"Faculdade de
Farmácia,
Odontologia e
Enfermagem
Departamento de
Enfermagem
VELHICE FEMININA NO ASILO: DO
IMAGINÁRIO AO REAL
Maira
Di
Ciero
Miranda
Vieira
Fortaleza
2001
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Faculdade
de
Farmácia,
Odontologia
e
Enfermagem
Departamento de Enfermagem
Velhice
Feminina
no Asilo:
Do
Imaginário
ao
Real
Maira Di Ciero Miranda Vieira
Tese apresentada ao curso de' Pós-Graduação
em Enfermagem do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do
Ceará para a obtenção do título de Doutor.
Orientadora:
Profa. Dra. The!ma Leite de Araújo
Fortaleza
162f,
Orientadora, Profa. Dra, Thelma Leite de Araújo
Tese (Doutorado), Universidade Federal do Ceará.
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem - Doutorado
1. Asilo. 2. Representação Social. 3. Idoso I. Título
requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Enfermagem.
.Data da Aprovação: 30/04/2001
vida com sabedoria, amor e a
- À minha orientadora Dra. Thelma Leite de Araújo por acreditai’ em mim e pela
demonstração de amizade.
- Às professoras Dra. Lorita Freitag Pagliuca e Dra. Raimtmda Magalhães da
Silvapela compreensão e acolhida neste doutorado, demonstração de grandeza e prática humanitária.
- À minha companheira e amiga. Ana Fátima Carvalho Fernandes pelo apoio
bibliográfico e estímulo ao longo desta jornada.
- Às colegas do doutorado, em especial a Maria Vera Lúcia Leitão Cardoso, pelo
compartilhamento dos momentos de alegria e desânimo que de forma intermitente nos acompanharam ao longo desses anos.
- À minha mãe Candelária, pelo auxílio prestado nas correções ortográficas e pelo
acompanhamento geral deste trabalho, com quem dividiría o título
orgulhosamente.
- Aos funcionários da biblioteca que de forma solícita e eficiente colaboraram para
que a pesquisapudesse ser concluída.
~ Aos idosos do asilo, em especial às mulheres, fontes de saberes incontestáveis, pela participação tão valiosa e produtiva, geradora de uma amizade e confiança
entre nós, até o dia que Deus quiser.
- A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste
trabalho.
- À digníssima banca examinadora pela análise e contribuição enriquecedora para
O presente estudo teve como objetivo elucidar as representações sociais de
idosas em relação à sua vida asilar. Buscou-se apreender os mecanismos
cognitivos e afetivos na elaboração das representações à luz da Teoria das Representações Sociais de Moscovici. O corpus da pesquisa foi constituído por
doze entrevistas com idosas internadas num asilo da cidade de Fortaleza, Os
dados foram colhidos no primeiro semestre de 2000 através de entrevista e
observação e analisados tematicamente pela técnica de análise de conteúdo de
Bardin. A análise das experiências subjetivas, segundo esta teoria, está fundamentada na relação com os outros, expressando a consciência compartilhada do grupo social ao qual as idosas pertencem. Os resultados
esclareceram que as idosas têm. uma representação bastante negativa da velhice
e do asílamento. O ambiente asilai* é um reforço continuo aos atributos de
abandono, dependência e rejeição que a sociedade relaciona aos idosos. As
idosas que mantiveram um contato mais próximo com os familiares ao longo de
sua vida ou que foram obrigadas a ingressarem na instituição, têm mais
dificuldade de adaptação do que aquelas que viveram de forma mais
independente e que optaram por essa condição de vida. Para elas, o asilo é
adequado àqueles idosos completamente dependentes, física ou mentalmente, ou
em situação de extrema pobreza. Por não conhecerem outras alternativas
assistenciais de amparo aos idosos, consideram ser da família a total
This study intended to show evidences of elder’s social views within their
daily lives in a nursing Home. It looked for cognitive and affectionate data
from this particular context based upon Moscovicfs Social Representation
Theory. Data collection was conducted by means ofinterviews and participant observation among 12 elder women in a nursing home in Fortaleza between
January and July in 2000. The process analysis occurred through Bardin’s
content analysis which themes were produced based on the sharing experience and feelings combinedwith the Moscovicfs theory. The findings showed that these women held negative feelings with regards their lives conditions and
elderhood. For them, the nursing home environment reinforces the feeling of
loneliness and society’s rejection for the elders. Also, the elder womeij who
li ve d with their family closely has more difficulties to adapt than those who
Lived independently and chose such kind of living. For most, the nursing home
is an appropriate house for those who are in a poverty condition. Indeed, they
do not know any other way of living or assistance for the elders, thus they
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... ...10
2 RESGATANDO O TEMA NA LITERATURA... 14
2.1 Aspectos Demográficosdo Envelhecimento ...14
2.2 Considerações sobre Gênero e Envelhecimento ...20
2.3 Implicações do Envelhecimento nas Esferas Familiar e Social... 25
2.4 Política e o EnvelhecimentoPopulacional...36
3 DEFININDO O OBJETO DE ESTUDO...50
4 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO OPÇÃO TEÓRICA... 59
5 CAMINHAR METODOLÓGICO...67
5.1 Local da Pesquisa... 67
5.2 Caracterização da Amostra...70
5.3 Coleta e Análise dos dados...71
6 AS INFORMANTES. QUEMSÃO ELAS?...76
7 A DESCOBERTA DAS REPRESENTAÇÕES...83
7.1 Representação Social de Velhice... 83
7.1.1 Corpo e mente em decadência...84
7.1.2 Decadência psicossocial...88
7.1.3 Curso cronológico da vida...92
7.2 Representação Social de “Morar no Asilo”...94
7.3 Representação Social de Asilo...107
7.3.1 Espaço de libertação...108
7.3.2 Espaço de restrição...110
7.4 O Cotidiano na Instituição Asilar...113
7.4.1 Ociosidade...113
7.4.2 Relacionamentos conflituosos...121
7.4.5 Falta de espaço, privacidade e conforto...140
8 CONCLUSÃO...143
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...148
ANEXO 1- Aprovação da Pesquisa pelo Comitê de Ética...160
ANEXO 2-Termo de Consentimento...161
VELHICE
FEMININA
NO
ASILO:
DO
IMAGINÁRIO
AO
REAL
L INTRODUÇÃO
Aspectos relacionados ao envelhecimento têm me despertado interesse
já algum tempo, não apenas de ordem acadêmica como também de ordem pes
soal, uma vez que pessoas significativas em minha vida estão vivenciando ou se
aproximando dessa fase específica do curso de vida, tida como a última.
A temática sobre o idoso ern trabalhos de pesquisa começou a ser ex
plorada, escassamente, na área das ciências sociais na década de 60 e, somente a
partir dos anos 80 vem atraindo a atenção dos pesquisadores, assumindo maior
importância nesses últimos anos, como norteadora de políticas públicas a fim de
obter o bem-estar e justiça social.
A conquista da longevidade é um desejo intrínseco da humanidade ao longo de sua evolução. Chegar aos 60 anos era possível apenas para uma peque
na parcela dapopulação brasileira. Este fato tem se tomado acessível a um núme
ro crescente de pessoas em nosso país, sobretudo nesses últimos 20 anos.
O desenvolvimento científíco-tecnológico e sanitário alcançados, prin
cipalmente, ao longo do século XX contribuíram, significativamente, para a me
lhoria das condições de vida da população que, aliados à queda, da fertilidade projetou verticalmente o número de idosos, atingindo notórias proporções num
processo irreversível de envelhecimento populacional.
Essa transição demográfica, ou seja, a passagem de uma população
basicamente dejovens para outra de adultos e idosos, configurando o envelheci
Assim, a experiência de envelhecer vem sendo trilhada em um caminho amplo e
grupai, antes tido como estreito e individual.
O alcance tão almejado da longevidade, longe de ser uma conquista universal, com garantia de ser dignamente vivida, tem sido encarada como um desafio, sem precedentes históricos, nas áreas social e de saúde.
