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Tradução de histórias do Sul da Nigéria: por uma corsciência da tradução-contação na voz de uma bixa preta transviada no Brasil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

FEIBRISS HENRIQUE MENEGHELLI CASSILHAS

TRADUÇÃO DE HISTÓRIAS DO SUL DA NIGÉRIA:

POR UMA CORSCIÊNCIA DA TRADUÇÃO-CONTAÇÃO NA VOZ DE

UMA BIXA PRETA TRANSVIADA NO BRASIL

FLORIANÓPOLIS

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Feibriss Henrique Meneghelli Cassilhas

TRADUÇÃO DE HISTÓRIAS DO SUL DA NIGÉRIA:

POR UMA CORSCIÊNCIA DA TRADUÇÃO-CONTAÇÃO NA VOZ DE UMA BIXA PRETA TRANSVIADA NO BRASIL

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do título de doutora em Estudos da Tradução, na linha de pesquisa Teoria, Crítica e História da Tradução. Orientadora: Profa. Dra. Evelyn Martina Schuler Zea

Coorientadora: Profa. Dra. Simone Pereira Schmidt

Florianópolis 2019

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Feibriss Henrique Meneghelli Cassilhas

Tradução de histórias do Sul da Nigéria: Por uma corsciência da tradução-contação na voz de uma bixa preta transviada no Brasil

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Prof. Dr. Tiganá Santana Neves Santos Universidade de São Paulo

Profa. Dra. Megg Rayara Gomes de Oliveira Universidade Federal do Paraná

Prof Dr. Kall Lyws Barroso Sales Universidade Federal de Alagoas

Profa. Dra. Megg Rayara Gomes de Oliveira Universidade Federal do Paraná

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de Doutora em Estudos da Tradução.

____________________________ Profa. Dra. Dirce Waltrick do Amarante

Subcoordenadora do Programa

____________________________ Profa. Dra. Evelyn Martina Schuler Zea

Orientadora

Florianópolis, 01 de novembro de 2019. Dirce Waltrick do

Amarante:86391674949

Assinado de forma digital por Dirce Waltrick do Amarante:86391674949 Dados: 2019.11.29 20:56:47 -03'00'

Evelyn Martina Schuler Zea:26058874807

Digital unterschrieben von Evelyn Martina Schuler Zea:26058874807 Datum: 2019.11.30 15:35:14 -03'00'

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Ao meu primeiro contador de histórias, meu pai Ademir, cujas histórias embalaram minhas primeiras noites de sono.

À minha mãe, Rita, que tentou me contar histórias antes de dormir mesmo eu dizendo que preferia as contações do meu pai porque ele fazia a voz das personagens.

Às integrantes do Sarau Vozes Negras de ontem de hoje e do amanhã.

À Abassi de Inkum; Ennenni, uma mulher Okuni; Ewonkon, uma mulher Ikom e muitxs outrxs e tantxs outrxs contadorxs que não foram nomeadxs nos textos de Elphinstone Dayrell.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço às minhas orientadoras Prof.ª Dr,ª Evelyn Martina Schuler Zea e Prof.ª Dr,ª Simone Pereira Schmidt por uma relação de muito aprendizado, respeito e fraternidade. Pela relação saudável que tivemos ao longo deste doutorado e durante meu mestrado em que as duas, fizeram parte da banca de qualificação e de defesa. Agradeço por terem sido leves e enriquecedoras as nossas interações para produzir esta tese e por cada pedacinho de vocês no surgimento da tradutora de histórias contadas, cada uma de vocês vive nela e em suas traduções-contações.

Agradeço às Prof.ª Dr,ª Ida Mara Freire e Prof.ª Dr,ªAlinne Balduino Pires Fernandes por terem feito parte da qualificação do meu doutorado no dia 8 de outubro de 2018, por encherem meu coração de esperança neste dia e pela leitura sincera do meu trabalho, espero que gostem de como ele ficou.

Agradeço à Prof.ª Dr,ª Meritxell Hernando Marsal por ter participado tanto da banca de qualificação quando da banca de defesa após ter acompanhado a minha trajetória durante o doutorado com contribuições sempre tão valiosas, pelo olhar sensível e pela escuta atenta. Foi um presente ouvir a minha pesquisa pelo filtro do seu olhar.

Agradeço ao Prof. Dr. Tiganá Santana Neves Santos por ter participado da minha banca com sugestões para escrita da tese e para a vida, por me mostrar caminhos tão necessários para nós pessoas negras percorrermos nos Estudos da Tradução, por me presentear com a informação de que no dia primeiro de novembro, dia da minha defesa, comemorávamos o aniversário do Ilê Aiyê e por fim, pelas boas vindas a Salvador.

Agradeço à Prof.ª Dr,ª Megg Rayara Gomes de Oliveira por sua existência. Já a algum tempo a admirava de longe. Sua presença na minha banca é a confirmação da promessa de multiplicarmos a nossa presença no ensino superior. Onde houver uma travesti preta haverá transformação, onde houver mais de uma haverá revolução, eu quero uma universidade cheia de travesti!

Agradeço ao Prof. Dr Kall Lyws Barroso Sales que acompanha bem de perto a minha trajetória na PGET desde o início do mestrado. Eu não tenho nem como agradecer a sua presença nessa banca, se eu consegui chegar até aqui foi com o apoio e o afeto de pessoas como você. Admiro muito sua postura como acadêmico profissional e fico feliz de ter dividido tantos momentos contigo na pós-graduação. Obrigada por todas as kallponatas e feats, I will aways love you.

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Agradeço à Prof.ª Dr,ª Eliane Debus, por aceitar o convite para ser suplente da minha banca de defesa. Que a poesia negra continue nos aproximando.

Agradeço à minha família. Ao meu pai e a minha mãe pelo apoio nos estudos que resultou na primeira doutora das duas famílias, por terem acolhido minhas frustrações, receios e inseguranças durante o percurso, por terem celebrado cada vitórias, por terem me priorizado. À minha irmã, Fernanda por sempre ter sido parceira, por entrelaçar os fios das nossas histórias para que a saudade não seja tanta. Às minhas avós por estarem sempre presentes, pelas suas orações sempre me guiando e protegendo, por me lembrarem sempre de agradecer e de onde eu vim e pelos deliciosos doces para viagem. Ao meu avô Wolmar pelos trocos do bicho, pelo dinheiro pro taxi mesmo depois que eu passei a pegar uber, por todos alertas de perigo, por cuidar de mim, pelo financiamento da comilança. Ao meu avô Dodô, in memoriam. À minha madrinha Sandra, ao tio Richardison, ao primo Rafael e à prima Camila por estarem sempre torcendo e me apoiando e pelo acolhimento. Ao meu padrinho Jorge, in memoriam. À toda família que me apoia.

Agradeço à Nana, Lolly, Jeff, Luck, Jess, Zane, Vitor, Mathaüs, Cléo e Eli pela possibilidade de existir e de me espelhar em vocês. Estarmos juntas é puro axé, é me reconhecer, é um suspiro de alívio, é poder ser complexa e em profunda expansão.

Agradeço as gatas, Diega e Lara pelo socorro nos momentos de desespero em literalmente qualquer hora do dia.

Agradeço aos Ancestrais por ter colocado a Flávia em meu caminho para ela ter me arrastado para Florianópolis exatos sete anos antes da minha defesa de doutorado. Os sonhos não mente, não há escombro no mundo que separe a gente.

Agradeço ao Leo e ao Renan pelas conversas inesgotáveis necessária para profundas descobertas em mim, por compartilharmos uma casa e histórias e pelos afetos e acolhimentos em dias de alegria ou lamento.

Agradeço a família da casinha pelos cafés da manhã no tapete azul. À Lara pela sua preciosa organização e pelas deliciosas comidas com afeto, por sua paixão que transborda as paredes da cozinha, por cuidar do café e de mim, pela convivência fácil e pelo conhecimento vasto compartilhado. À Rose pelo delicioso pesto e pelos alongamentos após o café, pela água, pelo olhar doce e pela dedicação as amizades. À Adriana pelas risadas e berinjelas, pelo acolhimento, por ser a melhor vizinha que se pode ter, por me possibilitar passar os melhores últimos meses em Floripa; desculpe te deixar preocupada, mas olha aí, a tese ficou pronta.

