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Processo 05B1524 Data do documento 22 de junho de 2005 Relator Oliveira Barros

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Acessão industrial > Boa-fé

SUMÁRIO

I - Nos termos do art. 1325º C.Civ., a acessão industrial imobiliária ocorre quando com um prédio que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que não lhe pertence, daí advindo uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio e a impossibilidade de separação das duas coisas sem alteração substancial do todo obtido através dessa união.

II - Constituindo, fundamentalmente, um modo de resolução do conflito de direitos entre o dono da obra e o dono do solo, a acessão industrial imobiliária é, conforme arts.1316º e 1317º, al.d), C. Civ., uma forma potestativa de aquisição originária do direito de propriedade, de reconhecimento necessariamente judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação,

III - Os pressupostos substantivos da acessão industrial imobiliária, estabelecidos no art.1340º C.Civ., são os seguintes : a) - a incorporação consistente no acto voluntário de realização da obra, sementeira ou plantação ; b) - a natureza alheia do terreno sobre o qual é erguida a construção, lançada a sementeira ou efectuada a plantação ; c) - a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação ; d) - a formação de um todo único entre o terreno e a obra ; e) - o maior valor da obra relativamente ao terreno ; e f) - a boa fé do autor da incorporação.

IV - Não agindo de boa fé quem sabe ou admite que a construção é feita em terreno alheio, a boa fé exigida para este efeito consiste, conforme nº4º do mesmo art.1340º, em o autor da obra desconhecer que o terreno era alheio ou em a incorporação ter sido autorizada pelos donos do terreno, e deve existir no momento da construção.

V - Na falta de autorização expressa, a autorização pode revestir a forma tácita, ou seja, pode assentar em factos que, com toda a probabilidade, a revelem, ou seja, em situações em que a autorização resulta de

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um negócio que pretende ter por consequência a transmissão do prédio a favor do autor da incorporação, como é, por exemplo, o caso de um contrato translativo nulo por falta da forma legal.

VI - É ainda pressuposto da acessão industrial imobiliária o pagamento do valor que o prédio tinha antes da obra.

TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 19/5/2000, A propôs contra B e mulher C, acção declarativa com processo comum na forma ordinária que foi distribuída ao 3º Juízo Cível da comarca de Santarém.

Alegou, em suma, ter construído uma vivenda e uma piscina no imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº1345/030892 - lote nº8 do prédio denominado Fazendas de Almeirim, de que tinha pago o preço e de que era possuidor de boa fé; esse lote veio a ser vendido, por escritura pública, ao Réu; mas após a incorporação a valer 20.000.000$00 (€ 99.759,58), quando o seu valor primitivo era de 560.000$00 (€ 2.793,27).

Pediu que se declarasse transmitido para o A., por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade sobre o lote aludido, incluindo a construção nele implantada, sem que tenha de pagar qualquer indemnização.

Contestando, os demandados deduziram defesa por impugnação e pediram a condenação do A. no pagamento da quantia de 5.000.000$00 (€ 24.939,89), a título de indemnização por litigância de má fé.

Houve réplica, em que se alegou serem os RR quem litiga com má fé e se pediu a condenação destes, por isso mesmo, no pagamento de indemnização do montante de 2.500.000$00 (€ 12.469, 95 ).

Houve, ainda, tréplica, mas esse articulado não foi admitido.

Saneado e condensado o processo, veio, após julgamento, a ser proferida, em 2/2/2004, sentença do Círculo Judicial de Santarém, que julgou a acção improcedente e absolveu os RR do pedido, considerando, ainda, não resultar dos autos que as partes litigaram de má fé.

A Relação de Évora julgou improcedente o recurso de apelação que o A., assim vencido, interpôs dessa sentença.

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O mesmo pede, agora, revista dessa decisão.

Em fecho da alegação respectiva, deduz as conclusões que seguem :

1ª - O processo contem todos os elementos de que pode extrair-se que quando realizou as obras de construção no lote 8, o recorrente agiu de boa fé, na convicção, que ainda hoje tem, de que era proprietário desse terreno e da construção aí por ele construída.