A abrangência do processo de envelhecimento envolve aspectos políti
cos, sociais, econômicos, éticos e culturais de uma nação. Os escassos recursos
financeiros até então destinados, basicamente, ao atendimento da população jo
vem com o seu contingente ainda bastante significativo, passam agora a ser dis
putados pela população idosapara atender suas necessidades específicas.
Essa problematização do envelhecimento como ameaça a ordem social
é o que tem aumentado a visibilidade política desse processo que, apoiado ainda
em estereótipos negativos de ser o idoso improdutivo, dependente, doente e po
bre remete-o a uma posição hierárquica social menos valorizada.
Intelizmente, as medidas políticas em nosso país tendem a ser tempo
rárias e raramente sustentadas e continuadas, o que seria indispensável para uma
efetiva assistência aos idosos, no que tange, principalmente, às áreas críticas de
responsabilidade doEstado que são: saúde, previdência e assistênciasocial.
Salgado (1982) já ressaltava que o Brasil carece de iniciativas políticas
que atendam com criatividade às novas demandas da população idosa e enfatiza
que a saída encontrada de forma imediata foi a multiplicação de asílos.
Todavia, com a falta de recursos sócio-culturais, os idosos indepen
dentes buscam os asilos e se defrontam com o propósito alienante dessas institui
ções que foram criadas para prestar assistência às necessidades mais diretas, so
bretudo abrigo e alimentação. O idoso independente, continua Salgado (1982),
pendentes para os quais o asilo seria mais adequado, e aí se frustam com a falta
de atendimento das suas carências sociais mais comuns.
O asilamento dos idosos está longe de ser encarado como uma medida
política promissora,. Urge uma maior sensibilização para com os mais fragiliza
dos, enfatizando a humanização da prática política e social.
Num país como o Brasil com notáveis diferenças regionais, má distri
buição de renda, diferenças culturais etc., pode-se pensar em distintas formas de
viver e, portanto, de envelhecer. A heterogeneidade da experiência de envelhecer
acontece dentro de iim contexto histórico e o asilamento pode representar uma
forma comum de condição de vida para os idosos ali confinados que passarão a
encará-la, distintamente ou não, em consequência da visão de mundo que trazem consigo e, portanto, suas representações de velhice.
Minha primeira oportunidade de .investigação científica junto aos ido
sos se deu durante o desenvolvimento de minha dissertação de mestrado em
Farmacologia no ano 1991. O trabalho foi desenvolvido dentro da linha positi
vista, cujo objetivo principal foi a demonstração de alterações no número de re
ceptores colinérgicos em cérebros de idosos dementes asilados. Esta restrita con
vivência com os idosos, me remeteu a indagações de cunho existencial, que fo
ram fortalecidas quando me tomei íntima de alguns deles. Viam em mim a opor
tunidade de desabafarem suas angústias, decepções e tristezas, chamando-me
bastante a atenção a confiança em mim depositada para agir em prol do retomo
aos seus lares, parecendo ser a redenção daquela situação tão sofrida e distante
de sua realidade.
Por outro lado, naquela ocasião, pude assistir inúmeras vezes a decep
ção dos familiares que procuravam a instituição e não conseguiam “livrar-se” de
seus velhos, devido a permanente lotação da casa. Para eles, de modo contrário
tornos e infortúnios. Chocou-me o conhecimento ;de que a grande maioria dos
idosos-possuíam família ou familiares próximos, além de gozarem de um bom
estado físico e mental, em outras palavras, capazes de auto-cuidar-se, contrapon
do o objetivo da instituição que era de amparai; prioritariamente, os desampara
dos. Não foi o comportamento dos familiares em deixarem seus idosos no asilo
que me incitou na investigação que agora me proponho a fazer, mas sim o inte
resse em desvendarjunto ao idoso o significadopessoal e grupai de uma condi
ção de vida de “excluídos da sociedade”, quando ainda encontram-se em perfei
tas condições para interagirem socialmente.
No campo da enfermagem, o destaque maior tem sido com relação ao
idoso doente, ou melhor, no atendimento de suas necessidades, com poucos tra
balhos enfocando com profundidade os aspectos subjetivos do envelhecimento
que buscassem compreender os sentimentos, desejos e modos de viver dos ido
sos.
A fim de compreendermos a elaboração cognitiva da condição de asi
ladas pelas idosas, influenciada tanto por fatores culturais quanto pessoais, obje
tivamos neste estudo obter as representações sociais sobre a velhice e a vida na
instituição asilar como também analisar as implicações dessas representações so
2, RESGATANDO O TEMA NA LITERATURA
2.1. Aspectos Demográficos do Envelhecimento:
A mudança demográfica caracterizada pelo envelhecimento populacional, vem ocoiTendo universalmente, abrangendo países ricos e pobres,
tomando-se visível após os anos 50 (Henrard,.1996).
Em 1950, o Brasil era o 16° do mundo, com 2,1 milhões de pessoas
idosas. Até 2025, estima-se que estará em 6o lugar, com a enorme soma de 31,8
milhões de idosos, apresentando o maior aumento proporcional dentre os países
mais populosos do mundo durante esse período (Veras, 1994). No decorrer do
século em curso, todas as regiões serão semelhantes em relação à estrutura etária.
Até 2025, prevê-se que três quartos da população idosa do mundo
estarão vivendo em países menos desenvolvidos.
Segundo classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS),
baseada na idade cronológica, o grupo de idosos abrange as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos e, pode ser subdivido em três categorias com
diferentes características e necessidades: idoso jovem (60-65/ 74 anos); idoso
(75 - 84 anos); idoso velho (acima de 85 anos).
No Brasil, nos próximos anos a'população idosa será ' constituída
característicamente de “idosos jovens”. Isto contrasta com o que acontece nos
países mais desenvolvidos, nos quais a faixa etária que cresce com maior
rapidez é a que se situa acima dos 80 anos (Longino,1988).
O aumento de idosos velhos requer atenção especial, uma vez que
apresentam mais problemas de saúde e são, portanto, mais dependentes,
tomando-se um desafio na área social, econômica e política (Tauber apud
Embora desde a décadade 60 a maior parte da população com mais de 65 anos vivessem em países do terceiro mundo foi a partir do crescimento
acelerado dessa parcela populacional que despertou o interesse político para essa
nova situação social.
No Brasil, o tema do envelhecimento populacional passou, então, a ser
discutido politicamente, e as ações sociais voltadas para os interesses dos idosos
estão contempladas em forma de lei.
A esse acelerado processo de aumento do número e proporção da
população idosa no Brasil como em outros países tidos de população jovem, dá-
se o nome de transição demográfica (Veras, 1991) que é determinada por uma
série de eventos:
a) Significativo declínio na mortalidade levando a um aumento da
população: o acentuado declínio da mortalidade infantil causando um
crescimento inicial da população infantil com um eventual aumento da
população idosa;
b) Declínio do índice de fertilidade, levando ao decréscimo da
população jovem e consequente aumento na proporção de pessoas mais velhas;
c) Aumento na expectativa de vida.
Restrepo e Rozental (1994) defendem que o envelhecimento
populacional é determinado principalmente pelo declínio da fertilidade sendo secundariamente influenciado pelo declínio da mortalidade ou do aumento da
expectativa de vida.
A velocidade com que se processam as mudanças demográficas tem
sido muito diferente entre o Brasil e os países desenvolvidos, devido à rapidez
do declínio das taxas de fecundidade. Por exemplo: na França, deverão
transcorrer 115 anos para que a proporção de idosos duplique ™ de 7% para
fenômeno durará apenas 30 anos - de 7,7% em 2020 para 14,2% em 2050 (Chaimowicz, 1997).