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Agradeço ao Adriano, Terry e à Katty por terem sido meu primeiro quilombo em Florianópolis.

Agradeço ao quilombo móvel de Florianópolis e aos demais coletivos negros da cidade pelas conexões, acolhidas, abraços, escutas e ensinamentos.

Agradeço à Roberta, Mwewa, Carol, Yeo e Sandra por enegrecerem a minha passagem os Estudos da Tradução na UFSC.

Agradeço a todas as pessoas que cuidaram da minha saúde durante este período. Agradeço à minha mestra de Reiki Vivian por me apresentar ao Reiki e à Marisilda por me tornar mestra e Afroreikiana para que eu pudesse cuidar de mim e dos meus. À Vanessa, Janine e Well pelos quase dois anos de TRE. Às minhas terapeutas Monique e Gieri que me possibilitarem novos rumos.

Agradeço ao NeTrans por estarmos juntxs neste projeto somando nossas potências. Agradeço à Ti pela mão, ao Lino e x Ale pelos abraços, à Izzie pelas palavras encantadas, à Gabriela por toda comoção.

Agradeço à Nicole, Maria e a todxs participantes do GEPET sobre obras afro-brasileiras, africanas e afro-diaspóricas e suas traduções no PET Letras em que pudemos falar sobre literatura negra e sobre nós aprofundando nossos conhecimentos com acolhimentos. Agradeço por receberem o meu projeto de tradução-contação de histórias

À Rica por ter abraçado esse projeto com muito amor e dedicação. Ao Silvio pelos maravilhosos registros para o meu projeto.

Agradeço a todxs que pararam apara ouvir minhas histórias.

Agradeço à Conceição Evaristo pela gentileza em ter me concedido uma entrevista e por contribuir tanto com a minha pesquisa e com ensinamentos para vida. Conversar com você é magia ancestral.

Agradeço à Capes pelo suporte financeiro durante todo o doutorado, é imprescindível que o povo preto continue acessando o ensino superior podendo se dedicar integralmente a suas pesquisas em um espaço em que ainda somos um número insuficiente.

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QUANTOS TODOS SÃO IGUAIS Queria mais que um dia e tive uma semana Queria mais que semana e me deparei com o vazio Queria uma identidade e me deram um nome Queria a igualdade e me deram um livro Queria ser igual e me disseram: – Se torne igual. Queria, queria, queria Então aprendi a dizer meu nome alto e claro Aprendi com dificuldade a desvendar As primeiras letras E entender as minhas próprias metáforas Eu fui a antítese e o paradoxo Então transformei um dia em sentinelas Transformei uma semana em multidões E me tornei igual e frágil no dia em que ganhei voz... Eu vi o mar de águas salgadas Ferindo em meu peito Mas nunca deixei de ser igual Mas também nunca deixei de chorar Porque vi no cimento as marcas ralas da mão Do meu irmão Porque vi no sinaleiro marcas singelas e desfiguradas De uma sombra Me tornei igual, mas os meus não eram iguais Então lhes estendi a mão e lhes ofereci Nesse 20 de novembro: Um nome, um livro e um sorriso E recebi como resposta: Um grito audível que rompeu o silêncio E a invisibilidade (Nana Martins, 2012)

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RESUMO

Nesta tese eu conto a minha experiência com o projeto de Tradução de Histórias

Contra a Hipocrisia Colonial, elaboro na minha tese a contação de histórias como metodologia

de uma tradução corsciente (ELLIS, 2018). O corpus escolhido para desenvolver esta metodologia foi uma seleção de seis contos do antigo Protetorado do Sul da Nigéria escritas em língua inglesa e publicadas em um instituto de antropologia em Londres. Estas histórias foram escritas pelo comissário distrital Elphinstone Dayrell e publicadas em 1910 e 1913. Embora tenham sido publicadas no início do século XX, elas são muito mais antigas, pois provem da tradição oral, tendo sido coletadas e traduzidas por intérpretes da região antes de serem publicadas em dois livros: Folk Stories from Souther Nigeria – West Africa (1910) e Ikom

Stories from Souther Nigeria. Traduzi estas histórias e as contei em português brasileiro ao

longo de meu doutorado, dividindo-as em dois momentos que chamei de Sejamos todxs

contadorxs de histórias e Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos. Cada um desses

momentos correspondendo a um capítulo desta tese e a uma apresentação de aproximadamente uma hora. Nestas apresentações e nestes capítulos, que contam com três histórias cada, apresento as minhas motivações para contá-las e comento a tradução de hitórias contadas e temas que as histórias suscitam. Por meio destas histórias, promovo reflexões antirracistas e anticoloniais, ressignificando a maneira como elas são apresentadas nestas duas publicações, e entendendo que muitas dessas histórias são usadas para justificar a violência da colonização. Nomeei estas atividades como traduções de histórias contadas ou contações de histórias

traduzidas pois articulo tradução e contação de histórias em minha prática, sendo minha

tradução uma contação e a minha contação uma tradução. Enfatizo a minha experiência como tradutora de histórias contadas para pensar na visibilidade da tradução que transpassa a minha subjetividade bixa preta transviada. Com a minha voz, demonstro como uma tradução de histórias contadas é modificada quando é contada e como eu me modifico cada vez que conto uma história traduzida.

Palavras Chaves: Tradução-Contação. Bixa Preta Transviada. Corsciência. Elphinstone Dayrell,

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ABSTRACT

In this thesis, I tell my experience with the Story translation project Against the

Colonial Hypocrisies developed along my PHD, which proposes storytelling as a color

conscious (ELLIS, 2018) methodology of translation. The corpus chosen to develop this methodology was a selection of six stories from the former Southern Nigeria Protectorate written in English and published in an anthropology institute in London. These stories were written by the district commissioner Elphinstone Dayrell and published in 1910 and 1913. Even thought they were published in the beginning of the XX century, they are much older, coming from the oral tradition and were collected and translated by interpreters from the region before they were published in two books: Folk Stories from Southern Nigeria – West Africa (1910) and Ikom Stories from Southern Nigeria. I have translated these stories and told them in Brazilian Portuguese along my PHD, splitting them in two moments which I called We should

all be storytellers and Telling stories of sheep, owls and crocodiles. Each one of those moments

correspond to a chapter in this thesis and a presentation that last for about an hour. In these presentations and chapters, which contain three stories each, I introduce my motivations to tell them and comment my storytelling translation and the themes that the stories evoke. Through these stories, it promotes antiracist and anticolonial reflections, resignifying the way they are presented in those two publications, understanding that many of those stories are used to justify the violence of colonization. I named these activities as storytelling translations or translated

storytelling because I articulate translation and storytelling in my practice, therefore my

translation is a storytelling and my storytelling is a translation. I emphasize my experience as a

storytelling translator to think the translators visibility which is intertwined with my

subjectivity as bixa preta trasnviada (a queer of color identity). I bringing my voice to demonstrate how a storytelling translation is modified in the process and how I am modified each time I tell a translated story.

