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Reru: figuras em cordéis dos Índios Karajá

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(1)

Chang Whan

RERU

Figuras em cordéis dos índios Karaj á

Dissertaçao de Mestrado em História da Arte

Universidade' f.ederal do füo de laneiro Centro de Letra� e Artes

Escola de BeJas Arte�

Mestrado em

r

listória e C ríti.cd da Arte 1998

(2)

CHANG WHAN

RERU

Figuras

em cordéis

dos

í

ndios

Karajá

Dissertação de mestradoem História da Arte

-

Area de concentração em AntropologiadaArte

.

Orientadora: ProP Dra Regina F

olo Müller

.

UniversidadeFederaldo Rio deJaneiro

Centro

deLetraseArtes

Escola deBelas Artes MestradoemHistória daArte

(3)

CHANG, Whan

Rem

-

Figuras em cordéis dos índios Karajá

.

Rio de Janeiro, UFRJ, EBA, 1998.

ix, 130 p.

Dissertação:Mestre em Históriada Arte(Antropologia daArte)

1

.

Jogos e brinquedos 2

.

Figuras em cordéis 3.

í

ndiosKarajá 4.Processol údico

I.Universidade Federal do RiodeJaneiro II

.

Título

(4)

CHANG WHAN

RERU

Figuras em Cordéis dos í

ndios

Karajá

Dissertação submetida aocorpodocente do Mestradoem HistóriadaArteda Escolade Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos

necessários paraaobtenção do grau de mestre

.

Ou

ProF Dr

Regina PoloMüller UniversidadeEstadual deCampinas

/

jdU

í

.

^

.

^

ProfdDC Rosza W

.

Vei Zoladz UniversidadeFederal doRiodeJaneiro

PifaFDr

.

Rogé

|

ri<

bMedekds

iversidadeFederal doRioaedíneiro

Rio de Janeiro julho de1998

(5)

Agradecimentos

Aoindigenista JoãoAméricoPeret,amigo de longas datas,porapontar-meoreru

,

objeto desteestudo.

À saudosa professora Maria Heloisa Fénelon Costa, minha primeira orientadora,pela

atençãoe estímulo na fase inicial dotrabalhode pesquisa

.

À professora Regina Polo Müller,orientadora deste trabalho na sua fase final, pelas sempre pertinentes eoportunassugestõesecuidadosa orientação.

Aos professores Antonio Carlos de Souza Lima e Hélio Viana do Departamentode Antropologiado Museu Nacional / UFRJ, orientadores do meu estágio no Setor de

Etnologia, onde pudecomplementara pesquisa sobre as figurasemcordéis

.

Àprofessora RozsaVelZoladz,pelaatençãoeconstante incentivo ao meu trabalho

.

A IjeseberiKarajá,amigo eprestimosoinformante, pelaseriedade ededicação com que colaborou comapesquisa

.

A Myixá Karajá,amiga e prestimosa informanteque, mesmosem falar o português,

dedicou

-

se comimensapaciência àtarefadeensinar

-

mea executarasfiguras em cordéis, oquepossibilitouoregistro descritivo dos seus métodos de construção

.

À CAPES,peloapoiofinanceiro da bolsa deestudo que viabilizoua pesquisa através dos trabalhos decampoedegabinete.

A Ching Chang, meu irmão, que ajudou-me com uma pesquisa bibliográfica na Biblioteca Central da Universidadede Berkeley, contribuindo para oenriquecimento

destetrabalho

.

A Marcus,meumarido,que sempre me apoiou e incentivou

.

A ele dedicootrabalho

.

(6)

"

O

puro

e

simples jogo

constitui uma

das

principais bases

da

civiliza

ção

"

Johan

Huizinga

(in Homo Ludens)

(7)

Resumo

RERU

Figuras em cordéis dos índios Karajá

Estadissertação examina um fenômenocultural soba forma de uma atividade delazer comum a muitos

povos

nomundo

. Um

olharmais detidoà atividade de construçãode figurasemcordéispode ajudar-nosa melhorcompreendera criatividadehumanaea sua

natureza lúdica

.

Através do levantamento de umacoleçãode figuras em cordéis, que inclui a descriçãodeseus métodosdeconstrução,coletados entre os os índios Karajá,

população ind ígena brasileira que habita a região do Brasil Central, examinamos as

figuras em cordéis enquanto produtos culturais finais, assim comoa atividade do seu fazerenquanto umprocesso que consisteda interaçãoentre um apurado sensoestéticoe uma alegre experiência de fruição lúdica

.

Relata

-

se também uma experiência de revitalização cultural com osKarajáe as suasfigurasemcordéis

.

(8)

Abstract

RERU

The Karajá Indians String

Figures

This dissertation examines acultural feature in theform of a leisure activity which is common) tomany peoplesin the world

.

A close look into the activity of string figure makingcan give usmanyinsights tohelpus better understand humancreativityandludic nature

.

Throughan account ofa sampling collectionofstring figures, which include their construction methods,collected among a brazilian indigenous people,the Karajá people,

whoinhabitthe central brazilian inlands, we examine the stringfiguresas final cultural products as wellastheactivityofmakingthemasacreativeprocesswhich is an interplay

between a keen aestheticsense and ajoyfull ludicexperience.An account of a cultural revivalexperience withthe Karajá peopleandtheir string figures isalso reported.

(9)

SUMÁ

RIO

I

.

INTRODU

ÇÃ

O 1

2

. FIGURAS

EM

CORD

ÉIS

NO MUNDO

E

NO BRASIL

8

8 2.1

.

Trajetória dos estudos em cultura material

2.2

.

Figuras em cordéis, o nosso objeto 2.3

.

“String Figures” pelo mundo afora

2.4

.

Figuras

em

cordéis no Brasil

I 1 15 23 3. O RERU KARAJ Á 35 35 3.1

.

0 reru Karajá 3.2

.

A coleção dereru 44 4

.

MÉTODOS DE CONSTRUÇÃO 60

4.1

.

Termos usados para identificação de segmentos de cordel 61 62 4.2

.

Comandos e manobras

4.3

.

Métodos de construção dosreru Karajá 4.3

.

1

.

Aberturas e sa ídas principais

4.3

.

2

.

Descrição das manobras de construção

4.4

.

Esquemade desdobramentoformaldosprocedimentosde construção

de reru

63 64 68

96

5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERFACE LÚ DICO

-EST

É

TICA DO

JOGO

DAS FIGURAS

EM

CORDÉIS 98

100 5.1

.

Liminaridade e anti-estrutura

5.2

.

Duas instâncias de fruição cultural 106

(10)

5.3. No espa

ç

o das possibilidades morfológicas 5.4

.

Uma exaptação cultural

108 102

6

.

UMA

EXPERI

Ê

NCIA DE REVITALIZAÇÃO CULTURAL 116

7

.

CONCLUSÃO 1 2 1

(11)

I. INTRODUÇÃO

Os Karajá constituem uma naçãoindígena brasileira que tradicionalmente habita a regiãoCentro-OestedoBrasil,vivendo predominantementenabaciado rio Araguaia, e na Ilha do Bananal, nosestados deGoiás,Tocantinse Mato Grosso

.

Falantesde uma l íngua pertencente aotroncolinguísticoMacro

-

Jê,osKarajásedividem em trêssub -grupos principais,osKarajápropriamenteditos,osJavaé e osKarajá doNorte

.

Totalizandoat uaimente umapopulaçãodeaproximadamente 2.700 pessoas espalhadas emcerca de 20 comunidades(Fialho, M

.

H. 1997), o povo Karajá, de uma forma geral,tem conseguidopreservarasua identidade culturalmantendocom orgulhoasua língua easua vida culturalereligiosabastante ativa,apesarde uma históriademais de umséculo decontatocoma sociedade nacional envolvente

.

As aldeiasdeSantaIsabel do Morro (Ilawalò) e Fontoura (Botõiry), atualmente com 505 e 420 habitantes1,

respectivamente, sãoas que concentramasmaiores comunidadesKarajá e asque mais tê

m

conseguido preservar suas tradiçõesculturais

.

Os Karajásão tradicionaleessencialmenteumpovofluvial

.

Têm no rioAraguaiaa sua imagem referencial de mundo, tantosecularcomo sagrado.O Bero hokã, como é designadoem Karajá

-

"aágua grande", representa,a um tempo,a fonte de vida e subsistência,ea evidência concretado mundosobrenatural, onde habitam osseres primordiaiseuma legiãode entidades sobrenaturais porelescultuados

.

Assim como o riosintetiza na sua imagem a indistinçãoentre os planossecular esagrado, a vida

(12)

cultural

-

social e ritual

-

do povo Karajá se pauta na sua estreita referência à cosmovisãoKarajá

.