No início da década de 90, o número de idosos era de 11,4 milhões,
isto é 7,9% da população. Atualmente são 14,5 milhões, o que passou a
representar 9,1% da população brasileira. Apesar do processo de envelhecimento
recente, a população brasileira pode ser considerada uma das maiores do mundo, superiora da França, Itália e Reino Unido. (IBGE,2000)
Situando o Brasil dentro da América Latina, uma análise da
COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA -CEPAL (1999-2000)
retratou que o processo de transição demográfica tem-se efetuado em
velocidades diferentes entre os países latinoamericanos que foram, então, assim
classificados:
1~ Em transição avançada: países com taxa de natalidade e
mortalidade reduzidas, com crescimento populacional ao ano em cerca de 1% (Argentina, Antilhas, Bahamas, Barbados, Chile, Cuba, Guadalupe, Jamaica,
Martinica, Porto Rico, Trinidade e Tobago e Uruguai);
2- Em transição plena: países com declínio na taxa de natalidade e
baixa mortalidade. A taxa de crescimento populacional gira em torno de 2%
(Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guiana, México, Panamá, Peru,
República Dominicana, Suriname e Venezuela);
3- Em transição moderada: países com taxas de mortalidade em
rápido declínio e natalidade elevada, com crescimento populacional superior a
2,5% (Belize, El Salvador, Guatemala, Honduras,Nicarágua e Paraguai);
4- Em transição incipiente: países com níveis altos de natalidade e
mortalidade, com taxas de crescimento populacional maior que 2% (Bolívia e
Como se observa, o processo de transição demográfica vem atingindo
amplamente a América Latina onde a grande maioria dos países encontra-se nas fases de transição avançada ou plena.
Aproximadamente 75% dos idosos do Brasil vivem nas regiões
sudeste e nordeste. Na região nordeste, a população com 60 anos ou mais era de
aproximadamente 3% da população total em 1970 (IBGE,1970), passando para
6% em 1991 (IBGE,1992).
Especificamente, na cidade de Fortaleza, esse percentual chega a 8%,
sendo, portanto, semelhante ao levantamento realizado na cidade de São Paulo e
superior à média nacional. Esta transformação do perfil populacional do
nordestepode estaratreladaà migração de pessoas em idade produtiva além dos
declínios das taxas de fecundidade e mortalidade (BEMFAM, 1994 apud
Macedo Filho e Ramos, 1999).
No estado do Ceará somam-se atualmente em tomo de 600 mil os
habitantes com idade superior a 60 anos e, o número absoluto no Brasil é de 14
milhões (IBGE, 1996).
Em países industrializados, a queda das taxas de mortalidade e
fecundidade foi acompanhada pela ampliação da cobertura dos sistemas de
proteção social e melhoria das condições de habitação, alimentação, trabalho e saneamento básico (Camargo e Saad, 1990; Kalache et ah, 1987).
No Brasil, por outro lado, o declínio da mortalidade foi determinado
mais pela ação médico-sanitária do Estado que por transformações estruturais
que pudessem se traduzir em melhoria da qualidade de vida da população. Nas
primeiras décadas do século XX, através de políticas urbanas de saúde publica
como a vacinação, higiene pública e outras campanhas sanitárias e, a partir da
década de 40, pela ampliação da atenção médica na rede pública (Oliveira e
Tal fato ressalta o caráter urgente que as medidas políticas com
abrangência das áreas social, econômicae de saúde devem ser conduzidas para a
acomodação dessa nova realidade, sem tempo a perder com ações assistencialistas e de curto alcance que, longe de resolverem os problemas da
sociedade, são fontes de perpetuação das mazelas sociais e a possibilidade de um temeroso e incerto futuro para os que envelhecem.
O aumento da expectativa de vida traz consigo reflexo sobre a
condição de saúde da população. Com o envelhecimento pode-se esperar o
aumento de doenças e incapacidades, causando elevada demanda dos serviços
de saúde e de amparo social.
Fries (1980), defende ponto de vista contrário, considerando que o
aumento na expectativa de vida deve-se, sobretudo, à contínua melhoria das
condições de saúde, especialmente em retardar a instalação precoce de doenças,
reduzindo assim, a morbidade e a incapacidade entre os idosos. Contudo, há
uma modificação da incidência e prevalência de doenças na população relacionada ao processo de envelhecimento, despontando um novo perfil
epidemiológico.
Passa-se a enfrentar, juntamente com a transição demográfica, uma transição epidemiológica referente às modificações alongo prazo dos padrões de
morbidade, invalidez e morte e que engloba três mudanças básicas (Frenk et
al.,'199'1):
1“ Substituição entre as primeiras causas de morte ...das. doenças
transmissíveis por doenças não transmissíveis e de causas externas;
2- Deslocamento da maior carga de morbi-mortalidade dos grupos
mais jovens aos grupos mais idosos; e
3- Transformação de uma situação em que predomina a
No Brasil, como assinalam Frenk et al. (1991) essa transformação
epidemiológica não se dá de forma definida, mas sim como uma espécie de
coexistência dos aspectos novos com os antigos, cjue distingue o Brasil dos
países desenvolvidos como:
1- Não há transição mas, superposição entre as etapas onde
predominam as doenças transmissíveis e crônico-degenerativas;
2- A re introdução de doenças como dengue e cólera, ou o
recrudescimento de outras como malária, hanseníase e leishmaniose indicam
uma natureza não direcional, denominada “contra transição” ;
3- O processo não se resolve de maneira clara, criando uma situação
em que a morbi-mortalidade persiste elevada para ambos os padrões,
caracterizando uma “transição prolongada”. Para o idoso, as questões de
capacidade funcional e autonomia podem ser mais importantes que a própria
morbidade pois se relacionam diretamente com a qualidade de vida. ,
4- As situações epidemiológicas de diferentes regiões (desenvolvidas
e subdesenvolvidas) de um mesmo país tornam-se contrastantes (polarização
epidemiológica).
Uma vida longa, antes privilégio de poucos, agora é alcançada por
milhões de pessoas em todo o mundo. O progresso não pode ser medido
somente em quantidade de anos vividos, mas também em termos de qualidade
de vida, que implica no direito universal dos cidadãos de viver seus últimos anos
de vida de forma mais saudável e satisfatória. Somente desta maneira, seria
justificado o valor da conquista da longevidade tão almejada pela humanidade
desde os primórdios de sua existência.
Hoje, com o acelerado desenvolvimento científico, os mistérios do
funcionamento do organismo são desvendados minuciosamente através do
aspectos relacionados ao retardamento do processo de envelhecimento e às promissoras possibilidades de cura para diversas doenças.
2.2. Considerações sobre Gênero e Envelhecimento:
Diferente da crença popular, a revolução demográfica não é
essencialmente devido às pessoas viverem mais tempo, mas porque um número
acentuado de pessoas está atravessando todas as etapas da vida (Henrard, 1996).
Acredita-se, embora não se possa ter como certo, que a
hereditariedade tenha influênciana longevidade. Muitos outros fatores intervém, sendo o primeiro deles o sexo: em todas espécies animais, as fêmeas vivem mais
tempo que os machos. Na França, as mulheres vivem em média sete anos mais
que os homens. A. seguir, influem as condições de crescimento, de alimentação,
do meio e as econômicas (Beauvoir, 1990).
Diferenças no gênero em relação à longe vidade são uma-característica
importante no envelhecimento populacional. Esta diferença foi acentuada
durante este século devidõ a um forte declínio da mortalidade entre as mulheres.
A desigualdade de gênero no tocante à mortalidade resulta em um notável
desequilíbrio, aumentando com a idade. Esse processo foi denominado
“feminização” ciavelhice (Arber e Ginn,1993).
De acordo com o relatório da CEP AL (1999-2000), no Brasil o
número de mulheres idosas supera o de homens idosos em aproximadamente
20%, e essa maior sobre vi da feminina tende a ser ainda maior a partir dos 70
anos de vida.
