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Dados abertos como indutores da transparência em municípios brasileiros: um estudo a partir de municípios gaúchos

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Academic year: 2021

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DOUTORADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES E DO DESENVOLVIMENTO

LINHA DE PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO SOCIAL

RENEO PEDRO PREDIGER

DADOS ABERTOS COMO INDUTORES DA TRANSPARÊNCIA EM MUNICÍPIOS BRASILEIROS: UM ESTUDO A PARTIR DE MUNICÍPIOS GAÚCHOS

IJUÍ

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RENEO PEDRO PREDIGER

DADOS ABERTOS COMO INDUTORES DA TRANSPARÊNCIA EM MUNICÍPIOS BRASILEIROS: UM ESTUDO A PARTIR DE MUNICÍPIOS GAÚCHOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, na linha de pesquisa Políticas Públicas e Gestão Social, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Regional.

Orientador: Professor Dr. Sérgio Luís Allebrandt

IJUÍ – RS 2020

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Catalogação na Publicação

Ginamara de Oliveira Lima CRB 10/1204 P923d

Prediger, Reneo Pedro.

Dados abertos como indutores da transparência em municípios brasileiros: um estudo a partir de municípios gaúchos / Reneo Pedro Prediger. – Ijuí, 2020.

272 f. ; il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento Regional.

“Orientador: Prof. Dr. Sérgio Luís Allebrandt ”.

1. Transparência Pública. 2. Participação cidadã. 3. Colaboração cidadã. 4. Governo aberto. 5. Dados abertos. I. Allebrandt, Sérgio Luís. II. Título.

CDU: 321.7

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Para minha mãe, Citônia Para Juçara (in memoriam) Para meus filhos Pedro, Priscila e Paula

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AGRADECIMENTOS

À Isa pelo permanente incentivo, ajuda, compreensão, paciência e carinho demonstrados desde antes da realização deste trabalho.

Aos meus filhos Pedro, Priscila e Paula pelo apoio e torcida para a conclusão desta tese.

Ao professor Sérgio Luís Allebrandt, amigo, colega e orientador deste e de muitos outros trabalhos, pelo incentivo, pelos conselhos e ensinamentos e pela confiança na capacidade e no trabalho de seus orientandos.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e à Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijui) pela concessão de bolsas que permitiram um caminhar mais tranquilo durante toda a realização do curso de doutorado.

À Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) pela concessão de afastamento das atividades, o que propiciou a disponibilidade de tempo, fundamental para uma tarefa como esta.

Às amigas e colegas Denize, Iara e Tatiane pela amizade e por continuarem “trabalhando”, mantendo a tradição da sala.

A todos os professores, técnicos-administrativos e servidores terceirizados da UFFS, campus Cerro Largo, em especial os amigos Edemar, Ivann, Bruno, Lauren, Márcio, Sandro e Sheila por toda a ajuda prestada e pelo estabelecimento das condições necessárias ao trabalho de todos.

A todos os professores da UNIJUI, em especial os que atuam no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR), pelas aulas ministradas e pelos ensinamentos que contribuíram, certamente, para o meu desenvolvimento.

Ao professor Airton Müeller pelos debates e conversas quase diárias e que resultaram em muitas ideias e trabalhos realizados em conjunto.

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A todos os técnicos-administrativos da UNIJUI, em especial a Kátia, Elisa e Jaciele que exercem suas atividades no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR), que representam a segurança e eficiência necessárias ao trabalho de todos nós.

Aos colegas da turma 2016 do Doutorado em Desenvolvimento Regional, pelos momentos de convívio e pelas aulas e trabalhos em conjunto.

Às amigas Roseli e Taciana, colegas de sala, pela elaboração conjunta de trabalhos, projetos e eventos, além das viagens e compartilhamento de experiências.

Aos entrevistados que cederam seus conhecimentos e experiências, além de seus tempos em agendas geralmente complicadas.

Ao amigo Evandro Blume pelo apoio técnico em vários momentos deste percurso.

Aos amigos Luiz Weber, Paulo Poma e Jesildo Moura de Lima pelo inestimável auxílio no agendamento de entrevistas.

A todos que de alguma forma contribuíram para que este trabalho fosse concretizado.

Foi um privilégio realizar este curso e desenvolver este trabalho. Não seria possível sem o apoio de cada um e de todos, também daqueles não citados nestes agradecimentos.

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RESUMO

Esta tese trata dos Dados Governamentais Abertos em nível municipal, tema associado à transparência pública, a participação e a colaboração dos cidadãos. O movimento de dados abertos, surgido em 2007, tem obtido adeptos principalmente a nível de governo nacional. Existem poucas evidências mostrando a associação de municípios, principalmente no Brasil, a esta atividade. O trabalho objetiva identificar e analisar os fatores políticos, burocráticos e tecnológicos que dificultam ou impedem a disponibilização de dados abertos municipais. A investigação emprega metodologia qualitativa de análise permeada com instrumentos quantitativos que contribuem para a caracterização estrutural, e espacial, dos municípios gaúchos, principalmente. Os municípios do Estado do Rio Grande do Sul constituíram o locus deste estudo. O trabalho contextualiza, em um primeiro momento, os regimes democráticos no mundo moderno e os modelos pelos quais podem ser observados. Apresenta, também, a transparência pública e participação cidadã como atributos fundamentais dos regimes democráticos. Ainda neste tema a transparência é também abordada enquanto política pública e a legislação Brasileira que a regulamenta. Os Dados Governamentais Abertos são particularmente importantes nos Governos Abertos, filosofia de governos baseada na transparência pública, participação e colaboração dos cidadãos. Os dados abertos podem contribuir para uma abordagem diferente sobre os dados públicos podendo resultar em visões que acrescentam qualidade e efetividade aos processos de transparência. A construção destas visões pressupõe tanto a participação quanto a colaboração da sociedade visto que são os próprios cidadãos quem as elaboram. O trabalho, na sequência, exibe o panorama, internacional e brasileiro, em relação ao oferecimento e uso de Dados Governamentais Abertos. São facilmente percebidas as atuações dos governos nacionais e regionais, além de algumas cidades de maior porte. No Brasil os exemplos são menos numerosos. O elo mais frágil tem sido a participação e colaboração da sociedade, principalmente na produção de aplicativos. Foram observados, por um lado, o tratamento dispensado pelos 497 municípios à transparência pública, por meio de seus portais da transparência, e a percepção de atores sociais em relação ao tema da transparência pública, participação e colaboração dos cidadãos, governos e dados abertos. As dificuldades dos municípios estão localizadas nas limitações de suas estruturas governamentais e na ausência de qualquer organização da área responsável pelo tratamento da informação. Os motivos principais, entretanto, estão relacionados à ausência de legislação específica e ao desconhecimento do assunto.

Palavras-chaves: Transparência Pública; Participação cidadã; colaboração cidadã; Governo aberto; Dados abertos.

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ABSTRACT

This thesis is about municipal level Open Government Data, subject associated with public transparency, citizen participation and collaboration. The open data movement, appeared in 2007, has gained adherents mainly at national government level. There is little evidence showing the municipality's association, mainly in Brazil, with this activity. The work aims to identify and analyze the political, bureaucratic and technological factors that hinder or prevent the availability of municipal open data. The investigation uses quantitative analysis methodology permeated with quantitative instruments that contribute to the structural and spatial characterization of the municipalities of Rio Grande do Sul, mainly. The municipalities of the State of Rio Grande do Sul constituted the locus of this study. The work contextualizes, initially, the democratic regimes in the modern world and the models by which they can be observed. It also presents public transparency and citizen participation as fundamental attributes of democratic regimes. Still on this topic, transparency is also addressed as a public policy and the Brazilian legislation that regulates it. Open Government Data is particularly important in Open Governments, government philosophy based on public transparency, citizen participation and collaboration. Open data can contribute to a different approach on public data and can result in visions that increases quality and effectiveness to transparency processes. These visions’ construction presupposes both the participation and collaboration of society since is the citizen themselves who elaborate them. The work, following that, shows the overview, international and Brazilian, about Open Government Data offer and use. It is easy to notice the actions of national and regional governments, as well as some larger cities. In Brazil, the examples are less numerous. The weakest link has been society participation and collaboration, mainly in applications production. It was observed, on the one hand, that the 497 municipalities’ treatment of public transparency, through their transparency portals, and the social actors' perception in relation to the issue of public transparency, citizen participation and collaboration, governments and open data. The difficulties of the municipalities are in their governmental structure limitations and in the absence of any organization in the field responsible for information processing. The main reasons, however, are related to the absence of specific legislation and the lack of knowledge on the subject.