Osciclos rituais-comoo rito iniciatóriodoHetohokã,a festa da

"casagrande"- seguemos ciclos das estaçõesde chuva eseca,decheia e vazantedo

Berohok

ã. A configuração dos espa

ç

os sociais se define segundo modelos de distribuiçãodos espa

ç

os míticos

.

As mulheres e os espa

ç

os femininos estão para homenseos espaços masculinos, assim como os iny

designam -eaaldeia estão parao mundo sobrenatural e o Berohokã, comose vê no esquemadafigura 1

.

-

os Karajá, como se auto

-my mundo sobrenatural Berohokã mulheres espaços femininos. homens espaços masculinos aldeia

Figura1.Esquema: Relaçficsde interdiçãonomundo Karajá:Espaçosmasculinosrepresentamameaça sobrenatural enatural àsmulheres assim como o Berohokã, o “Grande Rio” representaameaça sobrenaturale natural a todo opovoKarajá

.

As relaçõesentreestas categorias sãobemdefinidas e marcadasportabus,interditos e medos.Aos iny é seguro frequentarasuperfície da á

gua

,aregião fronteiriça entreos mundos

.

As mulheres é facultadoousodoscaminhos limítrofes ao espaço masculino, o pátio dos homens,oijoina (lugardos homens),onde fica a casa das máscaras de

Aruan

ã, os sobrenaturaismíticos.Umaapreciaçãomais detidaecompletadasociedade e cosmologia Karajá é oferecida por André Toral noseu Cosmologia e Sociedade

Karajá(1992)

.

A rica cosmovisão Karajá se materializa e se torna visível sob a forma de sua prodigiosa produçãomaterial

.

Os

Karajásãohá beis artesãos nacestariaena cerâmica,

(13)

além de delerem urnapurado sensoestético,quese reflete noseuelaboradorepertório de motivos decorativoseno esmerodedicado à

pintura

corporal, bem como na sua indumetária ritual

.

Estes dois campos de interesse, a

cosmologia

e a produção material,tê

m

despertadoa atenção de pesquisadoresdesde fins do século passado,

como, por exemplo,os primeirosetnólogos na região doAraguaia, Paul Ehrenreich (1894)eFritz Krause(1911,1940,1943)

.

Desde então osKarajátem recebido muitas visitas depesquisadores quese interessaram por aspectosdiversos de sua cultura e sua sociedade.Entre outros destacam

-

se Herbert Baldus (1937 e 1948), que estudou aspectosdamitologiaedaorganizaçãosocial dosKarajá;Castro Faria(1952e 1959), que estudou as ritxokó(cerâ mica figurativa) das mulheres Karajá; Maria Heloisa

Fénelon Costa(1978);queestudou a artee oartista Karajá; Edna Taveira de Mello (1982),queestudouacestaria; Rosza Vel Zoladz(1987),queanalisou uma extensa

coleção de desenhosespontâneos Karajá;MarcusMaia(1986),queestudou o dialeto

Javaé dalíngua Karajá;Natalie Petesch(I987)eAndré'foral(1992);queestudarama cosmologia e a sociedade Karajá; e Manuel Lima Filho (1994), que estudou o

complexo ritualdacasa grande,oHetohokã

.

Neste trabalho, propomo-nos a examinar uma manifestaçãocultural específica observada entre osKarajá,que conjugaoâmbitodolazereodacultura material eque espelha culturalmenteo ethos jovial e alegre deste povo.Trata-se do jogo do rent, (literalmente “ cordel”),em que uma laçadadecordel,cujas pontas estão atadas, é empregada para construir figuras de formas diversas

.

Atividade de lazer universalmenteconhecida por culturas do mundo todo, as figuras em cordel,

comumentedenominadas de “camas-de-gato”,já têm sido estudadas em diversas culturas desdeoinício doséculo

.

Também presente entreosíndiosKarajá deforma bastanteprodigiosa,estamanifestaçãonãotemsido objeto de um exame mais detido,

apesarde não ter passado desapercebida por algunsdos mais antigosetnólogosque estiveram com esse grupo

.

Já em 1888, Paul Ehrenreich, no relato sobre a sua primeira expedição aoAraguaianaquele ano,registraa sua atenção aojogodo rent:

:

(14)

“Jogosapreciados tambémentre os adultos,

...

o‘game of cats cradle’

...

barbantes estendidosde

m

ãoem mão

,

e passando por entre os dedos, representam diferentes figuras deanimais,segundoasdisposições quese lhes dá” (1948 p

.65

).Já poresta época,lembraEhrenreich,Franz Boashaviadescritoomesmojogoporeleencontrado entreos

Esquim

ós(1888)

.

Nosso primeirocontato

com

os rent se deu por uma indicação do indigenista João Américo Peret,na ocasiãodanossa primeiravisitaaSanta Isabel do Morro,em junho

de 1988, quando

particip

á vamos da organizaçãode um encontro deeducação para monitores indígenaspromovido peloFUNAI.Tendo convividocom o povo Karajá durante muitos anos-entre 1950 a 1962-comochefe de posto da Funai em Santa Isabel doMorro, Peret teve a oportunidadede presenciaro jogoem manifestações

espontâneas, admirando-secoma profusão ea riquezadesuas fornias

.

Porse tratar de uma atividade delazer orent é livreem suasatualizações,ouseja,nãodesponta na cena social regida por nenhum fator determinante estruturado. Durante todas as ocasiõesde nosso trabalho de campo não nos foi dado observar a atividade l údica surgindoespontaneamente.Mas sempre queosolicitá

vamos

orentera apresentado e exibido com muito gostoeorgulho.Algumasdasqualidades singularesdasfigurasem cordéisquenos despertaram a atenção, e nosmotivaram paraa pesquisaeo presente estudo-equeserãodiscutidas nocorpodo trabalho

-

sãoa riquesaea profusãode

suasformas,a motivação nitidamente estética na percepçãodestasformas,ainerente qualidadelúdica doseuprocessoeaefemeridade deseu ser

.

O presente trabalho se apresenta estruturado da seguinte forma: Começamos por apresentar uma panorâmica histórica das trajetóriasdos estudos em cultura material,

conduzindo,em seguida,oenfoque para o nosso objeto em questão, as figurasem cordéis

.

Algumasdasprincipais referênciasdos estudos feitossobreeste objeto no cenário mundial,sãoapresentadas,bemcomo as referências encontradas sobreele no Brasil.Na terceiraparteexamina-sedeforma mais minuciosa as figuras em cordéis dosíndios Karajá, nojogo dorent, nas suasqualidades formaise nascircunstâncias

(15)

sociaisde suaprática.Apresenta-se então a inteiracoleção de reru

,

com49figuras,

constituída nodecorrerda pesquisa.Hinseguida,aquartaseçãosededicaadescrever os processos de construção dos reru Karajá, onde apresenta

-

se uma detalhada descrição

passo

a passodos métodos de construçãodeumaamostragemde28figuras.

A quinta seção reserva-se a explicitaras reflexões teóricasqueoexame doobjeto suscita emdiversos camposdeconhecimento,além da Etnologiaeda Antropologia,

comoaEstética,aCiênciaCognitiva,earecenteTeoriadaComplexidade,que procura integrara compreensão de fenômenoscomplexosobservados em diversasáreas do conhecimento

.

Alguns conceitos chaves desenvolvidos porestasdisciplinas,como as

noçõesde liminaridade e anti

-

estrutura propostos pelo antropólogo VictorTurner

(1974, 1977,1982),oconceitodeexaptação elicitado pelo paleontólogoe teórico da

Evolução J

.

Gould(1994), e a noçãodadinâ mica dos atratores culturais descritopelo paleontólogoRoger Levvin(1994)sãoexploradas face às especificidadesequalidades queo estudo donosso objetorevelou

.

E finalmente,na seção seis,relata-se uma breve experiência de trabalhoetnográficoassociadoàidéiaderevitalização cultural atravésde

uma atividadecom figurasemcordéisentre membros de diversas aldeias Karajá

.

Nossa base de dados e informações sobre o nosso objeto de estudo

prov

ém de pesquisas de campo, nas aldeias Karajá de Santa Isabel do Morro (TO), São

Domingos(MT),eAruanã(GO)

.

Santa Isabel do Morro,ondese concentroua maior parte de nosso trabalho de campo, é uma das maiores (aproximadamente 500

habitantes)e maisantigascomunidadesKarajá

.

Estabelecidanailha de Bananal,situa -se próxima à cidade deSão FélixdoAraguaia.Nosso trabalho de camposefêz em duas ocasiões: janeirode 1997 e janeiro de 1998

.

Também pudemos contar com valiososdadoscomplementares fornecidos pelos prestimosos informantes ljeseberi Karajá esua irmã Myixá, ambos naturaisdaquela comunidade, por ocasião de três visitas feitas

por

elesaoRiodeJaneiro:emoutubrode1995,maio de1997e mar

ç

ode 1998

.