2ª - Pagou o preço ao primitivo proprietário, e a propriedade só formalmente foi transferida para o nome do recorrido, que admitiu transferi-la para o nome do recorrente, formalizando a verdade, como, aliás, era sua obrigação, pelo menos, moral, pois nem sequer reclamou qualquer preço.

3ª - A falta de forma na celebração do negócio não releva para pôr em crise a boa fé do recorrente, conforme é jurisprudência unânime.

4ª - Em Novembro de 2000, a Câmara Municipal de Almeirim dirigiu-se, por ofício, ao recorrente, e não ao recorrido, com vista a iniciar diálogo sobre o processo das obras efectuadas no lote em questão.

5ª - Admitindo (assim) e levando a presumir que, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, a obra é licenciável - porque se não é lícito presumir que virá a ser emitida licença para a construção, também não é lícito presumir que não virá a ser emitida -, e que o legítimo detentor do imóvel é o recorrente e não o recorrido.

6ª - É verdade que se trata de uma obra inacabada, mas é uma obra que pode e deve ser acabada, e se ainda o não foi, foi porque o recorrido, depois de afirmar que o faria, se recusou inopinadamente a entregar o imóvel ao recorrente, pois se aquele tivesse honrado o seu compromisso, entregando o imóvel ao seu verdadeiro dono, hoje, garantidamente, a obra estaria concluída.

7ª - O facto de se tratar de uma obra inacabada não significa que a obra realizada não tem valor, pois tem potencialidades de ser acabada, e porque tem valor, acrescenta o valor respectivo ao terreno em questão.

8ª - Esse valor está clara e objectivamente determinado pelos peritos que procederam à sua avaliação, ordenada pelo tribunal. Se a intenção do tribunal era não atender à avaliação, não devia ter ordenado a sua realização.

9ª - Sendo o valor da obra, de 5.305.000$00, superior ao valor do lote de terreno, de 3.200.000$00, e atenta a boa fé do recorrente, não pode deixar de se reconhecer que estão reunidas as condições factuais e legais para que a acessão imobiliária seja julgada procedente e de em consequência, atribuir-se ao

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recorrente a propriedade do imóvel, de que é já, de facto, proprietário e como tal reconhecido pelo próprio recorrido.

10ª - O acórdão recorrido mostra-se, pois, violador, entre outras, das disposições legais contidas nos arts. 1260º, nº1º, e 1340 C.Civ.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Convenientemente ordenada (1), a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue.

( a ) - O prédio denominado Fazendas de Almeirim está inscrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o nº 1337 e pertenceu a uma pluralidade de comproprietários, entre os quais se incluía D, casada com E no regime da comunhão geral de bens ( A ).

( b ) - Em 29/4/85, o A. pagou a E a quantia de 300.000$00, referente à compra do lote de terreno adiante referido ( 1º).

( c ) - O remanescente do preço, no valor de 260.000$00, foi pago pelo A. em 29/6/85 ( 2º).

( d ) - Em data não concretamente apurada, o A. iniciou a construção de uma moradia e de uma piscina naquele lote de terreno ( 4º e 5º).

( e ) - Com o início da construção da moradia e da piscina, o A. gastou a quantia de 5.305.000$00 ( € 26.461.23 ) ( 6º).

( f ) - Com o início da construção da moradia e da piscina, a totalidade do prédio passou a ter um valor de 8.505.000$00 (€ 42.422,76), sendo 3.200.000$00 (€15.961,53) correspondente ao valor actual do terreno e só dele, valor este dependente do respeito pelas regras vigentes, nomeadamente quando ao PDM e à existência de licença camarária ( 8º).

( g ) - Conforme documento a fls.311, em 9/12/86, deu entrada na Câmara Municipal de Almeirim, em nome do A., um projecto para construção de uma moradia de cave, r/c e sótão, a realizar na Rua dos Pirolitos, lote n.º 8, Paços dos Negros, a que foi dado o nº 340/86.