Alguns argumentos foram levantados por vários autores
(Waldron,1983; Zhang et al.,1995) tentando explicar a causa da maior
longevidade entre as mulheres. Uma importante razão é atribuída aos fatores
As principais causas de óbito no sexo masculino estão concentradas
no sistema coração-pulmão (SidelJ.995) reforçando a participação do fumo na
diferenciação da mortalidade entre homens e mulheres. Entretanto, homens e
mulheres morrem basicamente das mesmas causas principais. Fatores de risco
semelhantes afetam amortalidade em ambos os sexos (Zhang et al.,1995).
Outros pesquisadores sugerem que os fatores sociais e ambientais são
bastante importantes .nas.fases mais precoces da vida e os fatores biológicos e
genéticos mais importantes na fase mais tardia da vida (Gee e Veevers, 1983). Acredita-se que as diferenças numéricas entre os sexos tendam a
diminuir pela redução dos riscos ocupacionais evitando mortes prematuras.
Importante ressaltar que a crescente adoção de estilos de vida similares aos dos
homens pelas mulheres em termos de trabalho, consumo de fumo e álcool pode
provocar o aumento das mortes em estágios mais iniciais (Henrard,1996).
Muitos dos estudos que trataram da saúde na fase mais avançada da
vida mostraram serem as mulheres mais doentes do que os homens da mesma idade. Os dados sobre morbidade demonstraram uma maior prevalência de
condições crônicas entre as mulheres quando comparadas com os homens
(Verbrugge, 1989; Zhang et af, 1995). As mulheres mais velhas avaliam seu estado de saúde menos positivamente que oshomens (Verbmgge/1985 e Arber e
Ginn/1993), referindo mais frequentemente à presença de incapacidades do que
os homens em numerosos estudos na França (Huet e Gardent,1994), Inglaterra (Martin et ah, 1988) e Estados Unidos (Verbrugge/1985; Manton/1988).
.No Brasil, um estudo publicado em 1994 e conduzido por Veras em
três distritos socioeconomicamente diferentes da cidade do Rio de Janeiro,
inúmeros aspectos da condição de vida dos idosos, dentre eles a saúde e a
capacidade funcional.
Dos resultados obtidos, a diferença mais importante entre os sexos foi
relacionada à saúde, onde entre os queixosos 72,3% eram mulheres. Já com
relação ao desempenho das atividades da vida diária, o dos homens foi melhor
do que o das mulheres.
A existência de vários tipos de deficiência física e a incapacidade de
cuidar de si mesmo têm grande importância no planejamento da assistência aos
idosos. Importa assinalar que a interpretação sobre a saúde e capacidade
funcional dos idosos do estudo citado anteriormente, foi a partir dos
sentimentos subjetivos em relação à saúde e não baseado em. urna avaliação
clínica objetiva de problemas. Mas, essas informações são necessárias para o
planejamento do atendimento de saúde para os idosos nos próximos anos.
A maior incapacidade das mulheres implica numa necessidade mais
acentuada dos serviços formais e informais de saúde, além do que não podem
ser beneficiadas como os homens (com a ajuda do esposo) e frequentemente
dispõem de poucos recursos financeiros.
Numa investigação transversal realizada por Macedo Filho e Ramos
(1999) na cidade de Fortaleza com idosos de estratos sociais diferenciados que
residiam na região central, intermediária e periférica de Fortaleza, revelou-se de
modo similar aos estudos em outras capitais brasileiras ( Rio de Janeiro e
São Paulo), que além da predominância do sexo feminino entre os idosos
(66%), havia uma elevada coexistência de cinco ou mais doenças crônicas no
sexo feminino (18,7%), chegando a representar mais de três vezes a apresentada
pelo sexo masculino (5,8%).
O grau de autonomia dos idosos incluídos nesse estudo foi maior nas
áreas cujo poder aquisitivo da população era maior, sendo considerados autônomos, 67,9% dos idosos da região central, 43,8% da região intermediária e
44,6% da área periférica de Fortaleza. Esses dados, dentre outros, caracterizam a precariedade das condições de vida dos idosos mais pobres e a necessidade de
serem assistidos por outras pessoas.
Portanto, a maior longevidade entre as mulheres está atrelada também
ao aumento da dependência. Com frequência as idosas deverão mudar-se para a
casa de um de seus filhos, geralmente após a viuvez, como também serão
candidatas a morar em instituições asilares quando outro aparato familiar não for
capaz de atendê-las nas suas necessidades. Mesmo nas famílias extensas, o
amparo aos idosos é um problema a mais somando-se ao desemprego, pobreza,
disputa por herança entre seus membros, mães solteiras sem renda para sustentar
sua prole e, que são de difícil solução.
O problema de viver só assume diferentes dimensões ao se considerar
o sexo feminino e masculino. O homem torna-se mais isolado dos parentes após
a morte da esposa. Recebendo menos cuidados pessoais do que ã mulher de
seus familiares e amigos, apresentam maiores dificuldades em se ajustarem à
vida sozinhos tomando-se um grupo vulnerável (Arber e Ginn ,1993).
.4**
Metade das mulheres incapacitadas vivem sozinhas e são dependentes
de cuidados não remunerados de seus familiares. Esse contexto as toma privadas
de sua independência e identidade própria. Entretanto, essas diferenças no modelo de sociabilidade proporciona á mulher um estado mais avantajado em relação ao homem de uma melhor estrutura social na velhice, ou seja, dispõe de
um sistema informal para a sua assistência (Henrard,1996).
Diferenças importantes relacionadas ao nível de assistência social
baseada no gênero e classe social foram também relatadas por Arber e Ginn (1993) onde, de um modo geral, 2/3 dos homens idosos recebem cuidados pessoais e domésticos da esposa, enquanto as mulheres idosas recebem, um pouco mais de um quarto, cuidados pessoais do marido.
Essa informação foi apoiada também pelos dados encontrados por
Macedo Filho e Ramos (1999) na cidade de Fortaleza, onde os idosos do sexo
feminino viviam em sua maioria (67,2%) sem cônjuge (separados, solteiros ou
viúvos), ocorrendo o contrário com os do sexo masculino onde 77,5% viviam
com a esposa ou com umacompanheira.
A mulher é a principal cuidadora dos inválidos, das crianças e dos
idosos. Assume, muitas vezes, o papel de cuidadora em idade bastante jovem e
portoda a vida, sendo o principal ator da economia local, pertencente ao mundo
privado de um trabalho não remunerado. Historicamente, a mulher exerce um
trabalho invisível e tem sido remunerada insatisfatoriamente ao longo de sua
vida devido a estrutura social, que a isola do processo de crescimento e
desenvolvimento. Isso contribui para torná-la mais fragilizada, abandonada e com risco mais alto de adoecer (Neysmith,1990).
O marco da velhice assume significado distinto para o homem e para a mulher, surgindo um padrão duplo de envelhecimento. Para o homem, o
■I»
envelhecimento é definido como a cessação do trabalho produtivo e para a
mulher com o término do ciclo reprodutivo. Devido ao fato das mulheres serem
valorizadas por sua juventude e beleza física, a idade avançada é tida como um
desafio, uma vez que diminui a fonte de auto-estima, trazendo uma
desvalorização social (Arber e Ginn, 1991).
A experiência feminina da velhice é considerada, na maioria das
vezes, como uma continuidade porque não há ruptura com o ambiente de
trabalho e os relacionamentos tradicionais, cujo desempenho dos papéis está
ligado ao sexo pode ser um meio de alimentar sua auto-estima (Beauvoir apud
Henrard, 1996).
Noutra perspectiva, tomando como exemplo as mulheres idosas de
das relações tradicionais e influência dentro família pela manutenção de seu
papelna esfera doméstica, o que delineia um s tatus de superioridade persistente.
Os idosos têm consciência dessa troca de papéis. No caso do homem que se aposenta e passa de uma vida publica para a privada exigindo uma adaptação que embora possa lhe trazer algumas vantagens como o descanso e o lazer, depara-se também com graves desvantagens como o empobrecimento e a
desqualificaçao(Beauvoir, 1990).
