Sinais, aproximando a história original de características presentes na cultura surda. Nas últimas décadas tal fato tem sido constante, pelo que comprovam os títulos Cinderela Surda (HESSEL, ROSA, KARNOPP, 2003); A Cigarra Surda e as Formigas (BOLDO e OLIVEIRA, 2004); Rapunzel Surda (HESSEL, ROSA, KARNOPP, 2005) e Patinho Surdo (ROSA e KARNOPP, 2005).

Esses trabalhos apresentam contextos que correspondem à prática de tradução livre, atentando, em certa medida, à necessidade de o surdo afirmar sua identidade.

Quadros e Sutton-Spence citam este grupo visual que forma esta comunidade, o povo surdo, com língua própria e cultura partilhada.

“A identidade e a cultura das pessoas surdas são complexas, já que seus membros, frequentemente, vivem num ambiente bilíngue e multicultural. Por um lado, as pessoas surdas fazem parte de um grupo visual, de uma comunidade surda que pode se estender além da esfera nacional, no nível mundial. É uma comunidade que atravessa fronteiras. Por outro lado, eles fazem parte de uma sociedade nacional, com uma Língua de Sinais própria e com culturas partilhadas com pessoas ouvintes de seu país” (QUADROS E SUTTON-SPENCE, 2006, p.111).

Assim a identidade surge no interior da cultura: ambas andam juntas e se complementam. Perlin refere que

“as identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com a maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural também surge aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que tornam seu corpo menos habitável, da sensação de mensagens. Isto é diferente dos ouvintes que usam os ouvidos e, no caso, colocaram a cigarra cantando.

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invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos-valia social”. (PERLIN, 2004, p.77-78). Para surdos participantes das comunidades surdas, a cultura surda é algo que “se sente na pele”, algo que compartilham e que têm em comum. Pode-se dizer que é um conjunto de princípios, conduta, valores e comportamentos. Hall contribui no entendimento do conceito de cultura por dizer que

“A cultura tem a ver com a produção e intercâmbio de significados – o “dar e receber de significados” – entre os membros de uma sociedade ou grupo. Dizer que duas pessoas pertencem a uma mesma cultura é dizer que elas interpretam o mundo da mesma maneira mais ou menos parecido e podem se expressar, seus pensamentos e sentimentos concernentes ao mundo, de forma que seja compreendida por cada um. Assim sendo, a cultura depende de que seus participantes interpretem, de forma significativa, o que esteja ocorrendo ao seu redor e “entendam” o mundo de forma geral semelhante” (HALL, 1997, p. 2).

A cultura surda é desenvolvida por sujeitos surdos e como cultura é transmitida por intermédio de signos e significados visuais. As crianças surdas a adquirem pelo contato com adultos surdos, por produtos gerados por determinados grupos de surdos em relação ao teatro, poesia visual, brinquedos e a literatura surda. Esta transmissão da cultura surda tem um papel fundamental na construção da identidade, tornando possível a expressão das subjetividades. Strobel (2008, p.112) afirma que “A cultura surda é profunda e ampla, ela permeia, mesmo que não a percebamos, como sopro da vida ao povo surdo com suas subjetividades e identidades”.

Segundo Rosa e Klein

“a literatura surda constitui-se das histórias que há em Língua de Sinais, a questão da identidade e da cultura surda presentes nas narrativas. Mas porque precisamos de uma literatura surda? Muitos surdos não conhecem sua própria língua. Ao conhecer a LS, estranham saber que existe uma cultura surda. A literatura surda auxilia no

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conhecimento da língua e cultura para os surdos que ainda não têm acesso a elas. Para as crianças surdas, a literatura surda é um meio de referência e também cria uma aproximação com a própria cultura e o aprendizado da sua primeira língua que será de auxílio na construção de sua identidade”.(ROSA E KLEIN, 2012, p.189). As autoras Rosa e Klein (2012. p, 68) esclarecem, ainda, que isso se deve a alguns fatores presentes “nas produções e identificados como elementos da cultura surda: a língua de sinais, o movimento, as expressões faciais e corporais, itens facilmente absorvidos pelo individuo surdo que as assiste”.

