Chang Whan
RERU
Figuras em cordéis dos índios Karaj á
Dissertaçao de Mestrado em História da ArteUniversidade' f.ederal do füo de laneiro Centro de Letra� e Artes
Escola de BeJas Arte�
Mestrado em
r
listória e C ríti.cd da Arte 1998CHANG WHAN
RERU
Figuras
em cordéis
dos
í
ndios
Karajá
Dissertação de mestradoem História da Arte
-
Area de concentração em AntropologiadaArte.
Orientadora: ProP Dra Regina F
’
olo Müller.
UniversidadeFederaldo Rio deJaneiro
Centro
deLetraseArtesEscola deBelas Artes MestradoemHistória daArte
CHANG, Whan
Rem
-
Figuras em cordéis dos índios Karajá.
Rio de Janeiro, UFRJ, EBA, 1998.ix, 130 p.
Dissertação:Mestre em Históriada Arte(Antropologia daArte)
1
.
Jogos e brinquedos 2.
Figuras em cordéis 3.í
ndiosKarajá 4.Processol údicoI.Universidade Federal do RiodeJaneiro II
.
TítuloCHANG WHAN
RERU
Figuras em Cordéis dos í
ndios
Karajá
Dissertação submetida aocorpodocente do Mestradoem HistóriadaArteda Escolade Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos
necessários paraaobtenção do grau de mestre
.
Ou
ProF Dr
“
Regina PoloMüller UniversidadeEstadual deCampinas/
jdU
í
.^
.
^
ProfdDC Rosza W.
Vei Zoladz UniversidadeFederal doRiodeJaneiroPifaFDr
.
Rogé|
ri<bMedekds
iversidadeFederal doRioaedíneiro
Rio de Janeiro julho de1998
Agradecimentos
Aoindigenista JoãoAméricoPeret,amigo de longas datas,porapontar-meoreru
,
objeto desteestudo.À saudosa professora Maria Heloisa Fénelon Costa, minha primeira orientadora,pela
atençãoe estímulo na fase inicial dotrabalhode pesquisa
.
À professora Regina Polo Müller,orientadora deste trabalho na sua fase final, pelas sempre pertinentes eoportunassugestõesecuidadosa orientação.
Aos professores Antonio Carlos de Souza Lima e Hélio Viana do Departamentode Antropologiado Museu Nacional / UFRJ, orientadores do meu estágio no Setor de
Etnologia, onde pudecomplementara pesquisa sobre as figurasemcordéis
.
Àprofessora RozsaVelZoladz,pelaatençãoeconstante incentivo ao meu trabalho
.
A IjeseberiKarajá,amigo eprestimosoinformante, pelaseriedade ededicação com que colaborou comapesquisa.
A Myixá Karajá,amiga e prestimosa informanteque, mesmosem falar o português,
dedicou
-
se comimensapaciência àtarefadeensinar-
mea executarasfiguras em cordéis, oquepossibilitouoregistro descritivo dos seus métodos de construção.
À CAPES,peloapoiofinanceiro da bolsa deestudo que viabilizoua pesquisa através dos trabalhos decampoedegabinete.
A Ching Chang, meu irmão, que ajudou-me com uma pesquisa bibliográfica na Biblioteca Central da Universidadede Berkeley, contribuindo para oenriquecimento
destetrabalho
.
A Marcus,meumarido,que sempre me apoiou e incentivou
.
A ele dedicootrabalho.
"
Opuro
esimples jogo
constitui umadas
principais bases
daciviliza
ção"
Johan
Huizinga
(in Homo Ludens)
Resumo
RERU
Figuras em cordéis dos índios Karajá
Estadissertação examina um fenômenocultural soba forma de uma atividade delazer comum a muitos
povos
nomundo. Um
olharmais detidoà atividade de construçãode figurasemcordéispode ajudar-nosa melhorcompreendera criatividadehumanaea suanatureza lúdica
.
Através do levantamento de umacoleçãode figuras em cordéis, que inclui a descriçãodeseus métodosdeconstrução,coletados entre os os índios Karajá,população ind ígena brasileira que habita a região do Brasil Central, examinamos as
figuras em cordéis enquanto produtos culturais finais, assim comoa atividade do seu fazerenquanto umprocesso que consisteda interaçãoentre um apurado sensoestéticoe uma alegre experiência de fruição lúdica
.
Relata-
se também uma experiência de revitalização cultural com osKarajáe as suasfigurasemcordéis.
Abstract
RERU
The Karajá Indians String
Figures
This dissertation examines acultural feature in theform of a leisure activity which is common) tomany peoplesin the world
.
A close look into the activity of string figure makingcan give usmanyinsights tohelpus better understand humancreativityandludic nature.
Throughan account ofa sampling collectionofstring figures, which include their construction methods,collected among a brazilian indigenous people,the Karajá people,whoinhabitthe central brazilian inlands, we examine the stringfiguresas final cultural products as wellastheactivityofmakingthemasacreativeprocesswhich is an interplay
between a keen aestheticsense and ajoyfull ludicexperience.An account of a cultural revivalexperience withthe Karajá peopleandtheir string figures isalso reported.
SUMÁ
RIO
I
.
INTRODUÇÃ
O 12
. FIGURAS
EMCORD
ÉISNO MUNDO
ENO BRASIL
88 2.1
.
Trajetória dos estudos em cultura material2.2
.
Figuras em cordéis, o nosso objeto 2.3.
“String Figures” pelo mundo afora2.4
.
Figurasem
cordéis no BrasilI 1 15 23 3. O RERU KARAJ Á 35 35 3.1
.
0 reru Karajá 3.2.
A coleção dereru 44 4.
MÉTODOS DE CONSTRUÇÃO 604.1
.
Termos usados para identificação de segmentos de cordel 61 62 4.2.
Comandos e manobras4.3
.
Métodos de construção dosreru Karajá 4.3.
1.
Aberturas e sa ídas principais4.3
.
2.
Descrição das manobras de construção4.4
.
Esquemade desdobramentoformaldosprocedimentosde construçãode reru
63 64 68
96
5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERFACE LÚ DICO
-EST
É
TICA DOJOGO
DAS FIGURASEM
CORDÉIS 98100 5.1
.
Liminaridade e anti-estrutura5.2
.
Duas instâncias de fruição cultural 1065.3. No espa
ç
o das possibilidades morfológicas 5.4.
Uma exaptação cultural108 102
6
.
UMAEXPERI
Ê
NCIA DE REVITALIZAÇÃO CULTURAL 1167
.
CONCLUSÃO 1 2 1I. INTRODUÇÃO
Os Karajá constituem uma naçãoindígena brasileira que tradicionalmente habita a regiãoCentro-OestedoBrasil,vivendo predominantementenabaciado rio Araguaia, e na Ilha do Bananal, nosestados deGoiás,Tocantinse Mato Grosso
.
Falantesde uma l íngua pertencente aotroncolinguísticoMacro-
Jê,osKarajásedividem em trêssub -grupos principais,osKarajápropriamenteditos,osJavaé e osKarajá doNorte.
Totalizandoat uaimente umapopulaçãodeaproximadamente 2.700 pessoas espalhadas emcerca de 20 comunidades(Fialho, M
.
H. 1997), o povo Karajá, de uma forma geral,tem conseguidopreservarasua identidade culturalmantendocom orgulhoasua língua easua vida culturalereligiosabastante ativa,apesarde uma históriademais de umséculo decontatocoma sociedade nacional envolvente.
As aldeiasdeSantaIsabel do Morro (Ilawalò) e Fontoura (Botõiry), atualmente com 505 e 420 habitantes1,respectivamente, sãoas que concentramasmaiores comunidadesKarajá e asque mais tê
m
conseguido preservar suas tradiçõesculturais.
Os Karajásão tradicionaleessencialmenteumpovofluvial
.
Têm no rioAraguaiaa sua imagem referencial de mundo, tantosecularcomo sagrado.O Bero hokã, como é designadoem Karajá-
"aágua grande", representa,a um tempo,a fonte de vida e subsistência,ea evidência concretado mundosobrenatural, onde habitam osseres primordiaiseuma legiãode entidades sobrenaturais porelescultuados.
Assim como o riosintetiza na sua imagem a indistinçãoentre os planossecular esagrado, a vidacultural
-
social e ritual-
do povo Karajá se pauta na sua estreita referência à cosmovisãoKarajá.
Osciclos rituais-comoo rito iniciatóriodoHetohokã,a festa da"casagrande"- seguemos ciclos das estaçõesde chuva eseca,decheia e vazantedo
Berohok
ã. A configuração dos espaç
os sociais se define segundo modelos de distribuiçãodos espaç
os míticos.