Key-words: Public Transparency; citizen participation; citizen collaboration; open Government; open Data.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Hermenêutica de Profundidade (HP) – Etapas a serem cumpridas... 26

Figura 2 Evolução da democracia - 1800 a 2018 ... 35

Figura 3 População mundial e regimes de governo - 1816 a 2015... 37

Figura 4 Variedades de transparência: eventos e processos ... 59

Figura 5 Países com legislação de direito à informação - 2019 ... 65

Figura 6 Dados Governamentais Abertos - Elementos ... 78

Figura 7 Dados abertos, democracia e as interações entre cidadãos e governo ... 85

Figura 8 Dados Governamentais Abertos - Atores e relacionamentos ... 86

Figura 9 Elementos de um Governo Aberto ... 93

Figura 10 Exemplo de um relatório ... 106

Figura 11 Exemplo de arquivo XML ... 107

Figura 12 Exemplo de arquivo em formato CSV ... 107

Figura 13 Exemplo de arquivo JSON ... 108

Figura 14 Países e situação do oferecimento de Dados Governamentais Abertos - 2016 ... 114

Figura 15 Países e evolução positiva no oferecimento de dados abertos – 2013 a 2018 ... 115

Figura 16 Países e evolução negativa no oferecimento de dados abertos – 2013 a 2018 ... 116

Figura 17 Aplicações e áreas de atuação – Dados abertos do Governo Britânico - 2019 ... 128

Figura 18 Barreiras no oferecimento de Dados Governamentais Abertos ... 133

Figura 19 Número de municípios gaúchos por períodos de criação... 136

Figura 20 Regiões Geográficas Intermediárias - Estado do Rio Grande do Sul ... 138

Figura 21 Conselhos Regionais de Desenvolvimentos - Rio Grande do Sul ... 139

Figura 22 Habitantes por municípios - Estado do Rio Grande do Sul - 2019 ... 141

Figura 23 Área territorial municipal nas Regiões Geográficas Intermediárias - 2018 ... 143

Figura 24 Municípios gaúchos com dados abertos - 2019 ... 155

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Ondas de democratização e ondas reversas de democratização - 1828 a 1990 ... 33

Quadro 2 Países e população em regimes democráticos e não democráticos ... 38

Quadro 3 Modelos de democracia ... 40

Quadro 4 A transparência e suas características segundo diversos autores ... 76

Quadro 5 Acesso à informação na legislação Brasileira ... 77

Quadro 6 Príncipios e recomendações para Dados Governamentais Abertos... 112

Quadro 7 Falhas no desenvolvimento de aplicativos cívicos ... 134

Quadro 8 Os municípios gaúchos e as TICs ... 157

Quadro 9 Roteiros de entrevistas em profundidade... 165

Quadro 10 Categorias de análise ... 166

Quadro 11 Categorias e critérios de análise ... 169

Quadro 12 As percepções sobre transparência pública, participação e colaboração dos cidadãos ... 213

Quadro 13 As percepções sobre governos e dados abertos ... 214

Quadro 14 Barreiras e dificuldades nos municípios gaúchos para a adoção de dados abertos ... 215

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Democracias em países do mundo - 2002 e 2018 ... 34

Tabela 2 Portais de dados abertos. Estados, capitais e Distrito Federal. 2020 ... 124

Tabela 3 Cidades e pontuação – ODI - 2018 ... 125

Tabela 4 Aplicativos disponíveis nos portais de dados abertos Brasileiros - 2019 ... 130

Tabela 5 Regiões de influência das cidades - 2007 - Cidades por nível e subnível no Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul ... 137

Tabela 6 Municipios por Coredes e Regiões Geográficas Intermediárias... 140

Tabela 7 Municípios por faixa populacional e Região Geográfica Intermediária - 2019 ... 142

Tabela 8 Serviços oferecidos pela internet – Prefeituras gaúchas - 2019 ... 147

Tabela 9 Desenvolvimento dos portais municipais - 2019 ... 147

Tabela 10 Ferramentas empregadas para transparência nos municípios - 2019... 149

Tabela 11 Origem dos Portais da Transparência nos municípios gaúchos - 2019 ... 150

Tabela 12 Ferramentas oferecidas para participação – Prefeituras gaúchas - 2019 ... 152

Tabela 13 Conhecimento sobre dados abertos - 2019 ... 153

Tabela 14 Entrevistados por cidade – 2018 e 2019 ... 162

Tabela 15 Entrevistados por atividade - 2018 e 2019 ... 163

Tabela 16 Categorias de entrevistados ... 163

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ABREVIATURAS E SIGLAS

API - Application Programming Interface

CAQDAS - Computer-aided qualitative data analysis software CGU - Controladoria Geral da União

Coredes - Conselhos Regionais de Desenvolvimento CPD - Centro de Processamento de Dados

CSP - Center for Systemic Peace CSV - Comma Separated Values DA - Dados Abertos

DAPP - Diretoria de Análise de Políticas Públicas DGA - Dados Governamentais Abertos

FGV - Fundação Getúlio Vargas GA - Governos Abertos

HP - Hermenêutica de Profundidade HTML - HyperText Markup Language

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDC - International Data Company

INDA - Infraestrutura Nacional de Dados Abertos JSON - JavaScript Object Notation

LAI - Lei de Acesso à Informação

MPOG - Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão

OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OD4D - Open Data para o Desenvolvimento de rede

ODH - Open Data Handbook ODI - Open Data Index ODIN - Open Data Inventory

OEA - Organização dos Estados Americanos ONU - Organização das Nações Unidas PPP - Projetos Políticos Pedagógicos

SGML - Standard Generalized Markup Language SPSS - Statistical Package for the Social Sciences TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TI - Tecnologia de Informação

(14)

TICs - Tecnologias de Informação e Comunicação URL - Uniform Resource Locator

V-Dem - Variedades de Democracia XML - eXtensible Markup Language

(15)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 17

2 DEMOCRACIA, TRANSPARÊNCIA E ACESSO À INFORMAÇÃO ... 32

2.1 A DEMOCRACIA E SUAS FORMAS ... 39

2.1.1 A democracia direta ... 40

2.1.2 A democracia representativa ... 42

2.1.3 As democracias participativa e deliberativa ... 47

2.2 A TRANSPARÊNCIA COMO UM ATRIBUTO FUNDAMENTAL DA DEMOCRACIA ... 53

2.2.1 A transparência e suas manifestações ... 58

2.2.2 A transparência como política pública ... 62

2.2.3 O acesso à informação e a legislação brasileira ... 68

2.3 DEMOCRACIA E TRANSPARÊNCIA EM SÍNTESE ... 74

3 DADOS ABERTOS, DEMOCRACIA E GOVERNOS ABERTOS ... 78

3.1 DADOS ABERTOS E DEMOCRACIA ... 84

3.2 DADOS ABERTOS E GOVERNOS ABERTOS ... 89

3.3 CARACTERÍSTICAS E PRINCÍPIOS DOS DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS ... 96

3.4 A CARTA INTERNACIONAL DE DADOS ABERTOS ... 100

3.5 A PUBLICAÇÃO DE DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS ... 102

3.6 UTILIZAÇÃO DE DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS ... 108

3.7 DEMOCRACIA E DADOS ABERTOS EM SÍNTESE ... 111

4 TRANSPARÊNCIA E DADOS ABERTOS NA ESFERA LOCAL ... 113

4.1 DADOS MUNICIPAIS ABERTOS NO CONTEXTO INTERNACIONAL ... 117

4.2 TRANSPARÊNCIA E DADOS ABERTOS NO BRASIL ... 121

4.2.1 Dados municipais abertos no contexto nacional ... 123

4.3 A UTILIZAÇÃO E OS IMPACTOS DOS DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS ... 126

4.4 BARREIRAS E DIFICULDADES PARA OS DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS ... 132

5 TRANSPARÊNCIA E DADOS ABERTOS NOS MUNICÍPIOS GAÚCHOS ... 136

5.1 OS MUNICÍPIOS GAÚCHOS E SUAS REGIÕES GEOGRÁFICAS ... 137

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5.3 OS MUNICÍPIOS E SEUS PORTAIS NA INTERNET... 143