Vários materiais multimídia em língua de sinais foram distribuídos nos últimos anos. Entre eles, encontramos produções variadas de literatura surda, desde histórias traduzidas e adaptadas, até histórias criadas por surdos ou ouvintes em língua de sinais. Muitas pessoas têm acesso a estes materiais de multimídia sinalizados, os quais circulam entre os surdos, nas suas famílias e escolas, pois fica mais claro e fácil o entendimento.

O que determina a base da cultura surda é a experiência visual. Segundo Lopes e Veiga-Neto

O olhar para o surdo muito mais do que uma sentido é uma possibilidade de ser outra coisa e de ocupar outra posição na rede social. O olhar entendido como um marcador surdo é o que permite o contemplar-se, é o que permite ler um modo de vida de diferentes formas, é o que permite o cuidado de uns sobre os outros, é o que permite o interesse por coisas particulares, é o que permite interpretar e ser de outra forma depois da experiência surda, enfim, o olhar como uma marca, é o que permite a construção de uma alteridade surda. (LOPES E VEIGA-NETO, 2006, p.90).

Nesta experiência visual vai constituindo-se a cultura surda que, segundo Perlin (2004), tem na língua de sinais um dos pontos mais fortes dentre uma cultura suavemente rica; ela, a língua própria dos surdos. As línguas de sinais surgem através da cultura de cada país e de acordo com ela, respeitando-a sempre.

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Existem diversos elementos que participam desta cultura, como o contato com semelhantes, as piadas, as historias, o teatro, a tecnologia usada como estratégias para adaptação da vida dos surdos neste mundo predominantemente ouvinte, tudo isso contribui para a construção da sua identidade como povo surdo. A literatura surda é muito rica em informações, o que exige do professor muito esforço para saber adequar o conteúdo dos livros escritos para os surdos, proporcionando prazer e estimulação para o aprendizado através da língua de sinais, da leitura e da escrita.

O livro é importante para os alunos aprendam e estudem, pois assume papel importante no contato dos surdos com os conhecimentos nele expressos. Os surdos desenvolvem aprendizagens através da leitura e da experiência visual. Porém, sozinhos não têm poder de se formar como leitores e de serem também leitores visuais. Necessitam para tanto do livro, de seus textos e das imagens, para que possam desenvolver sua capacidade visual e de leitura. As experiências vivenciadas na condição de contadora de histórias mostraram-me que os surdos são naturalmente interessadas nas informações visuais, especialmente expressos na língua de sinais.

2.2. Cultura surda e identidade surda

As autoras surdas Perlin e Reis, quando referem à cultura surda, afirmam que

Quando nos referimos aos surdos e aos estudos surdos no mundo contemporâneo é útil começar pensando que não podemos dizer que hoje existe uma cultura hegemônica, dominante e uma cultura menos boa frágil, pouco útil como a cultura surda. É útil começar refletindo que temos um contexto de diferentes modalidades culturais. A sociedade contemporânea lida com sujeitos provenientes de culturas diferentes e afetados e movidos pela polifonia de discursos que vem das diversas fontes de informação. Os artefatos contemporâneos, do ponto de vista do surdo, são instituições ancoradas nos ponto de vista conservadores ou da substituição e da tolerância. (PERLIN E REIS, 2012. p, 29.)

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Os sujeitos surdos são construtores de um jeito de ser, de uma cultura distinta: fazem parte de um povo que se identifica com seus membros totêmicos. Assim, é preciso haver maior união no trabalho educativo entre surdos e ouvintes, tendo uma troca mútua sobre suas culturas e suas histórias relacionadas à vida social.

Hoje a necessidade da participação de profissionais surdos nestes debates aumenta cada vez mais, sendo de fundamental importância o conhecimento da língua de sinais e da cultura do povo surdo pelos profissionais ouvintes que atuam nessa área, bem como o respeito mútuo pelas opiniões e críticas, para que juntos se possa construir uma educação bilíngue no Brasil. Segundo Perlin (2008) “as pessoas se espantam e questionam com perguntas como: os surdos têm cultura? Como pode haver uma cultura surda? Será que as festas dos surdos há musicas?”

Em relação a dúvidas, Magnani (2014) argumenta que a “experiência com os surdos era como a da maioria das pessoas, a de alguma vez ter visto duas pessoas conversando por meio de sinais, sem prestar maior atenção - o olhar não treinado não vai além do que o senso comum registra.”