As mulheres e os espaç
os femininos estão para homenseos espaços masculinos, assim como os inydesignam -eaaldeia estão parao mundo sobrenatural e o Berohokã, comose vê no esquemadafigura 1
.
-
os Karajá, como se auto-my mundo sobrenatural Berohokã mulheres espaços femininos. homens espaços masculinos aldeia
Figura1.Esquema: Relaçficsde interdiçãonomundo Karajá:Espaçosmasculinosrepresentamameaça sobrenatural enatural àsmulheres assim como o Berohokã, o “Grande Rio” representaameaça sobrenaturale natural a todo opovoKarajá
.
As relaçõesentreestas categorias sãobemdefinidas e marcadasportabus,interditos e medos.Aos iny é seguro frequentarasuperfície da á
gua
,aregião fronteiriça entreos mundos.
As mulheres é facultadoousodoscaminhos limítrofes ao espaço masculino, o pátio dos homens,oijoina (lugardos homens),onde fica a casa das máscaras deAruan
ã, os sobrenaturaismíticos.Umaapreciaçãomais detidaecompletadasociedade e cosmologia Karajá é oferecida por André Toral noseu Cosmologia e SociedadeKarajá(1992)
.
A rica cosmovisão Karajá se materializa e se torna visível sob a forma de sua prodigiosa produçãomaterial
.
Os
Karajásãohá beis artesãos nacestariaena cerâmica,além de delerem urnapurado sensoestético,quese reflete noseuelaboradorepertório de motivos decorativoseno esmerodedicado à
pintura
corporal, bem como na sua indumetária ritual.
Estes dois campos de interesse, acosmologia
e a produção material,têm
despertadoa atenção de pesquisadoresdesde fins do século passado,como, por exemplo,os primeirosetnólogos na região doAraguaia, Paul Ehrenreich (1894)eFritz Krause(1911,1940,1943)
.
Desde então osKarajátem recebido muitas visitas depesquisadores quese interessaram por aspectosdiversos de sua cultura e sua sociedade.Entre outros destacam-
se Herbert Baldus (1937 e 1948), que estudou aspectosdamitologiaedaorganizaçãosocial dosKarajá;Castro Faria(1952e 1959), que estudou as ritxokó(cerâ mica figurativa) das mulheres Karajá; Maria HeloisaFénelon Costa(1978);queestudou a artee oartista Karajá; Edna Taveira de Mello (1982),queestudouacestaria; Rosza Vel Zoladz(1987),queanalisou uma extensa
coleção de desenhosespontâneos Karajá;MarcusMaia(1986),queestudou o dialeto
Javaé dalíngua Karajá;Natalie Petesch(I987)eAndré'foral(1992);queestudarama cosmologia e a sociedade Karajá; e Manuel Lima Filho (1994), que estudou o
complexo ritualdacasa grande,oHetohokã
.
Neste trabalho, propomo-nos a examinar uma manifestaçãocultural específica observada entre osKarajá,que conjugaoâmbitodolazereodacultura material eque espelha culturalmenteo ethos jovial e alegre deste povo.Trata-se do jogo do rent, (literalmente “ cordel”),em que uma laçadadecordel,cujas pontas estão atadas, é empregada para construir figuras de formas diversas
.
Atividade de lazer universalmenteconhecida por culturas do mundo todo, as figuras em cordel,comumentedenominadas de “camas-de-gato”,já têm sido estudadas em diversas culturas desdeoinício doséculo
.
Também presente entreosíndiosKarajá deforma bastanteprodigiosa,estamanifestaçãonãotemsido objeto de um exame mais detido,apesarde não ter passado desapercebida por algunsdos mais antigosetnólogosque estiveram com esse grupo
.
Já em 1888, Paul Ehrenreich, no relato sobre a sua primeira expedição aoAraguaianaquele ano,registraa sua atenção aojogodo rent::
“Jogosapreciados tambémentre os adultos,
...
o‘game of cats cradle’...
barbantes estendidosdem
ãoem mão,
e passando por entre os dedos, representam diferentes figuras deanimais,segundoasdisposições quese lhes dá” (1948 p.65
).Já poresta época,lembraEhrenreich,Franz Boashaviadescritoomesmojogoporeleencontrado entreosEsquim
ós(1888).
Nosso primeirocontato
com
os rent se deu por uma indicação do indigenista João Américo Peret,na ocasiãodanossa primeiravisitaaSanta Isabel do Morro,em junhode 1988, quando
particip
á vamos da organizaçãode um encontro deeducação para monitores indígenaspromovido peloFUNAI.Tendo convividocom o povo Karajá durante muitos anos-entre 1950 a 1962-comochefe de posto da Funai em Santa Isabel doMorro, Peret teve a oportunidadede presenciaro jogoem manifestaçõesespontâneas, admirando-secoma profusão ea riquezadesuas fornias
.
Porse tratar de uma atividade delazer orent é livreem suasatualizações,ouseja,nãodesponta na cena social regida por nenhum fator determinante estruturado. Durante todas as ocasiõesde nosso trabalho de campo não nos foi dado observar a atividade l údica surgindoespontaneamente.Mas sempre queosolicitávamos
orentera apresentado e exibido com muito gostoeorgulho.Algumasdasqualidades singularesdasfigurasem cordéisquenos despertaram a atenção, e nosmotivaram paraa pesquisaeo presente estudo-equeserãodiscutidas nocorpodo trabalho-
sãoa riquesaea profusãodesuasformas,a motivação nitidamente estética na percepçãodestasformas,ainerente qualidadelúdica doseuprocessoeaefemeridade deseu ser
.
O presente trabalho se apresenta estruturado da seguinte forma: Começamos por apresentar uma panorâmica histórica das trajetóriasdos estudos em cultura material,
conduzindo,em seguida,oenfoque para o nosso objeto em questão, as figurasem cordéis
.
Algumasdasprincipais referênciasdos estudos feitossobreeste objeto no cenário mundial,sãoapresentadas,bemcomo as referências encontradas sobreele no Brasil.Na terceiraparteexamina-sedeforma mais minuciosa as figuras em cordéis dosíndios Karajá, nojogo dorent, nas suasqualidades formaise nascircunstânciassociaisde suaprática.Apresenta-se então a inteiracoleção de reru
,
com49figuras,constituída nodecorrerda pesquisa.Hinseguida,aquartaseçãosededicaadescrever os processos de construção dos reru Karajá, onde apresenta
-
se uma detalhada descriçãopasso
a passodos métodos de construçãodeumaamostragemde28figuras.A quinta seção reserva-se a explicitaras reflexões teóricasqueoexame doobjeto suscita emdiversos camposdeconhecimento,além da Etnologiaeda Antropologia,
comoaEstética,aCiênciaCognitiva,earecenteTeoriadaComplexidade,que procura integrara compreensão de fenômenoscomplexosobservados em diversasáreas do conhecimento
.
Alguns conceitos chaves desenvolvidos porestasdisciplinas,como asnoçõesde liminaridade e anti
-
estrutura propostos pelo antropólogo VictorTurner(1974, 1977,1982),oconceitodeexaptação elicitado pelo paleontólogoe teórico da
Evolução J
.
Gould(1994), e a noçãodadinâ mica dos atratores culturais descritopelo paleontólogoRoger Levvin(1994)sãoexploradas face às especificidadesequalidades queo estudo donosso objetorevelou.
E finalmente,na seção seis,relata-se uma breve experiência de trabalhoetnográficoassociadoàidéiaderevitalização cultural atravésdeuma atividadecom figurasemcordéisentre membros de diversas aldeias Karajá
.
Nossa base de dados e informações sobre o nosso objeto de estudo
prov
ém de pesquisas de campo, nas aldeias Karajá de Santa Isabel do Morro (TO), SãoDomingos(MT),eAruanã(GO)
.
Santa Isabel do Morro,ondese concentroua maior parte de nosso trabalho de campo, é uma das maiores (aproximadamente 500habitantes)e maisantigascomunidadesKarajá
.
Estabelecidanailha de Bananal,situa -se próxima à cidade deSão FélixdoAraguaia.Nosso trabalho de camposefêz em duas ocasiões: janeirode 1997 e janeiro de 1998.
Também pudemos contar com valiososdadoscomplementares fornecidos pelos prestimosos informantes ljeseberi Karajá esua irmã Myixá, ambos naturaisdaquela comunidade, por ocasião de três visitas feitaspor
elesaoRiodeJaneiro:emoutubrode1995,maio de1997e març
ode 1998.
Especialmente importantefoi acontribuiçãode Myixá,que pacientemente seempenhoue meensinar aconstruir osreru. etapa fundamental para a viabilização da parte dedicadaàdescriçãodos mecanismos deconstrução dosreru.