Keywords: Storytelling. Bixa Preta Transviada. Color Conscious. Elphinstone Dayrell.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todxs Contadorxs de Histórias ... 41 Figura 2: Imagem do perfil de Elphinstone Dayrell na página Library Thing ... 42 Figura 3: Integrantes da mesa Tradução Feminismo e Pós-Colonialismo no IXSPA/PGET em 2016. ... 48 Figura 4: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todos Contadores de Histórias ... 74 Figura 5: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todos Contadores de Histórias ... 82 Figura 6: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todos Contadores de Histórias ... 125 Figura 7: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todos Contadores de Histórias ... 126

Figura 8: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todos Contadores de Histórias ... 126

Figura 9: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todos Contadores de Histórias ... 127 Figura 10: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todos Contadores de Histórias ... 127 Figura 11: Ensaio Fotográfico com figurino para divulgação da apresentação Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todos Contadores de Histórias ... 128 Figura 12: Divulgação da atividade cultural: “Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todxs Contadorxs de histórias” na XI Semana de Letras UFSC ... 130 Figura 13: Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos Todxs Contadorxs de Histórias na UFES

... 132

Figura 14: Entrevista para o programa Afro-Diáspora na Universitária FM (UFES) ... 132 Figura 15: “Contra a Hipocrisia Colonial I: Sejamos todxs contadorxs de histórias” no GEPET sobre obras afrobrasileiras, africanas, afrodiaspóricas e suas traduções ... 134 Figura 16: Dedicatória de Ríssiane Queiróz para Feibriss e Rica no seu livro Negras Sementes ... 155

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Figura 17: Apresentação “Contra a Hipocrisia Colonial II: Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos” na “XII Semana de Letras UFSC” ... 181 Figura 18: Apresentação “Contra a Hipocrisia Colonial II: Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos” na “XII Semana de Letras UFSC” ... 184 Figura 19: Com Aline, Elizangela, Juan e Luck no camarim antes da apresentação “Contra Hipocrisia Colonial II: Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos” na “XII Semana de Letras UFSC” ... 219 Figura 20: Apresentação “Contra a Hipocrisia Colonial II: Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos” na “XII Semana de Letras UFSC” ... 219 Figura 21: Apresentação “Contra a Hipocrisia Colonial II: Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos” na “XII Semana de Letras UFSC” ... 220 Figura 22: Apresentação “Contra a Hipocrisia Colonial II: Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos” na “XII Semana de Letras UFSC” ... 220 Figura 23: Apresentação “Contra a Hipocrisia Colonial II: Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos” na “Semana de Letras UFSC” ... 221 Figura 24 “Contra a Hipocrisia Colonial II: Contando histórias de ovelhas, corujas e crocodilos” no GEPET sobre obras afrobrasileiras, africanas, afrodiaspóricas e suas trauções ... 222 Figura 25: Tradução da história “The Story of the drummer and the alligators” no “IX Seminário de Pesquisa em Andamento na PGET UFSC”... 222 Figura 26: Tradução da história “The Story of the drummer and the alligators” no “IX Seminário de Pesquisa em Andamento na PGET UFSC”... 223

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LISTA DE TABELAS

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO OU TRATADO MANIFESTO MARCADO NÃO NEUTRO NA

VOZ DE UMA BIXA PRETA TRANSVIADA ... 15

1.1 APRESENTAÇÃO DO CORPUS OU O PROJETO DE TRADUÇÃO DE HISTÓRIAS CONTADAS CONTRA A HIPOCRISIA COLONIAL ... 23

1.2 VISIBILIZANDO QUESTÕES DE GÊNERO E RAÇA EM MINHA ESCRITA ... 34

2 CONTRA A HIPOCRISIA COLONIAL I: SEJAMOS TODXS CONTADORXS DE HISTÓRIA. ... 36

2.1 EU SOU A FEIBRISS E EU SOU UMA TRADUTORA DE HISTÓRIAS CONTADAS 40 2.1.1 Projeto de Tradução de Histórias Contadas ... 52

2.2 TRADUÇÃO COMENTADA DA HISTÓRIA DE POR QUE DEVEMOS SEMPRE SER AS PRIMEIRAS PESSOAS A COMER A COMIDA QUE OFERECEMOS ... 56

2.2.1 Notas de Elphinstone Dayrell ... 60

2.2.1.1 Tombo ... 60

2.2.1.2 Fufu e dendê ... 68

2.2.2 Palaver ... 70

2.2.3 Título ... 72

2.3 TRADUÇÃO DE HISTÓRIAS CONTADAS, OU CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS TRADUZIDAS ... 73

2.4 TRADUÇÃO COMENTADA DA HISTÓRIA DE AWU, O GAVIÃO E AS CRIANÇAS GÊMEAS DE INKUM; OU, POR QUE O GAVIÃO TEM DIREITO ÀS GALINHAS ... 83 2.2.4 Notas da tradutora ... 87 2.2.4.1 Compound ... 87 2.2.4.2 Formigas siafu ... 90 2.2.5 Crianças gêmeas ... 91 2.2.6 Mulher andada ... 92

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2.2.7 Nomes próprios ... 92

2.2.8 Título ... 94

2.3 HISTÓRIAS CONTADAS POR ABASSI DE INKUM E OUTRXS CONTADORXS DO SUL DA NIGÉRIA ... 97

2.4 CONTANDO NOSSAS HISTÓRIAS COM COR-AGEM E CORSCIÊNCIA CONTRA A NEUTRALIDADE RACIAL; OU, É HORA DE PENSAR EM PARTICIPAÇÃO SOCIAL, MUITO MAIS DO QUE REPRESENTATIVIDADE. ... 103

2.5 TRADUÇÃO COMENTADA DA HISTÓRIA DE COMO CANIBAIS LEVARAM AS PESSOAS DA MONTANHA INSOFAN PARA CROSS RIVER... 119

2.5.1 Duas histórias e um rio ... 121

2.5.2 A pessoa mais velha que vive entre nós ... 122

2.5.3 Palavra ... 123

2.5.4 Canibais ... 123

2.6 A EXPERIÊNCIA SENDO TRADUTORA DE HISTÓRIAS CONTADAS ... 124

3 CONTRA A HIPOCRISIA COLONIAL II: CONTANDO HISTÓRIAS DE OVELHAS, CORUJAS E CROCODILOS. ... 136

3.1 CONVERSA SOBRE GRIÔS: PARA NÃO CRESCER DE RAÍZES ALHEIAS .... 138

3.2 TRADUÇÃO COMENTADA DA HISTÓRIA DA TROVÃO E DO RAIO ... 155

3.3 A VELHA OVELHA E A VOZ DE ZEUS OU ANALISANDO PARATEXTOS DOS LIVROS DE ELPHINSTONE DAYRELL ... 160

3.3.1 A introdução de Andrew Lang ... 161

3.3.2 O prefácio de Elphinstone Dayrell ... 170

3.3.3 Uma introdução, um prefácio e um processo de cura... 178

3.4 TRADUÇÃO COMENTADA D’A HISTÓRIA DO GAVIÃO E DA CORUJA ... 185

3.5 COISAS QUE SÃO ETERNAS OU POR QUE ME CHAMO TRADUTORA DE HISTÓRIAS CONTADAS ... 189

3.6 TRADUÇÃO COMENTADA DA HISTÓRIA DE AFFIONG ANY, DO TOCADOR DE TAMBOR E DOS CROCODILOS ... 204

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3.7 A EXPERIÊNCIA CONTANDO HISTÓRIAS DE OVELHAS, CORUJAS E CROCODILOS ... 217 4 MORAL DA HISTÓRIA ... 226 REFERÊNCIAS ... 230 ANEXO 1 ... 245 ANEXO 2 ... 248 ANEXO 3 ... 251 ANEXO 4 ... 253 ANEXO 5 ... 254 ANEXO 6 ... 256

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1 INTRODUÇÃO OU TRATADO MANIFESTO MARCADO NÃO NEUTRO NA VOZ DE UMA BIXA PRETA TRANSVIADA

sou o corpo do atraso resquícios de um prazer embaraçado sou a asa da tua imaginação que transborda em chamas de pecado no meio da multidão sou o alvo quase perfeito absoluto do teu medo mas este corpo que goza não goza somente é um corpo que desmente o destino da colonização e para quem insiste em me desumanizar eu não sou bicho, sou bixa bixa preta dos territórios proibidos preta e bixa do instinto quase despercebido mas aqui habita potência o imenso fragmento do poder e só para você não esquecer se mexer com a bixa preta vai ter treta (BANKE, 2018)

Este não é o texto de uma pessoa branca. Também não é um texto de uma pessoa heterossexual nem de uma pessoa cisgênera1. De quem é esse texto então? É possível me

traduzir? É suficiente me definir por uma negação? E por três?

1. Não-branca 2. Não-heterossexual 3. Não-cisgênera

Não! A negação não me define. Se a negação não me define, o que então me define? Houve momentos em que tentei me simplificar. Achei que seria mais importante, mais relevante e mais fácil se eu escolhesse um nome, uma tradução que me definisse, que domesticasse a minha existência. Com um nome, fica mais fácil me colocar, pontuar demandas, exigir mudanças e afirmar uma existência invisibilizada. Acredito que dessa forma posso enfrentar de

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forma mais efetiva ao racismo, ao machismo e à LGBTfobia. Afinal, é possível lutar pelo intraduzível? Com um nome posso responder à pergunta que a tantos assola muitas mentes: o que é você? Pois sabemos que “quem” é um pronome pessoal e não cabe a pessoas desumanizadas.