Especialmente importantefoi acontribuiçãode Myixá,que pacientemente se

(16)

empenhoue meensinar aconstruir osreru. etapa fundamental para a viabilização da parte dedicadaàdescriçãodos mecanismos deconstrução dosreru.

Salientamos também que na língua Karajá, doisdialetos sociaisse distinguem em funçãodesexo:a língua dos homens e a língua das mulheres

.

Na apresentação da

coleçãodasfigurasapresentamos as duas formasdedesignação

.

Optamos, no entanto, para efeito de consistênciadc uso dedialeto, pelaadoção da línguadas mulheres na designaçãodosnomesKarajáapresentadosnocorpo deste trabalho

.

A autoraeMyixáemSãoFélixdo Araguaia

.

Aofundo,o

Berohoky

(Rio Araguaia) (janeirode1997)

(17)

Principaisaldeias KarajáeJavaéecidades vizinhas na IlhadoBananale arredores

(18)

2.

FIGURAS

FM CORDÉIS NO MUNDO E NO

BRASIL

2.1. Trajetórias cios estudos de cultura material

Ointeresse peloestudoda cultura material em antropologia teve provavelmente seu primeirograndeimpulso enquanto estudo sistemático com FranzBoas e suas equipes na Columbia Britâ nica nas décadas finais do séc.

XIX.

Questões de caráter

difusionista caracterizavam aspreocupaçõesteóricas iniciaisdadisciplinaeométodo

comparativo se desenvolveu como carro chefe nas investigações sobre cultura

material.Aproximando

-

se dosenfoquese métodos daarqueologia,os artefatos eram inventariados,descritos e analisados predominantemente em relação aos seus aspectos

puramente formais

-

procedência, dimensões, modelos, matéria-prima, técnicas empregadas, etc

.

De possedestesdados,os pesquisadores seocupavam emdetectar

traços culturaisnosartefatose nos costumesqueinformassemsobre rumoseformas de difusãoculturalentreospovosestudados.No Brasil podemoscitar como exemplo

destaorientaçãooextensotrabalho desenvolvido peloetnólogoCurt Nimuendaju na primeira metadedo século XX.Nimuendaju foi o etnólogoquemaisgruposestudou no Brasil

.

Um incansável colecionador,é responsá vel por várias das coleções do acervodosetordeetnologiadoMuseu Nacional

.

Boas, contudo, viria a atentar para as limitações da metodologia culturalista comparativaquecomfreqiiência abstraíaosfatoseos objetos de seus meios socio

-cultural e natural

.

Era preciso também, alertava ele, examinar os processos de desenvolvimentodos costumes e dos fatos culturais, buscando identificar neles as

(19)

suas causas internas, determinadas por parâ metros que resultam em formas semelhantesoudiversasdesolucionar problemas;as suas causasexternas,decorrentes deprocessosdeadaptaçãoa ambientes ecológicos;e também assuascausas históricas,

decorrentesdas vivências coletivas por que passa cada povo, tais como contatos, migrações,guerras,etc

.

Com

o tempo,novoseférteis expedientesreflexivos começam a ganharterrenonas

ci

ênciassociais, sendoprontamenteadotados nasreflexões em antropologia

.

Aliadaao instrumentalteórico estruturalistaamplamenteempregado em estudos de parentescoa partirde Lévi-

Strauss

a noção de função aplicada aos estudos da cultura material começa a sobrepujar em importância as preocupações difusionistas de caráter determinista.“A que serve o objeto de estudo?”, “Qual a função a que responde a existênciacultural dosobjetos?” sãoexemplosdequestõesparadigmáticas que passam a guiaras investigaçõeseos esforços dedesenvolvimentodadisciplina,queprecisa agora considerar como fatoresfundamentaisparaassuas análises, todo o panorama contextuai e histórico, o meio ambiente natural, as relações sociais, os sistemas simbólicos, e as cosmovisõ

es

que informam os objetos estudados

.

A chamada “etnografia de superfície” passa a dar lugar a análises funcionais-estruturais mais profundas e integradoras

.

Contudo, os estudos sobre cultura material continuama ocuparde uma forma geral uma posição de estudos periféricos,efetuadosemfunção de informar econtribuir paraoutras questões“mais importantes” comoorganização social,estruturaeconómica,relações sociaise deparentesco, sistemasreligiosos,etc

..

Estudosem cultura material maisrecentestêm revelado, entre outras tendências, um acentuado interesse pelos fenômenos de mudança vividos no âmbito da produção material,como atestam,no Brasil,entre outros,os trabalhos de Heloisa FenelonCosta eBerta Ribeiro

.

Um casotípicoé,por exemplo,o processode mercantilizaçãoquese vinculou à produção material étnica

.

Mudanças em resposta a esse fenômeno são observadas nonível de valores simbólicos,funcionais,económicos edetecnologia de

produ

ção, entre outrosaspectos

.

Neste caso, podemos observar que o conceitode

(20)

arlefato fica inarcadamente mais associado ao conceito de arte do que ao de falo (objeto)

.

Ou seja,afunção utilitária original perde terrenopara umafunçãoestética nova,cooptada,diferente inclusive da função estéticaoriginária

.

Faceaofenômeno de absorsãodos artefatos étnicostradicionais por uma demanda de caráter turístico o

valor do exótico passa a impregnar as pe

ç

as, configurandoassim novos padrões e

valoresestéticos,conforme observa Graburn(1976)aoanalizar a arteproduzida pelo queelechamade “ quartoinundo”

,

ousejaa artenativa,étnica, indígena.Aanálise de Jean Beaudrillard(1973)sobreafuncionalidadedosobjetosna ordem da cultura de

massa

contempor

ânea bem podeexplicarofenômeno:

...

'funcional'nãoqualificade modo algum aquilo queseadaptaa um fim,mas aquilo que se adapta a uma ordem ou a um sistema:a funcionalidade é a

faculdadede se integrarem um conjunto

.

Para oobjetoé a possibilidade de

ultrapassarprecisamentesua "função" para uma funçãosegunda, de se tornar

elemento de jogo de combinação, de cálculo, em um sistema universal de signos

.

(1973, p.70)

No estudo sobre cultura material osaspectos formais e funcionaisdificilmente se

dissociam da qualidade estética que osobjetos veiculam. Investigaçõesempíricas voltadas para a produção estética lêni produzido valiosas contribuições para a compreensãoteórica de processos de auto-concepções cosmológicasde populações étnicas

.

Nancy Munn (1973), ao estudar a iconografia dos Walbiri da Austrália Central,destaca-sepelabem sucedidatarefa deintegrarasvárias formas de atualização cultural dacosmologia Walbiri

.

Nodomíniodiscursivo

,

pelocontardas estóriasedos mitos; nodomínio social,pela definiçãodos papéis simbólicos femininos para esta atividade; e no domínioda produção artística, pelas formas de representação gráfica simbólica dos elementos que integramasnarrativas

.

Nesta linhadetrabalho destacam

-se

no

Brasil,entreoutros,ostrabalhosdeLux Vidal sobre a arte gráficadosKaiapó

-Xikrin (1978, 1981), de Regina Müller sobre aornamentação corporal dosXavante

(1976)e a arte gráfica dos Asuriní(1993),e de Lucia Hussak Van Velthen sobre a

(21)

Como se constata, um vasto e diversificado campo de estudo se oferece ao pesquisadordecultura material -c nos parece que,de formaespecial,no cenário da

etnologiabrasileira.Anossapesquisa incursionaem umaárea que abrange as formas culturais produzidas através de atividades identificadas como de lazer, mais especificamente, jogose brinquedos

.

No Brasil escassas referências a esta á rea atestam

a

lacunaqueurge ser preenchida.À parteas bonecasemcerâmica dos Karajá,

as ritxoko

,

que têm sido bastante estudadas pelo seu aspectoestéticoe pelo fato de

serem um dos

poucos

casos de cerâmica figurativa noBrasil (Castro Faria, 1952,

1959, e

Fenelon Costa

, 1968), jogos e brinquedos e o fenômeno lúdico são geralmente tratados de forma passageira esuperficial.A maior parte das referências existentestratamdafabricaçãodeminiaturas,comoarcos e flexas,canoinhas, bonecos

de talodeburiti ou desabugoou palha demilho

.

Entreasminiaturas podemos incluir uma classedeobjetos cuja especificidade os dintingue dasoutrasminiaturas referidas

.

Sãoasconstruçõesem dobradura

.

Geralmentefabricadasem palha de vários tiposde palmeira, representam diversos elementos do universo natural e cultural das populações indígenas, taiscomoaves, répteis, estrelas, piteiras, caixinhas, etc

.

O estojo peniano, utilizado por muitos grupos indígenas, também é geralmente confeccionado ao modo dasdobraduras em palha, mas não seria maisclassificado comoobjetopertencente ao domíniolúdico,tendo,obviamente,outrasfunções

.

