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Repercussões do transtorno mental na vida e trabalho de pessoas atendidas em um serviço ambulatorial de psiquiatria

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

ALESSANDRA RENATA GEREMIAS

REPERCUSSÕES DO TRANSTORNO MENTAL NA VIDA E TRABALHO DE PESSOAS ATENDIDAS EM UM SERVIÇO AMBULATORIAL DE PSIQUIATRIA.

CAMPINAS 2020

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ALESSANDRA RENATA GEREMIAS

REPERCUSSÕES DO TRANSTORNO MENTAL NA VIDA E TRABALHO DE PESSOAS ATENDIDAS EM UM SERVIÇO AMBULATORIAL DE PSIQUIATRIA.

[Dissertação] apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de mestra em Saúde Coletiva, área de concentração Epidemiologia

ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR SÉRGIO ROBERTO DE LUCCA

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA ALESSANDRA RENATA GEREMIAS E ORIENTADA PELO PROF. DR. SÉRGIO ROBERTO DE LUCCA

CAMPINAS 2020

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COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

NOME DO ALUNO – ALESSANDRA RENATA GEREMIAS

ORIENTADOR: PROF. DR. SÉRGIO ROBERTO DE LUCCA

MEMBROS TITULARES:

1. PROF. DR. SÉRGIO ROBERTO DE LUCCA

2. PROFA. DRA. ROSANA TERESA ONOCKO CAMPOS

3. PROFA. DRA. EDVÂNIA ÂNGELA DE SOUZA LOURENÇO

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da FCM.

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AGRADECIMENTOS

A todas as pessoas participantes deste estudo como sujeitos, são eles (as) os (as) protagonistas das reflexões aqui presentes, muito obrigada pelo tempo e por compartilharem comigo momentos tão difíceis e me ensinar tanto nesses encontros.

Ao meu pai José Eduardo, minha mãe Romilda, minhas irmãs Débora e Gabi, meu irmão João Victor, meu avô Zequinha, minha sobrinha/afilhada Valentina e cunhados Gustavo e Erika por todo amor, companhia, compreensão, por sempre acreditarem e apoiarem meus planos e desejos.

A meu companheiro Roberto por estar sempre ao meu lado nesse capítulo do meu arco narrativo, pelas refeições, tabelas, números de páginas, traduções...por sempre me ajudar na direção, me acolher nos momentos de desespero e me ajudar acreditar que tudo isso é possível! Você é um presente!

Aos meus amigos/ irmãos Camila e Ricardo, nada seria possível sem vocês! Obrigada por estarem sempre ao meu lado, pelo apoio com as leituras, pela presença em todas as etapas deste processo e por brindarem comigo cada momento.

A minha amiga Amanda, que de longe foi o maior presente do mestrado. Obrigada por compartilhar todos os momentos desde o processo seletivo. Dividimos as angustias, resumos das provas, as alegrias das notas, os cafés na cantina, as dicas, os arquivos, por sempre prontamente responder meus chamados “Amiga...você sabe como fazer...”. Tudo foi possível e melhor porque você estava lá!

A minha amiga Patrícia pela companhia nas disciplinas, por sempre ser tão doce e acolhedora, foi tão bom te conhecer nessa caminhada!

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A minha amiga Cida, por acompanhar toda caminhada nesse período, pelas palavras de apoio, pelas trocas, pela solidariedade e por acreditar tanto em mim. À minha querida Balbina que sempre acreditou nesse desejo e ofereceu apoio, carinho e bolos de amendoim.

As minhas amigas Gabriela e Priscila, pelas mensagens, carinho e por encontrarem um modo de estar sempre presentes.

Aos residentes de Psiquiatria, especialmente ao Pedro e Ana Flávia, e ao Prof. Luis Fernando, que me acolheram nos ambulatórios e me ajudaram na pesquisa de campo, serei sempre grata a vocês.

As professoras Rosana e Edvânia, mulheres e estudiosas por quem cultivo tanta admiração, obrigada pelo tempo dedicado e pelas contribuições extremamente valiosas.

Ao meu orientador Professor Sérgio pela oportunidade, por acreditar nessa temática e me ajudar a seguir em frente!

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RESUMO

A ocorrência dos transtornos mentais tem crescido significativamente na população em escala mundial com repercussões nas condições psicossociais individuais e de coletividade e os fatores como desemprego, violência, pobreza, desigualdade social aumentam a vulnerabilidade e sofrimento das pessoas com transtorno mental. Neste cenário observa-se que o acesso ou retorno ao trabalho de pessoas com transtornos mentais considerados graves ainda se constitui como importante problemática no campo da Saúde Mental. Esta pesquisa tem como objetivos conhecer, analisar e compreender as repercussões do transtorno mental na vida e no trabalho de pessoas atendidas em um serviço ambulatorial de psiquiatria de um hospital universitário do estado de São Paulo. Trata-se de um estudo qualitativo com a coleta de dados realizada no período de dezembro do ano de 2018 a março do ano de 2019 por meio de entrevistas semi-estruturadas gravadas e transcritas para análise de discursos em profundidade. São 11 os sujeitos participantes da pesquisa, sendo oito homens e três mulheres, com idades entre 19 e 66 anos, em acompanhamento psiquiátrico por diagnósticos de transtornos mentais graves (Esquizofrenia, Transtorno Afetivo Bipolar e Depressão com sintomas psicóticos). Após a análise das narrativas dos sujeitos foi organizada a matriz temática intitulada História de vida e trabalho, com as respectivas categorias de análise: Trabalho, Estigma relacionado ao trabalho e convívio social e Repercussões da doença e retomada das atividades de trabalho. Os discursos dos sujeitos apontam a inserção precoce no mercado de trabalho em atividades manuais, domésticas e rurais, com impacto no processo de escolarização e realização profissional na vida adulta. Quando viveram os primeiros episódios dos sintomas do transtorno mental todos os sujeitos estavam inseridos em atividades de trabalho e a maior parte deles necessitou de afastamento laboral por tempo médio de doze meses. Todos os sujeitos retornaram ao trabalho, porém somente cinco deles permaneceram em exercício e entre eles, três exercem atividades de trabalho informal e dois estão vinculados ao serviço público, porém em atividades diferentes e inferiores ao seu histórico profissional. Desse modo, foram evidenciadas repercussões negativas do transtorno mental na vida dos sujeitos e como principal pista explicativa identificamos o estigma e autoestima como considerável elemento negativo relacionado a esse processo.

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ABSTRACT

The occurrence of mental disorders has grown significantly in the population on a worldwide scale, with repercussions on individual and collective psychosocial conditions; at the same time, factors such as unemployment, violence, poverty, social inequality increase the vulnerability and suffering of people with mental disorder. In this scenario, it is observed that access or return to work of people with mental disorders that are considered serious is still an important issue in the field of Mental Health. This research aims to know, analyze and understand the repercussions of mental disorder in the life and work of people attended in the outpatient psychiatric service of an university hospital in the state of São Paulo. This is a qualitative study with data collection carried out from December 2018 to March 2019 through semi-structured interviews recorded and transcribed for in-depth discourse analysis. There are 11 subjects participating in the research, eight men and three women, aged between 19 and 66 years, undergoing psychiatric monitoring for diagnoses of serious mental disorders (Schizophrenia, Bipolar Affective Disorder and Depression with psychotic symptoms). After the analysis of the subjects' narratives, the thematic matrix entitled 'History of life and work' was organized, with the respective analysis categories: Work, Stigma related to work and social life, Repercussions of the disease and resumption of work activities. The subjects' speeches point to early insertion in the labor market in manual, domestic and rural activities, with an impact on the process of schooling and professional achievement in adult life. When the first episodes of symptoms of the mental disorder occurred, all subjects were engaged in work activities and most of them needed to leave work for an average of twelve months. All subjects returned to work, but only five of them remained in exercise and among them, three perform informal work activities and two are linked to public service, but in different activities that are inferior to their professional history. In this way, negative repercussions of mental disorder on the subjects' lives were demonstrated and we identified as the main explanatory clue the stigma and self-esteem that constitute a considerable negative element related to this process.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO………...10 2MATERIAIS E MÉTODO………...25 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO...………...…...….30 4 CONCLUSÃO...62 5 REFERÊNCIAS………....……….65 6 APÊNDICE……….…………77 7 ANEXOS………....78

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1 INTRODUÇÃO

Como é ser uma trabalhadora ou trabalhador com transtorno mental no contexto global em que vivemos? Ser uma pessoa em idade produtiva com diagnóstico de transtorno mental e sem emprego? Tais questões são inquietações que me acompanham desde o início da minha trajetória profissional como assistente social no ano de 2010 em um Centro de Atenção Psicossocial- CAPS II até os dias atuais no setor Psiquiatria de um hospital público universitário e constitui uma das motivações para esta pesquisa. Outro anseio deste estudo é contribuir com a lacuna existente nas pesquisas no campo da saúde, especificamente na saúde mental, a respeito de como a vida de milhares de pessoas é impactada pelo adoecimento mental e as suas repercussões em áreas da vida social, como o trabalho.