Salientamos também que na língua Karajá, doisdialetos sociaisse distinguem em funçãodesexo:a língua dos homens e a língua das mulheres
.
Na apresentação dacoleçãodasfigurasapresentamos as duas formasdedesignação
.
Optamos, no entanto, para efeito de consistênciadc uso dedialeto, pelaadoção da línguadas mulheres na designaçãodosnomesKarajáapresentadosnocorpo deste trabalho.
A autoraeMyixáemSãoFélixdo Araguaia
.
Aofundo,oBerohoky
(Rio Araguaia) (janeirode1997)Principaisaldeias KarajáeJavaéecidades vizinhas na IlhadoBananale arredores
2.
FIGURAS
FM CORDÉIS NO MUNDO E NOBRASIL
2.1. Trajetórias cios estudos de cultura material
Ointeresse peloestudoda cultura material em antropologia teve provavelmente seu primeirograndeimpulso enquanto estudo sistemático com FranzBoas e suas equipes na Columbia Britâ nica nas décadas finais do séc.
XIX.
Questões de caráterdifusionista caracterizavam aspreocupaçõesteóricas iniciaisdadisciplinaeométodo
comparativo se desenvolveu como carro chefe nas investigações sobre cultura
material.Aproximando
-
se dosenfoquese métodos daarqueologia,os artefatos eram inventariados,descritos e analisados predominantemente em relação aos seus aspectospuramente formais
-
procedência, dimensões, modelos, matéria-prima, técnicas empregadas, etc.
De possedestesdados,os pesquisadores seocupavam emdetectartraços culturaisnosartefatose nos costumesqueinformassemsobre rumoseformas de difusãoculturalentreospovosestudados.No Brasil podemoscitar como exemplo
destaorientaçãooextensotrabalho desenvolvido peloetnólogoCurt Nimuendaju na primeira metadedo século XX.Nimuendaju foi o etnólogoquemaisgruposestudou no Brasil
.
Um incansável colecionador,é responsá vel por várias das coleções do acervodosetordeetnologiadoMuseu Nacional.
Boas, contudo, viria a atentar para as limitações da metodologia culturalista comparativaquecomfreqiiência abstraíaosfatoseos objetos de seus meios socio
-cultural e natural
.
Era preciso também, alertava ele, examinar os processos de desenvolvimentodos costumes e dos fatos culturais, buscando identificar neles assuas causas internas, determinadas por parâ metros que resultam em formas semelhantesoudiversasdesolucionar problemas;as suas causasexternas,decorrentes deprocessosdeadaptaçãoa ambientes ecológicos;e também assuascausas históricas,
decorrentesdas vivências coletivas por que passa cada povo, tais como contatos, migrações,guerras,etc
.
Com
o tempo,novoseférteis expedientesreflexivos começam a ganharterrenonasci
ênciassociais, sendoprontamenteadotados nasreflexões em antropologia.
Aliadaao instrumentalteórico estruturalistaamplamenteempregado em estudos de parentescoa partirde Lévi-Strauss
a noção de função aplicada aos estudos da cultura material começa a sobrepujar em importância as preocupações difusionistas de caráter determinista.“A que serve o objeto de estudo?”, “Qual a função a que responde a existênciacultural dosobjetos?” sãoexemplosdequestõesparadigmáticas que passam a guiaras investigaçõeseos esforços dedesenvolvimentodadisciplina,queprecisa agora considerar como fatoresfundamentaisparaassuas análises, todo o panorama contextuai e histórico, o meio ambiente natural, as relações sociais, os sistemas simbólicos, e as cosmovisões
que informam os objetos estudados.
A chamada “etnografia de superfície” passa a dar lugar a análises funcionais-estruturais mais profundas e integradoras.
Contudo, os estudos sobre cultura material continuama ocuparde uma forma geral uma posição de estudos periféricos,efetuadosemfunção de informar econtribuir paraoutras questões“mais importantes” comoorganização social,estruturaeconómica,relações sociaise deparentesco, sistemasreligiosos,etc..
Estudosem cultura material maisrecentestêm revelado, entre outras tendências, um acentuado interesse pelos fenômenos de mudança vividos no âmbito da produção material,como atestam,no Brasil,entre outros,os trabalhos de Heloisa FenelonCosta eBerta Ribeiro
.
Um casotípicoé,por exemplo,o processode mercantilizaçãoquese vinculou à produção material étnica.
Mudanças em resposta a esse fenômeno são observadas nonível de valores simbólicos,funcionais,económicos edetecnologia deprodu
ção, entre outrosaspectos.
Neste caso, podemos observar que o conceitodearlefato fica inarcadamente mais associado ao conceito de arte do que ao de falo (objeto)
.
Ou seja,afunção utilitária original perde terrenopara umafunçãoestética nova,cooptada,diferente inclusive da função estéticaoriginária.
Faceaofenômeno de absorsãodos artefatos étnicostradicionais por uma demanda de caráter turístico ovalor do exótico passa a impregnar as pe
ç
as, configurandoassim novos padrões evaloresestéticos,conforme observa Graburn(1976)aoanalizar a arteproduzida pelo queelechamade “ quartoinundo”
,
ousejaa artenativa,étnica, indígena.Aanálise de Jean Beaudrillard(1973)sobreafuncionalidadedosobjetosna ordem da cultura demassa
contempor
ânea bem podeexplicarofenômeno:...
'funcional'nãoqualificade modo algum aquilo queseadaptaa um fim,mas aquilo que se adapta a uma ordem ou a um sistema:a funcionalidade é afaculdadede se integrarem um conjunto
.
Para oobjetoé a possibilidade deultrapassarprecisamentesua "função" para uma funçãosegunda, de se tornar
elemento de jogo de combinação, de cálculo, em um sistema universal de signos
.
(1973, p.70)No estudo sobre cultura material osaspectos formais e funcionaisdificilmente se
dissociam da qualidade estética que osobjetos veiculam. Investigaçõesempíricas voltadas para a produção estética lêni produzido valiosas contribuições para a compreensãoteórica de processos de auto-concepções cosmológicasde populações étnicas
.
Nancy Munn (1973), ao estudar a iconografia dos Walbiri da Austrália Central,destaca-sepelabem sucedidatarefa deintegrarasvárias formas de atualização cultural dacosmologia Walbiri.
Nodomíniodiscursivo,
pelocontardas estóriasedos mitos; nodomínio social,pela definiçãodos papéis simbólicos femininos para esta atividade; e no domínioda produção artística, pelas formas de representação gráfica simbólica dos elementos que integramasnarrativas.
Nesta linhadetrabalho destacam-se
no
Brasil,entreoutros,ostrabalhosdeLux Vidal sobre a arte gráficadosKaiapó-Xikrin (1978, 1981), de Regina Müller sobre aornamentação corporal dosXavante
(1976)e a arte gráfica dos Asuriní(1993),e de Lucia Hussak Van Velthen sobre a
Como se constata, um vasto e diversificado campo de estudo se oferece ao pesquisadordecultura material -c nos parece que,de formaespecial,no cenário da
etnologiabrasileira.Anossapesquisa incursionaem umaárea que abrange as formas culturais produzidas através de atividades identificadas como de lazer, mais especificamente, jogose brinquedos
.
No Brasil escassas referências a esta á rea atestama
lacunaqueurge ser preenchida.À parteas bonecasemcerâmica dos Karajá,as ritxoko
,
que têm sido bastante estudadas pelo seu aspectoestéticoe pelo fato deserem um dos
poucos
casos de cerâmica figurativa noBrasil (Castro Faria, 1952,1959, e
Fenelon Costa
, 1968), jogos e brinquedos e o fenômeno lúdico são geralmente tratados de forma passageira esuperficial.A maior parte das referências existentestratamdafabricaçãodeminiaturas,comoarcos e flexas,canoinhas, bonecosde talodeburiti ou desabugoou palha demilho
.
Entreasminiaturas podemos incluir uma classedeobjetos cuja especificidade os dintingue dasoutrasminiaturas referidas.
Sãoasconstruçõesem dobradura.
Geralmentefabricadasem palha de vários tiposde palmeira, representam diversos elementos do universo natural e cultural das populações indígenas, taiscomoaves, répteis, estrelas, piteiras, caixinhas, etc.
O estojo peniano, utilizado por muitos grupos indígenas, também é geralmente confeccionado ao modo dasdobraduras em palha, mas não seria maisclassificado comoobjetopertencente ao domíniolúdico,tendo,obviamente,outrasfunções.
2.2. Figuras em cordéis, o nosso objeto
.