2.2. Figuras em cordéis, o nosso objeto

.

A nossa atençãosevoltaaqui para umaclasseespecíficadeobjetos produzidos através de uma atividade l údica praticada entre os índios Karajá da Ilha do Bananal denominada derent (cordel)

.

Orent é,comovimos, uma atividade que se poderia enquadrar numa categoria denominada como“jogos e brinquedos”

.

Propomos aqui paraonosso trabalhoasdesignações“figuras em cordéis” ou“jogodoscordéis

, por considerá

-

lasmaissimples,maisreferencial,ededecodificação maisimediata.Esta

(22)

mais facilmete identificá vel com as denominação se faz escolher também por ser

formasde designaçãoempregadas em estudos em inglês

-

“string figures , em espanhol

-

“ figurasde hiIo” ou “juegos de hilos”,e em Irançês

-

jeux deficelles

.

Variantedouniversalepopularmente conhecido“cama-de-gato”,asfigurasemcordéis são, de fato, ambos, jogo e brinquedo. É jogo enquanto atividade que envolve

processos

lúdicos de transformações formais segundo

regras

de construção específicas, e brinquedo por 1er um objeto concreto como suporte destas transformações.Oscordéis empregados para a construção destas figuras são la

ç

os fechadosmedindocerca deummetroa um metro e meio a volta estendida entre as

maos

.

Aoseremmanipulados com movimentosespecíficos dos dedosedas mãos oscordéis vão assumindo configurações específicas que são associadas a imagens e representações visuaissignificativaserelevantesaouniverso Karajá

.

A primeirareferência às figuras em cordéis foi feita porPaul Ehrenreich no relato de sua expedição ao Araguaia no ano de 1888,quandooetnógraforegistraa sua atenção aojogosobosubtítulo“ Jogosedanças”:

Jogosapreciadostambém entreosadultos sãooda peteca feitacom palhade milhoe omioloem formadeargola, e,além deste, o ‘game of cats cradle’, notoriamente encontradiço também naAmérica do Norte,e há poucotempo descrito também por Boas como existente entre os Esquimós: barbantes estendidos de mão em mão, e passando por entre os dedos, representam diferentes figurasdeanimais,segundoas disposições que se lhes dá (1948,

p.65)

.

Herbert Baldus(1970) também registra no capítulo jogos e artes de Tapirapé

-Tribo Tupi no Brasil Central, aexistência do mesmotipode brinquedo.Descrito como jogodefio, oiniirulpärä

vuy,

dosTapirapéeramfigurasconstruídascom fios de algodão(inimá) (1970, p

.

408), Assim como entre seus vizinhos Karajá, era uma

(23)

deve,provavelmente,à complexidadedas manobras necessárias à execuçãodestas figuras,querequerem habilidadeedestreza manual bemdesenvolvidas.

No Dicionário do Artesanato Ind ígena, preparado por Berta Ribeiro (1988), os

brinquedosestãoincluídos no último capítulointitulado“ObjetosRituais,Mágicose Lúdicos” sobadesignaçãode

utensílios l údicosinfantis” e aseguintedefinição:

Compreendea vasta gama de brinquedos socializadores - miniaturas dearcos, flechas,bancos, panelas, cestos, etc

.

-que ensinam ascriançasde cada sexo a se familiarizarem com opatrimónio de cultura material de cada tribo e a se exercitarem nas tarefasqueserão chamadasa desempenhar quando adultas

.

E, ainda,objetos fabricados por adultos,ou crianças maisvelhasparalazere prazer cotidiano(1988, p

.

286)

.

Ressaltandoqueno dicionário somente estes últimos são inventariados,aautorainclui

nestaclasse,entre bolas,bonecos,petecas,piões,corrupios,dobradurase brinquedos diversos, as

camas-de

-

gato”, descritas e ilustradas a partir de exemplares confeccionados pelosíndios Ramkokamekra-Canela,oriundos do acervoetnológico doMuseu NacionaldoRio deJaneiro.Na definição, a autorarecorreaoAurélio:

Brinquedo infantil com um barbante a quese ataram as pontas e que duas pessoasvãotirando umadosdedos daoutra,alternadamente,dando ao cordel disposição variada esimétrica” (DicionárioAurélio)

.

Comumadiversas tribos queformam figuras àsquaissãoatribuídasdesignações e significados osmais variados(Ribeiro,B

.

1988,p

.

295)

Adenominação"

cama

-

de-gato", emborapopularem várias partesdomundo-comose depreende pelo nome “cat’s cradle” em inglês, talvez não seja, a nosso ver, a designação mais adequada para referir-se aojogona forma como é conhecido pelas populações indígenas, poisassocia-se a este nome a versão do jogo popularmente conhecidoentre ascrianças urbanas brasileiras

.

A

cama-de-gato”,comodefine o Dicioná rio Aurélio,é um“brinquedoinfantil

.

..que duas pessoasvão tirando uma dos dedos da outra, alternadamente”

.

O jogo, na forma como é conhecido pelas populações indígenasestudadas éapreciado também poradultos ejovens,fato que se

(24)

pode atribuiràlaboriosacomplexidade queasfiguras podemassumir.Ascrian

ç

as se limitama brincar e

a

praticara destreza nojogo com umrepertório relativamentemenor

emais simples.Ébrinquedo,sim,mas nãounicamente infantil

.

Pelo contrário,brincar não é uma atividade que se entenda exclusiva dos menores. Outro aspecto que claramentedistingueascamas

-

de

-

gatodasfiguras emcordéis indígenaséque,

mesmo

emmeio àgrande diversidadede possibilidades que assumem,asfigurasem cordéis,

nasuagrandemaioria,sãoexecutadaspor pessoas individualmente,e nãoem

passes

alternados.A participaçãodeuma segundapessoanaexecução dasfigurassedá mais

comoumaajudanaconstrução e não como umaparceriadejogo.

Nasetnografiasapresentadas no Handbook of South American Indians, volumes 1 e

111 (Steward,J

.

H

.

1946)constatamosdiversas referências,ainda que bem breves,

sobrea existênciadojogodecordéis entre aspopulações indígenasapresentadas

.

No primeiro volume, “'l he Marginal Tribes, sob o item “ Esthetic and Recreational Activities”, registra-seo costume do brinquedoentre osMashakalí(A.Metreaux e

C.Nimuendaju, p

.

393), os Guaiaki (A. Metreaux e H. Baldus, p. 468), os Gê Central Xerentee osCanela(R.H.Lowie p.501)

.

Destacamos no conjunto destes registrosumfato interessanteesignificativo

.

Quandoem relaçãoaosXerente,Lowie relata que“ Cat's cradleis not higly developed

.”

^

(p. 482), podemos detectar nesta afirmação o interesse e a relevância deste dado pelo tratamento a ele conferido-como traçocultural quedeva ser checado. Pois, como observa Lowie na introdução ao terceiro volume,“ TheTropical Forest Tribes”, “Cat's cradle figures exist in great profusion"(p

.

41), ainda que não tenhamosencontrado maiores e mais detalhadas referênciasaobrinquedo nostrabalhosquecompõemovolume

.

(25)

2.3. "String Figures" pelo mundo afora

No histórico daantropologiaculturalamericana, britânica,e neo-zelandesaointeresse pelas figurasemcordéistevecomo marco iniciala descrição de

Franz

Boas de dois exemplaresesquimós,em 1888-exatamente, coincidentemente ou não, no mesmo

ano em que PaulEhrenreichregistrouojogoporeleencontrado entreosKarajá

.

Desde então, segundo o pesquisador Mark A. Sherman (1933), mais de 2.000 padrões individuais, provenientesdediversas partesdo mundo,tem sido registrados.

Para

os antropólogose

pesquisadores

, várias característicasdasfiguras em cordéis pareceram interessantes.Nãopodemos deixar de nos admirar, por exemplo, com o

fatodequeapartirdeum simpleslaço decordel tantospadrõesindividuais

possam

ser gerados

.

Muitos dos estudos iniciais sobre figuras em cordéis voltavam-se para discussões de caráter difusionista, segundo o argumento de que elas podem ser consideradas elementos formais bastanteestáveisde umacultura,ouseja,dificilmente os padrões seespalhariam na ausência de contatosfísicos

.

Tal argumentojá tem sido contestada, pois já está mais que comprovadoque figurassemelhantes e até mesmo idênticas podemsurgirespontaneamente nasmaisdiversas partes do planeta.

Outroaspecto interessanteapontado porSherman decorre da observação dequeas figurasem cordéis,àsemelhança de mitos e lendas,sópoderiam serperpetuáveis por meio detransmissores vivos,coma diferença dequeelas são bem menos susceptíveis amodificações

.

Diferentemente dos mitos,quesofrem alterações à medida emque são transmitidos,com asfiguras em cordéis nãose pode facilmente substituir manobras esquecidasporoutrasdiferentesou inventadaseaindachegar-seaomesmoresultado

.