A experiência visual constrói a cultura surda que tem na língua de sinais um dos mais expressivos marcadores culturais do povo surdo. É possível vir a entender o processo da cultura surda e a busca pela garantia de direitos na narrativa de sua alteridade. As identidades surdas são construídas dentro de representações possíveis. Contar histórias, piadas, festas, teatros e episódios em línguas de sinais pelos próprios surdos é fator de grande importância neste contexto. Assim, é fundamental registrar as narrativas dos surdos, mantendo a língua de sinais e a cultura surda viva.

Como descreve Strobel,

“[...] cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo” (STROBEL, 2008, p. 24). Isto tudo leva a discutir a questão dos surdos, enquanto um grupo cultural, sendo fundamental criticar o senso comum coletivo que

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categoriza os surdos como deficientes sem entender, contudo, sua diferença cultural, identitária e linguística. Na sua grande maioria, os sujeitos surdos são membros de famílias de ouvintes que desconhecem a cultura surda e a língua de sinais. Assim, iniciam tardiamente o contato com a cultura surda, com a sua língua. Segundo relatos, várias pessoas surdas7 dizem se sentir plenamente felizes somente depois de terem conhecido a língua de sinais, se encontrando dentro de uma comunidade surda. Isto leva a constatação de que, como afirma Perlin (2013), “o encontro surdo-surdo é necessário para a construção das identidades diferenciadas”.

Souza (1998) e Klein (2005) destacam que a língua de sinais é uma das principais razões de encontro entre os surdos, pois é através desta vivência de compartilhar uma língua de modalidade gestual-visual que eles têm oportunidades de trocar experiências, conversar, aprender.

Ainda, segundo Perlin

“Estão presentes no grupo pelo qual entram os surdos que fazem uso com experiência visual propriamente dita. Noto nesses surdos formas muito diversificadas de usar a comunicação visual. No entanto, o uso da comunicação visual caracteriza o grupo levando para o centro do específico surdo. Wrigley (1996, p. 25), tenta descrever o mundo surdo como “um país cuja história é reescrita de geração a geração... As culturas dos sinais bem como o „conhecimento‟ social da surdez, são necessariamente ressuscitados e refeitos dentro de cada geração”. (PERLIN, 2013, p. 63).

Dessa forma os encontros surdo-surdo favorecem o surgimento da cultura surda com seus variados aspectos. Sendo assim, os sujeitos surdos reconhecem modelos e valores históricos através de várias gerações de surdos. Nas comunidades surdas as piadas, anedotas, conhecimentos de fábulas ou conto de fadas, repassadas de geração em geração, assim como adaptações de vários gêneros, como romance, lendas e outras manifestações culturais, constituem um conjunto de valores e ricas heranças culturais e linguísticas.

7

Comentários de pessoas surdas em associações e clubes de surdos dos quais participei ao longo de minha vida.

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A cultura surda se desdobra em diferentes ramos. Não apenas no aspecto linguístico, mas também na história cultural de seus heróis, nas lutas surdas. É neste contexto que desenrola-se a construção de uma política para a educação bilíngue, onde se discute o fortalecimento das escolas próprias para surdos, dando ênfase no desenvolvimento da língua de sinais, na profissionalização de intérpretes, no estímulo a organização de espaço específico nas universidades, no estímulo a formação e a atuação de professores surdos, na promoção da acessibilidade tecnológica, entre outras.

As obras literárias produzidas por sujeitos surdos têm nas suas narrativas a presença da língua de sinais, seja nas artes plásticas, no teatro, no cinema, bem como na literatura escrita. Nelas se percebem as intercorrências na cultura e na identidade da comunidade surda. As traduções para a língua de sinais nas narrativas da literatura surda contribuem para o conhecimento e para a divulgação do acervo literário de diferentes tempos e espaços, já que são traduzidos para a língua utilizada pela comunidade surda.

Na descrição da pesquisadora Perlin (2004), “As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito”, característica essencial para entender a existência da diferença que impera entre os surdos.