5.3.1 A estrutura de TI e os Sistemas de Informação ... 145

5.3.2 O portal municipal na internet ... 146

5.3.3 A transparência pública e o portal da transparência ... 148

5.3.4 A participação cidadã ... 151

5.3.5 Os dados abertos ... 153

5.4 OS MUNICÍPIOS GAÚCHOS EM SÍNTESE ... 156

6 TRANSPARÊNCIA, PARTICIPAÇÃO E DADOS ABERTOS: ANÁLISE A PARTIR DA PERCEPÇÃO DE AGENTES PÚBLICOS, TÉCNICOS E ATORES SOCIAIS ... 158

6.1 OS SUJEITOS, A COLETA E A ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA ... 158

6.1.1 O Universo e os locus da Pesquisa ... 158

6.1.2 As entrevistas em profundidade ... 162

6.1.3 As categorias de análise ... 165

6.2 A TRANSPARÊNCIA MUNICIPAL E SEUS CONTEXTOS ... 169

6.3 A PERCEPÇÃO DOS ENTREVISTADOS À LUZ DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE ... 172

6.3.1 A transparência pública ... 172

6.3.2 A participação dos cidadãos ... 180

6.3.3 A colaboração dos cidadãos ... 190

6.3.4 Governo aberto ... 194

6.3.5 Dados abertos ... 196

6.4 BARREIRAS E DIFICULDADES NOS MUNICÍPIOS GAÚCHOS ... 200

6.4.1 Os municípios e a Tecnologia de Informação ... 201

6.4.2 A visão das empresas ... 206

6.4.3 A legislação ... 207

6.4.4 Os usuários de dados abertos ... 209

6.5 RAZÕES PARA O NÃO OFERECIMENTO DE DADOS ABERTOS ... 212

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 218

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 229

APÊNDICE A – ESTRUTURA DE TI, SOFTWARES E DADOS ABERTOS NOS MUNICÍPIOS ... 244

APÊNDICE B – DADOS ABERTOS NOS CURSOS SUPERIORES EM COMPUTAÇÃO ... 256

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APÊNDICE C – ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - PREFEITOS MUNICIPAIS ... 261 APÊNDICE D - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA –

VEREADORES ... 263 APÊNDICE E - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA -

SERVIDORES PÚBLICOS ... 265 APÊNDICE F - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA -

PROMOTORES PÚBLICOS ... 267 APÊNDICE G - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - CONSELHOS MUNICIPAIS E REGIONAIS ... 269 APÊNDICE H - ROTEIRO SEMIESTRUTURADO DE ENTREVISTA - EMPRESAS DE SOFTWARE ... 271

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1 INTRODUÇÃO

Esta tese tem como objeto de estudo os Dados Governamentais Abertos em nível municipal, tema associado à transparência pública, a participação e a colaboração dos cidadãos. É objetivo deste trabalho identificar e analisar os fatores políticos, burocráticos e tecnológicos que dificultam ou impedem a disponibilização de dados abertos em municípios do Estado do Rio Grande do Sul.

O ser humano sempre registrou informações. Desde as pinturas rupestres, aos alfabetos atuais, o homem procurou registrar os fatos significativos de sua existência. Se nos tempos pré-históricos o suporte era as paredes das cavernas, hoje empregam-se toda a sorte de equipamentos eletrônicos para tais registros. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), que compreendem os recursos tecnológicos para captura, armazenamento, processamento e disseminação de informações, são viabilizadoras da etapa mais mensurável da história, tanto pelo volume de informações disponíveis quanto pelo crescimento acelerado e rapidez com que é possível obter e compartilhar estas informações (LÓPEZ; SAGOL, 2012).

Algumas estimativas apontavam, em 2012, para a geração diária de 2,5 exabytes1 de dados

(BARNES, 2013; MCAFEE; BRYNJOLFSSON, 2012). Outro relatório, disponibilizado pela empresa de consultoria Racounter (2019), estima que, em 2025, 463 exabytes de dados serão gerados diariamente no mundo. Um terceiro documento, produzido pela International Data Company (IDC), citado por Marr (2019), aponta que o volume de dados criados, capturados ou replicados atingiu a 18 zettabytes2. É importante ressaltar, ainda, que 90% deste total foi

registrado apenas nos dois últimos anos. Esta quantidade de dados é tão significativa que uma nova área de estudos, denominada de big data, foi criada com o objetivo de explorar todo o potencial nas mais diversas áreas da atividade humana. A sociedade, assim, cada vez mais produz, consome e é regida por dados. A vida dos indivíduos, e das organizações, é permeada por dados (GARCIA, 2014).

Nas instituições públicas, sejam da administração direta ou indireta, independente do poder (Executivo, Legislativo ou Judiciário) e da instância (Federal, Estadual ou Municipal) que

1 1 Exabyte (EB) corresponde a 1018 bytes. 2 1 Zettabyte (ZB) corresponde a 1021 bytes.

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representam, o panorama é bastante semelhante. As Administrações Públicas são produtoras e depositárias de uma massa significativa de dados que se relacionam com a vida cotidiana da comunidade, do estado ou da nação (ROSA, 2012). Estes dados, relativos às ocorrências pessoais, trabalhistas, financeiras, estatísticas, ambientais, climáticas, de transportes, geográficas, culturais, científicas, dentre outras, são geralmente armazenados em bancos de dados, editores de textos, planilhas eletrônicas, imagens, áudios, vídeos e mapas, quando não em papel.

O desenvolvimento das TICs, já incluídas aqui as imensas possibilidades de comunicação decorrentes da internet, trouxeram alguns conceitos novos aplicados à administração pública. A ideia de governo eletrônico, muitas vezes apresentado como e-government ou governo digital, tem inspirado políticos, pesquisadores e administradores públicos a empregarem estes termos como sinônimos de transparência e salto de qualidade no ato de governar (ANJOS; EZEQUIEL, 2011; MARTINUZZO, 2007). Por outro lado, verifica-se uma simples transposição de formas. Os mesmos serviços obtidos presencialmente são agora prestados por meio das TICs, evidentemente que com maior disponibilidade e acessibilidade (GARCIA, 2014). A espetacularização, muitas vezes proporcionada pelo emprego do neologismo e-government, pode ser assim ilustrada:

Seguindo os passos da iniciativa privada, que investiu fortemente em tecnologia da informação, também os governos de todo o mundo têm concentrado esforços no desenvolvimento de políticas e definições de padrões de comunicação, bem como no uso das novas tecnologias para facilitar o relacionamento com seus diferentes públicos. No Brasil não foi diferente. Especialistas em gestão pública elegeram o “Governo Virtual” como um instrumento de superação do subdesenvolvimento, de redução de custos, de transparência, de oferta de informações e melhores serviços à sociedade. Como uma nova forma de os governos se apresentarem, a virtual, o Governo Eletrônico (e-Gov) passou a ser indicativo de prestação de serviços públicos por meio da Internet. (ANJOS; EZEQUIEL, 2011, p. 60)

As promessas de maior eficiência e eficácia não se concretizaram. Martinuzzo (2007, p. 301) coloca que “Na realidade, na maioria dos casos até agora, e na melhor das hipóteses, o que aconteceu e continua acontecendo é somente uma potencialização e melhoria no fornecimento e no aproveitamento dos serviços de interesse público”. De uma forma geral sobressai a impressão de que o serviço público fornece produtos a serem adquiridos pelo cidadão numa relação cliente-fornecedor nas transações governamentais (ANJOS; EZEQUIEL, 2011). Um incremento de qualidade dos serviços prestados pelos entes públicos e, principalmente, um alargamento da transparência governamental, com uma maior e mais completa disseminação

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de informações, não estão tirando o esperado proveito dos recursos das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).