A nossa atençãosevoltaaqui para umaclasseespecíficadeobjetos produzidos através de uma atividade l údica praticada entre os índios Karajá da Ilha do Bananal denominada derent (cordel)
.
Orent é,comovimos, uma atividade que se poderia enquadrar numa categoria denominada como“jogos e brinquedos”.
Propomos aqui paraonosso trabalhoasdesignações“figuras em cordéis” ou“jogodoscordéis”
, por considerá-
lasmaissimples,maisreferencial,ededecodificação maisimediata.Estamais facilmete identificá vel com as denominação se faz escolher também por ser
formasde designaçãoempregadas em estudos em inglês
-
“string figures , em espanhol-
“ figurasde hiIo” ou “juegos de hilos”,e em Irançês-
jeux deficelles.
Variantedouniversalepopularmente conhecido“cama-de-gato”,asfigurasemcordéis são, de fato, ambos, jogo e brinquedo. É jogo enquanto atividade que envolveprocessos
lúdicos de transformações formais segundoregras
de construção específicas, e brinquedo por 1er um objeto concreto como suporte destas transformações.Oscordéis empregados para a construção destas figuras são laç
os fechadosmedindocerca deummetroa um metro e meio a volta estendida entre asmaos
.
Aoseremmanipulados com movimentosespecíficos dos dedosedas mãos oscordéis vão assumindo configurações específicas que são associadas a imagens e representações visuaissignificativaserelevantesaouniverso Karajá
.
A primeirareferência às figuras em cordéis foi feita porPaul Ehrenreich no relato de sua expedição ao Araguaia no ano de 1888,quandooetnógraforegistraa sua atenção aojogosobosubtítulo“ Jogosedanças”:
Jogosapreciadostambém entreosadultos sãooda peteca feitacom palhade milhoe omioloem formadeargola, e,além deste, o ‘game of cats cradle’, notoriamente encontradiço também naAmérica do Norte,e há poucotempo descrito também por Boas como existente entre os Esquimós: barbantes estendidos de mão em mão, e passando por entre os dedos, representam diferentes figurasdeanimais,segundoas disposições que se lhes dá (1948,
p.65)
.
Herbert Baldus(1970) também registra no capítulo jogos e artes de Tapirapé
-Tribo Tupi no Brasil Central, aexistência do mesmotipode brinquedo.Descrito como jogodefio, oiniirulpärä
vuy,
dosTapirapéeramfigurasconstruídascom fios de algodão(inimá) (1970, p.
408), Assim como entre seus vizinhos Karajá, era umadeve,provavelmente,à complexidadedas manobras necessárias à execuçãodestas figuras,querequerem habilidadeedestreza manual bemdesenvolvidas.
No Dicionário do Artesanato Ind ígena, preparado por Berta Ribeiro (1988), os
brinquedosestãoincluídos no último capítulointitulado“ObjetosRituais,Mágicose Lúdicos” sobadesignaçãode
“
utensílios l údicosinfantis” e aseguintedefinição:Compreendea vasta gama de brinquedos socializadores - miniaturas dearcos, flechas,bancos, panelas, cestos, etc
.
-que ensinam ascriançasde cada sexo a se familiarizarem com opatrimónio de cultura material de cada tribo e a se exercitarem nas tarefasqueserão chamadasa desempenhar quando adultas.
E, ainda,objetos fabricados por adultos,ou crianças maisvelhasparalazere prazer cotidiano(1988, p.
286).
Ressaltandoqueno dicionário somente estes últimos são inventariados,aautorainclui
nestaclasse,entre bolas,bonecos,petecas,piões,corrupios,dobradurase brinquedos diversos, as
“
camas-de-
gato”, descritas e ilustradas a partir de exemplares confeccionados pelosíndios Ramkokamekra-Canela,oriundos do acervoetnológico doMuseu NacionaldoRio deJaneiro.Na definição, a autorarecorreaoAurélio:“
Brinquedo infantil com um barbante a quese ataram as pontas e que duas pessoasvãotirando umadosdedos daoutra,alternadamente,dando ao cordel disposição variada esimétrica” (DicionárioAurélio).
Comumadiversas tribos queformam figuras àsquaissãoatribuídasdesignações e significados osmais variados(Ribeiro,B.
1988,p.
295)Adenominação"
cama
-
de-gato", emborapopularem várias partesdomundo-comose depreende pelo nome “cat’s cradle” em inglês, talvez não seja, a nosso ver, a designação mais adequada para referir-se aojogona forma como é conhecido pelas populações indígenas, poisassocia-se a este nome a versão do jogo popularmente conhecidoentre ascrianças urbanas brasileiras.
A“
cama-de-gato”,comodefine o Dicioná rio Aurélio,é um“brinquedoinfantil.
..que duas pessoasvão tirando uma dos dedos da outra, alternadamente”.
O jogo, na forma como é conhecido pelas populações indígenasestudadas éapreciado também poradultos ejovens,fato que sepode atribuiràlaboriosacomplexidade queasfiguras podemassumir.Ascrian
ç
as se limitama brincar ea
praticara destreza nojogo com umrepertório relativamentemenoremais simples.Ébrinquedo,sim,mas nãounicamente infantil
.
Pelo contrário,brincar não é uma atividade que se entenda exclusiva dos menores. Outro aspecto que claramentedistingueascamas-
de-
gatodasfiguras emcordéis indígenaséque,mesmo
emmeio àgrande diversidadede possibilidades que assumem,asfigurasem cordéis,
nasuagrandemaioria,sãoexecutadaspor pessoas individualmente,e nãoem
passes
alternados.A participaçãodeuma segundapessoanaexecução dasfigurassedá mais
comoumaajudanaconstrução e não como umaparceriadejogo.
Nasetnografiasapresentadas no Handbook of South American Indians, volumes 1 e
111 (Steward,J
.
H.
1946)constatamosdiversas referências,ainda que bem breves,sobrea existênciadojogodecordéis entre aspopulações indígenasapresentadas
.
No primeiro volume, “'l he Marginal Tribes’’, sob o item “ Esthetic and Recreational Activities”, registra-seo costume do brinquedoentre osMashakalí(A.Metreaux eC.Nimuendaju, p
.
393), os Guaiaki (A. Metreaux e H. Baldus, p. 468), os Gê Central Xerentee osCanela(R.H.Lowie p.501).
Destacamos no conjunto destes registrosumfato interessanteesignificativo.
Quandoem relaçãoaosXerente,Lowie relata que“ Cat's cradleis not higly developed.”
^
(p. 482), podemos detectar nesta afirmação o interesse e a relevância deste dado pelo tratamento a ele conferido-como traçocultural quedeva ser checado. Pois, como observa Lowie na introdução ao terceiro volume,“ TheTropical Forest Tribes”, “Cat's cradle figures exist in great profusion"(p.
41), ainda que não tenhamosencontrado maiores e mais detalhadas referênciasaobrinquedo nostrabalhosquecompõemovolume.
2.3. "String Figures" pelo mundo afora
No histórico daantropologiaculturalamericana, britânica,e neo-zelandesaointeresse pelas figurasemcordéistevecomo marco iniciala descrição de
Franz
Boas de dois exemplaresesquimós,em 1888-exatamente, coincidentemente ou não, no mesmoano em que PaulEhrenreichregistrouojogoporeleencontrado entreosKarajá
.
Desde então, segundo o pesquisador Mark A. Sherman (1933), mais de 2.000 padrões individuais, provenientesdediversas partesdo mundo,tem sido registrados.
Para
os antropólogosepesquisadores
, várias característicasdasfiguras em cordéis pareceram interessantes.Nãopodemos deixar de nos admirar, por exemplo, com ofatodequeapartirdeum simpleslaço decordel tantospadrõesindividuais
possam
ser gerados.
Muitos dos estudos iniciais sobre figuras em cordéis voltavam-se para discussões de caráter difusionista, segundo o argumento de que elas podem ser consideradas elementos formais bastanteestáveisde umacultura,ouseja,dificilmente os padrões seespalhariam na ausência de contatosfísicos.
Tal argumentojá tem sido contestada, pois já está mais que comprovadoque figurassemelhantes e até mesmo idênticas podemsurgirespontaneamente nasmaisdiversas partes do planeta.Outroaspecto interessanteapontado porSherman decorre da observação dequeas figurasem cordéis,àsemelhança de mitos e lendas,sópoderiam serperpetuáveis por meio detransmissores vivos,coma diferença dequeelas são bem menos susceptíveis amodificações
.
Diferentemente dos mitos,quesofrem alterações à medida emque são transmitidos,com asfiguras em cordéis nãose pode facilmente substituir manobras esquecidasporoutrasdiferentesou inventadaseaindachegar-seaomesmoresultado.