O envelhecimento feminino pode ser encarado de forma negativa por
estarem as mulheres vivenciando uma situação de dupla vulnerabilidade através
de dois tipos de discriminação - como mulher e como idosa. E, apesar de
considerar o lado positivo de não se afastarem do lar, na velhice, as mulheres
defrontam-se, mesmo dentro de seu mundo domiciliar mais restrito, com
inúmeras perdas como o abandono dos filhos adultos, viuvez ou o conjunto de
transformações físicas inerentes ao processode envelhecimento.
Nas sociedades ocidentais contemporâneas, a esse conjunto de perdas
deve-se somar o subemprego, os baixos salários, o isolamento e a dependência
que caracterizam a condição das mulheres com idade avançada (Streib, 1975;
Rodhes, 1982 apud Debert, 1999).
Os padrões sociais e culturais necessitam ser remodelados sobretudo, no aspecto discriminatório amplo que sofrem os idosos, a fim de protegê-los do
isolamento, através da colaboração entre os vários setores da sociedade
incluindo os governantes, os profissionais, voluntários e familiares que direta ou
indiretamente estão envolvidos com o modo de vida reservado aos idosos.
A interação cios aspectos biológicos e sociais é essencial para analisar as repercussões do envelhecimento, uma vez que os fatores sócio-psico-
biológicos são constituintes inseparáveis desse processo geral.
O envelhecimento é considerado como a última etapa da vida
biológica, quando os sinais de deterioração física inevitavelmente são aparentes,
terminando com amorte. É tido também como o último estágio da vida social do
indivíduo, o resultado final da experiência social coletiva e pessoal do indivíduo.
Podemos dizer que o seu processo é determinado e determina as sociedades nas
quais vivemos (Beauvoir,1990), ou seja, é um fato cultural.
Ao longo da história, o velho assumiu diferentes gradações cie valor de
acordo com o tipo de sociedade em questão. Como por exemplo, nas sociedades
mais primitivas, incapazes sequer de constituir uma tradição oral e sendo sua
única opção de vida, a sobrevivência, o velho era sacrificado, uma vez que
encontrava-se fisicamente debilitado, e, portanto, incapaz de automanter-se,
requerendo cuidado e alimento. Em contrapartida, com o uso da tradição oral
pelas sociedades iletradas, os velhos assumiram a responsabilidade de
perpetuá-la, pois detinham a memória, a históriado grupo e passaram a gozar de prestígio
social (Silva, 1981).
No Brasil, não há a valorização da história, da memória e da tradição,
onde tudo passa a ser encarado como velho e ultrapassado pela rápida e
constante aquisição de novos conhecimentos e costumes, e .que, .diante dessa
cultura volatilizada, o idoso é tido como um elemento a parte, sem
reconhecimento social. Essa consciência é reforçada pelos interesses capitalistas
que visam o lucro e a produtividade, em que o velho por não constituir mão de
obra apta para o trabalho, é desvalorizado e abandonado pelo Estado e pela
sociedade.
A miséria e exclusão que atingem considerável parcela da população
Conforme retrata Sá (1991, p.19), o velho brasileiro, sobretudo quando petencente à classe social menos favorecida, é vítima do sofrimento, pois é visto como:
(um ser humano) discriminado, inativo, vivendo em
condições precárias e em situações de perda do status, do prestígio e das relações funcionais decorren tes do trabalho
(...) Consequentemente temos um idoso em crise; crise de
identidade, que o leva na maioria das vezes, à retração, à
volta a si mesmo, à sínclrome da pós-aposentadoria
caracterizada pelo isolamento, pela solidão, pelo
desinteresse pela vida, alcoolismo, divórcio, decrepitude,
senilidade, morte social e morte física.
Vischer, citado por Bastos (1993) considera a velhice como a “idade
das perdas”. Essas perdas são representadas por diversos tipos de luto: pela
perda da beleza física, da libido, do trabalho, do prestígio, dos filhos que se
tomaram adultos, da prefiguração da própria morte, etc.
Esses estereótipos negativos associados à velhice são evidenciados a
partir da segunda metade do século XIX, sendo encarada como um processo
contínuo de perdas e dependência o que traduz o significado de ser velho na
sociedade moderna.
Por estar o termo “velho” carregado de sentido pejorativo foi
substituído na França na década de 70 pelo termo “ terceira idade” menos
preconceituoso, com a implantação das “Universités du Troisième Age”.
Atualmente esse termo está amplamente difundido popularmente no mundo ocidental (Stucchi, 1994).
Para Debert (1999), existe uma tendência na sociedade
contemporânea, em procurar reverter a visão negativa ligada ao processo de
envelhecimento para outra de uma fase de realizações até então não
conquistadas. A valorização dos idosos a partir das experiências vividas e os saberes acumulados são encarados como ganhos, garantindo-lhes desfrutar de
uma relação harmoniosa com os mais jovens, somada à busca de novos
objetivos na vida.
Iniciativas sociais estão surgindo atualmente, com interesse de obter
a afirmação da identidade e da busca da dignidade do idoso, como as
universidades para a terceira idade, as escolas abertas e os grupos de
convivência (Debert, 1999).
Vale salientar que, as oportunidades de participação das novas formas
de sociabilidade na velhice não são igualmente acessíveis ao conjunto da
população, considerando a heterogeneidade da sociedade brasileira, sobretudo
com acentuados desníveis sociais. Portanto, é falso pensar que o avanço da
idade por si só dissolvería distinções socioculturaís que marcaram as etapas
anteriores da vida.
A multiplicidade das experiências do envelhecimento está
sedimentadana história de vida que tem como elementos formadores asrelações sociais e familiares, os diversos modos de vida e as características individuais de
enfrentamento dos problemas vivenciados.
Segundo Laslef{1987) para que a velhice seja uma etapa da vida propícia à realização e satisfação pessoal, é necessária a existência de uma
“comunidade de aposentados” com peso suficiente na sociedade, demonstrando
dispor de saúde, independência financeira e outros meios apropriados para
atingir suas expectativas.
Tal argumento parece distante da realidade brasileira, cujos idosos,
apesar do número expressivo, não se encontram suficientemente organizados
para causar o reconhecimento político de seus direitos e, nem tão pouco
conscientes de sua condição de cidadãos sociais ativos e participantes, e não
meramente expectadores passivos e carentes à espera da caridade de terceiros
A falta de credibilidade e empenho da sociedade civil em organizar-se,
seja de forma ampla ou em grupos de interesses específicos, na conquista ou
garantia do cumprimento dos seus direitos, necessita ser trabalhada e exercitada pelos cidadãos brasileiros como poderoso instrumento de força para a mudança
do quadro social deplorável do nosso país.
Os fracos indícios de uma maior sensibilização da sociedade
brasileira para com os idosos, não conseguiram ainda, gerar o impacto suficiente
para mudar a representação da velhice em direção a uma existência livre de
preconceitos e com melhor qualidade de vida.
Podemos identificar duas visões antagônicas de velhice: a tradicional,
tida como uma fase de dependência e perdas e outra que vem despontando,
como uma fase promissora, com ganhos e realizaçõespessoais.
A mídia possui notável influência como transformadora e divulgadora
de opiniões e imagens. Com relação à velhice, observa-se um emergente
mercado de turismo e lazer, e produtos como os cosméticos e farmacêuticos,
voltados para uma velhicemais saudável e, potencialmente adiável.
Os idosos em especial os de maior renda, podem ser influenciados a
tornarem-se consumidores desenfreados, caindo na ciranda da especulação
comercial, sem contudo, terem eqliitativamente dentre os membros da
sociedade, seu valor existencial reconhecido.
A divulgação da adoção de estilos de vida saudáveis, onde compete a
todos a responsabilidade de manterem-se jovens, denota a própria negação ou
rejeição da velhice nanossa sociedade (Debert, 1999).
É, pois, diante desse cenário de desvalorização da velhice que o inegável processo de envelhecimento populacional está inserido, e que, antes de
urna análise social mais ampla, perpassa primariamente pelas inúmeras formas
de organização das famílias e que irão influenciar na capacidade em assistir os seus idosos.