Optei por me permitir a dúvida. Optei por me permitir desconhecer a mim mesma. E nesse processo me conhecer. Nesta tese que é também uma contação (tese-contação) me apresento como bixa, preta e transviada. Bixa preta transviada. Tudo junto sem hífen, mas ainda assim uma coisa só. Uma recusa a ser coisa, a afirmação de um “quem”. Mas uma tradução que como todas as outras não é definitiva, é uma maneira de buscar conhecer mais intimamente a mim mesma escolhendo uma definição que traduza o que é pra mim estar no mundo.

Portanto afirmo que este é o texto de uma bixa preta transviada. Sou feminina, meus pronomes são “ela/dela” e o meu artigo “a”. Na escrita também me sinto representada pelo uso do “x” de bixa como em elx/delx, pois embora seja feminina, gosto da possibilidade que o “x” traz de ser incógnita, de não ser mulher e muito menos homem.

Começo desta maneira minha tese-contação porque é importante que você saiba antes de prosseguir que este texto não busca uma suposta neutralidade científica, pois entendo que o discurso de neutralidade, assim como o de universalidade, é um discurso que silencia pessoas que não atendem a normatividade hegemônica criada e imposta como projeto do Colonialismo e mantida pela Colonialidade. De acordo com Aníbal Quijano:

Colonialidade é um conceito diferente de, ainda que vinculado a, Colonialismo. Este último refere-se estritamente a uma estrutura de dominação/exploração onde o controle da autoridade política, dos recursos de produção e do trabalho de uma população determina outra de diferente identidade e cujas sedes centrais estão, além disso, localizadas noutra jurisdição territorial. Mas nem sempre, nem necessariamente, implica relações racistas de poder. O colonialismo é obviamente, mais antigo, enquanto a Colonialidade tem vindo a provar, nos últimos 500 anos, ser mais profunda e duradoira que o colonialismo. Mas foi, sem dúvida, engendrada dentro daquele e, mais ainda, sem ele não poderia ser imposta na intersubjetividade do mundo tão enraizado e prolongado. (QUIJANO, 2010, p.84)

Os conceitos de Colonialidade e Colonialismo serão recorrentes nesta tese-contação para relacionar o processo de tradução de um texto escrito no período colonial na Nigéria e traduzido para os dias de hoje por uma pessoa preta transviada que compreende que até mesmo

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o distanciamento que, muitas vezes, ainda se espera em uma pesquisa acadêmica é também marcado. Ele é frequentemente branco, cisgênero, heterossexual, ocidental(izado), mas se afirma universal. Acredito que se propor não marcado é não reconhecer seu local de fala (RIBEIRO, 2017) e ignorar o privilégio epistêmico que, como afirma a Filosofa Feminista Djamila Ribeiro (2017), está associado ao privilégio social:

quem possui o privilégio social possui o privilégio epistêmico, uma vez que o modelo valorizado e universal de ciência é branco. A consequência dessa hierarquização legitimou como superior a explicação epistemológica eurocêntrica conferindo ao pensamento moderno ocidental a exclusividade do que seria conhecimento válido, estruturando-o como dominante e, assim, invisibilizando outras experiências do conhecimento. (RIBEIRO, 2017, p.24-25)

Por isso me manifesto marcando minha fala relembrando o silenciamento de epistemologias subalternizadas e não hegemônicas propondo uma tese-contação que sirva como mais um espaço para testar e propor práticas discursivas anticolonialistas e antirracistas, rejeitando o espaço de negra abjeto mantido pela Colonialidade. Rejeito também práticas que legitimam e corroboram com a manutenção de teóricos/as canônicos – entendendo o cânone como um espaço de poder que privilegia as produções intelectuais brancas em detrimento das negras e indígenas, por exemplo. A minha voz é erguida junta de muitas outras como a da professora Josane Silva Souza (2018, p.576-577) que, em seu artigo “Resistência e reexistência de mulheres negras no Feminismo”, narra um episódio em que uma mulher branca tenta silenciá-la em uma disciplina de pós-graduação (em que ambas eram alunas), demonstrando um exemplo de algo corriqueiro na vida de mulheres negras universitárias (mas não somente). Acredito, assim como a professora Josane Silva Souza que “[é] certo que a desconstrução é complexa, pois assim como há a revisão do cânone literário em voga na atualidade, há também a revisão dos privilégios.” (SOUZA, 2018, p.576). Portanto não basta apenas que entremos nas universidades (principalmente públicas) e que nossas produções acadêmicas (ou não) façam parte dos currículos universitários, precisamos tão urgentemente de uma revisão de privilégios e de que as pessoas que estão ocupando esse espaço de poder se comprometam com um posicionamento antirracista. Na apresentação do livro O que é Lugar de Fala? (2017), Djamila Ribeiro apresenta também a coleção Feminismos Plurais (pois esse é o primeiro livro da coleção), e fala sobre a importância de rompermos com narrativas dominantes afirmando também que é preciso que a questão racial deixe de ser apresentada apenas como um recorte.

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É importante pontuar que essa coleção é organizada e escrita por mulheres negras e indígenas, e homens negros de regiões diversas do país, mostrando a importância de pautarmos como sujeitos as questões que são essenciais para o rompimento da narrativa dominante e não sermos tão somente capítulos em compêndios que ainda pensam a questão racial como recorte. (RIBEIRO, 2017, p.15)

A respeito do trabalho acadêmico de pessoas negras, Grada Kilomba (2016) nos provoca à reflexão em sua palestra-performance - intitulada “Descolonizando o Conhecimento”, traduzida por Jess Oliveira:

É comum ouvirmos o quão interessante nosso trabalho é, mas também ouvimos o quão específico ele é:

“Isso não é nada objetivo!”, “Você tem que ser neutra…”,

“Se você quiser se tornar uma acadêmica, não pode ser pessoal”. “A ciência é universal, não subjetiva”.

“Seu problema é que você superinterpreta a realidade, você deve se achar a rainha da interpretação!”

Tais comentários ilustram uma hierarquia colonial, pela qual pessoas Negras e racializadas são demarcadas. Assim que começamos a falar e a proferir conhecimento, nossas vozes são silenciadas por tais comentários, que, na verdade, funcionam como máscaras metafóricas. Tais observações posicionam nossos discursos de volta para as margens como conhecimento ‘des-viado’ e desviante enquanto discursos brancos permanecem no centro, como norma. (KILOMBA, 2016, p.5)

Proponho uma escrita marcada nesta tese-contação, pois penso, assim como Grada Kilomba, que a exigência de uma escrita universal e neutra é uma forma de silenciamento, um projeto que tem como objetivo colocar e manter nossas pesquisas na margem. Esse silenciamento é enfatizado pela palestrante-performer através da figura da Escrava Anastácia que “havia sido encarcerada numa máscara – como isso era comum e se passava com todos aqueles/as que falavam palavras de emancipação durante a escravidão” (KILOMBA, 2016, p.1). Ao longo de seu texto, Grada Kilomba apresenta como o pensamento colonial ainda se articula para que nos mantenhamos mascaradas, para que a emancipação do povo preto seja controlada, censurada, evitada. É contra esse pensamento que coloca a produção acadêmica negra como menos relevante que minha produção de conhecimento busca uma consciência de cor (corsciência2) na minha voz bixa preta trasnviada, escrevendo textos marcados que não

2 Minha tradução para o termo “color conscious” usado por Traci Ellis (2018) em sua fala “The Exceptional

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deixem dúvidas da nossa presença negra – pois é a nossa produção acadêmica a mais frequentemente silenciada pelo rótulo de subjetiva. Enquanto isso, a subjetividade branca foi historicamente predominante no discurso acadêmico ocupando o status de norma a ser seguida e respeitada, consequência de um privilégio epistêmico de quem possui privilégio social.