( i ) - Em reunião camarária realizada em 20/4/87, foi deliberado indeferir o projecto e manter o embargo da obra, que já tinha sido deliberado em 9/2/87.

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( l ) - Com data de 3/8/92, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Almeirim a autorização de loteamento relativa ao prédio acima referido, que foi dividido em 12 lotes (9º e B ).

( m ) - A descrição do lote de terreno nº 8 na Conservatória do Registo Predial de Almeirim ocorreu em 3/8/92 ( J ).

( n ) - Na Conservatória do Registo Predial de Almeirim encontra-se inscrito sob o nº 01345/030 892 o lote de terreno nº 8, com a área de 800 m2, desanexado do prédio denominado Fazendas de Almeirim ( C e D ).

( o ) - A aquisição desse lote de terreno para construção está registada a favor de F - Sociedade de Projectos e Construções Turísticas, Lda ( E ).

( p ) - Por altura do registo dessa aquisição a favor da F -Sociedade de Projectos e Construções Turísticas, Lda, o A. era sócio desta sociedade, que tinha por objecto a revenda de imóveis ( G ).

( q ) - Por escritura pública de compra e venda exarada em 29/12/94, a F - Sociedade de Projectos e Construções Turísticas, Lda, vendeu ao Réu o lote de terreno com o nº 8 (H ).

( r ) - A aquisição do lote de terreno para construção referido está registada a favor dos RR por registo posterior ao mencionado em ( o ), supra ( F ).

( s ) - O Réu está isento do pagamento de sisa ( I ).

Percorridos os autos, não se vê que utilmente se possa aditar seja o que for ao discurso de direito das instâncias, que se vai, por isso, refazer, bem que também em ordem ora tida por mais conveniente. São do C.Civ. todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação.

Como notado na sentença apelada (2), a acessão industrial imobiliária é uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento necessariamente judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação, conforme arts.1316º e 1317º, al.d).

Como bem assim referido nessa sentença, nos termos do art.1325º, a acessão ocorre quando com uma coisa, que é propriedade de alguém, se une e incorpora outra coisa que não lhe pertence, daí advindo uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio e a impossibilidade de separação das duas coisas sem alteração substancial do todo obtido através da união (3).

Como, por sua vez, notado pela Relação, é, consoante art.1316º, uma forma originária de aquisição da propriedade e constitui, fundamentalmente, um modo de resolução do conflito de direitos entre o dono da

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obra e o dono do solo.

Está em causa o preenchimento, ou não, na hipótese ocorrente, dos competentes pressupostos substantivos, estabelecidos no art.1340º, que são os seguintes :

a) - a incorporação consistente no acto voluntário de realização da obra, sementeira ou plantação;

b) - a natureza alheia do terreno sobre o qual é erguida a construção, lançada a sementeira ou efectuada a plantação ;

c) - a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação ;

d) - a formação de um todo único entre o terreno e a obra ;

e) - o maior valor da obra relativamente ao terreno; e

f) - a boa fé do autor da incorporação.

Esta última consiste, conforme nº4º do mesmo art.1340º, em o autor da obra desconhecer que o terreno era alheio ou em a incorporação ter sido autorizada pelos donos do terreno, e deve existir no momento da construção.

Continuando, então, a acompanhar o discurso da 1ª instância :

Segundo a sentença apelada, resulta dos factos provados que o ora recorrente incorporou em prédio alheio uma construção inacabada, tendo utilizado para o efeito materiais que, apesar de não ter sido expressamente alegado ( cfr. artigos 22º e 23º da petição inicial ), lhe pertenceriam ( v. os documentos juntos a fls.18 ss.).

Estariam, assim, verificados os pressupostos mencionados em a), b), e c), supra.

Julgou-se, porém, não suceder o mesmo quanto aos referidos em d), e), e f).

Quanto ao primeiro destes últimos, não acabadas as obras iniciadas, não há uma ligação definitiva entre o terreno e as construções feitas, não se podendo concluir pela efectiva existência de um todo único entre o lote de terreno e essas construções.