A Constituição Brasileira de 1988 e as leis da responsabilidade fiscal, da transparência e do acesso à informação, aparentemente, pouco modificaram este panorama. Estes instrumentos legais claramente impulsionam e incentivam o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação, de forma mais específica a internet, como mecanismo para promoção da transparência na administração pública e no acesso à informação por qualquer cidadão (BRASIL, 1988, 2000, 2009, 2011a). Contudo, sob o ponto de vista da participação popular, do controle e da gestão social, do emprego efetivo das possibilidades de comunicação entre o poder público e os cidadãos muito pouco tem acontecido. Poucos entes da federação, sejam eles municipais, estaduais ou o próprio governo federal, tem ido além do cumprimento do dever, ao obedecer estritamente a legislação (ABDALA; TORRES, 2016; PINHO, 2008).

A informação é fundamental para o exercício da transparência governamental. Os portais governamentais, tanto por iniciativa do próprio ente público quanto por efeito da legislação relativa à transparência, geralmente apresentam grande volume de informações de natureza contábil, fiscal e financeira. Entretanto, além de estarem publicadas em formatos que dificultam a reutilização, é o “governo quem decide o que e como será visto” (VAZ; RIBEIRO; MATHEUS, 2011, p. 45). São relatórios padronizados, com linguajar técnico, onde é necessário saber ler e interpretar adequadamente as informações apresentadas. Sabe-se também que, em qualquer comunidade, não são muitos os capazes para tal atividade. Como diz Gisele Craveiro, entrevistada por Issa (2013, p. 62), “em lugar de serem os portais da transparência, são os portais de opacidade”.

Atingir os objetivos da legislação estabelecida, desta forma, exige mais do que simplesmente tornar públicos um conjunto de relatórios e oferecer mecanismos para acessá-los. Não se pode imaginar que apenas aqueles com algum tipo de formação específica, nas áreas contábeis e administrativas, possam compreendê-los. Não se pode conceber, também, que apenas o poder público seja capaz de produzir informações sobre si mesmo. É fundamental, assim, que a linguagem e os formatos empregados na apresentação destas informações sejam adequadas e compreensíveis a qualquer cidadão. Não basta replicar o acesso ao mesmo instrumento tecnológico usado pelos servidores públicos, na execução de suas atividades técnicas, para o público em geral e afirmar que, desta forma, se está sendo transparente.

(21)

O simples acesso à informação, tal como apresentada, não é o suficiente para a transparência governamental (RIBEIRO; ALMEIDA, 2011). As administrações públicas mantém sob sua guarda uma grande massa de dados e informações não compartilhadas ou tratadas e disseminadas parcialmente, incorretamente ou, até mesmo, tendenciosas (GARCIA, 2014; ROSA, 2012). O tratamento destes dados, a produção de informações, pode ser diferente em diferentes instituições públicas. A necessidade dos cidadãos, organizados ou não, também podem não ser as mesmas. Assim o elemento em comum e que pode atender a diferentes capacidades e expectativas são os dados brutos produzidos, mantidos e armazenados pelo poder público. A transparência poderia ser abordada, deste modo, por meio da disponibilização destes dados configurando os chamados Dados Governamentais Abertos (VAZ; RIBEIRO; MATHEUS, 2011).

O impulso ao movimento de dados abertos é recente. De acordo com a Open Knowledge International (2017a) “Dados abertos são dados que podem ser livremente usados, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa - sujeitos, no máximo, à exigência de atribuição da fonte e compartilhamento pelas mesmas regras”. A Open Knowledge International (2017a) detalha esta definição ao apresentar que os dados devem estar disponíveis de forma integral, com fácil acesso, para qualquer finalidade, preferencialmente possíveis de serem baixados pela internet e passíveis de modificação ou combinação com outros conjuntos de dados. A ideia de reutilização e redistribuição não deve sofrer qualquer tipo de discriminação contra pessoas, grupos ou organizações. “É parte integrante do conceito que, à sociedade, seja garantido acesso aos dados primários, de forma que o interessado possa combiná-los, cruzá-los e, enfim, produzir novas informações e aplicações, colaborando com o governo na geração de conhecimento social a partir das bases governamentais” (AGUNE; FILHO; BOLLIGER, 2009, p. 8)

O movimento para abertura de dados é voltado, principalmente, à atuação governamental. Está, normalmente, associado ao conceito de Governo Aberto e, enquanto este último evidencia a busca pela transparência, os dados abertos podem se constituir em um caminho para a concretização desta transparência (SILVA et al., 2014). Gorman (2009, p. 9, tradução nossa) coloca que “os governos podem disponibilizar informações por meio de relatórios, mapas e gráficos, mas também podem disponibilizá-las como dados”.

A informação é um bem público. De acordo com Gorman (2009, p. 9, tradução nossa) “Na economia, o conceito de bem público descreve uma situação na qual o consumo de um bem ou

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serviço por um indivíduo não reduz a disponibilidade do bem ou serviço para outro”. À inteligência das administrações públicas junta-se a inteligência coletiva para produzir conhecimento, filtrá-lo, melhorá-lo e atualizá-lo (LÓPEZ; SAGOL, 2012). Silva (2010, p. 123) reforça dizendo que “O conceito de dados governamentais abertos, portanto, se relaciona com o entendimento de que a maneira como os governos disponibilizam suas informações deve permitir que a inteligência coletiva crie melhores formas de trabalhá-las do que os próprios governos poderiam fazer”.

A política de dados abertos no Brasil pode ser observada a partir do ano de 2011 quando, juntamente com outros 7 países, tornou-se membro fundador da Open Government Partnership (OGP). No mesmo ano foi aprovada a Lei de Acesso à Informação (LAI) (Lei nº 12.527/2011). Além destas ações também podem ser citadas a instituição da Infraestrutura Nacional de Dados Abertos (INDA)3, a criação do Portal de Dados Abertos do governo federal4 e a definição de padrões oficiais de interoperabilidade, definindo, dentre outros, a forma de intercâmbio de dados entre sistemas (FGV, 2015). É bastante visível o fato de que o Poder Executivo Federal está em um nível mais avançado em relação aos Estados e Municípios pois, em relação a estes últimos, somente podem ser verificadas poucas e pontuais iniciativas (ISSA, 2013).

Uma pesquisa realizada pelo Projeto Democracia Digital (FGV, 2015), da FGV, envolveu o exame dos portais do governo federal, dos estados, das prefeituras das capitais brasileiras e dos 34 municípios acima de 400 mil habitantes, totalizando 88 governos. A intenção foi investigar a disponibilização de dados abertos, seja por meio de um portal específico, do portal da transparência ou do portal do próprio ente público. O resultado apontou que aproximadamente 70% dos Estados possui dados abertos em algum dos três portais pesquisados. Nas capitais este percentual é de 55,5% e nos municípios de grande porte é de 44,1%. A pesquisa apresenta ainda resultados bem menos animadores se forem considerados apenas os dados abertos localizados em portais específicos.

3 Compreende a política nacional para dados abertos estabelecida em abril de 2012. Pode ser acessada em

https://www.governoeletronico.gov.br/eixos-de-atuacao/cidadao/dados-abertos/inda-infraestrutura-nacional-de-dados-abertos

4 Portal onde são apresentados os dados abertos de ministérios, secretarias e outros entes públicos. Pode ser

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Existem poucas evidências de que os demais municípios brasileiros, aqueles com população inferior a 400 mil habitantes, disponibilizem dados abertos. Alguns trabalhos ilustram a atividade em um ou outro município, geralmente as mesmas capitais estaduais ou aqueles de grande porte. De qualquer forma o que se observa, naqueles que apresentam, são conjuntos de dados pouco numerosos e com atualização irregular. Estes municípios “estão seguindo uma tendência mundial (de disponibilização de bases de dados on-line) sem ter claramente definido o objetivo e a motivação institucional deste movimento” (REIS; ARAÚJO; SAMPAIO, 2015, p. 21).