A identidade é entendida, no campo cultural, como um processo social discursivo. Devido a isso, no caso dos surdos, a identidade surda surge de um grupo de surdos que se define enquanto grupo diferente de outros grupos. O que a potencializa é o jeito cultural de entender o mundo. Neste caso, o sujeito surdo faz uso da visão. É possível entender o processo da cultura surda na formação das identidades surdas na narrativa de sua alteridade, pois as identidades surdas, como representações possíveis da cultura surda, carregam as diferenças específicas do uso da visão. Daí que as narrativas, os poemas, as piadas e os mitos que são produzidos de forma visual servirem como evidências da identidade e da cultura surdas. Assim, a identidade particular a ser focada especificamente é a identidade surda. Perlin (2013) afirma ainda que “Ao focalizar a representação da identidade surda em Estudos Culturais, tenho de me afastar do conceito de corpo danificado para chegar a uma representação da alteridade cultural que simplesmente vai indicar a identidade surda”.

Esta identidade compartilhada faz com que os surdos se sintam, em sua diferença do ouvinte, presentes na representação de sua diferença cultural. Como nos diz Perlin(2013), a concepção do surdo

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como deficiente deve ser afastada e o surdo transparecer em sua alteridade cultural. Desta forma passamos a dizer “nós surdos, e eles, os ouvintes”, devido às diferentes culturas. Este aspecto de diferenciação sempre estará presente, sempre vai interferir em qualquer produção surda.

Discutir a identidade e a cultura surdas, presentes na literatura surda e suas intercorrências são importantes na medida em que os surdos não são sujeitos iguais, e que podem ocorrer situações que se modificam. As intercorrências culturais são parte constitutiva do ser humano e de seus grupos. A identidade é entendida no campo cultural como um processo social discursivo. Devido a isso, no caso dos surdos, a cultura surda bem como a identidade surda surge de um grupo de surdos que se define enquanto grupo diferente de outros grupos. É possível vir a entender o processo da cultura surda e os direitos de vir a ser cultura na narrativa de sua alteridade. As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com a maior ou menor receptividade cultural, também pelo sujeito. As narrativas, os poemas, as piadas e os mitos que são produzidos servem como evidências da identidade e da cultura surda.

A visão dos surdos sobre a postura e o sujeito do professor surdo no senso comum é simplista, uma vez que se aloca na percepção de uma identidade fica em detrimento do processo dinâmico de construção da subjetividade. É esse profissional que revela sua cultura, sua língua de sinais, sua identidade e sua alteridade, a partir da qual foi construído seu jeito de ser.

2.3. Como a criança aprende? Segundo Giordani:

“O espaço da diferença dentro da escola de surdos foi subjugado em detrimento do processo de normalização: na legitimação da língua oral como língua oficial da escola, na representação da surdez como déficit, na desvalorização de um espaço cultural e identitário das comunidades surdas. Essas politicas acabam se constituindo num espaço no quais se produzem e se reproduzem estratégias de “normalização” dos surdos em ouvintes, desconsiderando aspectos históricos, sociais, culturais e linguísticos da

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comunidade surda”. (GIORDANI, 2005, p. 88-89).

A criança surda precisa adquirir a língua de sinais como primeira língua, o que se constitui como imprescindível ao seu desenvolvimento cognitivo, bem como conviver em sociedade de maneira participativa. A criança surda não utiliza o canal auditivo, utiliza-se da visão para interpretar as informações de seu cotidiano. Dessa forma, é inadequado querer que ela “decore” a forma oral com que as pessoas ouvintes comunicam-se. A língua de sinais surge para os surdos de maneira espontânea e a aprendizagem ocorre de forma natural. Não é necessário que se ensine a língua de sinais para os surdos se eles estiverem em grupo. Nesta perspectiva, a criança surda tem como modelo linguístico adultos que dominam a língua de sinais.

Percebe-se em Rozek que

A criança constrói na interação como o meio físico e social as condições prévias do conhecimento, que são ao mesmo tempo, as condições prévias de socialização. Na matriz social em que se cria, se desenvolve e aprende, submetido e diferentes determinações simbólicas e aos usos rituais próprios de seu contexto sociocultural. (ROZEK, 2005, p. 281).

Do mesmo modo, Rozek afirma que o processo de aprender depende da condição do pensamento, pois formam-se conceitos e classificam-se impressões das mais diversas pela capacidade de pensar. As percepções que temos do mundo apresentam componentes emocionais, formam parte da realidade da vida e acompanham nossas vivencias (ROZEK, 2005, p. 283).