W.H
.
R.RiverseA.C.Haddon (1902),nas suas seguidas expediçõesaoEstreitodeTorres na Nova Guiné também se viram admirados com a multiplicidade e complexidadedasfiguras em cordéis construídas pelos nativos e, em colaboração,
sistematizaram ummétodoeumanomenclatura paradescrevere, assim, registrar os
deempréstimodaterminologiaanatômica, tem sido bastante difundidoeempregado por pesquisadores que estudam figurasem cordéis, ou tem servido de base para o desenvolvimento de outrossistemasde notação
.
Certamenteos primeirosesforç
os no sentido de desenvolver um sistema de descrição dos métodos de construçãodas figurasem cordéisse fizeram faceà constatação daefemeridadedestes objetos, uma vez queoseu suportesefazcom asmãosque,obviamente,n
ão podem mantê-laspormuitotempo
.
Figura2
.
Posição1cAberturaA,asmaisfrequentes posiçõesiniciais,segundoterminologiadefinida porRiverseHaddon(Haddon,K.,1930,p.155,156)Haddon publicouainda mais algunsartigossobreas figurasde cordéis, como o que saiu no AmericanAnthropologist de 1903, “ A Few American String Figures and Tricks
”
(1903,p.
213).
Em 1906 Haddon publica o “String Figures from South Africa”
no Journal of the AnthopologicalInstitute
de Londres,na mesma edição em quedois outros trabalhos tambémsobre figuras em cordéis naAfricasão publicados:O "String Figures and Tricks from Central Africa", por W. A. Cunnington e o
“
YorubaStringFigures”,por
J.
Parkinson.-
^
Algunsdiscípulos de Boase outros pesquisadores seguindo passos de Alfred C. Haddon, coletaram sistematicamente exemplaresde“ string figures”, apresentando detalhadasdescriçõessobre seus processosde execuçãoe promovendo discussões sobrepossíveiscaminhosdedifusão
.
JohannesC.Andersen, por exemplo publicou oseu “ Maori String Figures"(1927) pelo conselho de pesquisa de etnologia Maori da Nova Zelâ ndia. Neste trabalho Andersen descreve minuciosamente os processos de execução de 36 figuras,
localmenteconhecidas comowhai
,
maui,
ou huhi,
coletadas entrea população nativa de Maori,eacompanhadas de fotografiasparailustrá-las.
Figura 3. Kopu(Venus)dopovo de Maori,coletadopor J.C. Andersen(1927,p.62)
Oautorressalta o interesse etnológicono estudodestas“ string figures” emassociação
aoestudo de mitos Maori.A execução de váriasfiguras se fazem acompanhar de récitativos oucânticosrelacionadosaepisódiosmíticos
.
Andersen menciona inclusive um relato que atribui uma origem mitológica às Figuras em cordéis creditada a um heroicodemiurgochamado Maui.
Kathleen Haddon,filha de Haddon que o acompanhava em suas viagens, se viu també
m
instigadae atraída pelas “ string figures” encontradas em tantas partes pelo mundo, dedicando-se então a estudá-las e tornando-se uma autoridade no assunto.
Produz,vários trabalhos, entreeles, o “Cat's Cradlesfrom Many Lands” (1912), o“AustralianString Figures” (1918),eo“Artistsin String” (1930),em que ela reúne coleções defigurasem cordéisde cinco
povos
dedistintas localidades nomundo:os eskimósdoAlaska,osíndios Navaho,ospapuanosda ilha Kiwai da NovaGuiné,os habitantes da PenísuladoCaboYork,na Austrália,eas tribosda Costa doOuro da Africa.
Figura4: a)Chukchee(HomemnoKayak),Esquimó;cb)Dilyehe(as plêiades),Navaho
.
(Haddon, K.,1930, p.23 e52)A autora procuracompreender os processosde associaçãodasfiguras em cordéisa
imagens específicas vistas por diferentes povos eargumenta que estasassociações refletem as cosmovisões destes povos. As ilustrações presentes no livro junto às figurasem cordéis são bastante úteis aoajudar a visualizar as formas vistas pelos nativos
.
Discordando do determinismo difusionista que rege a idéia de que duas formas idênticasencontradas em lugaresdiversos necessariamente indicariam alguma forma
de transmissão porcontato, a autora alega que,além de movimentos de ditusão e contatos, os nomes e imagens associados às figuras devem ser estudados cuidadosamente pois podem representar informações relevantes a respeito das condiçõesdomeioambiente natural,daeconomia,do sistema simbólico,e de outros fatos culturais e sociais. Kathleen Haddon também comenta sobre o poder que a dimensão l údica tem em
agregar
eaproximar pessoas,que de outro modo poderiamdemorar
-
sepor longotempo em estados dereserva portimidez oudesconfiança.
Lyle A.Dickey, juize notório historiadorque trabalhou e viveu em Kauai apresenta em seu“StringFigures from Hawaii” (1928) umacoleção de 115 figuras,descritas e ilustradas, sendo que muitas são também acompanhadas de câ nticos específicos, transcritosetraduzidos pelo autor
.
Segundo Dickey,asfigurasemcordéis podem em muitas instânciasajudar na decifraçãodos versosquese revelam numa linguagem poética desimbolismo bastante hermético.
Asmuitasilustraçõesqueacompanham as descrições,emborade traçopobreeinconsistente,parecematender aopropósito.
As figuras em cordéis encontradas nas sociedades da Polinésia também foram estudadas
.
Em 1925 o Museu Bernice P. Bishop de Honolulu publica o“
String Figuresfromthe MarquesasandSocietyIslands”, de Willowdean Chatterson Handy (1925), onde a autora descreve 55 figuras agrupando-as em 6classes tipológicas baseadasem seus padrões de construção: 1)figurasfixas;2)figuras progressivas,que podem transformar-se de umaforma a outras maiscomplexas ou maissimples, em progressõescíclicas;3)figurasmóveis,
asqueapresentam mobilidade de acordocomamanipulaçãodecertas partes;4)figuras que necessitam de duas pessoasparaa sua execução;5)figurastridimensionais;epor último
,
6)figurasdetruques comcordéis.
Estaclassificaçãoserá posteriormente empregada por H.C
.
e H.E.
Maude no seu “String Figures from the Gilbert Islands” (1958),o qual inclui uma classe a mais: figuras comsignificado mágico-religioso,quesãoaquelasassociadas a rituaisequena maioriadoscasos sãoacompanhados de recitativos ouc
ânticos.A partirdesteseuprimeirotrabalho,H
.
C.
Maude passa adedicar-
seaoassunto estudando a ocorrência dasfiguras em cordéis em diversas ilhasdaPolinésia e tornando-se umadasmaiores autoridadese
referências sobre otema.
Os Arviligjuarmiut, povo esquimócentral de Pelly Bay, també
m
se ocupavam em fazerfigurasem cordéis,que foramestudadaspor Guy Mary-Rousselière(1969).
Este pesquisador constatou um contínuoprocesso
de criação de novas formas, com a incorporação,inclusive de elementos exógenos
ao universo cultural daquele povo. Assim, Mary-Rousselière registrou, por exemplo, construções em cordéisrepresentando aimagem deumhidro-avião e de umaviãobimotor
.
Figura 5:a)Hidroavião,eb)Bimotor,dosArviligjuarmiut,coletadospor G.Mary-Rousselière (1969: 169)
Raymond Firth,emcolaboração com Honor Maude,publicam,em 1970,o"Tikopia Siring Figures"4,onde apresentam 54 sikosiko(figurasem cordéis)
,
coletadas por Firthentre 1928 e 1929.
Alémdasfigurasemsi,chamou-
lhesa atençãoa relaçãoentre estas e certos mitosepersonagens
míticos.A
constanteinventividade
tambémé uma atividadede fazerfigurasemcordéis emTikopia.A novidade do trabalho sedestaca pela pesquisa feita sobre a terminologia nativa para os movimentos empregados na execuçãodas figuras,que é utilizada, em complementocom a de RiverseHaddon,paraadescriçãodosprocessosdeexecução.
marcana
C
\
Figura6. Kau kupenga(rede)c Maniai(peixinho de rcciíc)dcTikopia,coletadosporR. Firlhem 1928-1929(1970:23,29)
No Gamesof the North American Indians,StewartCulin (1992),compila em dois volumesum extenso inventá riode jogos praticados pelos povos ind ígenas norte
-americanos
.
O material é porele classificadoem três grandes categorias: jogosdesorte,como osjogosde adivinhação,ou do tipo de lançamentode dados; jogos de
destreza,que se caracterizani basicamentecomoatividades de competição,como osdo
tipo“tiroaoalvo",ou baseados em formaçãodetimes;eos porele designados como “pequenos divertimentos", no qual se inclui, entre outros, o “Cat's cradle"
.