Por tradição, a segurança da população idosa tem sido garantida dentro da estrutura familiar extensa ou ampliada. Contudo, no Brasil, o padrão
de famílias ampliadas está declinando, e existem indícios de que os sistemas de
apoio tradicionais estão sendo desfeitos pelas mudanças sociais (Berquó e Mota,
1988).
A família continua a ser o principal meio de apoio social, emocional
e econômico. Os valores sociais que concorrem para a percepção social sobre os idosos e o seupapel na sociedade, dentro das mais variadas estruturas familiares,
foram influenciados ao longo dos anos pela migração urbana, pelo processo de
industrialização, mudança no papel feminino, transformação da força de
trabalho, pobreza e marginalização da população, expansão do setor informal
dentre outros fenômenos que ocorreram nesse contexto global (Restrepo e
Rozental, 1994).
A precariedade das políticas públicas faz com que o peso da situação
do idoso recaia sobre a família que também encontra-se despreparada para essa
novasituação.
Devido a maior longevidade de seus integrantes, as famílias devem
assumir esse desafio apoiada na resolução, a nível privado, dos problemas
assistenciais das pessoas idosas (CEPAL, 1999-2000).
Para as classes menos favorecidas economicamente, amparar o idoso pode significar a desestabilização da estrutura econômica e funcional da família.
Uma das consequências mais visível do envelhecimento populacional
dá-se em termos dos arranjos familiares como: idosos morando sozinhos ou com
parentes, mulheres chefiando a família ou morando com os filhos e, em alguns
casos, obviamente, uma pequena parcela dos idosos terá como única opção para
a sua sobrevivência, o asilo (Berquó,1999).
Contrariamente, em alguns casos, afigura do idoso assume importante
que voltam a residir com o idoso e que vêem na aposentadoria irrisória, a
garantia da sobrevivência familiar.
Outro papel positivo assumido pelos idosos em boas condições de
saúde, ao invés de ser considerado uma carga, é a contribuição com o cuidado dos mais jovens da família, por exemplo, quando a mãe tem que se ausentar para
trabalhai’. Isto ocorre, basicamente, no caso específico das mulheres idosas, cuja
capacidade de executarem os afazeres domésticos e serem responsáveis pelo
cuidado dosnetos, tidos como tarefas femininas na nossa sociedade, lhes garante
um papel definido e indispensável para que os adultos possam ter condições de
trabalhar sem contudo apelar para medidas desconfortáveis como deixar os
filhos sem a guarda de um adulto por período integral.
Com relação aos idosos com problemas de saúde e, portanto, com
necessidade de serem assistidos, Yasaki et al.(1991) lembram que para os idosos
pobres com comprometimentos físicos e cognitivos, residentes nas grandes áreas
metropolitanas, as relações com a família configuram-se como mais
*
problemáticas intensificadas com a carência de instituições de amparo e suporte
ao idoso. Porém, mesmo fíesses casos de dependência, o asilamento geralmente
é visto como negativo, com significado de abandono e refúgio.
Nesse sentido, vê-se na família o último e porque não o único recurso
com que o indivíduo pode contar, quando os países não investiram nos sistemas
de proteção institucional específicos para as pessoas em condição de
dependência sejaeconômica ou por motivos de saúde (CEPAL, 1999-2000).
Consta na Constituição Federal de 1988, que o encargo para com os
idosos não deve estar unicamente sob a responsabilidade familiar quando dispõe
em seu artigo 230: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as
pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
O relevante suporte informal de parentes e amigos destinado aos
idosos, pode ser explicado, sob a ótica sociológica, da ajuda entre as pessoas
estai' fundamentada nas normas sociais de reciprocidade, igualdade e responsabilidade social. A primeira denota o pagamento das ações recebidas no
passado de alguma pessoa, no caso, agora corno idosa. A equidade focaliza a
importância do custo e da recompensa de um relacionamento. E a última, aponta
que a ajuda prestada a quem necessita é um dever e não pode ser omitido
(Henrard, 1996).
A existência de normas sociais por si não justifica por que as pessoas
as seguem. Elas contribuem para nossas crenças sobre o quanto e como devemos
ajudar os outros e sobre quem é responsável pela solução dos problemas da
pessoa necessitada.
Evandrou e Victor (1989) mencionaram que o fato dos idosos
viverem com os filhos não é garantia da presença de afeto, prestígio ou respeito,
nem da ausência de maus tratos. As denúncias de violência física contra idosos
aparecem nos casos em que diferentes gerações convivem numa mesma unidade
doméstica. Assim sendo, a persistência de unidades domésticas plurigeraciouais não pode ser vista, necessariamente, como garantia de uma velhice bem sucedida, nem o fato de morarem juntos, um sinal de relações mais amistosas entre os idosos e seus filhos.
No levantamento realizado na cidade deFortaleza por Macedo Filho e
Ramos (1999), dos idosos investigados, 75% .residiam em • lares
multigeracionais, sendo predominante na área periférica embora bastante
expressiva na área central constituída de pessoas com maior poder
socioeconômico.
Porém, o idoso que mora só não é, necessariamente, o reflexo do
abandono de seus familiares. Pode significar uma nova forma de família
1983), com suporte familiar adequado seja na esfera das necessidades físicas ou
emocionais, não implicando numa mudança qualitativa nas relações entre
familiares.
Independentemente da forma de moradia do idoso, sozinho ou em
família, o importante é a possibilidade de se obter uma velhice bem sucedida,
que não é decorrente apenas do nível de renda ou saúde, mas aspectos mais
subjetivos são de extrema importância, como a qualidade do apoio, satisfação
com a vida, bom relacionamento familiar, segurança e tranquilidade.
Outra forma de arranjo residencial já praticada com resultados favoráveis nos países desenvolvidos, é a segregação espacial dos idosos, o que
permite a ampliação de sua rede de relações sociais, aumenta o número de
atividades desenvolvidas e a satisfação na velhice. Essa nova abordagem,
baseia-se na idéia de que o bem estar na velhice não está arraigado às relações
familiares intensas nem ao convívio intergeracional (Debert, 1999).
-Para os estudiosos, os conjuntos residenciais ou condomínios fechados
para idosos, além do aparato necessário para a comodidade, favorece uma rede
de solidariedade, de troeis, de afeto, de reencontro com os papéis sociais
perdidos, promovendo uma experiência positiva da velhice mesmo para aqueles
com pouca proximidade com os familiares. As diferenças de gênero desaparecem ou, quando mantidas, ganham outros significados, uns ajudam os
outros de modo que, amparados mutuamente, a institucionalização seja evitada (Debert, 1999).
Essa constatação positiva de uma vida segregada não é regra geral,
Jacob ciptid Debert (1999) em seu trabalho de cunho antropológico, mostrou que os idosos segregados não se sentiam satisfeitos e demostravam apatia,
passividade e sentiam-se solitários.
Os novos arranjos residenciais que surgem em resposta às
demandas dos idosos não devem funcionar como substitutos
das relações familiares. Devem, no entanto, representar
locais distintos de convivência, embora em ambos seja
absolutamente necessário o compartilhamento de
sentimentos de amizade, solidariedade e honestidade.
No caso específico do Brasil, cabe salientai' que as novas
comunidades para idosos que oferecem conforto e comodidade são de iniciativa
privada com custo inacessível a um contingente expressivo da sociedade que
vive em condições precárias e por vezes de miserabilidade.
O pobres, quando sem condições de residirem com os familiares ou
sós, deparam-se com a alta probabilidade de serem internados em asilos públicos
ou filantrópicos, cujas condições de atendimento condizem com a constante
crise financeira que enfrentam. Por isso, a qualidade da assistência prestada aos
idosos institucionalizados, torna-se dependente da provisão instável de recursos,
seja da iniciativa privada ou governamental.
Diante do exposto, vemos a falta de perspectiva para uma velhice
amparada seja pela família, sociedade ou Estado que possam garantir a
dignidade individual e coletiva, além de uma vida com qualidade.