O conhecimento constitui o patrimônio do outro e é adquirido na elaboração conjunta do sujeito que ensina e do que aprende. As estruturas do conhecimento são construídas e, apesar do caráter hereditário da inteligência como aptidão humana, não são consideradas inatas.

A informação adquirida implica experiências individuais que motivam os sujeitos a aprender ou não aprender, assim, não se podem

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ignorar os aspectos emocionais no processo de aprendizagem, nem diluí-los nos aspectos cognitivos.

Segundo Rozek, o aprender

implica uma relação dinâmica do sujeito no contexto social. Toda aprendizagem está vinculada a significações muito peculiares para cada sujeito, inscritas na subjetividade de cada um através dos movimentos do tempo e da história. Assim como a leitura e a escrita são códigos reconhecidos culturalmente, também são produzidos por significados e representações subjetivas que podem tornar difícil e doloroso o desenvolvimento do processo de ler e escrever. (ROZEK, 2005, p. 286).

Os alunos aprendem a escrever por meio do sistema SignWriting. Eles conseguem fazer escrita em língua de sinais de uma maneira muita própria da cultura surda. Neste sentido, criar um livro de contação em língua de sinais é muito importante, próprio na cultura surda, ação que amplia o conhecimento na escola dos surdos e ouvintes sobre os aspectos culturais expressos através da literatura surda. Minha própria experiência como contadora de história me mostra que os surdos são naturalmente interessados na visualidade presente na língua de sinais.

Neste contexto, Silveira e Bonin afirmam que

Deve-se citar, também, nesta conjunção entre literatura para crianças e intenções pedagógicas, o papel da escola, responsabilizada, na sociedade contemporânea, pela introdução formal das crianças às experiências de leitura e, mais recentemente, pelo fomento ao gosto pela leitura, através, principalmente, do acesso a variados livros de literatura. (SILVEIRA & BONIN, 2011, p. 192).

A literatura multiplica-se em diferentes gêneros: poesia, história de surdos, piadas, literatura infantil, clássicos, fabulas, contos, romances, lendas e outras manifestações culturais. Karnopp (1992) faz referência a respeito desse artefato cultural, afirmando que utilizamos a

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expressão “literatura surda” para histórias que tem a língua de sinais, a questão da identidade e da cultura surda presentes na narrativa.

Segundos Rosa e Klein (2012) para as crianças surdas “a literatura surda é um meio de referencia e também cria uma aproximação com a própria cultura e o aprendizado da sua primeira língua, que facilitará na construção de sua identidade”. Assim, é possível afirmar que existem diferentes tipos de livros na Literatura Surda, sendo que podemos destacar três processos na produção destes livros: a produção por tradução cultural da Língua Portuguesa para Língua de Sinais; a produção através da adaptação cultural da história, substituindo o que vem a ser especifico da cultura de ouvintes por questões que culturalmente aceitas pelos surdos - levando em consideração a comunidade e a identidade surda - e a produção/criação em Libras feita por surdos de maneira espontânea e criativa na contação de histórias e piadas.

É possível constatar que na Literatura Surda já existem livros publicados na modalidade de tradução cultural. É feita a tradução de histórias como, por exemplo, A cigarra surda e formiga, utilizando para tanto o processo de tradução cultural, pois o público alvo são crianças surdas que fazem uso da língua de sinais como sua primeira língua. A tradução cultural tem como um dos principais objetivos esclarecer para os surdos as historias da literatura convencional, através da língua de sinais, por meio de expressão bem claras e através da locação bem marcadas dos personagens.

As relações cognitivas são importantes para o desenvolvimento e relacionam a capacidade da criança em organizar suas ideias e pensamentos através de uma língua na interação com os demais colegas e adultos que discutem e pensam sobre o mundo no processo de aquisição da leitura em sinais ou em português, escrita de sinais ou em português, respeitando prioritariamente a opção do aluno. As histórias e a literatura são meios de explorar tais aspectos e tornar acessível à criança todos os recursos possível de serem explorados. O professor surdo tem identidade e cultura forte, de muito valor, e assim as crianças surdas olham o sujeito modelo como o professor surdo, entre relação ao contato.