Ciente das limitações das definições e categorizações existentes importa compreender que pessoas manifestam sofrimentos psíquicos em diferentes níveis e em momentos diversos em suas vidas (Souza(1)). Dentro dos múltiplos tipos de sofrimento mental, escolhemos nesta pesquisa conhecer aquelas pessoas com diagnósticos de transtornos mentais considerados graves apoiados na perspectiva destacada por Souza (1)

(...) Vamos guardar o termo ‘grave’ por entender que as pessoas tomadas como foco de reflexão vivenciam situações em que os transtornos mentais podem trazer grande sofrimento. Não pretendemos, no entanto, estabelecer critérios de gravidade como CID –10 ou DSM(...)

Assim, sem adentrar nas especificidades da sintomatologia psiquiátrica, os transtornos mentais englobados neste estudo são Esquizofrenia devido aos importantes comprometimentos em diversos aspectos da vida das pessoas diagnosticadas (Nicolino et al (2)), Transtorno Afetivo Bipolar pelo impacto ocasionado na qualidade de vida (Costa (3)) e Depressão com sintomas psicóticos que pela intensidade dos sintomas e mais difícil resposta ao tratamento adiciona dificuldades a vida das pessoas com esse transtorno (Castro(4)).

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Não obstante, alguns elementos a respeito de duas concepções de grande circulação de transtorno mental disponíveis na contemporaneidade são importantes para a compreensão da problemática em questão. Para a Organização Mundial da Saúde-OMS(5) o transtorno mental pode ser diverso, com diferentes apresentações e é caracterizado como “uma combinação de pensamentos, percepções, emoções e comportamentos anormais, que também podem afetar outras pessoas”. No Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais- DSM-5 (6) encontra-se “(...) os critérios diagnósticos identificam sintomas, comportamentos, funções cognitivas, traços de personalidade, sinais físicos, combinações de síndromes e durações, exigindo perícia clínica para diferenciá-los das variações normais de vida (...)”. Aqui já temos como ponto importante para problematização o modo como o transtorno mental aparece como um problema de saúde associado à anormalidade e isso pode ser observado ao longo da história.

A história da loucura foi eficientemente recontada 1 e aqui interessa-nos recuperar

alguns elementos para compreender a condição das pessoas diagnosticadas com transtornos mentais onde o entendimento da anormalidade, bem como a reclusão em hospitais e o olhar centrado na biomedicina trouxeram importantes rebatimentos como o estigma da doença mental o que acarreta até os dias atuais inúmeros prejuízos para a participação social dos sujeitos da qual o trabalho é parte.

Marcantes alterações quanto ao entendimento da loucura e o lugar daqueles que a manifestavam puderam ser notadas ao longo dos séculos influenciadas por condições sociais, econômicas, políticas e culturais, mas é fundamental compreender que mesmo que se pese as diferentes concepções, o (a) louco (a) sempre foi um “personagem” peculiar nas sociedades (Foucault(7)).

1 Michael Foucault em História da Loucura na Idade Clássica (1972) recupera pontos fundamentais da concepção acerca da loucura e o modo de tratamento imposto ao longo dos séculos; Erving Goffman em Manicômios, Prisões e Conventos (1974) explorou a trajetória percorrida pelo doente mental e o modelo médico e o hospital psiquiátrico; Paulo Amarante em Saúde Mental e Atenção Psicossocial traça um panorama sobre as reformas psiquiátricas ocorridas ao longo da história.

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Antes de ser compreendida hegemonicamente como uma doença, a loucura já foi entendida, entre outras percepções, como causada por deuses (Fé(8)), pactos voluntários ou involuntários com demônios, tendências a características de animais selvagens (Goffman (9)), como não razão e manifestação de fúria (Foucault(7)).

Nos vários períodos históricos da humanidade diferente respostas foram dadas para a existência de pessoas que por diversas razões eram consideradas socialmente incômodas. A reclusão de pessoas por meio do internamento começa a figurar como uma estratégia social nos anos do século XVII e XVIII e ocorre dentro dos hospitais gerais e Santas Casas como um aparato de recolhimento de pessoas consideradas indesejadas, sendo elas consideradas loucas, desocupadas, doentes contagiosos, pobres, tendo um caráter moral e não “terapêutico” (Desviat(10)). Como exemplo desses locais de internamento massivo Foucault(7) reconta a dinâmica de hospitais franceses Salpêtrière e Bicêtre que no século XVII constituíram como espaços de abrigamento de pessoas com a função de “(...)recolher, alojar, alimentar aqueles que se apresentam de espontânea vontade, ou aqueles que para lá foram encaminhados pela autoridade real ou judiciária” . Existia pouca definição de cada situação e uma tentativa de homogeneizar pessoas percebidas como importunas (Foucault (7); Goffamn(9)).

Nesse momento o internamento não é subsidiado prioritariamente pelo referencial patológico e medicalizante (Amarante (11)), o que motivava as internações não era a doença e sim o “desarranjo aos costumes” (Foucault (7)). Ser considerado “insano” neste período histórico não representava estar submetido a um tratamento médico, mas as regras sociais de correição (Foucault (7)).

O olhar para a loucura como uma doença era incipiente e o entendimento médico não era autônomo e nem o principal na condução e “tratamento” das pessoas identificadas como loucas, assim, o louco era identificado e isolado mesmo sem o enquadramento médico preciso (Foucault (7)). O entendimento de doença mental era limitado e restrito ao que naquele período eram indicativos da loucura como aspectos e comportamentos observados e perturbadores as famílias e comunidade (Resende (12)). Nesse momento, por exemplo, as autoridades judiciárias tinham maior poder para delegar a reclusão do que a classe médica.

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Transformações ocorridas na Europa entre os anos finais do século XVIII e início do século XIX como a perda de legitimidade do soberano e a ascensão da burguesia com seus valores econômicos, sociais e culturais (Souza(1)) exigiram alterações no aparato de isolamento deliberado das pessoas consideradas indesejadas como os (as) loucos(as), uma vez que a reclusão indiscriminada de pessoas confrontava os ideais de liberdade daquele período. O internamento de pessoas como resposta social à miséria e a perturbação causada por aqueles (as) que eram reclusos mostrou-se ineficaz na sociedade em processo de industrialização nascente (Foucault (7)). Desse modo, para o uso da estratégia de internação outros critérios tornaram-se necessários, sendo um deles o objetivo “terapêutico” (Desviat(10)).

Foi neste cenário que o lugar hegemônico da psiquiatria na condução da loucura começou a ser delineado e é emblemática a contribuição de Phillipe Pinel para o enquadramento da doença mental como base para o saber e exercício da psiquiatria. Pinel foi nomeado médico do hospital Bicêtre e nesse lugar realizou questionamentos acerca do diagnóstico e cuidado destinado aos loucos (as), sendo atribuída a ele o início de uma das reformas psiquiátricas de nossa história (Fé (8)). O médico destacou os limites do conhecimento do que enunciava como alienação e a necessidade de restauração do domínio racional por meio do caráter físico e moral e a necessidade de um campo de pesquisa e tratamento dentro da estrutura hospitalar para as manifestações da loucura (Facchinetti(13)).