Estes dois últimos elementos, tanto a pesquisa realizada pelo Projeto Democracia Digital quanto a evidência de que pouquíssimos municípios disponibilizam dados de forma aberta, provocam a seguinte questão: por que os municípios, principalmente por parte dos poderes executivos, não disponibilizam, ou o fazem de forma muito tímida, suas informações segundo a iniciativa de dados abertos? Concha e Naser (2012, p. 10, tradução nossa) apontam para alguns fatores que direcionam pesquisas nesta área:

Parece fácil colocá-lo em prática, mas engloba uma série de complexidades, tanto técnicas quanto de gestão, bem como uma mudança nas regulamentações vigentes e, sobretudo, envolve a necessidade de uma vontade política para realizá-la. Sabemos que, em suma, este último geralmente é o gargalo mais difícil de resolver.

Esta pesquisa nasceu, assim, deste questionamento e dos encaminhamentos. propostos. O estudo foi desenvolvido, para responder à seguinte pergunta: Quais são e em que medida os fatores políticos, burocráticos e tecnológicos interferem na disponibilização de dados municipais abertos.

O objetivo principal do trabalho, na tentativa de resposta ao questionamento, foi estabelecido como identificar e analisar os fatores políticos, burocráticos e tecnológicos que dificultam ou impedem a disponibilização de dados abertos municipais. Esta intenção foi detalhada por um conjunto de objetivos secundários os quais, cumulativamente, pretenderam dar conta do questionamento formulado: a) caracterizar os dados abertos governamentais no contexto municipal, identificando possibilidades de sua aplicação na promoção da transparência pública, da participação, do controle social e da cidadania; b) mapear e analisar o marco legal existente; c) verificar se, e como, os municípios disponibilizam dados abertos; d) verificar e analisar a percepção dos diversos atores (públicos, privados e da sociedade civil) em relação à transparência pública, participação, colaboração e à disponibilização de dados abertos

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municipais; e e) identificar as dificuldades apresentadas pelos municípios e que contribuem para o atual estado da transparência pública e para o não oferecimento de Dados Governamentais Abertos.

A abertura de dados governamentais ganhou impulso a partir de encontro realizado em Sebastopol, Califórnia, em dezembro de 2007, quando foram definidos os princípios que regem o movimento (CHIGNARD, 2013). Apesar de constituir-se em um conceito recente há um número considerável de Estados5 que disponibilizam, de alguma forma, seus dados abertamente na internet. O movimento na escala municipal, por outro lado, é incipiente. Este estudo, ao analisar os governos municipais e seus dados, parte da necessidade de que o modelo de dados abertos seja universal. Apenas no Brasil são 5570 municípios e uma infinidade de dados e informações escondidos em alguma gaveta ou arquivo de dados do serviço público (CONCHA; NASER, 2012).

Os estudos que abordam o tema, já realizados por diversos pesquisadores, apresentam, via de regra, duas características semelhantes. Em alguns casos analisam a atuação dos governos a nível federal, estadual ou de municípios de grande porte e, em outros, abordam o assunto por meio de critérios técnicos, puramente conceituais, não considerando um conjunto restrito de atores e dimensões que produzem e podem se beneficiar ou contribuir para a produção de conhecimento a partir de dados públicos abertos. Este trabalho pretende seguir nesta última direção, procurando identificar e analisar, além dos elementos conceituais, os fatores políticos, burocráticos e tecnológicos que impõe barreiras ao oferecimento de dados abertos nos municípios brasileiros. Pretende, ainda, explorar os potenciais empregos dos dados municipais abertos tanto pelos próprios agentes públicos quantos pelos cidadãos, individualmente ou associados em algum tipo de instituição.

Para Alves-Mazzotti (1998) o debate atual nas Ciências Sociais apresenta três paradigmas: o construtivismo social, influenciado pelas correntes filosóficas da fenomenologia e do relativismo; o pós-positivismo, com preferência por modelos experimentais e quase-experimentais com teste de hipóteses, com vistas a formular teorias explicativas de relações causais; e a teoria crítica, que enfatiza o papel da ciência na transformação da sociedade e cuja

5 O índice global de dados abertos (GLOBAL OPEN DATA INDEX, 2016) apresenta relação com 94 países com

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abordagem é essencialmente relacional, já que procura investigar o que ocorre nos grupos e instituições relacionando as ações humanas com a cultura e as estruturas sociais e políticas, visando compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas (ALLEBRANDT, 2007). Este estudo inscreve-se neste último paradigma.

De acordo com Godoy (1995), ao contrário das pesquisas quantitativas que trabalham fundamentalmente com informações obtidas por medições ou contagens e que empregam ferramentas estatísticas, as pesquisas qualitativas envolvem "a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo". Segundo Goldenberg (2004) "os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos". Ainda, segundo Goldenberg (2004), o fato dos dados não serem passiveis de padronização obriga "o pesquisador a ter flexibilidade e criatividade no momento de coletá-los e analisá-los".

A Hermenêutica de Profundidade (HP), opção metodológica adotada neste trabalho, foi desenvolvida pelo britânico John B. Thompson (1995) e se constitui como importante referencial teórico-metodológico para o desenvolvimento de investigações sociais, pautadas em uma metodologia qualitativa e interpretativa, já que inclui formas de análise complementares entre si, partes de um processo interpretativo complexo. A proposta de Thompson contempla uma perspectiva metodológica menos descritiva e mais analítica, interpretativa, em que a racionalidade argumentativa tem um papel preponderante. A Hermenêutica de Profundidade parte do pressuposto que o “objeto de análise é uma construção simbólica significativa, que exige uma interpretação (THOMPSON, 1995, p. 355). Assim, a interpretação tem papel central para o entendimento do objeto a ser estudo pelo cientista social. Nessa orientação, a interpretação construída pelo pesquisador em relação aos fenômenos sociais a que se dedica – necessariamente relacionados à dimensão cultural e política – deve se dar em um contexto de argumentação de sua validade diante de todas as outras interpretações possíveis. A construção teórico-metodológica de Thompson possui interfaces com a hermenêutica de Paul Ricoeur e de Wilhem Dilthey, com a hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer e com a teoria crítica de Habermas, e a partir dessas ideias surge uma metodologia de interpretação de formas simbólicas, sejam escritas ou faladas, e a análise de como essas formas influenciam e de como são influenciadas pela sociedade.

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Nesse contexto, para entender-se a Hermenêutica de Profundidade que lança seu olhar principalmente sobre a maneira como as formas simbólicas são produzidas, transformadas e transmitidas na sociedade, um dos elementos prioritários a serem conhecidos são justamente as formas simbólicas: “fenômenos significativos que são tanto produzidos como recebidos por pessoas situadas em contextos específicos”, (THOMPSON, 1995, p. 23), ou ainda “amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como construtos significativos (THOMPSON, 1995), sendo que sob essa perspectiva, não somente textos, imagens e falas podem ser interpretadas, mas também opiniões, crenças, juízos, atitudes, ideologias e formas de dominação.

Diante disso, a Hermenêutica de Profundidade assume que a análise social já é uma interpretação por parte dos atores que vivem a realidade, ou seja, os fenômenos e os acontecimentos já estão carregados de uma pré-interpretação realizada pelos atores que os vivenciam. Assim, o cientista social, recorrerá a uma reinterpretação para entender e explicar a realidade, o que exige dele uma ampla imersão nas condições metodológicas necessárias para interpretar o que já está interpretado.