Isto mesmo se surpreende do relatório pericial a fls.298 ss., onde se pode ler que a construção foi abandonada há bastante tempo e é difícil estimar o grau de degradação (cfr.fls.299 ), e das respostas

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dadas aos artigos 4.º, 5º, e 17º (esta negativa ) da base instrutória ".

Entendeu-se, " por outras palavras ", que como a construção não foi concluída, as coisas acrescidas e o lote de terreno não passaram a formar um corpo único, deles distinto física, económica e juridicamente.

Quanto ao valor do prédio após a incorporação, dando-se por adquirido que o valor do terreno é igual ao preço pelo qual foi comprado, considerou-se, no entanto, só em abstracto poder dizer-se que o valor da obra é superior ao do lote em questão.

Sendo certo que o valor da obra monta a 5.305.000$00

(€ 26.461,23), e é, portanto, superior ao do lote antes do início da incorporação, que teria o valor de 560.000$00 (€ 2.793,27) , correspondente ao valor entregue pelo ora recorrente a título de preço, trata-se, no entanto, de uma construção feita sem licença camarária, e que o relatório pericial menciona ter sido levada a efeito sem respeitar os parâmetros do PDM.

Caso não possa ser-lhes adaptada, ou sem licença da autoridade competente, tem um valor de mercado nulo ou mesmo negativo.

" Daquele relatório resulta, aliás, que o valor correcto só pode ser calculado tendo-se presente o que foi aprovado pela Câmara Municipal e as exigências previstas no PDM. Se nada disto foi considerado pelos peritos que intervieram na realização da perícia, não podemos socorrer-nos do valor referido, o qual foi calculado na pressuposição de que existia licença e foi respeitado o PDM ou a ele é possível adaptar a obra.

Não está, pois, o Tribunal em condições de afirmar que a construção feita pelo A. trouxe ao prédio dos RR um valor superior ao que tinha antes da incorporação ( ... ) ".

Assim analisada a questão do prisma do requisito da al.e), supra, resta, ainda, a al.f).

Como tem sido entendido, não age de boa fé quem sabe ou admite que a construção é feita em terreno alheio (4).

Nulo por falta da forma legal o negócio realizado com os então proprietários E e mulher ( arts. 220º e 875º ), não produziu qualquer efeito, nomeadamente o efeito translativo da propriedade.

O imóvel continuou, assim, a pertencer àqueles, circunstância que era do perfeito conhecimento do demandante, como decorre inequivocamente dos artigos 1º, 2º, 16º e 17º da petição inicial.

Aquando do início da construção da vivenda e da piscina, o ora recorrente sabia, pois, que o terreno em que as implantou pertencia a outrem.

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Como não desconhecia que o terreno era alheio, restava-lhe provar, como elemento constitutivo do seu direito (art. 342º, nº1º), que a incorporação foi autorizada pelo dono do terreno.

Essa demonstração, porém, não foi feita, como resulta da resposta negativa dada ao artigo 18 da base instrutória, no qual se perguntava se todas as construções realizadas pelo autor foram autorizadas pelos proprietários.

Na falta de autorização expressa, a autorização pode revestir a forma tácita, ou seja, pode assentar em factos que, com toda a probabilidade, a revelem.

(5).

Nestas situações, a autorização resulta de um negócio que pretende ter por consequência a transmissão do prédio a favor do autor da incorporação.

Como elucidam Pires de Lima e Antunes Varela (6), a autorização para praticar os actos materiais em que a acessão se traduz tanto pode ser atribuída através de uma declaração de vontade expressa, feita pelo proprietário da coisa, como resultar, por exemplo, de um contrato translativo nulo por falta de forma.

No caso ocorrente, a autorização tácita resultaria do contrato de compra e venda celebrado entre o ora recorrente e os anteriores proprietários do terreno, nulo por falta de forma legal : querendo estes dispor do bem imóvel, autorizaram tacitamente aquele a realizar as construções.