Ainda que ocorridas alterações no funcionamento e modo de recolhimento de pessoas nos hospitais com as táticas e técnicas de enfrentamento dos sintomas propostas por Pinel e seus pares (Facchinetti(13)), Goffman (9) aponta que na trajetória das pessoas com doença mental internadas em hospitais psiquiátricos persistiu a expropriação, sendo ela iniciada desde a sua admissão na instituição quando a pessoa começava a ser despojada das suas relações e direitos. Para Fé (8) existia e ainda persiste a tendência de priorizar o tratamento das pessoas consideradas com doença mental desconsiderando seu desejo a partir de duas concepções: a incurabilidade e a periculosidade. Assim, a imagem incômoda, incógnita, com tendência a comportamentos violentos e desatinos acompanha a trajetória do (a) louco (a).

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De acordo com Maciel et al (14) o olhar para o (a) louca (a) constitui-se de modo ambíguo: por um lado a loucura aparecia como condição favorável a violência e por outro como sinônimo de incapacidade e passividade. Esses olhares contribuíram para legitimação da tutela e perda de autonomia das pessoas com doença mental.

Como bem evidenciado por Ferro (15)

(...)no contexto manicomial ofereceria ao sujeito atendido, então, ser retirado prontamente de seu contexto de vida/família/trabalho após um ou alguns episódios de sofrimento e surto, ser submetido a regras hospitalares frias e sem muita negociação em relação às flexibilidades da vida de cada interno. As vontades e os desejos dos indivíduos atendidos seriam descartados em prol de uma ideia pré-concebida do que seria saudável terapeuticamente para sua vida, e oferecer-se-ia em paralelo, e sem nenhum custo adicional, uma fragilização de sua rede de suporte, dado seu longo período de internação e de reclusão em um mundo que lhe é alheio. (p.755)

Outro recorte importante a ser realizado é a respeito de como o trabalho foi registrado na história da loucura e o seu aspecto paradoxal: a “incapacidade” para o trabalho era atestada como um dos critérios para internação e ao mesmo tempo o trabalho apareceu em vários espaços de internação como estratégia “terapêutica” (Souza(1)).

Foucault (7) afirma que a assistência pelo trabalho apareceu no contexto hospitalar no século XVIII na Europa como forma de lidar com o desemprego e a mendicância ao mesmo tempo em que favoreceu as manufaturas em desenvolvimento “(...) o trabalho não parece ligado a problemas que ele mesmo suscitaria; e é percebido, pelo contrário como solução geral, panaceia infalível, remédio para todas as misérias(...) (p.81).

A mendicância e a ociosidade apareciam nos documentos oficiais da época como fonte de todas as desordens (Foucault (7)). O trabalho aparece com valor ético e moral. Como expõe Resende (12) “A solução parece simples: remoção dos elementos perturbadores, num primeiro estágio, e sua reeducação para o trabalho, pelo trabalho num segundo tempo” (p.35).

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Nos ateliês onde eram realizadas as atividades de trabalho com moinho, fiação e tecelagem, não havia a diferenciação entre os loucos (as) e as demais pessoas reclusas, no entanto, era percebida alguma dificuldade relacionada à execução e ritmo das atividades (Foucault (7)). O trabalho do período pré-capitalista atenuava as diferenças individuais e tornava possível o desempenho das atividades de campo, artesanato e artístico para as pessoas com doenças mentais, o que foi intensamente modificado com o advento da industrialização e divisão social do trabalho. O trabalho foi cada vez mais sendo associado à normalidade. (Resende (12)).

Assim, anterior ao “nascimento da psiquiatria”, quando o internamento vislumbrava cumprir a função social de recolhimento indiferenciado de pessoas incômodas, o trabalho já era de cunho obrigatório no tratamento a eles destinado. Resende (12) ressalta que mesmo com o reconhecimento da loucura como doença e com isso de suas especificidades, a trajetória da pessoa com doença mental segue em paralelo com as demais populações marginalizadas, sendo expostas a exclusão em hospitais, reeducação por meio da laborterapia e trabalhos rurais forçados.

No Brasil as estratégias de recolhimento de homens e mulheres marginalizados, bem como o modelo exclusivo de “cuidado” destinado aos loucos dentro dos muros de hospitais psiquiátricos guarda importantes semelhanças com o que ocorreu nos outros países da América e Europa, mas com particularidades do desenvolvimento capitalista dos países da América Latina (Resende(12)). O trabalho como parte do “tratamento” imposto também é presente nas internações psiquiátricas brasileiras e as atividades realizadas estavam bastante vinculadas ao trabalho rural com a criação de colônias agrícolas (Venâncio(16)) mantendo consonância com o contexto político e o modo como se deu o desenvolvimento capitalista no país (Resende(12)).

A Psiquiatria brasileira contribuiu fortemente no projeto de lidar com “focos de desordem que eram os sem trabalho e maltrapilhos a infestar as cercanias do porto e as ruas do centro da cidade” (Resende (12)).

A instituição psiquiátrica no Brasil serviu também a interesses econômicos, caracterizando-se como um mercado lucrativo, conveniência econômica está que também foi encontrada em outras áreas da saúde (Yasui(17)).

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Já no século XX, os acontecimentos que sucederam a Segunda Guerra Mundial trouxeram novos dilemas à forma de enclausuramento dos loucos nos países ocidentais. Situações de miséria e violência dentro das instituições asilares foram denunciadas e fomentaram pautas importantes para uma nova reforma psiquiátrica (Souza (1)). No Brasil as transformações em curso nos Estados Unidos e Europa nesse período ocorreram mais tardiamente (Resende (12)), ganhando corpo nos anos de 1970.

Assim, ao longo da história ocorreram reformas psiquiátricas que para além dos modelos de “cuidado” explicitaram diferentes olhares a respeito da loucura. A última reforma psiquiátrica, no contexto brasileiro foi marcada por um movimento desencadeado em meados dos anos de 1970, influenciado por estudos a respeito dos princípios da Psiquiatria Preventiva de Gerald Caplan2, a Anti-Psiquiatria de David Cooper3 e Ronald

Laing4, as contribuições de Michael Foucault em obras como História da Loucura de

1972, as reflexões a respeito do Estigma de Erving Goffman e com destaque para o movimento da Psiquiatria Democrática de Franco Basaglia (Yasui(17)) composto inicialmente por profissionais que dedicavam suas atividades no campo da saúde mental, sendo potencializado posteriormente por outros atores sociais como usuários, familiares e profissionais de outras políticas sociais.

Como defende Yasui (17), esta Reforma Psiquiátrica difere das anteriormente ocorridas na psiquiatria por se tratar de um processo social onde há o questionamento de fundamentos epistemológicos do conhecimento e do fazer psiquiátrico. Merece destaque a busca de um novo lugar social para loucura, transpondo à perspectiva individual para coletiva (Desviat(10)). No nosso país o movimento da Reforma Psiquiátrica foi fortalecido em um período em que outros movimentos como da Reforma Sanitária e de Redemocratização do país estavam em efervescência.

2 CAPLAN, Gerald. Princípio de Psiquiatria Preventiva, 1966; 3 COOPER, David. A psiquiatria e a antipsiquiatria, 1967; 4 LAING, Ronald. A psiquiatria em questão, 1972.

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A defesa pela noção de saúde mental como área de conhecimento e atuação que extrapola o campo da psiquiatria, ampliando as áreas e conhecimentos envolvidos (Amarante (11)) também é uma das marcas desse processo de reforma. Importa o exercício da cidadania para além do controle dos sintomas (Oliveira et al(18)).

Dentre as conquistas do movimento está a Lei 10.216, de 6 de Abril de 2001, que “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental” reorganizando os equipamentos de assistência à saúde mental e privilegiando as estratégias de cuidado extra-hospitalar. Os Centros de Atenção Psicossocial e Residências Terapêuticas são expressões de modelos de assistência em âmbito comunitário.