A escola precisa do apoio da família para que seus objetivo sejam melhor alcançados com os alunos. A família que participa entende melhor o que vem a ser o trabalho com o aluno surdo e qual a proposta da escola, ajudando assim seu filho. Os professores se sentem apoiados e com mais entusiasmo para desenvolver a educação dos surdos. Ao assumir sua identidade o surdo usa a língua de sinais como base para a

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comunicação, faz uso da ajuda do profissional interprete, participa da comunidade surda, participa das lutas dos surdos, está consciente e se aceita como surdo. Esse grupo é produtor da cultura surda. É guardião da língua de sinais que em sua pureza se origina da comunidade destas pessoas e que tem esta identidade.

2.4. Clássicos da literatura infantil

A publicação de histórias guardadas na memória implica na interação, na construção de sentidos do texto, com base no diálogo com os sujeitos e suas representações. Cabe considerar que inúmeras histórias são contadas, mas que não são de imediato, registradas. Elas amadurecem com o tempo e se adaptam às múltiplas culturas onde foram criadas, bem como se adaptam também aos tempos em que são usadas.

Nota-se que as adaptações são variadas. Na história Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, algumas vezes o lobo é mau, outras, o lobo é bom. Às vezes se usa o termo lenhador, outras vezes, caçador. E quando este chega à casa da avó, ou o lobo já comeu a avó, e mata o lobo mau, ou o lobo esconde a avó e o caçador liberta a avó do armário. Estas adaptações também exercem influência sobre a criança. Elas são adaptadas de modo a influir no seu comportamento tendo, por objetivo, transmitir ensinamentos de moral, psicologia, entre outros. E a cada leitura, sempre mais a criança vai moldando sua conduta. A leitura destes clássicos tem influência na transmissão do conhecimento cultural dos povos, de geração em geração, o que resulta no enriquecimento da cultura daquele que ouve as histórias. Isto denota o aspecto didático da leitura pela transmissão de valores ou de conhecimentos.

Clássicos infantis são, então, as histórias para crianças que, ao longo dos tempos, foram recebendo diferentes adaptações em suas características e narrativas. Estas histórias contadas foram evoluindo de país para país, da forma que cada nação, a partir de suas imagens literárias e do respeito à sua própria cultura, conseguia compreender e transpor para vida real. De acordo com Shavit (2003) “[...] a criação da noção de infância foi uma premissa indispensável para a produção de livros para crianças e determinou em larga medida o desenvolvimento e as opções de desenvolvimento da literatura para crianças”. A importância da literatura infantil para as crianças, assim, fica evidente, pois esta foi registrada em livros e impressa para a divulgação e leitura em escolas, nas famílias, enfim, na sociedade em geral.

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[...] a literatura infantil é necessária para qualquer trabalho que a tome como material empírico. Atualmente, é consensual o entendimento de que tal literatura surgiu articulada com a emergência de uma concepção de infância como um período da vida em que os sujeitos necessitam de atenção, formação e educação dirigida pelos adultos (SILVEIRA E BONIN, 2011, p.191).

Nesta conjunção entre literatura e crianças existem intenções pedagógicas. Estas podem ser observadas na introdução formal das crianças às experiências de leitura e, mais recentemente, pelo papel da escola, responsabilizada, provocando o gosto pela leitura, por meio do acesso a clássicos infantis variados.

Há também a tradução de uma cultura para outra, de uma língua para outra. Nestes casos, pude observar que os signos culturais aparecem de acordo com as culturas. Por exemplo, as meninas vestidas de princesas ou em trajes de baile, ou ainda com outros trajes típicos. Nestes aspectos, recontar as histórias reconstrói por meio da língua e da cultura os sentidos veiculados pelo contexto que serviu como ponto de partida para a criação de outro texto. Mas, mesmo estas traduções nem sempre são coerentes, pois algumas carecem de mais elementos e outras trazem o elemento cultural abundante.

A literatura surda não tem clássicos infantis específicos. Sua produção é recente. E ela incorpora elementos culturais à medida que vão sendo construídas as representações surdas no desenrolar cultural e no jeito de contar as histórias.