Os estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre as
necessidades dos idosos, demonstraram ser o problema principal o bem-estar
econômico, com falta de recursos para satisfazer as necessidades mais básicas,
como por exemplo o acesso aos serviços de saude. O maior desafio para os políticos de países em desenvolvimento é, portanto, conseguir prover ura
cuidado a longo prazo a esse elevado número de idosos pobres, ou seja, um
gmpo vulnerável a adoecer ou atornar-se incapacitado.
O fardo social gerado pela rápida expansão da população idosa é
esses novos problemas sociais e de saúde despontam sem ainda terem
conseguido resolver osproblemas relacionados à população jovem.
Essa situação requer a iniciativapolítica para:
1- Reduzir o peso do envelhecimento sobre a economia e sobre a
sociedade;
2- Assegurar serviços sociais e de saúde para a população idosa,
promovendo sua participação na sociedade e uma vida economicamente produtiva.
O impacto social do envelhecimento afeta a dinâmica do mercado, guiado pela troca de valores. Os idosos encontram-se em desvantagens nas
sociedades voltadas para o lucro e a economia, que tendem a desumanizar o
processo social de envelhecimento. O indivíduo é valorizado pelo seu poder
aquisitivo e pela sua capacidade produtiva de trabalho. Este comportamento
social tende a desprezar as necessidades dos idosos ou não proporcionai' a
integração dos mesmos no mercado de trabalho para voltarem a assumiro papel
de produtores e consumidores (Restrepo e Rozental,1994).
No entanto, a qualidade de vida, oportunidades e perspectivas futuras
para a maior parte dos idosos são a pobreza, marginalidade e a dependência
econômica (Restrepo e Rozental,1994).
O impacto do envelhecimento populacional tem grande repercussão sobre o sistema de saúde e é de difícil superação, pelo aumento dos custos dos
serviços.
O sistema biomédico vigente de atendimento à saúde tem direcionado
a provisão dos serviços de saúde a um nível operacional. O resultado é o uso
exagerado de tecnologias caras, responsáveis pela inflação dos gastos com
saúde,
Para Henrard (1996), o modelo biomédico contribui para medicar
saúde individual e do ambiente coletivo. Prioridades dadas às soluções médicas/técnicas são responsáveis pelo uso inapropriado de hospitais, por
exemplo, pela ignorância de alternativas mais' efetivas e eficientes para
satisfazer a demanda desse grupo particular da população.
Segundo as pesquisas feitas pela ORGANIZAÇÃO
PANAMERICANA AS SAÚDE-OPS/ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE
SAÚDE-OMS em .1989, os idosos fazem mais uso dos serviços de saúde e
causam mais gastos com a saúde do que a população em geral, devido,
principalmente, à natureza crônica da maioria de suas doenças,
Na Conferência Internacional sobre envelhecimento populacional
ocorrida em 1992 em San Diego (USA), foi recomendável que a definição aceita
para a saúde seja revista para tomá-la mais apropriada aos idosos, através da
incorporação de conceitos como estado funcional de saúde, independência,
cronícidade, autonomia, auto-percepção de saúde e o estado ambiental físico e
social.
*
Portanto, a solução para as sociedades contemporâneas no
atendimento aos idosos deverá se apoiar em mudanças políticas e econômicas,
objetivando o fortalecimento do apoio familiar no atendimento aos idosos, como
também um incremento nos investimentos sociais garantindo sistemas de apoio
na área social e de saúde.
2.4. Política e o Envelhecimento Populacional;
O recente processo de envelhecimento populacional traz novas
demandas de serviços na área social: assistência social, de saúde e
previdenciária, constituindo um desafio para os governantes e para a sociedade.
Ao mesmo tempo em que ainda se faz necessária a pressão pela ampliação de direitos universais básicos - educação, saúde, alimentação,
moradia, aumentam, também as demandas fragmentadas de cidadãos em condições insatisfatórias de vida e que se manifestam individual ou
coletivamente (famílias, grupos etários, moradores de uma região).As dimensões
da política social devem cobrir os programas universais formadores da
cidadania, independentes da forma específica de inserção social e das ações
focalizadas em espaços e em grupos socialmente vulneráveis como por exemplo,
o de idosos.
O poder público, cujas metas e ações não atingem seus fins devido às
graves crises econômicas e falta de- reordenação de suas prioridades sociais,
atua através do controle temporário de situações tidas como emergenciais, sem
contudo, contar com um planejamento encadeado e harmonioso entre as
diversas áreas envolvidas, para lidar com os problemas provenientes do aumento
dapopulação idosa.
Sobre a desorganização e inadequação das medidas políticas Silva e
Neri (1993, p.233) afirmam:
Se cís intervenções forem planejadas a partir de
diagnósticos das necessidades e interesses (...) no plano
mais amplo, possivelmente auxiliariam a implementação de mudanças familiares, institucionais e socioculturais em
relação ao suporte familiar e social, bem como em relação
às políticas sociais para o idoso e a família no Brasil.
Outro agravante da situação brasileira são os acentuados desníveis
sociais, onde a minoria tudo tem e a grande maioria nada tem, vivendo numa
situação de completa ausência dos direitos básicos de cidadão.
A pobreza e a miséria para muitos é perpetuada ao longo da vida uma vez que a melhoria das condições de vida está atrelada à acessibilidade da
população a uma educação de qualidade, serviços sanitários e de saúde e
condições de emprego e aposentadoria dignas, as quais ainda encontram-se
O trabalho informal passa a ser aúnica opção de sobrevivênciapara os
pobres (adultos e velhos), cuja desqualifícação profissional os impede de serem
absorvidos pela rede formal de emprego que não atende a demanda de
trabalhadores considerados aptos para o trabalho.
Trabalhar no mercado informal significa a falta de. garantia de direitos
como a aposentadoria, auxílio-doença, férias, fundo de garantia por tempo de
serviço ( FGTS), dentre outros.
O impacto da política previdenciária na vida das famílias é cruel,
pois tanto a aposentadoria como o auxílio doença não se traduzem em formas
eficazes de sobrevivência. Sobre isso Cartaxo (1995, p. 169-170) relata:
... a política previdenciária, mediante estratégia do
segurado em “auxílio-doença” permite-nos deduzir que se
aproxima mais de um modelo assistencial do que,
propriamente, de seguridade social (...) Não há como
pensar em objetivcição dos direitossociais.
A seguridade social, por meio da assistência social, deveria ter uma
política voltada para o atendimento da população excluída. O benefício da Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS) é bastante restritivo: destina-se apenas
aos idosos com setenta anos ou mais, cuja renda familiar seja um quarto do
salário mínimo vigente. Sabe-se que a expectativa devida acima de setenta anos,
em geral, contempla aqueles que vivem com mais de cinco salários e em regiões
mais desenvolvidas. Verifica-se que o idoso de baixa renda não tem
reconhecimento dos direitos mínimos de cidadão caracterizando sua condição de
excluído socialmente (Silva, 1998).
O conceito de exclusão social está mais próximo ao oposto de coesão social ou como ruptura de vínculo social. O excluído não necessita cometer
condição imposta do exterior, sem que para tal tenha contribuído direta ou
indiretamente (Nascimento, 1994).
Dentro de umaconcepção sociológica ampla, a exclusão social
refere-se a um processo de não reconhecimento do outro, ou de rejeição, ou ainda
intolerância. Trata-se de uma representação que tem dificuldades de reconhecer
no outro direitos que lhe são próprios e que, o excluído, sem vínculo societário,
desenvolve vínculos comunitários particulares, como forma de sobrevivência
social. Caso contrário, está condenado ao completo abandono e esquecimento.
Nesse sentido, aproxima-se do conceito de discriminação, como podemos
visualizar nos negros, homossexuais e idosos (Nascimento, 1994).