W.H

.

R.RiverseA.C.Haddon (1902),nas suas seguidas expediçõesaoEstreitode

Torres na Nova Guiné também se viram admirados com a multiplicidade e complexidadedasfiguras em cordéis construídas pelos nativos e, em colaboração,

sistematizaram ummétodoeumanomenclatura paradescrevere, assim, registrar os

(26)

deempréstimodaterminologiaanatômica, tem sido bastante difundidoeempregado por pesquisadores que estudam figurasem cordéis, ou tem servido de base para o desenvolvimento de outrossistemasde notação

.

Certamenteos primeirosesfor

ç

os no sentido de desenvolver um sistema de descrição dos métodos de construçãodas figurasem cordéisse fizeram faceà constatação daefemeridadedestes objetos, uma vez queoseu suportesefazcom asmãosque,obviamente,

n

ão podem mantê-laspor

muitotempo

.

Figura2

.

Posição1cAberturaA,asmaisfrequentes posiçõesiniciais,segundoterminologiadefinida porRiverseHaddon(Haddon,K.,1930,p.155,156)

Haddon publicouainda mais algunsartigossobreas figurasde cordéis, como o que saiu no AmericanAnthropologist de 1903, “ A Few American String Figures and Tricks

(1903,

p.

213)

.

Em 1906 Haddon publica o “String Figures from South Africa

no Journal of the Anthopological

Institute

de Londres,na mesma edição em quedois outros trabalhos tambémsobre figuras em cordéis naAfricasão publicados:

(27)

O "String Figures and Tricks from Central Africa", por W. A. Cunnington e o

YorubaStringFigures”,

por

J

.

Parkinson.

-

^

Algunsdiscípulos de Boase outros pesquisadores seguindo passos de Alfred C. Haddon, coletaram sistematicamente exemplaresde“ string figures”, apresentando detalhadasdescriçõessobre seus processosde execuçãoe promovendo discussões sobrepossíveiscaminhosdedifusão

.

JohannesC.Andersen, por exemplo publicou oseu “ Maori String Figures"(1927) pelo conselho de pesquisa de etnologia Maori da Nova Zelâ ndia. Neste trabalho Andersen descreve minuciosamente os processos de execução de 36 figuras,

localmenteconhecidas comowhai

,

maui

,

ou huhi

,

coletadas entrea população nativa de Maori,eacompanhadas de fotografiasparailustrá-las

.

Figura 3. Kopu(Venus)dopovo de Maori,coletadopor J.C. Andersen(1927,p.62)

Oautorressalta o interesse etnológicono estudodestas“ string figures” emassociação

aoestudo de mitos Maori.A execução de váriasfiguras se fazem acompanhar de récitativos oucânticosrelacionadosaepisódiosmíticos

.

Andersen menciona inclusive um relato que atribui uma origem mitológica às Figuras em cordéis creditada a um heroicodemiurgochamado Maui

.

(28)

Kathleen Haddon,filha de Haddon que o acompanhava em suas viagens, se viu també

m

instigadae atraída pelas “ string figures” encontradas em tantas partes pelo mundo, dedicando-se então a estudá-las e tornando-se uma autoridade no assunto

.

Produz,vários trabalhos, entreeles, o “Cat's Cradlesfrom Many Lands” (1912), o

“AustralianString Figures” (1918),eo“Artistsin String” (1930),em que ela reúne coleções defigurasem cordéisde cinco

povos

dedistintas localidades nomundo:os eskimósdoAlaska,osíndios Navaho,ospapuanosda ilha Kiwai da NovaGuiné,os habitantes da PenísuladoCaboYork,na Austrália,eas tribosda Costa doOuro da Africa

.

Figura4: a)Chukchee(HomemnoKayak),Esquimó;cb)Dilyehe(as plêiades),Navaho

.

(Haddon, K.,1930, p.23 e52)

A autora procuracompreender os processosde associaçãodasfiguras em cordéisa

imagens específicas vistas por diferentes povos eargumenta que estasassociações refletem as cosmovisões destes povos. As ilustrações presentes no livro junto às figurasem cordéis são bastante úteis aoajudar a visualizar as formas vistas pelos nativos

.

Discordando do determinismo difusionista que rege a idéia de que duas formas idênticasencontradas em lugaresdiversos necessariamente indicariam alguma forma

(29)

de transmissão porcontato, a autora alega que,além de movimentos de ditusão e contatos, os nomes e imagens associados às figuras devem ser estudados cuidadosamente pois podem representar informações relevantes a respeito das condiçõesdomeioambiente natural,daeconomia,do sistema simbólico,e de outros fatos culturais e sociais. Kathleen Haddon também comenta sobre o poder que a dimensão l údica tem em

agregar

eaproximar pessoas,que de outro modo poderiam

demorar

-

sepor longotempo em estados dereserva portimidez oudesconfiança

.

Lyle A.Dickey, juize notório historiadorque trabalhou e viveu em Kauai apresenta em seu“StringFigures from Hawaii” (1928) umacoleção de 115 figuras,descritas e ilustradas, sendo que muitas são também acompanhadas de câ nticos específicos, transcritosetraduzidos pelo autor

.

Segundo Dickey,asfigurasemcordéis podem em muitas instânciasajudar na decifraçãodos versosquese revelam numa linguagem poética desimbolismo bastante hermético

.

Asmuitasilustraçõesqueacompanham as descrições,emborade traçopobreeinconsistente,parecematender aopropósito

.

As figuras em cordéis encontradas nas sociedades da Polinésia também foram estudadas

.

Em 1925 o Museu Bernice P. Bishop de Honolulu publica o

String Figuresfromthe MarquesasandSocietyIslands”, de Willowdean Chatterson Handy (1925), onde a autora descreve 55 figuras agrupando-as em 6classes tipológicas baseadasem seus padrões de construção: 1)figurasfixas;2)figuras progressivas,que podem transformar-se de umaforma a outras maiscomplexas ou maissimples, em progressõescíclicas;3)figurasmóveis

,

asqueapresentam mobilidade de acordocom

amanipulaçãodecertas partes;4)figuras que necessitam de duas pessoasparaa sua execução;5)figurastridimensionais;epor último

,

6)figurasdetruques comcordéis

.

Estaclassificaçãoserá posteriormente empregada por H.C

.

e H

.E.

Maude no seu “String Figures from the Gilbert Islands” (1958),o qual inclui uma classe a mais: figuras comsignificado mágico-religioso,quesãoaquelasassociadas a rituaisequena maioriadoscasos sãoacompanhados de recitativos ou

c

ânticos.A partirdesteseu

(30)

primeirotrabalho,H

.

C

.

Maude passa adedicar

-

seaoassunto estudando a ocorrência dasfiguras em cordéis em diversas ilhasdaPolinésia e tornando-se umadasmaiores autoridades

e

referências sobre otema

.

Os Arviligjuarmiut, povo esquimócentral de Pelly Bay, també

m

se ocupavam em fazerfigurasem cordéis,que foramestudadaspor Guy Mary-Rousselière(1969)

.

Este pesquisador constatou um contínuo

processo

de criação de novas formas, com a incorporação,inclusive de elementos exó

genos

ao universo cultural daquele povo. Assim, Mary-Rousselière registrou, por exemplo, construções em cordéis

representando aimagem deumhidro-avião e de umaviãobimotor

.

Figura 5:a)Hidroavião,eb)Bimotor,dosArviligjuarmiut,coletadospor G.Mary-Rousselière (1969: 169)

(31)

Raymond Firth,emcolaboração com Honor Maude,publicam,em 1970,o"Tikopia Siring Figures"4,onde apresentam 54 sikosiko(figurasem cordéis)

,

coletadas por Firthentre 1928 e 1929

.

Alémdasfigurasemsi,chamou

-

lhesa atençãoa relaçãoentre estas e certos mitose

personagens

míticos.

A

constante

inventividade

tambémé uma atividadede fazerfigurasemcordéis emTikopia.A novidade do trabalho se

destaca pela pesquisa feita sobre a terminologia nativa para os movimentos empregados na execuçãodas figuras,que é utilizada, em complementocom a de RiverseHaddon,paraadescriçãodosprocessosdeexecução.

marcana

C

\

Figura6. Kau kupenga(rede)c Maniai(peixinho de rcciíc)dcTikopia,coletadosporR. Firlhem 1928-1929(1970:23,29)

No Gamesof the North American Indians,StewartCulin (1992),compila em dois volumesum extenso inventá riode jogos praticados pelos povos ind ígenas norte

-americanos

.

O material é porele classificadoem três grandes categorias: jogosde

sorte,como osjogosde adivinhação,ou do tipo de lançamentode dados; jogos de

destreza,que se caracterizani basicamentecomoatividades de competição,como osdo

tipo“tiroaoalvo",ou baseados em formaçãodetimes;eos porele designados como “pequenos divertimentos", no qual se inclui, entre outros, o “Cat's cradle"

.