Observados em
praticamente
todosospovos
indígenasnorte-americamos inquiridos, estesjogosestãomuitas vezes,segundoCulin,em associaçãoapersonagens
míticos.
OsZuni, por exemplo, referem-
se a umescudo protetor trançadoempunhado pelos deuses daguerra,cuja
confecçãofoi-lhes ensinadapelaavóancestral dopovoZuni,a aranha.
Em 1993 Mark A
.
Sherman publica um excelente trabalho de resgate etnográfico a partir de um manuscritoproduzido
pela etnóloga soviética Julia Averkieva sobre figuras em cordéis encontrados entre os índios Kvvakiutl habitantes da Ilha de Vancouver, na Columbia Britânica e coletados em 1930.
Averkieva,então jovem assistentedeFranzBoas e sua únicacompanhia naexpedição de seis meses à ilha deVancouver,coletou e descreveu a execuçãode 102figuras em cordéis e analizou o conteúdosimbóloco presente nelas
.
Sherman revisa e confere as intruções de execuçãoecomplementa a análise examinando traçosculturaisKwakiutlrefletidos nasfiguras.
Figura7.a)umsalmão eb)umaarmadilhadesalmão,dosKwakiutl,coletadosporAverkievaem
1930.(Sherman, 1993, p. 111,112)
Na América Latina,alémdoBrasil,destacam-se tambémalgumaspesquisassobreas figuras em cordéis: Há um trabalho sobrefiguras emcordéis praticadas pelos povos
Toba,“Juegosde Hilo
y
Trucosde losToba-
Taksék”
, de Isabel Balduci, publicado pelo Instituto Interdisci piinarioTiIcara,da UniversidadedeBuenosAiresem 1981.
As figuras emcordéisproduzidas pelos povosnativos do Gran Chaco,entre as fronteiras de Argentina, Bol ívia e Paraguai também foram extensamente estudados pelopesquisador JoséA.Braunstein(1992)
.
Vale ressaltar, neste ponto, que os trabalhos citados representam apenas uma amostragem parcial de um universo bem maiorde estudos voltados para o objeto figuras em cordéis, conforme se pode constatar pelas referências da bibliografia consultada
.
Em 1980 uma associaçãointernacional de figurasem cordéis,a1SFA -International String Figure Association se constituiu, congregando membros “ entusiastas” de figuras em cordéis de todos os quadrantes do mundo
.
Aatual1SFAatualmente sediadaem Pasadena, na Califórinia,foi fundada comodesbobramentode uma associação japonesa de figurasem cordéis,o Nippon Ayatori Kyokai(NAK),que porsua vez,
havia sido fundada três anos antes pelo pesquisador japonês Hiroshi Noguchi que estudando a teoria dos nós, uma subdisciplina da geometria moderna, se viu “enlaçado” pela profusãoeriquezade formase possibilidadesdasfigurasem cordéis,
iniciando assim uma rede detroca de informaçõesentre estudiosos e entusiastasdo jogo pelomundoafora
.
A ISFA publicaregularmenle um boletim anual com os mais recentes trabalhos na área, umjornal,e uma revista com a descrição de métodosdeconstruçãodefigurasem cordéis destinadaaleigos
.
2.4. “Figuras em cordéis” no Brasil
Como
se pode constatar,asfiguras em cordéis constituem um assunto já bastante explorado no panorama mundial.
Mas em se tratando do panorama de estudosetnológicosbrasileiros, ainda temosmuitoacaminhar
.
Escassas e breves referências nabibliografiaapontam para uma urgênciadepesquisassobreo assunto.
Empreendemosumabuscaparaencontrar indíciosdesemelhantes manifestações desta atividade lúdicaentre outrosgruposindígenas brasileiros, a partirdoacervodoSetor deEtnologia doMuseuNacional.Pudemos observarcomoinício de nossa pesquisa queuma classe deobjetos associadosaatividadesl údicas comojogose brinquedosse configura claramente, embora estejam dispostosdeforma dispersa, por não existir ainda formalmente uma categoriaclassificatória que os re ú na em um conjunto sistematizado.O examedosmateriaisetnográficosrevelam-nos,entretanto,que alguns pesquisadores jásemostraram sensibilizadosporessaclasse deobjetos.Entre outros,
destacamos oetnólogo alemãoCurt Nimuendaju, que foi responsá vel por várias séries de objetos sob a designação
“
brinquedo” no acervo do setor.
Ainda que opesquisador não tenha se voltadoaestudar maisdetidamente esta classedeobjetos, certamente seu apurado eexperiente faro etnográfico pressentiu o potencial valor etnográficodestesobjetos.
• • •
E, pois, justamente numa coleçãode Nimuendaju,entre bonecosde talode buriti,
miniaturas de arco e flechas, piões, petecas e diversas dobraduras em palha, entre
outrositens,queencontramosnove exemplares defiguras em cordéis.Coletadas entre osíndiosCanela-Ramkókamckra,daaldeiadoBaixão Preto,no município doBarra do Corda, no estado de Maranhão, entre maio e julhode 1935 e incorporados ao acervo do Museu Nacional em novembro do mesmo ano, as figuras são eonfeccionadas em cordéisdealgodão,sendo denominadascomo “ figurasde fios”
.
Seis figuras estão nomeadas com seus nomes originais em Canela, embora não estejamtodasacompanhadasde traduções e trêsdelas não se fazem acompanhardeFigura8:"Casa"e"Pinta de
JIBOIA
"dosRamkokamekra-Canela.(ColeçãoCurl Nimuendaju: 1935,MuseuNacional).
As figuras em cordéis,quando ocorrem naturalmente,ou seja,quadosão construídos
no contexto de lazer entre os membros da comunidade, não têm um tempo de existência maior quealguns instantes, pelo simplesfato de queelas têm comoseu suporte natural as mãos humanas, queobviamente precisam se ocupar com outras
atividades, quando não seguem construindo outras figuras. Estas formas se apresentam, pois,como esculturas efémeras produzidas pela mera busca da fruição l údica,associada à fruiçãodaforma estética resultante
.
Paraocolecionador quese viu interessadoporestas construções a efemeridade doobjetorepresentava umaquestãoa ser solucionada.Assim, Nimuendaju fixou as figurasde cordéis prendendo-as em pranchasde papelcartão com pequenasamarrações em arame fino,e emoldurando-as em seguidacom vidropara protegê-las.
Tal procedimentonoentantoimplicou numacerta distorçãodas formas originais devido ao estiramentodos laçosdasfiguras
.
O emolduramentocom vidro,por sua vez,
permitiu umaboaconservaçãodas figuras.
Figura9. Chiumoca Tiuaguem(Estrelad'Alva)c
ire
(buriti),leitos poríndios Bakairi cm 1914,no Museu Nacional(ColeçãoMuseu Nacional)Outracoleçãodefigurasemcordéisquese encontra noSetorde Etnologia do Museu Nacional data doiníciodoséculo, tendo sido coletada no próprio museu porocasião
da visita de dois índios Bakairi,quevieramaoRiodeJaneiroacompanhandooretorno
deuma expedição etnográfica,a
“
Expedição Fontoura”, emfevereirode1914.
Apiguita eJacuba executaram juntostreze 13
p
ánacos,
como são denominadosem Bakairi.
As figuras,construídasem
cordéis de sisal,foram fixados em pranchascom resinaseemolduradas em vidro.
Algumas trazem legendas descritiva com o nome genérico,p
ánaco
,
nomes específicos das figuras e suas traduções, procedência eautor,como se tivessem sidopreparadas paraexposição
.
Percebe-se nadisposição das figuras uma certa preocupação em relaçãoa umaapreensãoformal doobjeto, poisos intrincados nós que compoem as figuras foram deliberadamenleafrouxados para propiciarumamelhor visualização.
Uma nova e atual coleçãoestá sendoconstituída nocursode nossa pesquisa: uma coleção de figuras em cordéis produzidas atualmente pelos índios Karajá
.
Até o presente momentocontamos com o registro fotográfico de 49 figuras coletadas principalmente na aldeia de Santa Isabel do Morro.
Além das fotografias, temos também
as próprias figuras, confeccionadasem
cordel de sisal , montadas em pranchas, emmoldes semelhantes àqueles preparados por Nimuendaju.
Com relação à preservação deste tipode material,a solução das pranchas pode ser
satisfatória até um certo ponto,ouseja,até enquantoasfigurassejam bi-dimensionais em suas formas
.
Outras soluções deverão ser pensadas para o caso de arquivar e preservar figuras tri-dimensionais,que no caso dos Karajá, por exemplo, não são raros.