A invisibilização das nossas experiências está a serviço da manutenção de uma “hierarquia violenta que determina quem pode falar” (KILOMBA, 2016, p.5). Ao nosso trabalho, atribuem características semelhantes às que atribuem a nós, a nossa artes e demais manifestações; características essas que nos colocam em um lugar menos prestigiado e relevante academicamente, mas não somente. Nos leem como um corpo apenas, um corpo que é sexual, que dança, que é desejado, mas para ser usado, nunca amado, para ser tocado, nunca respeitado, para ser objeto, dejeto, abjeto. No contexto acadêmico, Grada Kilomba nos apresenta também dualismos que são reforçados para silenciar vozes negras, denunciando a deslegitimação do nosso discurso:

Quando eles falam, é científico, quando nós falamos, não é científico. Universal / específico;

objetivo / subjetivo; neutro / pessoal; racional / emocional; imparcial / parcial;

eles têm fatos, nós temos opiniões; eles têm conhecimento; nós, experiências. (KILOMBA, 2016, p.5)

Em discordância com esses rótulos atribuídos a nós e as nossas produções científicas é que demarco esta tese-contação como o trabalho acadêmico de uma bixa preta transviada cuja vivência não silenciarei nesses escritos, assumindo que ela foi fundamental para essa produção. Marco que os textos traduzidos nessa tese-contação me atravessam, e é consciente desse atravessamento que teorizo a respeito das práticas de tradução e de contação de histórias do Sul da Nigéria traduzias. Da mesma forma, dialogo com textos teóricos (SPIVAK, 2000, 2010; VENUTI, 1995, 2002; OKPEWHO, 2009; MOORE, 2015; SANTOS, 2016; CARRASCOSA, 2017; ALMEIDA, 2018), músicas (FERREIRA, 2018; MANOELA, 2018), palestras (ADICHIE, 2009a, 2012; ELLIS, 2018; HOBSON, 2014), poemas (ANGELOU, 1994; RIBEIRO, 2015; KAUR, 2017, 2018), entrevistas (QUEBRADA, 2017 e 2018, MALUNGUINHO, 2019) e demais produções que me atravessam e deixo nesta

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tese-contação a minha vivência marcada por esses materiais. Proponho um debate teórico que dialogue com diversas fontes de conhecimento, dando destaque importante para produções de conhecimentos orais como músicas e entrevistas como metodologia de pesquisa e escrita que compõe a minha teorização.

Apresentar-me como bixa preta transviada é uma forma de tentar traduzir-me em uma identidade que me represente e que tente contemplar a minha forma de existir no mundo. Ao me colocar como bixa preta transviada ao invés de apenas bixa ou transviada, eu afirmo que a raça é um marcador importante também para o gênero, pois a vivência de pessoas LGBTQI+ negros é invisibilizada em lutas do movimento, como afirmo no texto “O angorô em Ponciá Vicêncio e a possibilidade de transgressão da categoria gênero” que escrevi com Jess Oliveira:

[É] relevante destacar que a bandeira do orgulho LGBTTQI foi criada em 1978 por Gilbert Baker, um homem gay estadunidense cis branco e ex-militar. Coincidentemente ou não, o mesmo movimento tem apagado e silenciado dissidentes sexuais e/ou de gênero – principalmente negrxs – priorizando e visibilizando homens gays, principalmente cis e brancos, criando um movimento “GGGG”, onde a invisibilização de pessoas racializadas opera desde um nível micro (afetividade e desejo) até um macro (políticas públicas que não representam as necessidades da população racializadas LGBTTQI).

Recentemente, contra essas políticas hegemônicas, o gabinete de assuntos LGBT do estado da Filadélfia nos Estados Unidos propôs ressignificar a bandeira arco-íris criando uma bandeira “revisada” que inclui as cores preta e marrom no topo do tradicional símbolo. Essas cores “representam pessoas negras e racializadas marginalizadas, ignoradas, e até mesmo excluídas intencionalmente” [Tradução nossa de parte do texto da campanha More Color More Pride (Mais cor mais orgulho)] do movimento LGBTTQI. (CASSILHAS, JESUS, 2017, p. 8)

Ser bixa preta transviada também é ser e não ser. É ter a possibilidade de questionar minha identidade diariamente rejeitando a imposição de uma identidade concreta e engessada que me defina. É a possibilidade da dúvida, é a possibilidade de dizer que me definir é uma necessidade maior de outras pessoas com quem convivo do que minha. Ser bixa preta transviada hoje significa viver buscando e permitir-me ser quem eu quero ser, e não quem esperam que eu seja. Ser bixa preta é uma forma de me unir politicamente a luta, resistência e aos prazeres de não se render à heterossexualidade compulsória (RICH, 2010). Ser transviada tem relação com a maneira como eu me expresso, tem a ver com reinventar a minha feminilidade que é condenada quando presente em pessoas designadas do sexo masculino no nascimento, tem relação com como me percebo também. Somos cobradas por uma masculinidade ao invés de sermos respeitadas em nossa complexidade, e a minha reivindicação

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é por poder me expressar, é para que nós possamos nos expressar independentemente do que esperam de nós. Linn da Quebrada (2017) se apresenta como bixa travesti e é uma das bixas travestis que muito contribui para que eu me apresente como bixa preta transviada, pois assim como ela, acredito que eu sou muito mais um espaço de auto-investigação do que um espaço de definição e de certezas:

Ser bixa travesti para mim é uma confusão, mas é a minha possibilidade e a minha dádiva a dúvida, acho isso muito importante. É a minha dádiva a ter dúvidas, a não ter certeza, a minha possibilidade ao erro, o meu espaço de investigação e de ocupação do meu próprio corpo, meu corpo como um território a ser ocupado, a ser invadido... e é um... eu não sei bem, é o meu espaço de tentar entender quem eu sou mesmo, sabe? De entender dentro do campo afetivo... dentro do que a gente entende como identidade, como sexualidade, entendendo os meus desejos, desentendendo todos eles... é... entendendo a minha estética... entendendo a minha estética como não sendo estática. E nesse espaço de ocupação de bixa travesti que eu me encontro, porque... entre ser homem e mulher eu prefiro ser eu. Eu acho que eu me encontro nessa linha tênue, sabe? nesse espaço que é bixa, mas que é travesti também... que é inventar um feminino, que é inventar novas possibilidades do feminino, que é inventar feminilidades viris. E... não sei, não sei... é isso. (QUEBRADA, 2017)

Marco meu discurso, pois não consigo me despir da minha negrura – e nem quero – enquanto estou lendo ou escrevendo. Quando leio escritoras e escritores negros nos conectamos e dialogamos, da forma que textos canônicos brancos nunca fizeram e nunca farão. Existem teorias e literaturas negras em que eu me leio, e quando traduzo histórias negras eu me traduzo, quando conto histórias negras eu me conto. Minha escrita é negra, e passa por mim. E quando digo negra, eu não falo apenas de cor, mas de posicionamento. Repito: não almejo a neutralidade acadêmica imposta e mantida. Farei isso ciente de que fugir dessa neutralidade é um desafio pois envolve lapidar a linguagem em busca de livrar-se do racismo, sexismo e da binariedade de gênero que a impregnam. É urgente a mudança da linguagem que usamos dentro e fora da academia, e essa tese-contação se propõe um laboratório para experimentos temáticos e formais.