(32)

Observados em

praticamente

todosos

povos

indígenasnorte-americamos inquiridos, estesjogosestãomuitas vezes,segundoCulin,em associaçãoa

personagens

míticos

.

OsZuni, por exemplo, referem

-

se a umescudo protetor trançadoempunhado pelos deuses daguerra,

cuja

confecçãofoi-lhes ensinadapelaavóancestral dopovoZuni,a aranha

.

Em 1993 Mark A

.

Sherman publica um excelente trabalho de resgate etnográfico a partir de um manuscrito

produzido

pela etnóloga soviética Julia Averkieva sobre figuras em cordéis encontrados entre os índios Kvvakiutl habitantes da Ilha de Vancouver, na Columbia Britânica e coletados em 1930

.

Averkieva,então jovem assistentedeFranzBoas e sua únicacompanhia naexpedição de seis meses à ilha de

Vancouver,coletou e descreveu a execuçãode 102figuras em cordéis e analizou o conteúdosimbóloco presente nelas

.

Sherman revisa e confere as intruções de execução

ecomplementa a análise examinando traçosculturaisKwakiutlrefletidos nasfiguras.

Figura7.a)umsalmão eb)umaarmadilhadesalmão,dosKwakiutl,coletadosporAverkievaem

1930.(Sherman, 1993, p. 111,112)

Na América Latina,alémdoBrasil,destacam-se tambémalgumaspesquisassobreas figuras em cordéis: Há um trabalho sobrefiguras emcordéis praticadas pelos povos

(33)

Toba,“Juegosde Hilo

y

Trucosde losToba

-

Taksék

, de Isabel Balduci, publicado pelo Instituto Interdisci piinarioTiIcara,da UniversidadedeBuenosAiresem 1981

.

As figuras emcordéisproduzidas pelos povosnativos do Gran Chaco,entre as fronteiras de Argentina, Bol ívia e Paraguai também foram extensamente estudados pelo

pesquisador JoséA.Braunstein(1992)

.

Vale ressaltar, neste ponto, que os trabalhos citados representam apenas uma amostragem parcial de um universo bem maiorde estudos voltados para o objeto figuras em cordéis, conforme se pode constatar pelas referências da bibliografia consultada

.

Em 1980 uma associaçãointernacional de figurasem cordéis,a1SFA -International String Figure Association se constituiu, congregando membros “ entusiastas” de figuras em cordéis de todos os quadrantes do mundo

.

Aatual1SFAatualmente sediada

em Pasadena, na Califórinia,foi fundada comodesbobramentode uma associação japonesa de figurasem cordéis,o Nippon Ayatori Kyokai(NAK),que porsua vez,

havia sido fundada três anos antes pelo pesquisador japonês Hiroshi Noguchi que estudando a teoria dos nós, uma subdisciplina da geometria moderna, se viu “enlaçado” pela profusãoeriquezade formase possibilidadesdasfigurasem cordéis,

iniciando assim uma rede detroca de informaçõesentre estudiosos e entusiastasdo jogo pelomundoafora

.

A ISFA publicaregularmenle um boletim anual com os mais recentes trabalhos na área, umjornal,e uma revista com a descrição de métodosde

construçãodefigurasem cordéis destinadaaleigos

.

2.4. “Figuras em cordéis” no Brasil

Como

se pode constatar,asfiguras em cordéis constituem um assunto já bastante explorado no panorama mundial

.

Mas em se tratando do panorama de estudos

(34)

etnológicosbrasileiros, ainda temosmuitoacaminhar

.

Escassas e breves referências nabibliografiaapontam para uma urgênciadepesquisassobreo assunto

.

Empreendemosumabuscaparaencontrar indíciosdesemelhantes manifestações desta atividade lúdicaentre outrosgruposindígenas brasileiros, a partirdoacervodoSetor deEtnologia doMuseuNacional.Pudemos observarcomoinício de nossa pesquisa queuma classe deobjetos associadosaatividadesl údicas comojogose brinquedosse configura claramente, embora estejam dispostosdeforma dispersa, por não existir ainda formalmente uma categoriaclassificatória que os re ú na em um conjunto sistematizado.O examedosmateriaisetnográficosrevelam-nos,entretanto,que alguns pesquisadores jásemostraram sensibilizadosporessaclasse deobjetos.Entre outros,

destacamos oetnólogo alemãoCurt Nimuendaju, que foi responsá vel por várias séries de objetos sob a designação

brinquedo” no acervo do setor

.

Ainda que o

pesquisador não tenha se voltadoaestudar maisdetidamente esta classedeobjetos, certamente seu apurado eexperiente faro etnográfico pressentiu o potencial valor etnográficodestesobjetos.

• • •

E, pois, justamente numa coleçãode Nimuendaju,entre bonecosde talode buriti,

miniaturas de arco e flechas, piões, petecas e diversas dobraduras em palha, entre

outrositens,queencontramosnove exemplares defiguras em cordéis.Coletadas entre osíndiosCanela-Ramkókamckra,daaldeiadoBaixão Preto,no município doBarra do Corda, no estado de Maranhão, entre maio e julhode 1935 e incorporados ao acervo do Museu Nacional em novembro do mesmo ano, as figuras são eonfeccionadas em cordéisdealgodão,sendo denominadascomo “ figurasde fios”

.

Seis figuras estão nomeadas com seus nomes originais em Canela, embora não estejamtodasacompanhadasde traduções e trêsdelas não se fazem acompanharde

(35)

Figura8:"Casa"e"Pinta de

JIBOIA

"dosRamkokamekra-Canela.(ColeçãoCurl Nimuendaju: 1935,

MuseuNacional).

As figuras em cordéis,quando ocorrem naturalmente,ou seja,quadosão construídos

no contexto de lazer entre os membros da comunidade, não têm um tempo de existência maior quealguns instantes, pelo simplesfato de queelas têm comoseu suporte natural as mãos humanas, queobviamente precisam se ocupar com outras

atividades, quando não seguem construindo outras figuras. Estas formas se apresentam, pois,como esculturas efémeras produzidas pela mera busca da fruição l údica,associada à fruiçãodaforma estética resultante

.

Paraocolecionador quese viu interessadoporestas construções a efemeridade doobjetorepresentava umaquestãoa ser solucionada.Assim, Nimuendaju fixou as figurasde cordéis prendendo-as em pranchasde papelcartão com pequenasamarrações em arame fino,e emoldurando-as em seguidacom vidropara protegê-las

.

Tal procedimentonoentantoimplicou numa

(36)

certa distorçãodas formas originais devido ao estiramentodos laçosdasfiguras

.

O emolduramentocom vidro,por sua vez

,

permitiu umaboaconservaçãodas figuras

.

Figura9. Chiumoca Tiuaguem(Estrelad'Alva)c

ire

(buriti),leitos poríndios Bakairi cm 1914,no Museu Nacional(ColeçãoMuseu Nacional)

Outracoleçãodefigurasemcordéisquese encontra noSetorde Etnologia do Museu Nacional data doiníciodoséculo, tendo sido coletada no próprio museu porocasião

(37)

da visita de dois índios Bakairi,quevieramaoRiodeJaneiroacompanhandooretorno

deuma expedição etnográfica,a

Expedição Fontoura”, emfevereirode1914

.

Apiguita eJacuba executaram juntostreze 13

p

ánacos

,

como são denominadosem Bakairi

.

As figuras,construídas

em

cordéis de sisal,foram fixados em pranchascom resinaseemolduradas em vidro

.

Algumas trazem legendas descritiva com o nome genérico,

p

á

naco

,

nomes específicos das figuras e suas traduções, procedência e

autor,como se tivessem sidopreparadas paraexposição

.

Percebe-se nadisposição das figuras uma certa preocupação em relaçãoa umaapreensãoformal doobjeto, poisos intrincados nós que compoem as figuras foram deliberadamenleafrouxados para propiciarumamelhor visualização

.

Uma nova e atual coleçãoestá sendoconstituída nocursode nossa pesquisa: uma coleção de figuras em cordéis produzidas atualmente pelos índios Karajá

.

Até o presente momentocontamos com o registro fotográfico de 49 figuras coletadas principalmente na aldeia de Santa Isabel do Morro

.

Além das fotografias, temos també

m

as próprias figuras, confeccionadas

em

cordel de sisal , montadas em pranchas, emmoldes semelhantes àqueles preparados por Nimuendaju

.

Com relação à preservação deste tipode material,a solução das pranchas pode ser

satisfatória até um certo ponto,ouseja,até enquantoasfigurassejam bi-dimensionais em suas formas

.

Outras soluções deverão ser pensadas para o caso de arquivar e preservar figuras tri-dimensionais,que no caso dos Karajá, por exemplo, não são raros

.