Segundo se julgou, neste caso, porém, aquela circunstância não é suficiente para que se possa considerar a existência daquele tipo de autorização.

Tal assim porque, conforme resposta negativa dada ao artigo 3º da base instrutória, o ora recorrente não logrou provar que, após o pagamento da quantia devida a título de preço, o lote de terreno lhe foi entregue, o que, conjuntamente com a intenção dispositiva, permitiria concluir pela predita autorização tácita.

Considerou-se, de todo o modo, que, ainda quando entendido que a simples celebração verbal do contrato de compra e venda chega para fundamentar a verificação da autorização tácita, o pedido não poderia proceder em vista do já adiantado.

Concluiu-se, em consequência, por esta forma :

- ao incorporar uma obra em terreno alheio com materiais próprios, o ora recorrente não agiu de boa fé, como exigido no nº 4º do art.1340º, na medida em que não se provou que os proprietários autorizaram a

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sua realização, nem a simples celebração verbal de um contrato de compra e venda de um imóvel, desacompanhada da prova da entrega da coisa, é suficiente para se poder falar na existência de uma autorização tácita;

- mesmo que se entenda que ocorreu uma autorização tácita, não só se desconhece em concreto qual a valorização patrimonial que a obra realizada trouxe ao lote de terreno, mas também, dada a incompletude daquela, não se chegou a formar um todo único, quer em termos físicos, quer em termos económicos, entre a coisa que já existia e o que lhe foi acrescentado por incorporação.

Estas circunstâncias integram requisitos constitutivos do direito que não foram demonstrados em juízo, pelo que esta acção deve ser decidida contra o A. - arts. 342º, nº 1º, C. Civ. e 516º CPC.

É ainda pressuposto da acessão industrial imobiliária o pagamento do valor que o prédio tinha antes da obra.

A esse respeito, o ora recorrente alegou que não está obrigado a pagar o valor que o lote de terreno tinha antes da construção que nele iniciou, visto que esse valor foi entregue aos então proprietários e o ora recorrido, para quem esse terreno foi transmitido por contrato de compra e venda simulado, nunca chegou a pagar o preço. Se o fizesse, estaria a enriquecer ilegitimamente o património dos demandados.

Mas esses factos não se provaram.

Por isso, a acção soçobraria, mesmo que se verificassem os demais elementos substantivos da pretensão -na parte, ao menos, em que se queria ver reconhecida acessão sem indemnização.

A Relação salientou, por sua vez, ainda, os factos seguintes :

- tendo o ora recorrente pago, em 1985, a E, comproprietário do prédio denominado Fazendas de Almeirim, a quantia de 560.000$00 para compra do depois dito lote nº 8, tal ocorreu antes de autorizado o loteamento daquele prédio, que veio a ser fraccionado em 12 lotes, tendo a autorização desse loteamento sido registada na Conservatória do Registo Predial de Almeirim em 3/8/92 - v. ( a ) a ( c ) e ( l ) a ( n ), supra ;

- não apurada a altura precisa em que o ora recorrente iniciou a construção da moradia e da piscina naquele lote de terreno, sabe-se, em todo o caso, que já em 9/2/87 a Câmara Municipal de Almeirim tinha deliberado o embargo dessa obra - idem, ( d ) e ( i ).

Discorre-se, então, no acórdão sob recurso, deste modo :

Decorre dos factos acima referidos que, ao realizar a construção, o ora recorrente sabia que o terreno não lhe pertencia, uma vez que não celebrara contrato de compra e venda, nem esse negócio era possível,

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posto que o loteamento ainda não tinha sido autorizado.

Tinha, portanto, uma mera expectativa de aquisição do lote de terreno aludido.

E também não provou que tivesse autorização dos diversos (com)proprietários do falado prédio para levar a cabo qualquer construção.

Logo, quando procedeu à construção em causa, não agiu, nos termos e para os efeitos do art. 1340º, nºs 1º e 4º, de boa fé.