Celebro nessa introdução-tratado-manifesto a conquista pelas políticas afirmativas, como a política de cotas, por terem trazido melhoras. Para citar o exemplo da UFSC, a professora Joana Célia dos Passos começa o documentário Revolução Silenciosa: 10 anos de

cotas raciais na UFSC falando que “não é possível pensar que a gente é a mesma UFSC de

antes de 2008” (KRUPACZ, 2018), sendo 2008 o ano da implementação das cotas na UFSC. A professora ainda afirma que “nós temos 60 coletivos negros constituídos após as ações afirmativas” (KRUPACZ, 2018) e celebra este fato. Mas, também, ressalto que o acesso de

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pessoas negras nas universidades ainda precisa de mais atenção, sobretudo com relação as políticas de permanência estudantil que perpassam pelo aspecto material (recursos financeiros) e simbólica (pois as estruturas sociais fazem com que recebamos um tratamento desigual). Renata Golçalves e Gabrielle Ambar ao escrever o artigo A questão Racial, a universidade e

a (in)consciência negra examinam casos da Universidade Federal de São Paulo e chegam a conclusão de que:

as políticas de acesso ao ensino superior terem trazido um número significativo de estudantes negro(a)s e pobres para a comunidade universitária, não significa que a democracia racial deixou de ser mito. Muito pelo contrário, a universidade ainda não sabe o que fazer com a “chegada do estranho” e, longe de romper com a reprodução de estereótipos, ela guarda estreitas relações com o que ocorre na sociedade. Apesar de inegáveis avanços, restam muitos desafios aos que lutam para que a universidade enfrente os problemas oriundos da dolorosa integração do(a) negro na sociedade de classes. (GAONÇALVES, AMBAR, 2015, p.211-212)

Se batalhamos pela entrada de pessoas negras nas universidades e pela nossa permanência nela é porque a nossa luta é por uma reformulação epistêmica deste espaço e de suas produções é uma luta por nossas vidas pois “quando pessoas negras estão reivindicando o direito a ter voz, elas estão reivindicando o direito à própria vida” (RIBEIRO, 2017, p.43). Em resposta ao discurso racista anti-cotas e anti-cotistas, Bia Ferreira (2018) escreve e canta a música "Cota Não é Esmola" cantando a vivência de pessoas negras expondo a desigualdade social e relembrando, por exemplo, o incontável número de “nações escravizadas e culturas assassinadas” que motiva e justifica a existência de cotas em países com o Brasil. Rodrigo Ednilson de Jesus apresenta uma sucinta contextualização desse pensamento no país:

Durante um longo período, Brasil, Estados Unidos e África do Sul colocaram em práticas políticas completamente distintas, senão opostas na definição e tratamento das relações raciais (Guimarães, 1999; Azevedo, 2003; Dias da Silva, 2006). Enquanto Estados Unidos e África do Sul colocaram em prática um sistema legalmente institucionalizado discriminação e hierarquização racial, sendo identificados, por isto, como locais de opressão racial, o Brasil sempre foi considerado, interna e externamente, como um paraíso, onde as distâncias e hierarquias raciais eram vistas como fluídas ou inexistentes. Estas representações, acerca da amenidade do racismo à brasileira (Telles, 2003), seriam frutos, em grande parte, da informalidade através da qual as fronteiras raciais foram estabelecidas no Brasil, apesar da institucionalidade da escravidão (JESUS, 2009, p.97-98).

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posicionamento político da tradutora em suas escolhas, seja ela a escolha de qual texto traduzir, seja ela referente às escolhas tradutórias dentro do próprio texto. É importante que o/a tradutor(a) esteja ciente de que suas escolhas não são neutras (BLUME, PETERLE, 2013, p.9). Assim como Lawrence Venuti (2002), penso a tradução como forma de resistência. Ele faz da sua atuação como tradutor um ato visivelmente político. Ao traduzir textos literários para a língua inglesa, o teórico evita o que critica: a reprodução de estereótipos, cujas histórias chegam aos Estados Unidos via tradução literária. Para o teórico, a tradução é um agente transformador que “é tratada de forma tão desvantajosa em parte porque propicia revelações que questionam a autoridade de valores culturais e instituição dominantes” (VENUTI, 2002, p. 10). Assim como ele vejo esse potencial na tradução e em sua teorização, por isso pretendo potencializar esses discursos e ampliá-los ao aliá-los a discursos afro-diaspóricos entrelaçados à produção oral negra, dando maior ênfase na contação de histórias. Busco nesse trabalho participar do debate da dimensão performativa e política de traduções e contribuir para a área dos Estudos da Tradução assim como das demais áreas do conhecimento com que me proponho a dialogar, como a antropologia e a literatura por exemplo, por traduzir textos que são de interesse também para estas áreas.

1.1 APRESENTAÇÃO DO CORPUS OU O PROJETO DE TRADUÇÃO DE HISTÓRIAS CONTADAS CONTRA A HIPOCRISIA COLONIAL

Narrativas que são apresentadas como histórias folclóricas de países europeus (ou de outros países que foram traduzidos na Europa ou nos Estados Unidos) são muito conhecidas e populares no Brasil. Muitas histórias são (re)publicadas, (re)contadas e revisionadas em diversas mídias nacionais e internacionais, mas poucas delas são de países africanos ainda. O revisionismo é uma importante estratégia literária de releitura e transformação de histórias repensando o papel de personagens nas histórias e o contexto das histórias quando deslocadas no tempo e no espaço. É comum repensarmos protagonistas e vilões no revisionismo dando diferentes focos para as histórias. É comum em obras feministas como é o caso de Angela Carter (1999) em seu conto A companhia dos lobos, que é um revisionismo da história de Chapeuzinho

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“O revisionismo [...] dirige nossa atenção para textos do passado de modo que possamos enxergá-los a partir de novos ângulos. Para que isso seja possível, a tônica do processo revisionista é repetir uma história original, porém de um jeito diferente. Dessa maneira, o ato de reescrever seria, como bem observa Crunelle-Vanrigh, "uma ação recíproca de repetição, imitação e diferença" (2001, p. 129).” (MARTINS, 2006, p.158)

Através da realização das traduções das histórias escritas por Elphinstone Dayrell (1910, 1913) e a contação dessas traduções, esta tese-contação visa contribuir para a visibilidade de narrativas nigerianas no meio acadêmico e fora desse meio também. Em trabalho conjunto com a tradução dos textos escritos, realizei um projeto de contação de história são longo do doutorado que contou com a direção de elenco de Rica Duarte, com a percussão de Luck Yemonjà Banke, direção de imagem por Silvio Somer e participação de Elisangela de Paula Palhano. Esse projeto é uma experiência de como a tradução de textos escritos pode transformar a contação de histórias e vice-versa e consiste em contar essas histórias colocando-me como tradutora de histórias contadas ao invés de contadora de histórias ou tradutora para visibilizar o protagonismo da tradução e para marcar a relação com a contação.

Foram escolhidos seis textos do escritor Elphinstone Dayrell para serem traduzidos nessa tese-contação, mas eles fazem parte de um conjunto muito maior de histórias. Eles foram selecionados a partir dos livros Folk Stories from Southern Nigeria (1910) e Ikom stories from

Southern Nigeria (1913). O escritor inglês atuava como comissário distrital. O livro Folk

Stories from Southern Nigeria traz 40 narrativas escritas em língua inglesa e está disponível em domínio público desde 2010 e pode ser encontrado em sites como The Project Gutemberg, por exemplo. Já o livro Ikom stories from Southern Nigeria apresenta 33 histórias, também em inglês. Das 73 histórias encontradas nos dois livros, temos cinco história publicadas em português no Brasil, todas elas do livro Folk Stories from Southern Nigeria. A história Why the

Sun and the Moon live in the sky foi adaptada em português no Brasil. Esse parece ser o texto mais popular de Elphinstone Dayrell e já foi publicado separadamente das outras 39 histórias do livro pela editora Hounghton Mifflin Tra, por exemplo nos Estados Unidos da América em 1990 – o livro foi ilustrado por Blair Lent e ganhou o prêmio de melhor livro ilustrado no

Children’s Spring Book Festival. No Brasil essa história aparece na coletânea Sukulume e outros contos africanos, adaptada por Júlio Emílio Braz, com o título Porque o sol e a lua foram

morar no céu e publicado pela editora Pallas em 2005. Ao comparar o texto de Dayrell com o de Júlio Emílio Braz, é possível identificar a tradução de parágrafos inteiros do texto de Dayrell para o português. O adaptador expande o texto de Dayrell acrescentando, por exemplo,

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diálogos. Não há créditos ou qualquer menção ao nome de Dayrell no livro de Braz ou a qualquer outra fonte. O mesmo acontece com todas as outras histórias neste livro, elas não são relacionadas a nenhuma etnia, a nenhum país ou a nenhum/a contador/a de histórias ou a nenhum/a escritor/a.

Enquanto escrevia a minha tese-contação, foi publicada a tradução da história The

Disobedient Daughter who Married a Skull, pela Editora Wish. A história que em tradução livre lê-se “A filha desobediente que se casou com a caveira” foi traduzida por Carolina Caires Coelho e publicada em 2018 e recebeu o título de “A noiva da caveira”. A editora a classifica como um conto de fada africano e a lançou em um livro digital gratuito no mês de novembro, mês da consciência negra.