Ferro (15) chama atenção para o fato de que a defesa da Reforma Psiquiátrica não se encerra na desospitalização, pois essa é insuficiente e não repara a segregação a qual estão expostas as pessoas com transtorno mental. Para o autor acabar com o espaço físico do hospital não é suficiente para decompor a lógica manicomial de atenção, uma vez que, enfrentar as práticas excludentes e segregadoras de atenção à saúde mental é pensar nos modos de concepção dos sujeitos, de qualidade de vida, do entendimento de saúde e cura e inclusão social.

Diante dos prejuízos ocasionados pela assistência psiquiátrica nos últimos quatro séculos, ainda que se considere a extrema importância das inúmeras contribuições da reforma psiquiátrica em curso - a redução do número de leitos em hospitais psiquiátricos e redução de tempo de internação, a expansão dos Centros de Atenção Psicossocial e leitos para emergência em hospitais gerais, residências terapêuticas e desospitalização (Liberato(19))- convivemos com importantes obstáculos quanto a concepção a respeito da loucura que ainda está intimamente associada a aspectos negativos e principalmente as persistentes dificuldades nas condições de vida e de trabalho das pessoas com transtornos mentais, pois ao longo da história a pessoa com doença mental foi isolada da vida das cidades e reclusa em hospitais e expostas ao estigma e desvalorização social, bem como sendo extremamente dificultada o ingresso e/ou permanência no mundo do trabalho (Salles e Barros(20)).

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França et al (21)) evidenciaram consequências prejudiciais da permanência em hospitais psiquiátricos em diversos aspectos da vida como a convivência familiar, nível de escolaridade e perda da identidade social para além da doença.

Pereira e Joazeiro (22) entrevistaram usuários internados em um hospital psiquiátrico para conhecer a percepção desses sujeitos a respeito da internação e foram evidenciadas questões como medo de ser institucionalizado permanentemente, a postura autoritária dos profissionais responsáveis pelo atendimento e a internação como forma de sobrevivência para algumas pessoas que estavam sem condições básicas de subsistência.

Machado, Manço e Santos (23) abordaram a questão da recusa da desospitalização por parte de usuários com história de internação psiquiátrica de longa duração. As pessoas institucionalizadas em hospitais psiquiátricos participantes do estudo justificaram a recusa da desospitalização por ter no local a sensação de segurança frente aos perigos que podem ser vividos na cidade e encontrar no serviço condições básicas de sobrevivência como alimentação e moradia, assim como assistência médica e medicamentosa.

Um longo histórico de internação traz como uma das consequências a fragilização dos vínculos sociais, sendo a pessoa progressivamente expropriada de seus vínculos familiares, trabalhistas, de amizades e principalmente tornando quase impensável para muitos sujeitos a reorganização e retomada de sua vida fora dos muros dos hospitais (Ferro (15)).

Carvalho e Lins (24) realizaram um estudo com objetivo de conhecer as concepções sobre a loucura de profissionais de um hospital geral e tiveram como achados o entendimento da loucura como descontrole e imprevisibilidade, o medo e a insegurança no contato com as pessoas com transtorno mental por entenderem que elas são descontroladas e violentas. Como forma de tratamento o modelo biomédico e hospitalocêntrico foi o mais citado.

Maciel et al (14) ao entrevistar familiares e profissionais da área de saúde mental para conhecer as representações a respeito da pessoa com transtorno mental tiveram como características evidenciadas a incurabilidade, nervosismo, depressão, falta de

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juízo, carência e agressividade. Sobre o trabalho, os (as) profissionais e familiares ressaltaram que as pessoas com doença mental têm condições de trabalhar, mas com restrições. Quando detalharam qual atividade de trabalho seria possível, ficou evidente o entendimento da atividade com objetivo de ocupação, de modo artesanal e sem qualificação.

Salles e Barros (20) buscaram identificar e analisar as concepções a respeito da inclusão social e doença mental de pessoas com transtornos mentais atendidas em um Centro de Atenção Psicossocial. A percepção de inclusão social manifesta pelos usuários incluía acesso à educação, poder de consumo, convivência familiar e comunitária. O acesso ou retorno ao mercado de trabalho apareceu como um dos elementos centrais. O preconceito foi referido pelos usuários como fonte de dificuldade enfrentada.

Desse modo, é diante dos danos que foram causados a vida e participação social das pessoas com transtornos mentais ao longo da história por meio da hospitalização, estigmatização, assim como do paradoxo que é pensar o trabalho - que por um lado no correr dos séculos foi utilizado para “normalização” dos sujeitos com doença mental e por outro o trabalho como aspecto que é parte central da vida dos sujeitos em nossa sociedade- que essa discussão se situa.

Mas, pensar no trabalho exige considerar as condições em que ele se realiza na contemporaneidade, para tanto é importante um recorte de elementos da intitulada quarta revolução industrial (Lima e Bridi(25)).

As condições para produção de mercadorias no capitalismo ao longo da história foram modificadas. Ao longo dos séculos XIX e XX o sistema produtivo desenvolvia-se pelo modelo fordista/taylorista, no entanto, esse modelo de acumulação começou a apresentar sinais de esgotamento em face do curso do cenário econômico, com agravo em meados dos anos 1970, exigindo reestruturações no modo de produzir. Desse modo, as reestruturações registradas desde os anos do fim do século XIX representam respostas às crises do capital e a incessante busca pela retomada da acumulação desse (Lourenço (26)).

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Assim, o trabalho em sua essência e na sua organização foi ainda mais afetado com o avanço do neoliberalismo e as reestruturações produtivas ocorridas nesse período. Antunes ((27), p.35) sinaliza que

(...)nas últimas décadas, sobretudo no início dos anos 70, o capitalismo viu-se frente a um quadro crítico acentuado. O entendimento dos elementos constitutivos essenciais dessa crise é de grande complexidade, uma vez que nesse mesmo período ocorreram mutações intensas, econômicas, sociais, políticas, ideológicas, com fortes repercussões no ideário, na subjetividade e nos valores constitutivos da classe-que-vive-do-trabalho, mutações de ordens diversas e que, no seu conjunto, tiveram forte impacto.

A reorientação do trabalho sob o padrão toyotista acarreta alterações tanto na forma de produção, onde a proposta é de “acumulação flexível” em detrimento das linhas de produção e dos estoques de mercadoria do modelo de produção anterior, como o incremento de tecnologias e a busca pela “qualidade total” na produção. O tamanho das fábricas é reduzido com a estratégia de deslocamento da produção. Importantes alterações também ocorrem na forma de gerenciamento com a instituição de equipes de trabalho, implementação de remuneração flexível e estabelecimento de metas de trabalho (Alves (28)).

As transformações no mundo do trabalho testemunhadas no século XX e XXI tiveram importante contribuições das tecnologias digitais com o desenvolvimento de novos tipos de negócios, empresas e categorias profissionais, com a atividade de trabalho e a condição dos (as) trabalhadores (as) constituídas de modo “flexível” tanto nos tipos de atividade, modo de contratação, estabelecimento de remunerações e próprio local onde o trabalho se realiza (Lima e Bridi, (25)). Com relação as “novas” ocupações são bem representativas os desenvolvedores de software, montadores de hardware, trabalhadoras (es) de call center contratados por empresas de terceirização e trabalhos em plataformas digitais como o emblemático “modelo UBER” (Lima e Bridi, (25)).

A dita “uberização” advém da empresa UBER criada em 2010 e popularizada como plataforma de acesso a transporte, porém a definição da empresa quanto a sua atuação se concentra na área de tecnologia. Por meio dessa plataforma digital o contato entre um cliente que solicita o transporte e o proprietário do veículo, o motorista, é

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possibilitado. O que faz desse tipo de trabalho referência das transformações no mundo de trabalho é o modo como o trabalho é organizado de modo flexível, desprotegido e o modo como encobre a relação de trabalhista (Lima e Bridi, (25); Pochmann (29)).