Em regra, o primeiro passo metodológico do cientista social é chamado de Interpretação da Doxa, ou Hermenêutica da vida cotidiana, entendido como um olhar sobre a forma como os sujeitos entendem a sua realidade para então interpretar as crenças, opiniões e compreensões que são partilhadas e sustentadas pelos agentes sociais. Thompson chama essa etapa de momento etnográfico, um momento onde se valerá para entender os sujeitos, como percebem a sua realidade, quais são suas crenças, opiniões, senso comum, enfim, a compreensão que os atores têm da sua realidade. A Interpretação da Doxa é importante e indispensável e, segundo Thompson, não levar em conta a Doxa é desconsiderar a dimensão de que os fenômenos sociais já estão colocados e interpretados pelas pessoas nas dinâmicas de suas vidas muito antes da chegada do pesquisador (THOMPSON, 1995). Para entender a vida cotidiana, o cientista social pode desenvolver entrevistas, observações participantes, conversas narrativas formais e/ou informais e outros tipos de técnicas etnográficas que ajudem a entender como as formas simbólicas são interpretadas e compreendidas nos contextos cotidianos.

Após a Interpretação da Doxa – que deve ser entendido como um ponto de partida, e não como um fim - Thompson sugere outras três fases que, embora colocadas como etapas a serem cumpridas e que possuem uma ideia de ligação e complementaridade, não são necessariamente

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etapas cronológicas pré-definidas. A forma como as etapas deverão ser cumpridas pode ser definida conforme o contexto, os objetivos da análise e o espírito crítico do pesquisador, sendo que muitas vezes poderá haver a necessidade de se voltar e complementar uma análise que por algum momento tenha se dado como finalizada. Ir além é o que diferencia a Hermenêutica da Profundidade (THOMPSON, 1995). Na ilustração da Figura nº 1 é possível visualizar as relações entre as fases e possíveis técnicas a serem utilizadas para a compreensão da realidade em cada uma delas.

Figura 1 Hermenêutica de Profundidade (HP) – Etapas a serem cumpridas

Fonte: (PREDIGER; SCHERER; ALLEBRANDT, 2018)

A Hermenêutica de Profundidade representa um referencial dentro do qual diversos métodos, instrumentos e procedimentos de análise, interpretações e busca de entendimentos podem ser inter-relacionados. Buscar o contexto, a historicidade, a relação com o espaço, com o tempo, a cultura, as ideologias, entender as posições, percepções, os discursos, tornam-se possíveis por meio da utilização desse método (PREDIGER; SCHERER; ALLEBRANDT, 2018).

A Análise Sócio Histórica, para Prediger, Scherer e Allebrandt (2018, p. 5), parte

desse pressuposto - de que as formas simbólicas não ocorrem no vazio, mas num espaço social e histórico especifico, e que também estão em um contexto político

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específico – o objetivo da fase de análise sócio histórica é reconstruir as condições sociais e históricas de produção, alteração, interpretação, apreensão, inter-relação entre gerações, recepção e aceitação ou contestação dessas formas simbólicas. Objetiva-se, mais que conhecer e interpretar, entender os contextos relacionados com toda e qualquer forma simbólica relacionada com o objeto de análise.

Para Thompson (1995) esta fase compreende quatro níveis de análise:

− As situações espaço-temporais, que consideram o recorte de tempo e espaço em que as formas simbólicas prevalecem;

− Os campos de interação social que compreendem um espaço de posições e conjunto de trajetórias;

− As Instituições Sociais que refletem os conjuntos de regras, recursos e relações que se formam dentro dos campos de interação social; e

− Estrutura social: refere-se às desigualdades e assimetrias que se dão no conjunto de instituições sociais.

A etapa da análise formal ou discursiva pressupõe a possibilidade de emprego de diversas abordagens, métodos, técnicas e instrumentos para sua condução. O emprego destas abordagens considera que as formas simbólicas “são produtos contextualizados e algo mais, pois são produtos que em decorrência da sua estrutura tem capacidade e objetivo de dizer algo sobre alguma coisa a alguém” (PREDIGER; SCHERER; ALLEBRANDT, 2018, p. 6). São diversos métodos e técnicas à disposição do pesquisador para a realização desta etapa. Uma delas é a Análise de Conteúdo tal como apresentada por Bardin (2011). O método, para sua condução, considera um conjunto de fases que partem da organização da análise e que seguem com a codificação, a categorização e encerra com o tratamento dos resultados, inferência e a interpretação dos resultados. As entrevistas em profundidade, com os diversos sujeitos da pesquisa, foram objeto de análise segundo tal perspectiva.

A última fase, no referencial teórico proposto por Thompson (1995) é a Interpretação/Reinterpretação. O pesquisador, principalmente por síntese e reconstrução, propõe sentidos e alternativas possíveis, baseado nos elementos obtidos nas duas outras fases. Neste trabalho pretende-se apontar motivos, dificuldades, alternativas, modelos, planos ou

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estratégias que, por um lado dificultam ou inibem e, por outro, resultem em possibilidades concretas de oferecimentos de dados abertos nos municípios.

Diversos instrumentos foram utilizados para a realização da pesquisa. Um primeiro grupo, que inclui questionários on-line e observações in loco, foram submetidos à totalidade das administrações municipais do Estado do Rio Grande do Sul. Um segundo expediente compreendeu a realização de entrevistas em profundidade em 8 municípios. De um lado foram entrevistados integrantes dos governos municipais em diversas funções: prefeitos, vice-prefeitos, presidentes de câmaras de vereadores, vereadores, servidores comissionados e servidores públicos efetivos. Além destes membros dos governos foram também considerados representantes, principalmente os presidentes, dos Conselhos Municipais e dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento. Ainda, com a intenção de construir uma interpretação abrangente e adequada em relação ao tema, foram também entrevistados Promotores Públicos que atuam em casos de improbidade administrativas e gestores e analistas de sistemas que trabalham em empresas desenvolvedoras de software para a administração pública municipal.

Apesar do estudo ser caracterizado como qualitativo, algumas análises e caracterizações foram suportadas por dados quantitativos. Estes dados, alguns primários construídos em levantamento de informações e nos questionários semiestruturados e outros secundários, obtidos em diversas instituições, principalmente o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram objeto de manipulação estatística com o suporte de softwares adequados como o Statistical Package for the Social Sciences6 (SPSS), o Excel7 e o R8 em combinação com o R Studio9. Estes instrumentos estatísticos, fundamentalmente descritivos, foram empregados na caracterização do tema em análise e dos municípios abrangidos.

O trabalho exigiu, também, a elaboração de mapas de forma a caracterizar adequadamente os espaços e os recortes geográficos. A construção destes mapas, com toda a gama de detalhes

6 O Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) é um software para tratamento estatístico de dados

desenvolvido e disponibilizado pela DMSS, subsidiária da IBM. Mais informações podem ser obtidas em https://www.dmss.com.br/index.html

7 O Excel é uma planilha eletrônica produzida e disponibilizada pela Microsoft e que incluí funcionalidades para

tratamento estatístico de dados. Mais informações podem ser obtidas em https://www.microsoft.com

8 O R é um software livre que compreende uma linguagem e ambiente para computação estatística e gráficos. Mais

informações podem ser obtidas em https://cran.r-project.org/

9 O R Studio é um ambiente visual e constitui-se em uma interface simples para utilização do R. Mais informações

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necessários, foi realizada com o emprego de ferramentas computacionais específicas, principalmente o ArcGis10.

No que se refere ao processo de análise das entrevistas, a mesma não foi realizada de forma independente da condução da pesquisa, já que aspectos como o tipo de transcrição de entrevistas a ser realizado (se integral, parcial, utilizando códigos etc.) é parte integrante do processo de análise. Como se trata de uma abordagem essencialmente qualitativa, a natureza da análise é circular e iterativa. É comum voltar aos dados várias vezes. Ao mesmo tempo em que vão sendo ouvidas as gravações de entrevistas e/ou lidas transcrições, os questionários e os documentos, vão se anotando características e aspectos de interesse que se realçam. Em suma, e principalmente em função da metodologia adotada, os dados foram trabalhados durante um longo período, voltando a eles várias vezes, buscando padrões e os significados dos mesmos.