Os outros três contos foram publicados por mim em parceria com o colega Yeo N’gana (DAYREL, 2018) na revista eletrônica Acácia. Escolhemos traduzir os textos Concerning the

Fate of Essido and his Evil Companions, The Woman with Two Skins e The King’s Magic Drum, que traduzimos respectivamente como “O destino de Essido e de seus companheiros malfeitores”, “A mulher com duas peles” e “O tambor mágico do rei”.

Além de Why the Sun and the Moon live in the sky, outras histórias do livro Folk Stories

From Southern Nigeria foram publicadas em inglês em um livro independente: a história How

the tortoise overcame the elephant and the hippopotamus ilustrada por Nuria Vives (2015) é um dos exemplos. Esse livro possui pelo menos duas traduções, uma para o espanhol e outra para o catalão.

Seja para o público geral, ou para o público acadêmico, justifico a relevância destas traduções levando em consideração a limitação de nosso acesso às histórias de textos africanos como os de Dayrell no Brasil são somente para o público infantil, com base na minha experiência na academia como aluna de graduação e pós-graduação. Em sua fala, The Danger

of a Single Story (2009a), Chimamanda Ngozi Adichie nos apresenta como o acesso ao discurso é uma forma de dominação e relaciona o ato de se contar histórias com o poder: “[p]oder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa.” (ADICHIE, 2009a, s.p.). Com essa reflexão, ela destaca a importância de termos acesso a diferentes histórias de um mesmo povo para que visões estereotipadas não se alastrem e sejam legitimadas por discursos hegemônicos. Histórias como essas que traduzo nesta tese-contação apresentam personagens africanas que contribuem para contrapor a construção da imagem de pessoas africanas como selvagens incultos e pagãos que

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é divulgada, reforçada e mantida por um ainda dominante discurso colonial eurocêntrico de manutenção da supremacia branca.

Em 2003 no Brasil foi implantada a Lei 10.639/2003 que coloca no conteúdo programático o estudo da “História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social econômica e política pertinentes à História do Brasil”. Essa foi uma grande conquista do movimento negro no país, e esse tipo de pesquisa e de projeto de tradução pretendem também corroborar, direta ou indiretamente, com a aplicabilidade dessa lei nas escolas nacionais fornecendo material sobre a Nigéria que ainda não foi disponibilizado em língua portuguesa e demonstrando o potencial destas histórias. Outra utilidade destas traduções é a possibilidade do diálogo com outras antigas colônias portuguesas pelo mundo, sobretudo em África.

O livro Sikulume e Outros Contos Africanos apresenta o seguinte trecho do artigo

Sankofa: educação e Identidade Afrodescendente, de Elisa Larkin Nascimento:

Sustento que a imagem distorcida da África, ou sua omissão, nos currículos escolares brasileiros legitima e ergue como verdades noções elaboradas para reforçar a supremacia branca e a dominação racial. Essa distorção, a meu ver, tem impacto tão devastador sobre a identidade afrodescendente quanto a supressão da resistência do negro à escravidão e à representação da matriz religiosa como “cultura animista” ou “culto animista”, quando não “obra do diabo”. A negação da ancestralidade na sua plena dimensão humana constitui elemento essencial à desumanização dessa população. Ademais, o sistema de significações criado pelo racismo baseia-se em grande parte no alicerce ainda pouco abalado de criar civilizações. (LARKIN apud BRAZ, 2005, p.63)

Assim como Larkin, acredito na importância da publicação de contos africanos no Brasil, sem incorrer nos riscos do estereótipo, da exotização ou descontextualização que, muitas vezes, encontramos em publicações de 'contos africanos', especialmente para o público infantil. Acredito que esses contos podem ser potencializados em diálogo com textos de pessoas negras brasileiras e suas histórias. Nesta tese-contação, busco apresentar maneiras de articular discursos anti-colonialistas e anti-racistas juntamente da circulação desses textos traduzidos. Reforço nesse trabalho o importante papel da tradução nesse processo, porque mais da metade da população brasileira é negra. O fato de que muitas de nós não tem histórias referentes a nossa ancestralidade negra torna a tradução uma forma de conhecer histórias africanas para melhor vivermos a nossa condição diaspórica, pois acredito que a história única do continente

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africano pelo olhar colonial do branco nos adoece e corrobora com a manutenção da Colonialidade. Ao traduzir esses textos, identifico-me com a postura de Lawrence Venuti (2002) em seus projetos tradutórios apresentados no livro Escândalos da Tradução: por uma

ética da diferença traduzido por Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias

Esqueda e Valéria Biondo. As observações do teórico sobre o projeto editorial de grande parte das editoras nos Estados Unidos da América me inspiram a ir contra o fluxo editorial hegemônico em minha pesquisa e atuação como tradutora e pesquisadora na área de Estudos da Tradução. Lawrence Venuti (2002, p.129) denuncia o incentivo e a reprodução de estereótipos desde a escolha dos textos a se traduzir até o projeto tradutório em si. A partir dessa perspectiva justifico a escolha dos seis textos sendo quatro deles do livro Folk Stories From Southern

Nigeria (1910):

 XIX – The Story of The Lightening and the Thunder

 XXXI – How Cannibals drove the People from Insofan Mountain to the Cross

River (Ikom)

 XXXVII – Concerning the Hawk and the Owl

 XXXVIII – The Story of the Drummer and the Alligator.

e dois deles do livro Ikom Stories From Southern Nigeria (1913):

 I – How an Inkum woman abandoned one of her twins in the forest, and how it

was saved by the hawk

 XVI – How Oghabi poisoned his friend Okpa and family, or Why a host should

always eat first from the food which he gives to his guests

As motivações e os critérios de seleção são diversos e não há apenas uma temática que as una. O propósito geral é apresentar traduções de resistência priorizando as questões raciais e coloniais e suas intersecções assim como uma estrutura que comporte esse discurso. Motiva-me pensar a minha própria tradução, contação e teorização, consciente de que Motiva-meu trabalho é um trabalho acadêmico e que as universidades brasileiras surgiram no período colonial. Desta forma é preciso ter sempre consciência de que estou em um local que oprimiu, ainda oprime e

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legitima essas opressões, mas onde também existe muita resistência que não pode ser invisibilizada.

O primeiro livro, Folk Stories From Southern Nigeria, conta com um prefácio de Andrew Lang, escritor escocês conhecido pela sua erudição nas áreas de Literatura, Folclore, História e Antropologia. Nessa introdução, Andrews Lang faz um breve comentário sobre cada história e compara-as a outras histórias de origem europeia, asiática e australiana. Destaco que no prefácio de Andrew Lang, ele apresenta uma leitura do texto de Elphinstone Dayrell extremamente eurocêntrica chegando a enaltecer histórias de mesma temática vindo de outros continentes, como a Europa, para depreciar as histórias do sul da Nigéria; questionando inclusive as habilidades poéticas dos nigerianos em seu comentário sobre a história The Story

of the Lightning and the Thunder. Escolhi traduzir essa história para poder também elaborar

uma contra-crítica e contra-proposta ao eurocentrismo redutor de Adrew Lang, propondo uma outra leitura desta história a partir de uma postura antirracista e anticolonial.

Uma das motivações principais da minha pesquisa é pensar na importância da existência de mais histórias sobre temas usados muitas vezes para justificar as violências da colonização cujas estratégias discursivas de dominação infantilizaram, desumanizaram e animalizaram a população negra de diversas formas. Por essa motivação escolhi a história How Cannibals

drove the People from Insofan Mountain to the Cross River (Ikom) por tratar do canibalismo

no sul da Nigéria, contando sua história respeitando a alteridade de um povo, sem que esse povo seja desumanizado.