Como bem evidencia Lima e Bridi (25)

(...) Ao analisar as formas de contratação nessas atividades, concluímos que a precariedade é constituinte desses “novos” trabalhos que surgem num contexto de flexibilidade e inovações tecnológicas, no qual a internet pontifica, mesclando tempo e espaço, do material e imaterial e do próprio conceito de empresa. Nesse contexto de relações contratuais frágeis, uma das facetas mais contraditórias, no chamado capitalismo flexível, consiste na transferência para os trabalhadores de todo e qualquer ônus da flexibilidade e do risco (p.327).

Assim, o mundo do trabalho com as suas sucessivas transformações tem propiciado para além de novas formas de organização da produção e de circulação de novas tecnologias um intenso processo de fragilização das condições em que o trabalho se realiza. Esse processo denominado como “precarização” tem diferentes expressões e impactos negativos para a vida da maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras, com destaque para o prejuízo das relações contratuais, das relações entre trabalhadores (as), do local de trabalho, dos mecanismos de gerência e organização das atividades, bem como a redução da autonomia pessoal e profissional (Selligman-silva et al (30)). O trabalho precarizado tem sido considerado um importante determinante social da saúde pelos seus graves impactos para saúde dos trabalhadores (as) com rebatimentos para sociedade de modo geral (Benach et al (31)).

Para Alves (32) as relações de trabalho existentes no padrão de acumulação flexível acarretam bruscas mutações: relação “tempo de vida/tempo de trabalho” devido à carga horária de trabalho flexível; relação “tempo presente/tempo futuro” pela crescente incertezas diante das novos modos de contratação (contrato intermitentes, temporários, sem vínculos empregatícios); relação entre os sujeitos sociais dentro e fora dos espaços de trabalho; e de homens e mulheres com sigo mesmo com repercussão na autoestima e autorreferência.

Essas mutações, segundo Alves (32) revelam-se como expressões da precarização do mundo do trabalho como um processo de sujeição dos trabalhadores e trabalhadoras, onde é possível testemunhar a “quebra dos coletivos de trabalho”, “a

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captura da subjetividade do homem-que-trabalha” e a “redução do trabalho vivo à força de trabalho como mercadoria”.

O autor descreve esses processos como: 1- “Dessubjetivação de classe” onde se observa um desenvolvimento social, político, ideológico e cultural que conflui para a ruptura de coletivos de trabalho e a exacerbação da ideologia do individualismo na vida social como um todo com a invalidação de atos e defesas coletivas e a valorização de modos individualistas de bem estar, sucesso pessoal e financeiro, estimulados pelos meio de comunicação, publicidade e consumo; 2- “Captura da subjetividade do trabalhador assalariado” com a disseminação de formas de envolvimento dos trabalhadores e trabalhadoras às exigências de produtivismo e a adesão aos moldes das equipes ditas “colaborativas” ao ideário da empresa, assim como o apelo habilidades cognitivo-comportamentais por meio de treinamentos empresariais a fim de mobilizar valores, expectativas e utopias de mercado; 3- “Redução do trabalho vivo à força de trabalho como mercadoria” sendo a restrição dos sujeitos à mera força de trabalho comprometidas aos ideias do capital, com o aligeiramento do desenvolvimento humano para além do trabalho.

Ademais, no Brasil, o capitalismo tem características peculiares que estão relacionadas aspectos sócio-históricos, com elementos como o processo de colonização, o “peso do escravismo”, o “desenvolvimento desigual e combinado” na implantação do capitalismo, a lenta substituição da mão de obra escrava por trabalho livre no setor agrário e a forma como a industrialização ocorreu são apresentados como fundamentais para pensar a forma “subordinada e dependente” do país às grandes economias. Assim, a conformação da organização do trabalho e as atividades econômicas desempenhadas no Brasil estão influenciadas por essas características (Behring (33)).

No panorama brasileiro a precarização do mundo do trabalho e consequentemente da vida dos trabalhadores e trabalhadoras foi ainda mais impactada pela lei 13.429/2017 que legitima a terceirização ampla e irrestrita e o trabalho intermitente, assim como pela Reforma Trabalhista sancionada pela Lei 6.787/2016. As legislações em questão alteram importantes garantias trabalhistas e representam um grande ataque à Consolidação das Leis do Trabalho- CLT e a Constituição Federal de 1988, onde o valor social do trabalho figura no artigo 1º como fundamento da República Brasileira, como direito social (artº6),

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bem como um dos fundamentos de ordem econômica no artigo 170. Assim, o ataque a organização e garantias do trabalho também representa uma corrosão do Estado democrático, ultrajando cidadãos na sua condição de trabalhadores e trabalhadoras (Alves (28)). Observa-se ainda o crescente processo de retirada de trabalhadores(as) considerados “velhos” pelo capital e a difícil inserção dos(as) jovens, somado a um cenário marcado por fatores como a aferição do desempenho profissional vinculado a metas inatingíveis de produtividade, estímulo da individualidade, competitividade, instabilidade, frequentes demissões, precarização ou ausência de vínculos trabalhistas (Lourenço(26)).

O exercício do trabalho está permeado por uma atmosfera de medo e desemprego o que afeta as relações e identidades, tornando-se ainda mais desafiador pensar a saúde do trabalhador (Lourenço (26)). A organização contemporânea do trabalho favorece o sofrimento e desgaste de modo coletivo com uma multiplicidade de manifestações para a saúde, uma vez que, os sujeitos têm modos particulares de vida e subjetividade (Benach et al (31)).

Como uma das expressões desse contexto, há um aumento significativo de agravos sociopsicológicos e psicossomáticos com seus prejuízos na vida dos trabalhadores e trabalhadoras (Lourenço (26)).

Neste cenário de deterioração e precarização das condições de trabalho, o adoecimento mental tem sido observado (OIT (34)) e ocupou a terceira causa de afastamento do trabalho no período entre 2012 a 2016 no Brasil (Previdência Social (35)). Os dados mensais da concessão de auxílio-doença da Previdência Social apontam para os sintomas depressivos (Episódios Depressivos- F.32; Transtorno Depressivo Recorrente- F.33) -como maior causa de afastamento do trabalho no âmbito da Saúde Mental no ano de 2017, tendo gerado 64.076 benefícios de auxílio doença. Os transtornos ansiosos (F.40) afastaram 28.949 trabalhadores (as) de suas atividades no ano de 2017. Os afastamentos por diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar (F.31) totalizaram 15.724 em 2017, já o diagnóstico de Esquizofrenia (F.20) motivou 6.762 benefícios no mesmo ano.

O grande número de trabalhadores e trabalhadoras, com atividades laborais comprometidas e, portanto, afastados do trabalho devido a um transtorno mental é

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preocupante, contudo, este número corresponde somente aos trabalhadores que possuem registro em carteira e são considerados segurados da Previdência Social. Existe um número expressivo de trabalhadores brasileiros que trabalha na informalidade e são invisíveis nas estatísticas oficiais, entre eles aqueles que sofrem de um transtorno mental e que são estigmatizados pela sociedade e vivem à margem do mercado de trabalho.

Diante desse cenário alarmante permanece a inquietação: como estão posicionados os trabalhadores(as) com transtorno mental considerados? Dadas as características atuais do mercado de trabalho cada vez mais excludente, competitivo, onde as relações de trabalho são fragilizadas e a condição dos (as) trabalhadoras inseguras, extenuantes e amedrontadoras, como é possível o acesso ou retorno ao trabalho de pessoas que viveram períodos intensos de sofrimento mental?

Frente a essas questões os objetivos deste trabalho são conhecer, analisar e compreender as repercussões do transtorno mental na vida e no trabalho de pessoas atendidas em um serviço ambulatorial de psiquiatria do Hospital de Clínicas da UNICAMP.

Os itens a seguir apresentam o método pelo qual foram obtidos os dados da pesquisa e posteriormente os resultados e discussão onde as categorias levantadas na pesquisa de campo serão analisadas em profundidade.