Otrabalho de captaçãodestas formase atentativade encontrar meios de cristalizá

-

las motiva-se pela constatação da fugacidade doobjeto em questão

.

Sendo as mãos humanas o suporte para estas figuras,dificilmenteelas poderiam ser perpetuadas

.

A prática,se relegadaaoesquecimento,seextinguiriasem nenhum vestígioconcretoa nãoser

um

meroeinsuspeitá vel laçode cordel

.

(38)

Em1965 HaraldSchultz registrouem filme documentário uma coleção de33figuras em cordéisencontradosentreos índios Krahô

.

O filme de Harald Schultz foi mais tarde, em 1977, editado pela sessão de etnologia do Institut für den Wissenschaftlichen Film de Göttingen, acompanhado pela publicação de uma apresentação do material preparado por sua esposa Vilina Chiara Schultz(1977),que incluia descriçãodos

m

étodos deconstrução.Entreosexemplares váriassemelhan

ç

as a figuras Karajá atuais podemser constatadas,

como

o “sapo"oua figura móvel do “lagoqueseca"

.

As semelhanças encontradasentrefiguras em cordéis produzidas poretnias diversas semprechamam

-

nosa atenção

.

Entre osTapirapé, Eunice e LuisGouvea de Paula

reuniram em 1986uma coleção defigurasemcordéisencontradasporeles nestegrupo com o intuito de investigar suas formas e processos de ensino-aprendizagem, e aproveitá-loscomoelementos didáticos no trabalhode educaçãoquedesenvolviam junto aogrupo.O“jogodo barbante",segundodenominação adotada pelosde Paula, échamadopelos Tapi rapéde “Xenufeãwa",queliteralmentesignifica“instrumentode

aprender”

.

Segundo os autores,

Destacada nopróprionome,aaprendizageméuma das funções fundamentais do Xema’eâwa

,

onde o barbantese transforma em excelente instrumentode desenvolvimento dahabilidade manual manifestada pela progressiva leveza e rapidezde movimentos dos dedos

.

Outrasfunções,também importantes,são: desenvolvimento da atenção,amemorizaçãodasequência dos movimentos eo

despertardacriatividade,permitindo à crian

ç

acriarseusprópriosdesenhos

.

Na verdade o aprendizado so Xenia'wa é visivelmente um exercício de paciência,concentraçãoeauto-controle(p

.

2)

.

Xema'eâwaé portanto a designação que se refere à atividade.Já a palavra utilizada para designar a figura formada recebeo nome de

ygâ

wa

,

que“também significa

escultura, sombra,fotografia,imagem refletida no espelho, etc

.

” (id

.

)

.

Tâ’ygâwa, comose constata,aodesignar sombra ou imagem refletida no espelho, reporta à

própria efemeridade,tanto dasimagenscomodasfiguras

.

(39)

Pudemos observar que diversas tã'ygãwa Tapirapé se assemelham aos

reru

dos Karajá

.

Na amostragem das 40 figuras reunidas pelos de Paula encontramos 13 exemplares com a mesma forma e o mesmo nome (em cada respectiva l í

ngua

, obviamente),e 9exemplares

com

formasidênticas,

por

ém nomes diferentes.Entreele inclusive a figura do lago que seca, já visto também entre os Krahô

.

Quando perguntados sobre a procedência original destas figuras nossos informantes Karajá não hesitaram em responder que foram os Tapirapé quem copiaram os rem dos Karajá

.

Com os recursosde locomoção cada vez mais facilitados dos tempos mais recentes,tais questões de caráter difusionista já não nos parece tão relevante

.

Como

definircom certezaasrotasdedifusão? O que podemos afirmar é quetemos maisum dado resultante do intenso intercâmbio físico e cultural entre os dois grupos. As formasse propagam motivadasprincipalmente pelo apelol údico e estético doobjeto,

em contatos pacíficos e longos que se caracterizam por climas de distensão e

descontração

.

Umexemplodefiguras comuns àsduas etnias é aque representa uma “ pencademorcegos”

-

anyrã

,

em Tapirapé,etyrehe

,

em Karajá.A mesma figura,com a mesma designação, semino

-

“penca de morcegos”, também foi encontrada na coleçãodefigurasem cordéisBakairi,coletada em 1914,queseencontra no Museu Nacional

.

Apesardaaparente diferença em virtude de montagem inadequada,podemos

observarquese trata damesma figura,seexaminarmos aslaçadasnacolunacentralda

figura

.

(40)

Figura 10

.

Mesma figura emesmadenominação:"morcegos"

-

anyrã (Tapirape,coletado em1986

-DePaula),t\relie (Karajá,coletadoem1996

-

ChangWhan)e semino (Bakairi,coletadoem1914

-MuseuNacional)

(41)

Figura 11. Mesmafiguracomdenominaçãodiferente:ipiryjaremVo-"pacucomidopelapiranha"

(Tapirapé)ekurabikoiwokutidekyre -"cobracegasema suabarriga"(Kaiajá)

(42)

Figura 12.Mesmafigura com denominaçõessemelhantes,emKarajá:helykyremikubeíaahuki

-“pegada de patonoseulago"e Tapirapé: ypewot)pypara-“rastro de pato na beira do lago";ediferente

cm Bakairi: akudoro

-

“ peixe Tucunaré"

.

(43)

Figura 13.Mesmafiguracom mesmadenominação: hi[X)(Krahô),yopâtyfjãwera(Tapirapé)caJiu rukyreri (Karajá)

-

“lago queseca” ou “ lago secando” ,figura animada.

(44)

Identificou-se ainda figura semelhante à figura 13 entre os espécimes da coleção

Canela - Ramkókamekra coletada por

Nimuendaju

em 1935, do Museu Nacional, trazendo noentantodenominaçãodiferente: Tep-yarkwd

-

“ bocadepeixe”

.

Figura 14.Tep-yarkwd -“bocadcpeixe” -Rainokamckra-Canela(Col

.

Museu Nacional)

(45)

3

.

O RERU

KARAJ

Á

Figura 15.meninadaaldeia dc São Domingos com figurapoiela“inventada”

3.1. () reru Karajá

Maisde umséculode cont ínuocontatocoma sociedade nacional envolventeresultou em muitas alteraçõesno quadro socio cultural Karajá: seuscostumes,seus há bitos,

suastradições,seusvalores,suas relações sociais,modi ficaram

-

secom otempo em muitos aspectos, mas assim comoa essência simbólica de sua cosmovisão, a sua

(46)

naturezajovial e fanfarrona pareceterseconservado inalterável.Aimportância deser alegreefeliz nosparececulturalmente definida e associada a uma imagemarquetípica Karajá que se reporta a uma existência ideal, conforme relata um mito de origem recorrente

.

A alegria ea jovialidade são estados de serideais apenasmomentaneamente vividos neste plano mortal, no mundo presente, quando os problemas e as adversidades sãoesquecidos

.

Essaexistência feliz e alegre reporta-sea uma lembrança

daexistência ideal dosIjasó

,

seressobrenaturaismíticos representados porelaboradas máscarasquedançamemparesemfestasrituaisKarajá,como o Aruatiã e oHetohokã (a festa da casa grande).Conta-se no mito que os Ijasó são os Inyroko

,

"os que

sobraram, que ficaram" embaixo, num mundo subterrâneo, e não saíram para a

superfície,mundo onde habitam osaluais Karajá

.

Sua existência é sempre descrita

segundoaimagemarquetípicadeumaexistência ideal

.

Habitam uma terra sem males subterrânea ondenãoexistefome,morteou doenças

.

Eternamentefelizes,aspessoas

"lá de baixo, os Ijasó

,

vivem fazendo "brincadeiras", todosenfeitados e pintados continuamente” (l'oral,A. 1992:203)

.

Brincar, sedivertir, espelha, pois, um ideal arquet ípico de ser,eum traçointrínsecodoethos Karajá

.

Oethos de um povoéumaespécie de"personalidade" transpessoal coletiva

.

Segundo Clifford Geertz,

otom,o caráter e a qualidadede sua vida,seu estilo moral e estético esua disposição,éa atitudesubjacenteem relação a ele mesmo e ao seu mundoque a vida rellete

.

A visãodo mundoque um povotemé oquadroqueelabora das coisas como elas são na simples realidade,seu conceito de natureza, desi

mesmo,da sociedade

.

(1978,p.143)

Ethose cultura estãoem contínua edinâmica interaçãoproduzindo formas culturais querevelam e retratam essa relação

.

A jovialidadeé,sem dúvida, um traço patente à disposição anímica dopovoKarajá,sendologopercebidaportodososque seacercam deles

.

De fato parecem estar sempre dispostos a gracejos, brincadeiras e troças,

dando-nosaimpressão dequesão nestes momentos de descontração ealegriaque os

(47)

Karajá são mais Karajá; são nestes momentos

que

o ethos Karajá transparece e sobressai.