As histórias Concerning the Hawk and the Owl e The Story of the Drummer and the

Alligator foram selecionadas juntas. Isso porque em The Story of the Drummer and the Alligator

o aprendizado da história Concerning the Hawk and the Owl aparece em uma conversa entre personagens que tomam uma decisão a partir do que se aprende com essa história. No livro

Concerning the Hawk and the Owl está antes da Concerning the Hawk and the Owl e The Story of the Drummer and the Alligator, logo, se uma pessoa lê essas histórias na sequência, terá a

possibilidade de identificar o aprendizado da primeira na segunda. Acredito que a escolha dessa história seja relevante para o corpus da minha tese-contação por trazer não só um diálogo entre os textos, mas também para trazer um exemplo de como essas narrativas que me proponho traduzir aparecem nessa sociedade. Quando a personagem de The Story of the Drummer and

the Alligator se refere à outra narrativa, temos representado no texto a relevância desse texto

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aprendizado são vividos.

O segundo livro Ikom stories from Southern Nigeria foi publicado por um instituto de antropologia em Londres e desta vez com prefácio do próprio Elphisntone Dayrell. Deste livro escolhi a história How an Inkum woman abandoned one of her twins in the forest, and how it

was saved by the hawk por motivações semelhantes às da escolha de How Cannibals drove the People from Insofan Mountain to the Cross River (Ikom) no outro livro. Tanto o canibalismo

quando o abandono de gêmeos foram e ainda são usados como justificativa para a colonização e a história única que temos sobre o fim dessas práticas é muitas vezes atribuída ao homem branco supostamente civilizado. Gayatri Spivak (2010) disserta sobre o tema ao falar sobre a autoimolação das viúvas indianas elaborando a sentença “homens brancos estão salvando mulheres de pele escura de homens de pele escura” (p.91), trazendo um exemplo de discurso colonial salvador que justificaria toda a violência da colonização que ainda persiste mesmo após a independência de países colonizados. Esse discurso perdura, seja pela colonização da mente (WA THIONG’O, 1994) ou pelo discurso de globalização que se apresenta como uma possibilidade de troca e crescimento mútuo, mas que favorece majoritariamente a economia e cultura hegemônica (SMITH, 1997).

Tive também como critérios para escolher as histórias o protagonismo de mulheres, pois me interessa visibilizar a histórias de mulheres negras africanas, pois a academia ainda prioriza narrativas de homens e sobre homens. Este é o caso das histórias The Story of the Drummer and

the Alligator e How an Inkum woman abandoned one of her twins in the forest, and how it was saved by the hawk, mas não são essas as únicas histórias que me permitem abordar questões de

gênero da tradução, já que os próprios idiomas envolvidos no processo de tradução nos permitem fazer tais reflexões.

A última história que selecionei se assemelha a muitas outras histórias do livro que trazem a origem de hábitos cotidianos, neste caso o hábito de que quem deve provar da comida primeiro é sempre o anfitrião. O que me atraiu primeiramente em How Oghabi poisoned his

friend Okpa and family, or Why a host should always eat first from the food which he gives to his guests foi o fato de termos uma história dramática cheia de reviravoltas para contar um

habito rotineiro; ao traduzi-la percebi que, além disso, ela é uma boa história para se pensar a tradução de alimentos e a sua relação com o Brasil e a culinária negra nesse processo de tradução. Essa história é uma das histórias que pode propiciar uma reflexão importante sobre a escravidão em África antes da colonização Europeia. Esse assunto me interessa porque o fato

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de haver escravidão em África antes da chegada do homem branco é usado para deslegitimar a luta negra no Brasil; invisibilizando nossas reivindicações, desconsiderando que eram sistemas escravocratas muito diferentes e que o continente europeu lucrou imensamente com o sequestro, venda e escravização de pessoas africanas.

Os critérios de seleção do corpus dessa tese-contação podem ser resumidos nos seguintes tópicos:

 Ter potencial para combater discursos coloniais e racistas;  Possibilitar uma contra proposta ao prefácio de Andrew Lang;  Ter mulheres como protagonistas;

 Apresentra exemplos contrários a imagem de submissão da mulher negra Africana do período pré-colonial;

 Apresentar ensinamentos ancestrais;

 Corroborar com a humanização de povos negros africanos monstrificados no processo de colonização.

As colocações aqui feitas e essa explanação das escolhas das narrativas para serem traduzidas e contadas (e vice-versa) foram feitas pensando o processo de tradução como um ato de rendição, como afirma Gayatri Spivak (2000, p.440). Para Gayatri Spivak, se render à tradução é mais um processo erótico do que ético em que é necessário ter um relacionamento diferente com a língua e não somente com o texto específico em si. Ela afirma também que a tradução é o ato mais íntimo de leitura, e é assim que me sinto ao desenvolver esse projeto desde a escolha das histórias a serem traduzidas. Ao justificar minhas escolhas formalmente e extrair dessas narrativas potências de resistência que pretendo trabalhar, valorizo o processo de seleção do texto a ser traduzido e o seu ato político como faz Lawrence Venuti (2002). Acredito que essa afetividade seja um elemento necessário ao meu trabalho já que é muito significativo para mim pensar em uma língua portuguesa que traduza textos negros africanos do Sul da Nigéria publicados há mais de 100 anos. Traduzir e contar essas histórias é um exercício que procuro fazer com muita intimidade por ser negra e me preocupar com as lacunas deixadas no processo de colonização que ainda tem consequência nas vidas das pessoas negras, pois o não-silenciamento dessas histórias, dessas vozes está intimamente ligado à minha (r)existência.

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Além de contar para vocês essas seis histórias, ao longo dos próximos capítulos contarei a história da tradutora de histórias contadas, que é também a minha história, pois este conceito foi construído em mim para a minha apresentação e a partir dela. Portanto, para contar essa história, terei que contar também como uma tradutora de histórias contadas vem a se tornar um conceito. Para uma primeira apresentação, conto a vocês brevemente que a tradutora de histórias contadas é uma contadora que traduz e conta histórias traduzidas. Ela marca sua presença não apenas no texto como nas suas apresentações, pois ela se recusa a ser invisível.

Ao traduzir as histórias que proponho, evidencio a figura tradutora quando exponho oralmente na contação o ponto de partida dessas histórias e, buscando visibilidade ao traduzir e ao contar essas histórias publicamente em espaços diversos. Essa visibilidade será pensada no texto traduzido em si, mas também nas minhas apresentações, começando-as, por exemplo, apresentando-me como tradutora de histórias contadas ao público. Uma das intenções deste trabalho é reforçar ao longo dessas contações que o processo de tradução foi necessário para que elas fossem realizada naquele momento. Desta forma apresento a ideia de que estas apresentações são traduções-contações. Para isso pretendo utilizar estratégias discursivas que elevem a probabilidade do público de lembrar e referir-se a mim como tradutora e ao texto contado como um texto traduzido.

No processo de tradução-contação e teorização, busco evidenciar minha voz negra LGBTQIA+ ressignificando a figura do griô3 na minha trajetória acadêmica como pesquisadora, e tradutora. A partir de uma perspectiva de descolonização da mente, para usar o termo de Ngugi wa Thiong’o (1994), pretendo realizar um trabalho que contribua para a descolonização epistêmica na universidade que ainda se apresenta demasiadamente branca e colonial em seu currículo e em suas pesquisas. A luz das reflexões de Michel Foucault (2015) sobre o poder e o papel do intelectual, pretendo produzir em um trabalho de pesquisa, tradução e contação que valorize a contação de história e suas características no discurso acadêmico pelos Estudos da Tradução reproduzindo discursos historicamente marginalizados. Para Foucault:

3 Sobre o griô escolho o manifesto de Djeli Mamadu Kuyaté que abre o livro Tradição Oral & Escrita de

Louis-Jean Calvet em forma de epígrafe: “Eu sou griô. Sou Djeli Mamadu Kuyaté, filho de Bintu Kuyaté e de Djeli Kedian Kuyaté, mestres na arte de falar. Desde tempos imemoriais, os Kuyaté estão a serviço da princesa Keita do Mandiga, nós somos sacos de falas, somos sacos que contêm segredos muitas vezes seculares. A arte de falar não é segredo para nós, sem nós, os nomes dos reis cairiam no esquecimento, nós somos a memória dos homens; pela fala, damos vida aos fatos e aos feitos dos reis para as novas gerações.” (NIANE apud CALVET, 1984, p.7)

Referências

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