(25)

2 MATERIAIS E MÉTODO

Por método podemos compreender, em uma primeira análise, a ação de sistematizar todo o processo utilizado para a construção da pesquisa. Para Deslandes(36), elaborar uma metodologia de trabalho científico significa mais que uma mera descrição formal dos métodos e técnicas, pois sinaliza as opções e a leitura operacional escolhida pelo(a) pesquisador(a) em relação ao quadro teórico.

Segundo Demo (37) a pesquisa é uma via para se estabelecer um diálogo crítico e inovador com a realidade, que resulta em uma elaboração própria e uma possibilidade de intervenção, uma ação de “aprender a aprender”, caracterizando-se como uma etapa do movimento educativo e emancipatório.

2.1 TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, que busca compreender percepções e valorizar o significado atribuído pelos sujeitos da pesquisa ao fato pesquisado. Para Minayo (38), as pesquisas qualitativas e quantitativas são complementares, porém de natureza distinta. Uma lida com a magnitude dos fenômenos, a outra, com a intensidade desses. Assim, a pesquisa qualitativa ao perscrutar a intensidade dos fenômenos dirige sua preocupação a dimensão sociocultural que se evidencia por meio de valores, crenças, opiniões, modos de relações, símbolos, comportamentos, representações e práticas.

A respeito das contribuições coletivas das evidências qualitativas Minayo (38) argumenta que a narrativa dos sujeitos desvela informações acerca do grupo em que estão vinculados e de um período histórico onde a sua singularidade está arraigada em uma determinada cultura.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas em profundidade, com um roteiro previamente construído para garantir que a discussão atendesse os objetivos

(26)

propostos, porém com margem para alterações ou adaptações para uma melhor assimilação do conteúdo. A entrevista nesses moldes possibilita maior liberdade por parte do entrevistador e do entrevistado diante da possibilidade de acrescentar dados que não haviam sido anteriormente previstos e que asseguram maior consistência as reflexões (José Filho e Dalberio (39)).

A análise dos dados da pesquisa está orientada pela análise de conteúdo na perspectiva apresentada por Bardin (40). A autora define este tipo de análise como um esforço interpretativo que transita entre o “rigor da objetividade” e a “fecundidade da subjetividade”, como um processo que estimula o (a) pesquisador (a) a perseguir o não aparente, o significante e o significado, o que ainda não foi dito, o que está oculto. Ocupa-se de desvendar o que não aparece em um primeiro momento no discurso, com o objetivo de deixar falar o material e fornecer informações adicionais ao leitor crítico de uma mensagem.

2.2 LOCAL E CONTEXTO DO ESTUDO

O campo para coleta de dados foram dois ambulatórios de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Unicamp, um hospital público universitário localizado no município de Campinas, interior do estado de São Paulo. Os atendimentos ambulatoriais da Psiquiatria deste serviço ocorrem em diferentes dias da semana, em ambulatórios organizados por grupo de diagnósticos. Os dois ambulatórios escolhidos para pesquisa foram aqueles que atendem pessoas com transtornos mentais considerados graves e funcionam às terças-feiras e quintas-terças-feiras. A escolha foi motivada pelo interesse de conhecer a realidade vivenciada por pessoas em idade produtiva e que tem sua vida impactada por diagnóstico de transtorno mental de maior gravidade. A demanda de atendimento absorvida por um hospital escola de nível quaternário concentra as situações de saúde com maior gravidade e isso influenciou a população de estudo.

(27)

2.3 POPULAÇÃO DO ESTUDO

A amostragem do estudo foi intencional. Segundo Minayo (38) a amostra da pesquisa qualitativa relaciona-se com a dimensão do objeto ou da pergunta norteadora e o número de pessoas é menos determinante do que o esforço de visualizar todas as possibilidades de aproximação do objeto empiricamente, atentando-se para as suas dimensões e interconexões. Com tal característica a amostra qualitativa “ideal” é a que traduz as múltiplas dimensões de um dado fenômeno e indaga a qualidade das ações e das interações.

Participaram deste estudo 11 sujeitos, sendo eles oito homens e três mulheres com idades entre 19 e 66 anos, em tratamento nos ambulatórios de Psiquiatria por diagnóstico de transtorno mental considerado grave sendo eles Esquizofrenia, Transtorno Afetivo Bipolar e Depressão com sintomas psicóticos, com história de inserção no mercado de trabalho em algum momento da vida podendo ser com ou sem vínculo empregatício. A amostra foi encerrada com esse número de sujeitos após 12 visitas realizadas nos ambulatórios. Houve três recusas de participação da pesquisa.

2.4 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

Os critérios de inclusão foram: idade superior a 18 anos, tratamento psiquiátrico por diagnóstico de transtorno mental, o exercício de trabalho em algum momento da história de vida e aceite do termo de consentimento livre e esclarecido.

(28)

Os critérios de exclusão foram: idade inferior a 18 anos, o não exercício de atividade de trabalho no decorrer da história de vida, vivência de crises agudas dos sintomas psiquiátricos no período da entrevista, interdição legal e a discordância aos termos da pesquisa expressos no termo de consentimento livre e esclarecido.

2.6 ASPECTOS ÉTICOS

O projeto desta pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa por meio da Plataforma Brasil e obteve a autorização de número 9511618.80000.5404 para sua realização. A cada participante de pesquisa foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de acordo com as normas éticas para a pesquisa e a participação foi condicionada ao aceite do termo e sua assinatura.

Aos sujeitos da pesquisa foram resguardados o sigilo, a confidencialidade e preservação da identidade adotando-se nome fictício para uso de falas na redação e as informações obtidas por meio do questionário sociodemográfico e entrevistas gravadas e transcritas mantidas sob responsabilidade da pesquisadora, utilizadas com observância aos princípios éticos, de modo a não representar prejuízos aos sujeitos envolvidos. Houve a garantia de local adequado para a realização das entrevistas, sendo essas realizadas dentro do consultório médico, sem a presença de terceiros.

2.7 ENTREVISTAS

Foram realizadas 12 visitas aos ambulatórios de psiquiatria no período de dezembro de 2018 a março de 2019 para realização de entrevistas. Os médicos residentes de psiquiatria indicaram, após os atendimentos dos pacientes agendados nos ambulatórios, as pessoas que preenchiam os critérios de inclusão para a participação da entrevista. Ao final da consulta, todos os sujeitos indicados considerados elegíveis foram convidados a participarem da pesquisa. Após assinatura do termo de consentimento livre

(29)

esclarecido, cada participante foi entrevistado em um único encontro de 30 a 40 minutos de duração.

Aos 11 sujeitos da pesquisa foram realizados questionamentos sobre dados sociodemográficos (neles incluídos idade, raça/cor, sexo, orientação sexual, escolaridade, estado civil, configuração familiar, situação de moradia, profissão e situação no mercado de trabalho) e questões disparadoras acerca da história de trabalho (idade de início da atividade laboral, tipo de trabalho, carga horária, relacionamento com colegas e gerência, desempenho das atividades de trabalho, afastamento e retorno ao trabalho) e história do transtorno mental (início do acompanhamento, primeiro episódio, internações, uso de medicações psicotrópicas e cuidado recebido). Após a análise flutuante das falas, admitida como uma etapa que possibilita as primeiras aproximações com o documento a ser analisado e um conhecimento prévio do texto por meio de impressões e orientações (Bardin(40)), foi realizada a escolha dos documentos e construída a matriz temática para a discussão de seu conteúdo com a categorização dos resultados encontrados, compreendendo que categorizar elementos impõe perscrutar o que cada um deles tem em comum para que seja factível seu agrupamento (Bardin(40)).

(30)

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os perfis e dados sociodemográficos dos sujeitos da pesquisa estão descritos no quadro 1 e na sequência por meio de uma breve biografia de cada pessoa participante. Quadro 1- Dados sociodemográficos dos participantes da pesquisa atendidos em ambulatório de Psiquiatria no município de Campinas, 2019.