O reru

é uma atividade l údica praticada informalmente nas aldeias por jovens e crianças.De umaforma geral,a sua popularidade parece ser maior entreos jovens,

rapazese moças,que demonstram uma maior desenvoltura no domíniodoamplo e variadorepertóriode suasformas

.

Aelaboradacomplexidadedasconstruçõesdoreru requer uma destreza manual bem desenvolvidaparaasuaexecução.As crianças mais jovenslimitam-sea brincarcom um repertório menore maissimplificadodeformas.

Grande parte da motivação do brinquedoestá

na

parte que envolve o ensinar e o aprender

.

Segundo informação de nosso informante Ijeseberi, o reru é um jogo bastante comum entrejovens namoradosque,entre si,comparam seus repertórios,

exibem suashabilidades,ensinam uns aosoutros eexperimentam ludicamenlenovas formas

.

Neste tipode movimento lúdico novas figuras muitas vezes são criadas,

podendoserreproduzidas e consolidadas coletivamente

.

Aocorrênciasocialdeatividadescomoo jogo do reru emsociedades tribais é livre,

aleatória e consequentemente pouco previsível

.

Modismos lúdicoscomoopião ou o bilboquêcumprem ciclosde temporadas

. Despontam

em algum ponto na dinâmica social,por razõesdiversas e,geralmente, pouco previsíveis,ese espalham atingindo uma fasede ápice na sua popularidade

.

Depois perdem gradualmenteointeresse de seusatoresepor

fim

desaparecemdo cenáriocotidiano

.

Estasfornias culturaisentram então comoque em algum estado de latência,sem que se possa prever um novo resurgimento, pois nãoseguem necessariamenteciclos regularesdeocorrência

.

São

portantoexemplosdefatosculturais quepertencemaodomínio de uma “ anti-estrutura

social”, confome define Victor Turner (1977, 1987), pois são atividades não enquadrá veis num quadro social estruturado e definido

.

Sobre a noção de

anti

-estrutura social” discorreremos maisdetidamentenocapítulo 5

.

(48)

O

reru

é,portanto,umaatividadeque sepoderiaenquadrarnumacategoria intitulada jogose brinquedos”.É,defato,ambos,brinquedo e jogo

^

.Jogopor ser atividade de lazerqueenvolve processos lúdicos de transformações formais segundo regras de

construção,ebrinquedo por setratardeumobjetoconcreto.Oscordéisempregados

para a construçãodas figuras de reru confeccionadas em

fibra

deburiti,material farto

nodia-a-dia da produçãomaterialKarajá.

Figura 16. Mahuederu Karajá mostra palmeira de Buriti -AldeiadeSanluIsabeldoMorro,1997

^

Usamosnopresente trabalho ambasasdesignações,oraum,oraoutro,oracombinados,masos dois aspectosestão inalicnavelmente presentesnaatividade.

(49)

As cordinhas dc buriti, extremamente fortes, são usadas no artesanato dacestaria

.

comoarremates deesteiras, bolsas,cestasecolares,ou em qualqueroutrafunção a quesirva umasempreútilcordinha

.

Figura 17.Dikuriaconfeccionandoesteiracomfibradebunli

-

AldeiadeSantaIsabeldoMorro1992. Oscordéisempregados na construçãodosrerusãolaços fechadosmedindo cercade

um metro,oupouco mais,a voltaestendida entre asduasmãos.Manipulando-seestes cordéiscom movimentosespecíficosdas màosedosdedos,eles vão tomandoformas que resultam em numerosas configurações que são associadas a imagens e

representaçõesvisuais pertinentes aomundoKarajá,sendoentãonomeadassegundo

estasimagens

.

Podem ser desdeformasrelativamentesimples,comoowyhy sabutepunhadodeflechas“ (16nacoleção),construídascom relativamente poucos passos

de movimentos, até formas elaboradas e complexas, construídas através de uma extensa e ordenada sequênciade passos,como seriaocaso,porexemplo,do kuràbikò

iruediolhodekuràbikò" (

20id

.

). Há també

m

alguns modelos executados a quatro

(50)

mãos eainda outros em que os pés sãoempregados para auxiliar as mãos,caso do ahãdu“lua” (47id)

.

Entreoselementos da natureza,as representaçõesdafauna sãoas mais numerosase variadas,como

rara

, “urubu” (42id

.

); tyrehe

,

“morcego” (33 id

.

);

wariri,“tamanduá” (32 id

.

); kohõi,“socó"

culturais da iconografia Karajá, como certos padrões gráficos usados em pintura corporal também sãorepresentados nas formasdo

reru,

como é o casodos padrões

gráficos

ru

òkyseehãru(9e 14id

.

)

.

(2 id

.

), entre outros

.

Diversos elementos

FiguraJ8:Uma das variaçõesdomotivográficolulrii, aplicado na pernadeumadançarina de Aruanãe

Komãliracomafiguraemcordel demesmo nome.

^

^

DesenhodeToral,A

.

(1992:2(X))

(51)

Também há formasrepresentandoentidades mitológicas,comooTxureheni(34 id

.

),

“avôdeAruanã

” ,

tradicionalmente representadoporumamáscararitual,eainda certos elementos arquitetônicos,comoa casa,hetoku(17id

.

),e umaconfiguraçãoassociada àsarmações docorredordafesta cerimonial de Hetohoky

,

ohererawokutò (27id

.

)

.

Figura 19. Rilxokó ereru representandoenlidadesobrenaturalTxureheni,o“ vovôdeAruanã”

As figurasemcordéis seconstituem emsuamaioriadeformas geométricasretilíneas, embora curvas e círculos també m possam ser construídos, como se observa em kuràbikòiruedi

-

"olho de cobra cega"(20id,)

.

Embora grande partedasformas do rentresultemsimétricas,há diversos modelos assimétricos,como o caso dohelykyre wakube taahuki "pegadadopato em seu lago"(25id

.

)

.

Observamostambém que uma vezconstruídas,asformas não secaracterizam semprenecessariamente como formas fixas,cristalizadas,mas podem apresentar movimento,como é o casodoahuruyrerí "lago secando" (44 id,) e do anteriormente citado kutura wiribi kòturaijaranyre

^"peixes correndo em direção contrária" (45 id)

.

Estes formam uma

esp

écie de representaçãoanimada

.

No modelo ahu

ruyreri,

a forma representando um lago vai diminuindo de tamanho ("secando") de acordo com o controle da corda pelo

(52)

manipulador. No kwura wiribi k()fu raíjanuiyre. laços represenlando peixes afastam-se

um do outro em direção coulrária. também segundo o controle de parles da corda com os dedos.

Apresentamos a seguira coleção inteira de reru, com 49 liguras, constituída dumute a

nossa pesquisa. As figuras serão denominadas segundo seus nomes em Karajá, no

dialeto ícmiuino, seguido do dialeto masculino, e da lrndução em português. As

figuras serão assinaladas no caso de serem animadas, ou seja, quando apresentam movi menlo, e também no caso de serem tridi mcusiouais.

(53)

3.2. Coleção de reru - figuras em cordéis dos índios Karajá.

( 1) IXY \VITXJKYRE / IXY WITXIYRE / costelas de pot-cão (Waxiaki)

(2) KO.HÕl i HÕI i socó (Komytira)

(54)

(3)HURYTY / HURYTY / libélula (Myixá)

4) BORÔ / BORÔ / arrma (Myixá)

(5) KRO\VETE/YROWEfE/sapo(Myixá)

(55)

(6) LORàBYTÔ / LOROBYTà / constelação àe sete estrelas (Myixá)

(7)LORÔBYTÔ KOBIKUTà 'LORàBYTÔ OBIUTÔ / jirnu de constelação

(8) WYRARE DJUHUTE / WYRARE DfüHUTE / bico de colhereiro (Myixá) ot. BALIN /BALIN / balinha (nome associado mai recentemente)

(56)

(9)H Ã.RUKÔKYSE / HÃRUÔKYSE / vanante do motivo gráfico de.corntivo hãru (Komytira)

-(10) HÀLÀ TAAHURAWEfYKYKI RUNYRE/HÀLÀTAAHURAWEl')' YKI RUNYRE / cai ti tu sentado entre eus dois lag s (Wax.iaki)

(57)

( l l) L YBARlNA / L Y BARINA / lamparina (Myix.á)

( 12) KYHY / YHY / vento <_Myixá)

(13) KURÀBIKàTJHÔLEHÔLE/ URÀBJÔTJHÔLEHÔLE.

movimento sinuoso da cobra cega (Myixá)

(58)

( 14) l-1..ÃR� / HÂRU / motivo gráfico decorativo (ljeseberi)

( 15) KÕRI / ÕRI / anla (ljeseberi)

( 16)\VYHY SABITTE / WYHY SABUTE / apanhado de flechas (Ijeseberi)

Referências

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