Para o processo de análise dos documentos coletados e das entrevistas realizadas foi utilizado o software NVivo11. Este software é normalmente empregado em análises textuais e permite a codificação de palavras ou segmentos do texto em categorias ou grupos além de produzir um conjunto bastante amplo de relatórios para auxílio ao pesquisador. Pode propiciar, desta forma, suporte adequado ao pesquisador nas diversas fases previstas na Hermenêutica de Profundidade e, de modo particular, na Análise Formal onde foi empregada a Análise de Conteúdo em suas três etapas: a organização da análise, a codificação e a categorização e o tratamento dos resultados, inferência e a interpretação dos resultados.

A tese está organizada, além desta introdução, em cinco capítulos, mais as considerações finais, as referências bibliográficas e os apêndices que acrescentam alguns formulários utilizados na pesquisa.

Os dois primeiros capítulos, após esta introdução, recuperam os fundamentos teóricos que norteiam este trabalho. No capítulo 2 são discutidas as formas elementares da democracia, ao

10 O ArcGis é um ambiente, desktop e online, voltado a elaboração de mapas e análises espaciais. Mais informações

podem ser obtidas em https://www.esri.com.

11 O NVivo é um software para análise de dados produzido pela QSR International e desenvolvido para auxílio em

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longo da história e também nos dias atuais. Este capítulo traz, ainda, a importância e as formas pelas quais um dos principais atributos da democracia, a transparência pública, se manifesta.

O terceiro capítulo apresenta os conceitos os aspectos históricos, os princípios e as características tanto dos denominados Governos Abertos quanto do movimento, iniciado em 2007, relacionado aos Dados Governamentais Abertos. O primeiro, embora se constitua apenas como uma filosofia de governo, traz como seus elementos fundamentais a transparência pública, a participação e a colaboração dos cidadãos. Os dados abertos pavimentam uma série de possibilidades para que estes elementos se concretizem.

O capítulo 4 apresenta um panorama da transparência pública, no Brasil, e do movimento de Dados Governamentais Abertos tanto a nível nacional quanto no contexto internacional. O capítulo mostra as experiências, as dificuldades e os impactos proporcionados pelo uso e pelas aplicações desenvolvidas para reutilização dos dados governamentais.

No quinto capítulo o foco concentra-se nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul. O propósito é, a partir de suas características geográficas e populacionais, exibir a forma como obtém os instrumentos que compões seus portais na internet bem como os recursos disponíveis para tanto. Estes portais compreendem todo o tratamento dispendido pela grande maioria dos municípios em relação à transparência pública e a participação dos cidadãos. Este capítulo mostra, ainda, as acanhadas iniciativas para a disponibilização de Dados Governamentais Abertos.

O último capítulo apresenta a percepção demonstrada por diversos atores sociais em relação ao tema específico da pesquisa e também vinculadas aos fundamentos conceituais que o sustentam. Estas percepções são interpretadas à luz de um conjunto de categorias e critérios de análises, as quais incluem a transparência pública, a participação e a colaboração dos cidadãos e os elementos relacionados aos Governos Abertos e Dados Governamentais Abertos. O capítulo incorpora, também, os diversos motivos, ou razões, para o não oferecimento de dados abertos pelos poderes executivos dos municípios gaúchos.

A última parte deste trabalho é constituída pelas considerações finais onde apresenta-se uma síntese final do trabalho, com a recuperação de alguns elementos fundamentais para a compreensão da democracia, transparência, participação e dados abertos e, de forma

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propositiva, são consideradas algumas alternativas para o futuro do movimento de dados abertos, principalmente no Brasil, em nível municipal.

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2 DEMOCRACIA, TRANSPARÊNCIA E ACESSO À INFORMAÇÃO

“Pode o mundo inteiro ser democrático?”. Esta questão norteou trabalho desenvolvido por Larry Diamond em artigo publicado no ano de 2003 (DIAMOND, 2003, p. 9). Para o autor a resposta poderia ser positiva e independeria do nível cultural, história e grau de pobreza da população. Diamond esboça uma resposta dizendo:

Se o mundo inteiro vai tornar-se democrático, então as democracias de hoje devem continuar a ser democráticas, e em muitos casos isso significa que devem ser governadas com mais precisão. Enfatizei a nova atitude de sobriedade e realismo da população, mesmo naquelas democracias que não estão funcionando bem. As pessoas conhecem as outras alternativas e não gostam delas. Eles ainda apoiam a democracia. [...] No entanto, a democracia em escala global nunca foi tão imaginável e alcançável. A história provou ser a melhor forma de governo. Culturalmente, é cada vez mais valorizada universalmente. (DIAMOND, 2003, p. 37–38) (Tradução nossa)

Entretanto, a partir da distribuição das democracias pelas diversas regiões do mundo e de fatores que contribuem para a democratização dos Estados ou para a resistência daqueles países não democráticos, o autor ressalva:

Mas continuarão a fazê-lo por uma década ou duas, se uma nova geração - sem experiência direta nos custos e falsas ilusões de um governo autoritário - encontrar-se sem educação, sem emprego, sem justiça e praticamente sem esperanças? A democracia só será mantida se continuar a ser o menos ruim dos sistemas. Se a deterioração for severa e for mantida por um longo período de tempo, alguma nova alternativa aparecerá [...] O triunfo total da democracia no mundo está, portanto, longe de ser inevitável. Uma onda reversa de rupturas democráticas não pode ser descartada. (DIAMOND, 2003, p. 37–38) (Tradução nossa)

Diamond faz referências ao comportamento passado dos regimes democráticos pelo mundo como forma de alerta para suas possibilidades no futuro. A democracia somente atingiu uma dimensão significativa durante o desenrolar do século XX e, mesmo assim, sem uma trajetória de desenvolvimento constante e crescente. Huntington ilustra estes fenômenos em sua obra clássica, “A terceira onda: a democratização no final do século XX”. Para o autor

uma onda de democratização é um grupo de transições de regimes não democráticos para democráticos, que ocorrem em um período de tempo específico e que significativamente são mais numerosas do que as transições na direção oposta durante tal período. Uma onda normalmente envolve também liberalização ou democratização parcial nos sistemas políticos que não se tornam completamente democráticos. (HUNTINGTON, 1994, p. 23).

O quadro nº 1 reflete estas idas e vindas, ou ondas, da distribuição da democracia até o ano de 1990. O que Huntington procura mostrar é, inicialmente, o fato de que estas ondas de

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democratização não significam movimentos repentinos e de curta duração, mas sim que constituem períodos da história em que os movimentos, em uma direção ou outra, ocorreram. Huntington também ressalva que a cada onda corresponde uma contra onda onde se verificaram reversões no processo democrático.

Quadro 1 Ondas de democratização e ondas reversas de democratização - 1828 a 1990

Movimento Período Mudanças (número de países)

Primeira onda democrática 1828 - 1926 +33

Primeira onda reversa 1922 - 1942 -22

Segunda onda democrática 1943 - 1962 +40

Segunda onda reversa 1958 - 1975 -22

Terceira onda democrática 1974 - +33

Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de (HUNTINGTON, 1994)

Huntington, sobre as ondas de democratização e, principalmente, sobre os processos de reversões coloca que “De certo modo, as ondas democráticas e as ondas reversas, sugerem um padrão do tipo dois passos à frente e um passo atrás. Até hoje, cada onda reversa eliminou algumas, mas nem todas as transições para a democracia da onda democrática anterior” (HUNTINGTON, 1994, p. 35). Neste sentido o próprio autor adverte, na época em que o livro foi lançado, para a possibilidade de uma terceira contra onda. Lührmann (2019) e Fukuyama (2015), agora olhando para o contexto atual, destacam movimentos em diversos países do mundo, chamando a atenção para uma possível terceira onda de reversão democrática.

Passadas quase duas décadas do estudo de Diamond, citado inicialmente, o mundo, obviamente, mudou. Diamond baseou suas análises em dados disponibilizados pela Freedom House12. Esta mesma organização disponibilizou para o ano de 2017 dados relativos a 195 países. A tabela nº 1 compara estas informações com o ano de 2002, último ano apresentado por Diamond em seu artigo. Estes dados parecem confirmar algumas das conclusões de Diamond visto que, embora sejam números bastante semelhantes, o número de países democráticos em 2017 diminuiu em relação ao ano de 2002.