Nome

fictício Sexo Idade Escolaridade

Mora com a família Trabalha atualmente Última ocupação Já foi afastado do trabalho por Saúde Mental? Idade em que recebeu diagnóstico

Diagnóstico (transtorno mental)

André M 34 Ensino fundamental

incompleto S N açougueiro

S

18

Transtorno Afetivo Bipolar e Transtorno relacionado ao uso de

substâncias Joao M 19 Ensino médio incompleto S N serralheiro S 17 Transtorno Afetivo Bipolar Carlos M 53 Ensino fundamental

incompleto N N serviços gerais

S

42 Transtorno depressivo com sintomas psicóticos

Ana F 47 Ensino fundamental

completo S S diarista

S

46 Transtorno Afetivo Bipolar

Rosa F 66 Ensino fundamental

completo S S costureira

S

40 Transtorno depressivo com sintomas psicóticos

Valéria F 59 Ensino superior completo

em Ciências Sociais S S

agente de saúde da atenção básica

S

33 Transtorno Afetivo Bipolar

Adão M 50 Ensino médio completo S S motorista de aplicativo e porteiro

S

46 Esquizofrenia

Antônio M 69 Ensino superior completo

em Ciências Contábeis N N contador

N

50 Transtorno Afetivo Bipolar

Joaquim M 50 Ensino superior em

Análise de Sistemas S N

gerente de multinacional

S

47 Transtorno Depressivo com sintomas psicóticos Jorge M 47 Ensino superior em

Tecnologia da informação S S

analista na área de informática.

S

33 Esquizofrenia

Joel M 40 Ensino superior em

Tecnologia da informação S N analista de T.I.

S

30 Transtorno Afetivo Bipolar

André é um homem de 34 anos, branco, solteiro, reside com a mãe, está desempregado, sendo o seu último emprego como açougueiro há três anos e não teve

(31)

acesso a benefício previdenciário ou social. Cursou o ensino fundamental incompleto e sua primeira atividade de trabalho ocorreu aos 13 anos como açougueiro. Com 18 anos teve o primeiro episódio com sintomas psicóticos e desde então foi internado por quatro vezes com diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar e Transtorno relacionado ao uso de substâncias psicoativas.

João tem 19 anos, é negro, reside com a sua irmã, está desempregado desde o final do ano de 2018, sendo seu último trabalho como serralheiro e não teve acesso a benefício previdenciário ou social. Cursou o ensino médio incompleto e começou a trabalhar aos 15 anos como garçom. O primeiro episódio com sintomas psiquiátricos ocorreu aos 17 anos e ao longo desses anos passou por três internações psiquiátricas com diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar.

Carlos, atualmente com 53 anos, é um homem branco, cursou o ensino fundamental incompleto, mora sozinho, está aposentado há três anos sendo sua última atividade de trabalho como gari. Iniciou a vida laboral aos 16 anos como entregador de mercadorias. O primeiro quadro de saúde mental ocorreu aos 42 anos e desde então passou por uma internação em hospital psiquiátrico por diagnóstico de Transtorno depressivo com sintomas psicóticos.

Ana é uma mulher de 47 anos, morena, cursou ensino fundamental completo, trabalha como diarista, sem vínculo empregatício e sem contribuição previdenciária, tem uma filha de 7 anos com quem reside, é divorciada. Sua primeira atividade de trabalho foi com 14 anos como babá. Os primeiros sintomas de saúde mental ocorreram neste ano de 2019 e houve internação em leito psiquiátrico, tendo recebido diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar.

Rosa, atualmente com 66 anos, é uma mulher branca, cursou o ensino fundamental completo, trabalha como costureira, sem vínculo empregatício e sem contribuição previdenciária, reside com dois filhos e é divorciada. Seu primeiro trabalho foi aos 8 anos com atividade rural. Aos 40 anos teve o primeiro episódio com sintomas

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depressivos e no decorrer dos anos foi internada por uma vez em leito psiquiátrico. O diagnóstico recebido foi de transtorno depressivo com sintomas psicóticos.

Valéria é uma mulher de 59 anos, branca, divorciada, tem uma filha com quem reside, cursou o ensino superior completo em Ciências Sociais, trabalha no setor público como agente de saúde da Atenção Primária há 3 anos. Seu primeiro trabalho ocorreu aos 18 anos como atendente de plano de saúde. O primeiro quadro de adoecimento mental ocorreu aos 33 anos e desde então teve duas internações psiquiátricas. Recebeu o diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar.

Adão é um homem de 50 anos, pardo, ensino médio completo, trabalha como motorista de aplicativo e porteiro, casado, pai de 4 filhos, reside com a esposa e duas filhas. Seu primeiro trabalho ocorreu aos 7 anos no trabalho rural. Há cerca de 4 anos começou a vivenciar sintomas psicóticos e posteriormente foi diagnosticado com Esquizofrenia. Nunca foi internado.

Antônio é um homem branco de 69 anos, ensino superior completo em Ciências Contábeis e foi aposentado na profissão de contador, é divorciado, mora sozinho, tem 3 filhos. Começou a trabalhar com 12 anos como espolador. O idoso tem diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar e não foi possível precisar a idade na primeira crise.

Joaquim, atualmente com 50 anos, é um homem branco, cursou ensino superior em Análise de Sistemas, está desempregado há três anos, sem benefício previdenciário ou social, é solteiro e reside com a mãe. Primeiro trabalho aos 20 anos como estagiário em uma empresa de tecnologia. Início dos sintomas de saúde mental ocorreu há cerca de 3 anos, mas está em acompanhamento há um ano. Foi diagnosticado transtorno depressivo com sintomas psicóticos. Nunca foi internado.

Jorge tem 47 anos, é um homem branco, cursou ensino superior em Tecnologia da informação, trabalha como analista na área de tecnologia em órgão público federal, mora com a irmã, divorciado e tem uma filha. Seu primeiro trabalho foi aos 26 anos como

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motorista de caminhão com seu pai. Tem diagnóstico de Esquizofrenia e o início dos sintomas ocorreu aos 33 anos. Teve uma internação psiquiátrica.

Joel é um homem de 40 anos, branco, curso ensino superior em Tecnologia da Informação, desempregado há cerca de um ano, sendo seu último trabalho como analista de tecnologia, é solteiro e reside com os pais. Primeiro de trabalho aos 15 anos como auxiliar de escritório. Início dos sintomas depressivos após os 30 anos, mas o primeiro episódio com sintomas psicóticos ocorreu no ano de 2018 com internação psiquiátrica. O diagnostico recebido foi de Transtorno Afetivo Bipolar.

Foi a partir do discurso de cada sujeito acima apresentado e da análise do conteúdo de cada entrevista que foi estabelecida a matriz temática da pesquisa com suas respectivas categorias e sub-categorias metodológicas, conforme ilustra o quadro 2.

(34)

Quadro 2- Matriz temática, categorias de análises e sub-categorias metodológicas das entrevistas realizadas em ambulatório de Psiquiatria em Campinas, 2019.

Matriz temática Categorias Sub-categorias

História de vida e trabalho

Trabalho

Estigma

relacionado ao

trabalho e convívio social

Repercussões da doença e retomada das atividades de trabalho

Primeira experiência de trabalho; Sentido e Significado;

Mulher e trabalho.

Estigma social, autoestigma e estrutural;

Início dos sintomas; Afastamentos; Retorno ao trabalho

A matriz temática História de vida e trabalho incorpora as categorias Trabalho, Estigma relacionado ao trabalho e convívio social e Repercussões da doença e a retomada das atividades de trabalho como elementos que estão interconectados e envolvidos na trajetória de vida e trabalho dos sujeitos.

Com relação ao trabalho foram recuperados fragmentos dos discursos dos sujeitos e realizada discussão acerca do conceito do trabalho, seu significado, transformações e as particularidades da inserção da mulher no mercado de trabalho, abordando as manifestações de desigualdades existentes em nossa sociedade que estão calcadas na construção de gênero e seus respectivos papéis sociais.

O processo de estigmatização como importante dificultador na vida dos(as) trabalhadores e trabalhadoras entrevistados(as) foi problematizado e representa importante categoria de análise e chave para compreensão da temática.