Uma outra abordagem de exclusão social, refere-se aos que não
fazem parte do mundo do trabalho, não possuindo, em decorrência, condições
mínimas de vida. Por vezes, o fato de não trabalhar produz efeitos de não inserção social e exclusão do mundo de direitos. A incapacidade da sociedade
em criar empregos ou a eles atribuir uma renda mínima, atinge jovens e os
velhos mais frequentemente.
Nascimento (1994) denomina de "desnecessários economicamente” ao
expressivo contingente de pessoas que, além de desempregadas não têm
capacidade de gerar renda suficiente, pela desqualificação profissional, para
entrar no mercado de trabalho. Esses indivíduos perdem qualquer função
produtiva e passam a constituir um peso econômico para a sociedade e para o
governo.
A especificidade da exclusão social no Brasil está fortemente
relacionada com a desigualdade social e com a pobreza. Como pobreza,
entende-se "a situação em que se encontram membros de uma determinada
sociedade despossuídos de recursos suficientes para viver dignamente, ou que
não têm as condições mínimas para suprir as suas necessidades” (Nascimento,
Uma reforma que fosse útil socialmente e com largo alcance na área
previdenciária deveria estabelecer mecanismos financeiros que garantissem a
manutenção do poder aquisitivo e das pensões e também proporcionassem
proteção social à crescente população de idosos (Laurell, 1996).
Os problemas relacionados à seguridade social não serão resolvidos
sem uma política ativa e sustentada de criação de emprego e recuperação salarial
como forma de atingir o bem-estar social.
Aposentarias e pensões constituem a principal fonte de rendimento da
população idosa. Se, por um lado,, o número de benefícios é crescente a cada
ano, por outro, as despesas médias com o pagamento desses benefícios pela
Previdência vêm apresentando, com raras exceções, variações negativas. Em
1988, quase 90% dos idosos aposentados no Brasil recebiam contribuições de
até 2,5 salários mínimos (Chaimowicz, 1997), o que retrata o empobrecimento e
a perda do poder aquisitivocom a aposentadoria.
Debert (1999, p.188) declara que a “história política brasileira foi um
verdadeiro assalto às condições de aposentadoria, transformando o idoso um
peso para a família e em objeto de desdém da sociedade como um todo”. E, nos deparamos com uma perda do poder aquisitivo dos idosos cujos salários são
corroídos pelos elevados índices de inflação da economia nacional, sem contudo
contarem com a certeza dasreposições que todos os trabalhadores fariam juv.
O estado de pobreza dos idosos está relacionado a graves problemas
do sistema previdenciário: falhas na organização da burocracia, descontrole
sobre a receita e as despesas, sonegação de contribuição, incompetência na
gestão de recursos e fraudes na concessão dos benefícios, levando o trabalhador
idoso a receber quantias irrisórias, causando um crescente empobrecimento e
comprometendo seriamente uma qualidade de vida desejável ejusta.
Apesar dos reduzidos valores das aposentadorias, no Brasil, em 1996, os dados indicavam que três em quatro idosos possuíam cobertura
previdenciária. A percentagem dos que não recebem aposentadoria ou pensão
está abaixo de 25% (CEP AL, 1999-2000). Poucos países da América Latina,
além fio Brasil, conseguiram uma ampla cobertura como: Uruguai, Argentina e
Chile
Andrade (1999) revelou que muitos municípios de economia precária
e de população majoritariamente pobre, os benefícios da Previdência
representavam 20,3% da renda monetária das famílias nos municípios com até
5.000 habitantes. Em todo país a média é de 7,2%. Neste caso específico,
paradoxalmente, a aposentadoria significava um passaporte para a ascensão
social dos idosos, garantindo-lhes poder de compra e credibilidade no comércio
local. Em alguns casos, a renda dos familiares chegava a triplicar com o
pagamento do salário mínimo da aposentadoria. Isso porque a maioria
trabalhava no campo e ganhava em média R$ 40,00 por mês. Conclui-se, que os
idosos movimentam a economia de muitas pequenas cidades brasileiras.
O custo das aposentadorias é visto, pelos experts em contabilidade,
como uma catástrofe para a economia nacional em decorrência da grande soma
de recursos necessária pargt uma população de inativos e que põe em risco a
reprodução da vida social, e, a esse prognóstico assustador denominaram de
“crônica da crise anunciada”. Esse mesmo argumento também tem sido utilizado
para a legitimação de uma preocupação teórico-acadêinica com a velhice ou
propor ações concretas, visando alcançar um envelhecimento bem sucedido
(Simões cipud Debert,1999).
Mesmo em países onde o envelhecimento e a velhice são motivos de
atenção e planejamento especial, a sociedade encontra-se despreparada para
oferecer a curto ou médio prazos uma solução para o problema.
Chama-nos a atenção a carência de recursos financeiros peculiar aos
problema não se resume simplesmente ao plano econômico, mas ao social, com implicações bastante complexasmesmo nos países ricos.
A tecnologia avançada e o progresso científico não deram conta dos
flagelos sociais que os governos, de forma insensível, não têm se preocupado.
Para a velhice ser encarada como um problema social não basta
apenas sua projeção numérica, más de quatro aspectos que, segundo a visão de
Remi e Lenoir citados por Debert (1998) são:
a) o reconhecimento: implica tomar visível publicamente uma
situação particular através da ação de grupos socialmente interessados em produzir uma nova percepção do mundo social a fim de agir sobre ele (ex:
gerontólogos, sociólogos, etc.)
b) a legitimação: não é consequência automática do
reconhecimento público do problema. Ao contrário, supõe o esforço para promovê-lo e inseri-lo no campo das preocupações sociais do momento,
c) a pressão: refere-se à capacidade de conseguir jynto às
autoridades competentes, o atendimento de suas reinvindicações, seja através
das ações de grupos específicos ou por seusrepresentantes.
Um exemplo de pressão dos idosos movido junto ao poder público que obteve êxito, foi o movimento dos aposentados, conhecido como a
mobilização pelos 147% ocorrido em setembro de 1991 no Brasil. Nessa época,
os aposentados se rebelaram contra o aumento concebido para os beneficiários
da Previdência Social que foi apenas de 54,6%, quando o salário mínimo
recebeu um aumento de 147%, conseguindo a equiparação dos índices de aumento.
Essa atitude do governo em dar um aumento diferenciado dos salários,
mostra o desinteresse com as causas relacionadasaos idosos, através de medidas claramente discriminatórias.
Muitas vezes, o reconhecí mento/legitirnaç ao do direito vem
conj untamente com a pressão da sociedade civil junto aos políticos.
Infelizmente, os direitos não são obedecidos na forma da lei, sendo imprescindível apressão ou negociação política para o cumprimento dos direitos já assegurados legalmente.
d) a expressão: engloba o surgimento de novos termos que no caso
específico da velhice procuram amenizar os estereótipos negativos a ela
relacionados na nossa sociedade, como a expressão “terceira idade”.
Para tratar dos direitos dos idosos foi promulgada em 1994 a Lei n°
8842 que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e cria o Conselho Nacional
doIdoso e o Decreto N° 1948/96 que aregulamentou.
Infelizmente no Brasil, a existência de leis, decretos e portarias não garante os direitos dos cidadãos, nem tão pouco direciona os caminhos políticos a serem trilhados em busca de uma distribuição mais'eficiente e
igualitária dos recursos públicos.
O artigo 3o da referida lei, diz que “ a família, a sociedade e o Estado
têm o dever de asseguraNao idoso os direitos da cidadania, garantindo sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à
vida”.
O atendimento da população idosa requer esforços conjugados nas três
instâncias: familiar, social e estatal a fim de garantir uma melhor qualidade de
vida.
A família deve amparar seus idosos assegurando-lhes a sobrevivência
e um convívio harmonioso e participativo, tratando-os com respeito.
À sociedade cabe não discriminar nem excluir os idosos de direitos comuns a todo cidadão, como a oportunidade de trabalho, ao lazer, ao
transporte. Fala-se muito em reinserir o idoso na sociedade o que significa