12 A Freedom House, de acordo com o seu portal na internet, implementa programas que apoiam os defensores dos

direitos humanos e da democracia em seus esforços para promover o governo aberto, defender os direitos humanos, fortalecer a sociedade civil e facilitar o livre fluxo de informações e ideias. Fundada em 1941, com escritórios em diversos locais, publica informações relacionadas, principalmente, com a liberdade e a democracia. Pode ser acessada em http://freedomhouse.org.

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Tabela 1 Democracias em países do mundo - 2002 e 2018

Ano Número de países Democracias13 Percentual

2002 193 121 62,7%

2017 195 116 59,5%

Fonte: Elaborada pelo autor - Dados obtidos em (DIAMOND, 2003; FREEDOM HOUSE, 2019)

A evolução do número de países democráticos pode ser acompanhada por meio de dados produzidos por dois projetos dedicados ao estudo e mensuração de regimes democráticos. O primeiro é o projeto Polity IV mantido pelo Center for Systemic Peace (CSP)14. O conjunto de

dados do projeto Polity IV considera os principais Estados independentes, com população igual ou superior a 500.000 habitantes, durante o período de 1800 a 2018. O projeto monitora constantemente as características do regime em todos os principais países e “prevê um espectro de autoridade governante que se estende de autocracias totalmente institucionalizadas através de regimes de autoridade mistos, ou incoerentes, (denominados "anocracias") para democracias plenamente institucionalizadas.” (CSP, 2019)

O segundo projeto é denominado Variedades de Democracia (V-Dem) e é mantido pelo instituto de mesmo nome15. O projeto qualifica-se como “uma nova abordagem para conceituar e medir a democracia”. (V-DEM, 2019) Consta em seu portal que o conjunto de dados disponibilizados pelo projeto é

multidimensional e desagregado que reflete a complexidade do conceito de democracia como um sistema de regras que vai além da simples presença de eleições. O projeto V-DEM distingue entre cinco princípios de alto nível da democracia: eleitoral, liberal, participativo, deliberativa e igualitária, e recolhe dados para medir esses princípios. (V-DEM, 2019)

13 A Freedom House trabalha, em suas pesquisas, com o conceito de democracia eleitoral.

14 O CSP foi fundado em 1997 e monitora continuamente o comportamento político em cada um dos principais

Estados do mundo, ou seja, todos aqueles com populações atuais maiores que 500.000 pessoas (167 países em 2014) e disponibiliza informações sobre questões emergentes e condições persistentes relacionadas aos problemas de violência política e "fracasso do Estado". Pode ser acessado em hrrp://www.systemicpeace.org

15 O Instituto V-DEM é um Instituto de pesquisa independente e sede do projeto V-Dem e está baseado no

Departamento de Ciência Política da Universidade de Gotemburgo, Suécia. Pode ser acessado em https://www.v-dem.net

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Os cinco princípios citados são combinados para a construção de um índice que caracteriza o regime de um país em 4 níveis distintos: Autocracias fechadas, Autocracias eleitorais, Democracias eleitorais e Democracias liberais.

O gráfico da figura nº 2 foi elaborado a partir dos dados fornecidos por ambos os projetos, com alguns ajustes e transformações. No primeiro caso, com os dados do projeto Polity IV, o número de países anocráticos foi adicionado ao número de países autocráticos totalizando o que está referenciado como países não democráticos. Já para os dados do projeto V-Dem o número de autocracias fechadas e o número de autocracias eleitorais foram somados e formaram, no gráfico, o número de países não democráticos. Também o número de democracias eleitorais e o número de democracias liberais foram somados e resultaram no número de democracias.

Figura 2 Evolução da democracia - 1800 a 2018

Fonte: Elaborado pelo autor - Dados obtidos em Polity IV (CSP, 2019) e V-Dem (V-DEM, 2019)

Os dados obtidos nos dois projetos abordam o mesmo fenômeno de formas e metodologias diversas, principalmente àquelas relativas aos métodos para definir se um determinado país é ou não democrático ou o quão democrático é um país. Outras duas diferenças, que não interferem no processo de interpretação, são mais visíveis. A primeira é relativa ao período apurado. Enquanto o projeto Polity IV fornece dados para um período que inicia em 1800 o projeto V-Dem apresenta 1900 como ano inicial. A outra diferença é relativa ao número de

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países pesquisados. Até o ano de 1900 o projeto Polity IV considerou, no maior caso, 59 países. No ano de 1900 pesquisou 54 países contra 113 do projeto V-Dem. Nos últimos 5 anos, a partir de 2014, o número de países tem se mantido constantes (166 países no projeto Polity IV e 179 no projeto V-Dem).

Os resultados, entretanto, aparentam muitas semelhanças. Há um crescimento no número de países democráticos em contraposição a governos não democráticos. No caso do projeto Polity IV o ponto onde o número de democracias supera o de não democracias ocorre no ano de 2001. Na pesquisa conduzida pelo projeto Variedades de Democracia o momento em que ocorre a superação acontece no ano de 2002, embora no ano de 2001 os números de países democráticos e não democráticos sejam iguais.

Chama a atenção a proximidade apresentada pelos dados dos dois projetos em relação ao número de democracias. Graficamente tem-se a impressão de linhas sobrepostas, com poucos períodos onde estes dados mostram uma divergência um pouco maior. Os dados divergem de forma acentuada quando referentes ao número de não democracias. Há uma diferença maior até próximo ao ano de 1980 quando, inclusive, as linhas apresentam comportamentos diferente. O número de países não democráticos, registrados pelo projeto Polity IV, estão em linha ascendente enquanto que os do projeto V-Dem já apresentam tendência de queda. A partir de 1977, entretanto, o comportamento dos números é semelhante permanecendo apenas a diferença oriunda do número de países pesquisados em cada um dos projetos.

Finalmente, para efeitos de comparação inclusive com os números obtidos na Freedom House, as informações obtidas no projeto Polity IV, relativas ao ano de 2018, representam um conjunto de 166 nações, das quais 99 são democracias. Neste ano o projeto contabiliza 67 paises não democráticos sendo 21 autocracias e 46 anocracias. O projeto V-Dem, em contrapartida, totaliza 179 países sendo 99 democracias e 80 autocracias.

Uma característica bastante frequente nos regimes retratados até aqui, principalmente as democracias, é o fato de terem uma duração que não lhes permitam estabilidade e consolidação. Com base nos dados disponibilizados pelo projeto Polity IV (CSP, 2019), das 99 democracias atuais, 60 nações (60,6%) obtiveram este status de 1990 para cá. Em outras palavras estas democracias tem menos de 30 anos de duração. Este comportamento, que compreende mudanças frequentes no regime político, pode ser ressaltado pela observação de que desde 1800

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(ano inicial de coleta de informações pelo projeto Polity) houve 124 avanços de Autocracias para Anocracias e 75 avanços de Anocracias para Democracias. Pelo lado oposto observam-se 94 retrocessos de Democracias para Anocracias e 187 retrocessos de Anocracias para Autocracias.

Uma forma diferente de abordagem é proporcionada por Max Roser em trabalho de compilação de dados e informações sobre democracia (ROSER, 2019). Os dados produzidos pelos projetos Polity IV e V-Dem são relativos a países, não importando as eventuais diferenças entre eles, principalmente populacional. O gráfico da figura nº 3 exibe, para o período de 1816 a 2015, o número de pessoas em relação ao tipo de regime em que vivem em seus respectivos países.

Figura 3 População mundial e regimes de governo - 1816 a 2015

Fonte: Our World in data (ROSER, 2019). Adaptado pelo autor.

Roser buscou informações em diversas fontes. A população de cada país até o ano de 1950 foi acessada em Gapminder16. Após esta data Roser usou dados populacionais das Nações Unidas. Os dados referentes ao regime político foram obtidos no projeto Polity IV e isto permite

16 O site Gapminder oferece dados e indicadores referentes a diversos temas e locais. Pode ser acessado em

Referências

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