A partir dos relatos dos(as) participantes da pesquisa, também foi realizada reflexão das repercussões do transtorno mental e o processo de retomada da atividade de trabalho.

(35)

No quadro 3 encontramos os conteúdos expressos por cada sujeito participante organizados conforme as categorias de análise.

Quadro 3- Categorias de análise presente no discurso dos participantes da pesquisa realizada em ambulatório de Psiquiatria em Campinas no ano de 2019.

Categorias de análise Sub-categorias de análise Conteúdo manifesto pelo sujeito

Trabalho

-Primeira experiência de trabalho -Sentido e Significado

-Mulher e trabalho

André, João, Carlos, Ana, Rosa, Valéria, Adão, Antônio, Joaquim, Jorge, Joel

Ana, Rosa e Valéria

Estigma relacionado ao trabalho e convívio social

Estigma social, autoestigma e

estrutural Jorge, Valéria, João, Adão e André

Repercussões da doença e a retomada das atividades de trabalho

Início dos sintomas

Afastamentos

Retorno ao trabalho

João, Carlos, Ana, Rosa, Valéria, Adão, José, Jorge, Joel

(36)

A diferença de sexo observada na amostra deste estudo também já foi evidenciada em estudos anteriores sobre atendimentos de saúde mental em serviços especializados para pessoas com diagnósticos de esquizofrenia e transtorno afetivo bipolar (Chaves(41); Cardoso et al(42); Costa(3); Oliveira et al(18)) e o número maior de homens se deve a maior prevalência do diagnóstico de esquizofrenia entre os homens (Chaves(41); Clezar et al(43)) e a pior qualidade de vida para esses no caso do transtorno afetivo bipolar (Cardoso et al(42); Costa(3)). Nesta direção Zanello, Fiuza e Costa (44) sinalizam que o sofrimento psíquico grave confronta os indivíduos e os valores e expectativas sociais de gênero, existindo assim particularidades relacionadas as diferenças de gênero nas manifestações do adoecimento mental. Na nossa cultura a expectativa relacionada ao gênero masculino está fortemente relacionada a virilidade e produtividade. Neste contexto, o homem “louco” sofre pela impossibilidade de corresponder a expectativa social e com a perda do lugar privilegiado na socialização masculina que é parte de seu aspecto identitário, do seu modo de ser nessa sociedade e por meio do qual constitui sua subjetividade, apresentando importantes rompimentos na socialização e consideráveis prejuízos para a qualidade de vida.

3.1- Trabalho

Primeira experiência de trabalho

O primeiro questionamento realizado aos (as) participantes da pesquisa sobre o trabalho foi a respeito de com que idade ocorreu a primeira experiência e em que atividade profissional. Para a maioria deles a primeira experiência de trabalho ocorreu entre a infância e início da adolescência, com a finalidade de contribuir com o sustento do grupo familiar.

Foi aos 13 anos(...)espetava carne(...) (André)

O primeiro trabalho eu comecei com 15 anos, trabalhei dois anos mais ou menos num buffet (…) (João)

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Eu comecei com 16, 17 anos(...)eu era vendedor autônomo. (Carlos)

Comecei cedo, acho que eu tinha uns 14 anos de idade (…) eu era babá (Ana)

Com 8 anos eu cuidava da casa(...) eu ia colher algodão com a minha mãe com 9 anos (…) (Rosa)

18 anos...eu era atendente (Plano de Saúde). (Valéria)

Eu nasci na roça e com 7 anos eu já ia pra roça ajudar minha família nas tarefas. (Adão)

Com 12 anos...era espoliador em tecelagem em uma fábrica. (Antônio)

Com 15 anos...tirava cópia, ajudava no escritório, montava apostila…foram uns 6 meses. (Joel)

Com 20 anos...eu era estagiário em uma empresa de tecnologia, fiquei dois anos. (Joaquim)

Comecei a trabalhar meio tarde...com 26, 27 anos...com 26 anos era motorista de caminhão. (Jorge)

A primeira questão a ser problematizada é a respeito de como o trabalho infantil é parte da história dessas pessoas e as perdas de momentos de vida vivenciadas, alijando-os do direto e acesso à educação e maior tempo para estudo e qualificação profissional.

O início precoce da atividade laboral atingiu crianças e adolescentes pobres ao longo da história, sendo as condições ocupacionais mais frágeis e transitórias (Thomé,

(38)

Telmo e Koller(45)). Na infância a concepção de trabalho e profissão começa a ser construída e é sugestionada pelas representações sociais das profissões do meio em que ocorre a socialização (Thomé, Telmo e Koller(45)). Assim, a inserção prematura no mercado de trabalho influencia a aspiração profissional como também impacta na grande maioria das vezes o processo de escolarização. Exemplo dessa situação foi expresso por Rosa que na infância iniciou atividades de trabalho doméstico e rural.

Não tinha estudo, eu ia trabalhar de doméstica, dar banho em doente, fazer tudo o que eu sabia fazer(...)eu achava pouco porque na verdade queria fazer veterinária, medicina ou agronomia (…) (Rosa)

Algumas pesquisas evidenciaram o impacto negativo no processo de escolarização e renda de pessoas que iniciaram sua trajetória profissional precocemente (Souza e Pontili(46); Monte(47)). Esse fator contribui para situações como a expressa por Rosa onde a necessidade de trabalho e baixa escolarização reduziram suas possibilidades de trabalho e renda.

Costa, Silva e Krist(48) realizaram um estudo a respeito dos impactos biopsicossociais decorrentes do trabalho infantil e observaram danos subjetivos influenciados pelo prejuízo no acesso ou permanência escolar, redução de atividades importantes para o desenvolvimento como brincadeiras, fragilidade no processo de socialização e responsabilidade familiar incompatível com a fase de vida.

Entre prejuízos observados os pesquisadores destacam a associação entre o trabalho infantil e transtornos de comportamento (Dall’ agnol et al(49)) com maior prevalência nas crianças e adolescentes que iniciaram atividades laborais a partir dos 10 anos de idade.

A influência negativa do trabalho infantil foi observada diretamente pelo impacto nos indicadores de saúde de adultos e indiretamente pela perda de anos de escolaridade no estudo de Nishijima et al (50). Achados semelhantes foram expostos por Kassouf et al (51).

(39)

Na direção das pesquisas realizadas, a maior parte dos homens e mulheres participantes do nosso estudo iniciou suas trajetórias profissionais sob o ônus do trabalho precoce como a perda de momentos importantes para desenvolvimento e socialização, responsabilidade familiar precoce, alfabetização prejudicada e/ou interrompida e desse modo vivenciam na vida adulta os prejuízos nos aspectos objetivos subjetivos, podendo ser observado entre os sujeitos que aqueles (as) que iniciaram suas atividades de trabalho mais precocemente tem menos anos de escolaridade, profissões com condições de maior exploração de trabalho e menor remuneração. A narrativa de Rosa abre pistas sobre a ausência de realização profissional com possíveis prejuízos na autoestima e autorrealização.

João ao recordar o período de sua adolescência verbalizou

Mas eu achava que poderia fazer uma coisa melhor (...) muitos pensamentos te deixam para baixo, crise financeira, família, saúde, respeito essas coisas, quando você não consegue mais tomar conta de tudo (...)

Silva (52) chama atenção para o fato de que o trabalho precoce faz com que crianças e adolescentes assumam atribuições e responsabilidades pertencentes a vida adulta, “adultizando-se”, incorporando comportamentos, valores, papéis e tarefas que comprometem a identidade do “ser criança” e consequentemente o futuro do seu “ser adulto”.

As preocupações que o sujeito foi exposto muito precocemente e que influenciaram posteriormente sua trajetória de vida e profissional (Silva et al(53)) é compartilhada com muitos (as) outros (as) trabalhadores (as) participantes do estudo, constituindo-se como uma complexa expressão da questão social vivida pelos mais pobres em nossa sociedade e que traz marcas profundas para cada um deles.

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