Conforme Silveira,

“O que se vê registrado na literatura são livros infantis que evidenciam uma representação anterior aos Estudos Surdos, e que trazem uma imagem da surdez sob um enfoque clínico-patológico; ainda conforme a autora, os livros com uma visão social e antropológica dos surdos eram escassos.” (SILVEIRA, 2000, p. 202). No contemporâneo, porém, estão surgindo, graças à tradução cultural, os livros que apresentam os surdos numa perspectiva da diferença e não a partir da lógica da deficiência. Os textos atuais, contendo as narrativas do mundo surdo presentes na imagem da

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literatura infantil, focalizam os surdos com os traços culturais e as reflexões produzidas sobre identidades e diferenças estão surgindo e se fortalecendo. O livro de literatura infantil, bem como o registro da história em língua de sinais, ocorrem na discussão sobre a literatura surda, vinculada à discussão sobre cultura e identidade.

Os livros de literatura infantil são artefatos culturais para um público em formação, portanto têm o objetivo de não somente informar, mas também formar esses sujeitos. Uma criança surda, ao ler um livro no qual se encontram elementos da cultura surda, como a língua de sinais, estabelece uma relação de identificação e isso favorece a sua constituição como sujeito surdo. Nesse sentido, pode a literatura infantil tornar-se um instrumento formador de modos de ser e de viver.

Karnopp e Machado evidenciam esta identificação nas historias infantis quando afirmam que

As histórias e as representações da cultura surda, caracterizada pela experiência visual, são corporificadas em livros para crianças de um modo singular, em que o enredo, a trama, a linguagem utilizada, os desenhos e a escrita dos sinais (SW) evidenciam o caminho do autor representação dos surdos na luta pelo estabelecimento do que reconhecem como suas identidades, legitimando sua língua, suas formas de narrar as historias, suas formas de existência, suas formas de ler, traduzir, conceber e julgar os produtos culturais que consomem e que produzem. (KARNOPP E MACHADO, 2006, p.14)

Na literatura surda, têm-se muitos livros que evidenciam a língua de sinais como uma marca surda. Um deles: A Cigarra Surda e as Formigas, apresenta, além da língua de sinais, outros elementos constitutivos da identidade surda, tais como a escrita de sinais e a pedagogia visual, como artefatos culturais da comunidade surda. No livro A Cigarra Surda e as Formigas é possível identificar como a língua de sinais é rica, sendo capaz de comunicar através de significados claramente inteligíveis, bem como esta entrelaçada por outros elementos culturais.

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A língua de sinais significada dentro da literatura é uma marca, compreendida de tal forma que é capaz de desenvolver processos de subjetivação. Os processos são responsáveis para construção da identidade surda, que por sua vez se utiliza da própria língua de sinais; significam as aprendizagens que são vivenciadas no contato com a comunidade surda. Valorizado e reconhecido como uma forma de expressão cultural e um instrumento de acesso à educação, bem como à de oportunidades para o povo surdo o conhecimento da literatura se faz imprescindível. (SANTOS, SILVA, CARDOSO E MORAES, 2011, p. 46).

Assim, a existência da literatura infantil com signos culturais é muito importante para a identidade surda e a cultura, bem como para o povo surdo como um todo.

2.5. O fabular nas produções de imagens e textos - A Cigarra e a Formiga

Para Nelly Novaes Coelho (2000) “a fábula é a narrativa (de natureza simbólica) de uma situação vivida por animais que alude a uma situação humana e tem por objetivo transmitir certa modalidade.” As fábulas são narrativas alegóricas que utilizam animais para representar e criticar o comportamento humano, uma situação real ou explicação racional de acontecimentos do cotidiano.

Segundo Nascimento e Scareli (2012), “as crianças conhecem o comportamento humano a partir de representações. Nesse sentido é possível entender as narrativas como uma ferramenta muito importante.” A fábula e a literatura, por exemplo, são formas para se explorar aspectos dessa representação de forma a ser acessível à criança. O professor surdo assume papel fundamental neste contexto e sua relação com os alunos surdos se dá a partir de um contato efetivo por meio da língua de sinais.

A literatura surda possui a característica de provocar diversos tipos de sentimento, ou seja, faz com que os participantes espectadores de contos, bem como os próprios contadores de histórias, vivam momentos de profundas emoções, sejam elas, emoções relacionadas à dor, à alegria, ao medo, etc. Essas emoções e sentimentos são

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despertados a partir do momento em que esses sujeitos se encontram totalmente ligados e emergidos no conto e na arte da literatura em si.