Otrabalho de captaçãodestas formase atentativade encontrar meios de cristalizá
-
las motiva-se pela constatação da fugacidade doobjeto em questão.
Sendo as mãos humanas o suporte para estas figuras,dificilmenteelas poderiam ser perpetuadas.
A prática,se relegadaaoesquecimento,seextinguiriasem nenhum vestígioconcretoa nãoserum
meroeinsuspeitá vel laçode cordel.
Em1965 HaraldSchultz registrouem filme documentário uma coleção de33figuras em cordéisencontradosentreos índios Krahô
.
O filme de Harald Schultz foi mais tarde, em 1977, editado pela sessão de etnologia do Institut für den Wissenschaftlichen Film de Göttingen, acompanhado pela publicação de uma apresentação do material preparado por sua esposa Vilina Chiara Schultz(1977),que incluia descriçãodosm
étodos deconstrução.Entreosexemplares váriassemelhanç
as a figuras Karajá atuais podemser constatadas,como
o “sapo"oua figura móvel do “lagoqueseca".
As semelhanças encontradasentrefiguras em cordéis produzidas poretnias diversas semprechamam
-
nosa atenção.
Entre osTapirapé, Eunice e LuisGouvea de Paulareuniram em 1986uma coleção defigurasemcordéisencontradasporeles nestegrupo com o intuito de investigar suas formas e processos de ensino-aprendizagem, e aproveitá-loscomoelementos didáticos no trabalhode educaçãoquedesenvolviam junto aogrupo.O“jogodo barbante",segundodenominação adotada pelosde Paula, échamadopelos Tapi rapéde “Xenufeãwa",queliteralmentesignifica“instrumentode
aprender”
.
Segundo os autores,Destacada nopróprionome,aaprendizageméuma das funções fundamentais do Xema’eâwa
,
onde o barbantese transforma em excelente instrumentode desenvolvimento dahabilidade manual manifestada pela progressiva leveza e rapidezde movimentos dos dedos.
Outrasfunções,também importantes,são: desenvolvimento da atenção,amemorizaçãodasequência dos movimentos eodespertardacriatividade,permitindo à crian
ç
acriarseusprópriosdesenhos.
Na verdade o aprendizado so Xenia'eâwa é visivelmente um exercício de paciência,concentraçãoeauto-controle(p.
2).
Xema'eâwaé portanto a designação que se refere à atividade.Já a palavra utilizada para designar a figura formada recebeo nome detâ
’
ygâwa
,
que“também significaescultura, sombra,fotografia,imagem refletida no espelho, etc
.
” (id.
).
Tâ’ygâwa, comose constata,aodesignar sombra ou imagem refletida no espelho, reporta àprópria efemeridade,tanto dasimagenscomodasfiguras
.
Pudemos observar que diversas tã'ygãwa Tapirapé se assemelham aos
reru
dos Karajá.
Na amostragem das 40 figuras reunidas pelos de Paula encontramos 13 exemplares com a mesma forma e o mesmo nome (em cada respectiva l íngua
, obviamente),e 9exemplarescom
formasidênticas,por
ém nomes diferentes.Entreele inclusive a figura do lago que seca, já visto também entre os Krahô.
Quando perguntados sobre a procedência original destas figuras nossos informantes Karajá não hesitaram em responder que foram os Tapirapé quem copiaram os rem dos Karajá.
Com os recursosde locomoção cada vez mais facilitados dos tempos mais recentes,tais questões de caráter difusionista já não nos parece tão relevante.
Como
definircom certezaasrotasdedifusão? O que podemos afirmar é quetemos maisum dado resultante do intenso intercâmbio físico e cultural entre os dois grupos. As formasse propagam motivadasprincipalmente pelo apelol údico e estético doobjeto,
em contatos pacíficos e longos que se caracterizam por climas de distensão e
descontração
.
Umexemplodefiguras comuns àsduas etnias é aque representa uma “ pencademorcegos”-
anyrã,
em Tapirapé,etyrehe,
em Karajá.A mesma figura,com a mesma designação, semino-
“penca de morcegos”, também foi encontrada na coleçãodefigurasem cordéisBakairi,coletada em 1914,queseencontra no Museu Nacional.
Apesardaaparente diferença em virtude de montagem inadequada,podemosobservarquese trata damesma figura,seexaminarmos aslaçadasnacolunacentralda
figura
.
Figura 10
.
Mesma figura emesmadenominação:"morcegos"-
anyrã (Tapirape,coletado em1986-DePaula),t\relie (Karajá,coletadoem1996
-
ChangWhan)e semino (Bakairi,coletadoem1914 -MuseuNacional)Figura 11. Mesmafiguracomdenominaçãodiferente:ipiryjaremVo-"pacucomidopelapiranha"
(Tapirapé)ekurabikoiwokutidekyre -"cobracegasema suabarriga"(Kaiajá)
Figura 12.Mesmafigura com denominaçõessemelhantes,emKarajá:helykyremikubeíaahuki
-“pegada de patonoseulago"e Tapirapé: ypewot)pypara-“rastro de pato na beira do lago";ediferentecm Bakairi: akudoro
-
“ peixe Tucunaré".
Figura 13.Mesmafiguracom mesmadenominação: hi[X)(Krahô),yopâtyfjãwera(Tapirapé)caJiu rukyreri (Karajá)
-
“lago queseca” ou “ lago secando” ,figura animada.Identificou-se ainda figura semelhante à figura 13 entre os espécimes da coleção
Canela - Ramkókamekra coletada por
Nimuendaju
em 1935, do Museu Nacional, trazendo noentantodenominaçãodiferente: Tep-yarkwd-
“ bocadepeixe”.
Figura 14.Tep-yarkwd -“bocadcpeixe” -Rainokamckra-Canela(Col
.
Museu Nacional)3
.
O RERUKARAJ
ÁFigura 15.meninadaaldeia dc São Domingos com figurapoiela“inventada”
3.1. () reru Karajá
Maisde umséculode cont ínuocontatocoma sociedade nacional envolventeresultou em muitas alteraçõesno quadro socio cultural Karajá: seuscostumes,seus há bitos,
suastradições,seusvalores,suas relações sociais,modi ficaram
-
secom otempo em muitos aspectos, mas assim comoa essência simbólica de sua cosmovisão, a suanaturezajovial e fanfarrona pareceterseconservado inalterável.Aimportância deser alegreefeliz nosparececulturalmente definida e associada a uma imagemarquetípica Karajá que se reporta a uma existência ideal, conforme relata um mito de origem recorrente
.
A alegria ea jovialidade são estados de serideais apenasmomentaneamente vividos neste plano mortal, no mundo presente, quando os problemas e as adversidades sãoesquecidos.
Essaexistência feliz e alegre reporta-sea uma lembrançadaexistência ideal dosIjasó
,
seressobrenaturaismíticos representados porelaboradas máscarasquedançamemparesemfestasrituaisKarajá,como o Aruatiã e oHetohokã (a festa da casa grande).Conta-se no mito que os Ijasó são os Inyroko,
"os quesobraram, que ficaram" embaixo, num mundo subterrâneo, e não saíram para a
superfície,mundo onde habitam osaluais Karajá
.
Sua existência é sempre descritasegundoaimagemarquetípicadeumaexistência ideal
.
Habitam uma terra sem males subterrânea ondenãoexistefome,morteou doenças.
Eternamentefelizes,aspessoas"lá de baixo, os Ijasó
,
vivem fazendo "brincadeiras", todosenfeitados e pintados continuamente” (l'oral,A. 1992:203).
Brincar, sedivertir, espelha, pois, um ideal arquet ípico de ser,eum traçointrínsecodoethos Karajá.
Oethos de um povoéumaespécie de"personalidade" transpessoal coletiva
.
Segundo Clifford Geertz,otom,o caráter e a qualidadede sua vida,seu estilo moral e estético esua disposição,éa atitudesubjacenteem relação a ele mesmo e ao seu mundoque a vida rellete
.
A visãodo mundoque um povotemé oquadroqueelabora das coisas como elas são na simples realidade,seu conceito de natureza, desimesmo,da sociedade
.
(1978,p.143)Ethose cultura estãoem contínua edinâmica interaçãoproduzindo formas culturais querevelam e retratam essa relação
.
A jovialidadeé,sem dúvida, um traço patente à disposição anímica dopovoKarajá,sendologopercebidaportodososque seacercam deles.