O que segue abaixo, na consideração de Nascimento e Scarelli, a ilustração das fábulas, pode conter características individuais, isto é despertar sentimentos da subjetividade.

As fabulas são responsáveis por inúmeras ilustrações que inspiram a contar suas histórias, possibilitando aos leitores adentrarem um universo novo, o da imagem, incentivando uma nova versão e criação a ser pensada, além da linguagem escrita da fábula, a ilustração que foi inspirada nela, esta repleta de características individuais, subjetivas e sociais representadas por cada artista. (NASCIMENTO e SCARELI, 2012, p. 1732).

Na fábula A Cigarra e a Formiga, conto traduzido para língua de sinais, as emoções e os sentimentos como tristeza, medo, alegria, etc, são explicitados e, portanto, passam a ser fatores compreendidos e considerados importantes. Ao compartilhar as características e reações dos personagens da história, é possível entender o mundo da desordem, bem como as soluções para tal.

No que tange a questão das imagens presentes nos livros infantis, Almeida afirma que

“Esteja tratando de imagens e sons, como o cinema e a televisão, podemos entender que as imagens estáticas, como por exemplo, as ilustrações e as fotografias também têm educado pessoas ao longo dos séculos e, para tal, também é necessário um tipo de alfabetização visual”. (ALMEIDA, 1994, p, 46).

As imagens estáticas, as ilustrações e as fotografias presentes também podem ser empregadas de modo a enriquecer a própria experiência visual dos alunos surdos, uma vez que a visualidade é um fator característico da cultura e da identidade surda. Essa mesma visualidade é também usada nas histórias e pode ser explorada nas narrativas. Neste sentido, cabe destacar que os elementos visuais precisam ser abordados com clareza para que se efetive o aprendizado de fato da criança a partir da língua de sinais na narrativa. Cito o fato de

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que na medida em que, como professora surda, fui narrando a história em língua de sinais, os meus alunos surdos passaram a aprender muito mais rápido e a compreender a língua de sinais de forma mais eficaz.

Estudar a narrativa para que a partir desta se possibilitem novas experiências significa falar justamente sobre as intercorrências da cultura e identidade surda. Se na escola não há ninguém que possibilite o acesso das histórias aos alunos surdos, é importante que mesmo que não se narre em língua de sinais, se busque alguma forma visual para que as crianças surdas aprendam a história. A criança é estimulada a produzir de forma visual e a mostrar em sua língua suas aprendizagens sobre a historia, desenvolvendo o uso de narrativa sobre a mesma como uma forma particular de representação, isto é, a criança é estimulada a expressar a história de acordo com seu entendimento. O importante é a história que estará por trás da narrativa, o desenvolvimento da mesma e a construção dela na língua de sinais, a língua da criança surda.

2.6. O que é Literatura Surda?

A literatura surda tem uma tradição específica. Ela difere das literaturas que transmitem suas histórias de forma oral ou escrita, mas que também contém signos orais e auditivos. O registro de histórias surdas8 contadas no passado permanece na memória de algumas pessoas ou foram esquecidas. O reconhecimento destas histórias tem sido constante e crescente na atualidade. O registro da literatura surda começou a ser possível principalmente a partir do reconhecimento da língua de sinais e do desenvolvimento tecnológico, que possibilitaram formas visuais de registro dos sinais como os vídeos ou as plataformas on-line deste tipo de material, a exemplo do Youtube, entre outros.

Segundo Mourão,

Há livros de literatura clássica traduzidos da língua portuguesa para a língua de sinais (disponíveis em DVD), por exemplo, textos produzidos e distribuídos pela Editora Arara Azul. Em relação a livros de literatura surda, podemos citar Cinderela Surda, Rapunzel Surda, Patinho

Surdo e Adão e Eva, que são adaptações dos

clássicos da literatura. (MOURÃO, 2011, p. 53).

8

A história dos surdos registra acontecimentos históricos enquanto grupo que possui uma língua específica, uma identidade e uma cultura. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_dos_surdos>. Acesso em: abr. 2015.

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