De fato parecem estar sempre dispostos a gracejos, brincadeiras e troças,dando-nosaimpressão dequesão nestes momentos de descontração ealegriaque os
Karajá são mais Karajá; são nestes momentos
que
o ethos Karajá transparece e sobressai.O reru
é uma atividade l údica praticada informalmente nas aldeias por jovens e crianças.De umaforma geral,a sua popularidade parece ser maior entreos jovens,rapazese moças,que demonstram uma maior desenvoltura no domíniodoamplo e variadorepertóriode suasformas
.
Aelaboradacomplexidadedasconstruçõesdoreru requer uma destreza manual bem desenvolvidaparaasuaexecução.As crianças mais jovenslimitam-sea brincarcom um repertório menore maissimplificadodeformas.Grande parte da motivação do brinquedoestá
na
parte que envolve o ensinar e o aprender.
Segundo informação de nosso informante Ijeseberi, o reru é um jogo bastante comum entrejovens namoradosque,entre si,comparam seus repertórios,exibem suashabilidades,ensinam uns aosoutros eexperimentam ludicamenlenovas formas
.
Neste tipode movimento lúdico novas figuras muitas vezes são criadas,podendoserreproduzidas e consolidadas coletivamente
.
Aocorrênciasocialdeatividadescomoo jogo do reru emsociedades tribais é livre,
aleatória e consequentemente pouco previsível
.
Modismos lúdicoscomoopião ou o bilboquêcumprem ciclosde temporadas. Despontam
em algum ponto na dinâmica social,por razõesdiversas e,geralmente, pouco previsíveis,ese espalham atingindo uma fasede ápice na sua popularidade.
Depois perdem gradualmenteointeresse de seusatoreseporfim
desaparecemdo cenáriocotidiano.
Estasfornias culturaisentram então comoque em algum estado de latência,sem que se possa prever um novo resurgimento, pois nãoseguem necessariamenteciclos regularesdeocorrência.
Sãoportantoexemplosdefatosculturais quepertencemaodomínio de uma “ anti-estrutura
social”, confome define Victor Turner (1977, 1987), pois são atividades não enquadrá veis num quadro social estruturado e definido
.
Sobre a noção de“
anti-estrutura social” discorreremos maisdetidamentenocapítulo 5
.
O
reru
é,portanto,umaatividadeque sepoderiaenquadrarnumacategoria intitulada “ jogose brinquedos”.É,defato,ambos,brinquedo e jogo^
.Jogopor ser atividade de lazerqueenvolve processos lúdicos de transformações formais segundo regras deconstrução,ebrinquedo por setratardeumobjetoconcreto.Oscordéisempregados
para a construçãodas figuras de reru confeccionadas em
fibra
deburiti,material fartonodia-a-dia da produçãomaterialKarajá.
Figura 16. Mahuederu Karajá mostra palmeira de Buriti -AldeiadeSanluIsabeldoMorro,1997
^
Usamosnopresente trabalho ambasasdesignações,oraum,oraoutro,oracombinados,masos dois aspectosestão inalicnavelmente presentesnaatividade.As cordinhas dc buriti, extremamente fortes, são usadas no artesanato dacestaria
.
comoarremates deesteiras, bolsas,cestasecolares,ou em qualqueroutrafunção a quesirva umasempreútilcordinha.
Figura 17.Dikuriaconfeccionandoesteiracomfibradebunli
-
AldeiadeSantaIsabeldoMorro1992. Oscordéisempregados na construçãodosrerusãolaços fechadosmedindo cercadeum metro,oupouco mais,a voltaestendida entre asduasmãos.Manipulando-seestes cordéiscom movimentosespecíficosdas màosedosdedos,eles vão tomandoformas que resultam em numerosas configurações que são associadas a imagens e
representaçõesvisuais pertinentes aomundoKarajá,sendoentãonomeadassegundo
estasimagens
.
Podem ser desdeformasrelativamentesimples,comoowyhy sabute ‘punhadodeflechas“ (16nacoleção),construídascom relativamente poucos passosde movimentos, até formas elaboradas e complexas, construídas através de uma extensa e ordenada sequênciade passos,como seriaocaso,porexemplo,do kuràbikò
iruedi “olhodekuràbikò" (
20id
.
). Há também
alguns modelos executados a quatromãos eainda outros em que os pés sãoempregados para auxiliar as mãos,caso do ahãdu“lua” (47id)
.
Entreoselementos da natureza,as representaçõesdafauna sãoas mais numerosase variadas,comorara
, “urubu” (42id.
); tyrehe,
“morcego” (33 id.
);wariri,“tamanduá” (32 id
.
); kohõi,“socó"culturais da iconografia Karajá, como certos padrões gráficos usados em pintura corporal também sãorepresentados nas formasdo
reru,
como é o casodos padrõesgráficoshã
ru
òkyseehãru(9e 14id.
).
(2 id
.
), entre outros.
Diversos elementosFiguraJ8:Uma das variaçõesdomotivográficolulrii, aplicado na pernadeumadançarina de Aruanãe
Komãliracomafiguraemcordel demesmo nome.
^
^
DesenhodeToral,A.
(1992:2(X))Também há formasrepresentandoentidades mitológicas,comooTxureheni(34 id
.
),“avôdeAruanã
” ,
tradicionalmente representadoporumamáscararitual,eainda certos elementos arquitetônicos,comoa casa,hetoku(17id.
),e umaconfiguraçãoassociada àsarmações docorredordafesta cerimonial de Hetohoky,
ohererawokutò (27id.
).
Figura 19. Rilxokó ereru representandoenlidadesobrenaturalTxureheni,o“ vovôdeAruanã”
As figurasemcordéis seconstituem emsuamaioriadeformas geométricasretilíneas, embora curvas e círculos també m possam ser construídos, como se observa em kuràbikòiruedi
-
"olho de cobra cega"(20id,).
Embora grande partedasformas do rentresultemsimétricas,há diversos modelos assimétricos,como o caso dohelykyre wakube taahuki "pegadadopato em seu lago"(25id.
).
Observamostambém que uma vezconstruídas,asformas não secaracterizam semprenecessariamente como formas fixas,cristalizadas,mas podem apresentar movimento,como é o casodoahuruyrerí "lago secando" (44 id,) e do anteriormente citado kutura wiribi kòturaijaranyre^"peixes correndo em direção contrária" (45 id)
.
Estes formam umaesp
écie de representaçãoanimada
.
No modelo ahuruyreri,
a forma representando um lago vai diminuindo de tamanho ("secando") de acordo com o controle da corda pelomanipulador. No kwura wiribi k()fu raíjanuiyre. laços represenlando peixes afastam-se
um do outro em direção coulrária. também segundo o controle de parles da corda com os dedos.
Apresentamos a seguira coleção inteira de reru, com 49 liguras, constituída dumute a
nossa pesquisa. As figuras serão denominadas segundo seus nomes em Karajá, no
dialeto ícmiuino, seguido do dialeto masculino, e da lrndução em português. As
figuras serão assinaladas no caso de serem animadas, ou seja, quando apresentam movi menlo, e também no caso de serem tridi mcusiouais.
3.2. Coleção de reru - figuras em cordéis dos índios Karajá.
( 1) IXY \VITXJKYRE / IXY WITXIYRE / costelas de pot-cão (Waxiaki)
(2) KO.HÕl i HÕI i socó (Komytira)
(3)HURYTY / HURYTY / libélula (Myixá)
4) BORÔ / BORÔ / arrma (Myixá)
(5) KRO\VETE/YROWEfE/sapo(Myixá)
(6) LORàBYTÔ / LOROBYTà / constelação àe sete estrelas (Myixá)
(7)LORÔBYTÔ KOBIKUTà 'LORàBYTÔ OBIUTÔ / jirnu de constelação
(8) WYRARE DJUHUTE / WYRARE DfüHUTE / bico de colhereiro (Myixá) ot. BALIN /BALIN / balinha (nome associado mai recentemente)
(9)H Ã.RUKÔKYSE / HÃRUÔKYSE / vanante do motivo gráfico de.corntivo hãru (Komytira)
-(10) HÀLÀ TAAHURAWEfYKYKI RUNYRE/HÀLÀTAAHURAWEl')' YKI RUNYRE / cai ti tu sentado entre eus dois lag s (Wax.iaki)
( l l) L YBARlNA / L Y BARINA / lamparina (Myix.á)
( 12) KYHY / YHY / vento <_Myixá)
(13) KURÀBIKàTJHÔLEHÔLE/ URÀBJÔTJHÔLEHÔLE.
movimento sinuoso da cobra cega (Myixá)
( 14) l-1..ÃR� / HÂRU / motivo gráfico decorativo (ljeseberi)
( 15) KÕRI / ÕRI / anla (ljeseberi)
( 16)\VYHY SABITTE / WYHY SABUTE / apanhado de flechas (Ijeseberi)