Mesmo que se considerasse ter actuado de boa fé, por estar convencido que o lote em questão era dele em consequência do pagamento efectuado a um dos comproprietários do prédio depois loteado (7), nem assim poderia adquirir a propriedade desse lote, dado não poder considerar-se que o valor da obra é superior ao valor do lote.

Trata-se, na verdade, de construção clandestina, não licenciada, que foi embargada, e que se encontra inacabada e abandonada, conforme laudo de avaliação a fls.299.

Como assim, apesar de o ora recorrente ter despendido 5.305.000$00 nessa obra, não pode julgar-se apurado que acrescentou qualquer valor ao lote em que foi implantada, podendo, inclusivamente, constituir um desvalor se, dado ser construção clandestina, vier a ser ordenada a sua demo lição, com os correspondentes custos.

A alegação do recorrente neste recurso principia por retórica reclamação contra a justiça que temos e imputação à contraparte de práticas ilícitas.

No que importa ao caso destes autos - e só dele se pode cuidar aqui e agora -, cabe, a abrir, notar e fazer notar, a um tempo, que a matéria de facto a ter em agora atenção é apenas - nem mais, nem menos - a atrás indicada, e a outro, que se torna cada vez mais difícil conferir relevância a negócios relativos a imóveis desprovidos da forma legalmente exigida, mormente quando quem tal pretende é, conforme ( o ) e ( p ), supra, sócio de sociedade de revenda de imóveis.

Difícil vem a ser também contemporizar com a defesa da construção clandestina. E é isso mesmo que, sem margem para tergiversação, é uma obra não licenciada.

Nula por falta da forma legal a aquisição invocada, não consta da matéria de facto provada que as obras foram realizadas na convicção de que era - já então - o recorrente o proprietário do terreno. E nem sequer efectuado ainda o loteamento, como observado no acórdão recorrido, não assistia ao recorrente mais que uma mera expectativa de aquisição do lote de terreno em referência. Por outro lado :

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De facto não constando que a Câmara Municipal tenha ordenado a demolição da obra embargada em 1987, não menos certo é que bem assim não consta ter depois disso concedido a competente licença.

Não se sabe se esta poderá vir efectivamente a ser autorizada ou não.

Nenhuma presunção legal existe de que o venha a ser ou a deixar de ser.

E tendo este Tribunal competência limitada à matéria de direito (art. 26º LOTJ99 - Lei n. 3/99, de 13/1), está-lhe vedado o uso das presunções simples, naturais, judiciais ou hominis que os arts. 349º e 351º consentem às instâncias (8).

Salvo ilogismo, não cabe, sequer, nas suas atribuições a censura das presunções dessa natureza de que as mesmas entendam usar (9).

Em todo o caso, a Relação não presumiu que a obra não é licenciável : limitou-se a considerar, no penúltimo par. da pág.11 do acórdão sob recurso, a fls. 281 dos autos, que " não é lícito presumir que venha a ser emitida licença para a construção " ( tal como projectada e, em parte, executada ).

Em causa, como mencionado na sentença apelada, construção feita sem licença camarária, e que o relatório pericial - nisso, quanto mais não seja, útil - refere ter sido feita sem respeitar os parâmetros do PDM, nenhum " vício lógico-conclusivo " se pode seriamente assacar a essa consideração.

Mesmo dando de barato que predisposição efectivamente exista, como alegado, para "dialogar" (10), está, de todo em todo, por demonstrar a ora arguida " forte probabilidade de licenciamento, atenta a predisposição da Câmara para o mesmo ".

A avaliação efectuada foi ordenada em sede de instrução do processo, altura em que, como se estaria em supor sabido, eram ainda de contemplar ou ter em consideração, na expressão do art.511º, nº1º, CPC, " as várias soluções plausíveis da questão de direito ".

Em vista do deixado notado, chega-se à decisão seguinte :

Nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de Junho de 2005 Oliveira Barros,

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Salvador da Costa, Ferreira de Sousa.

---(1) V. Antunes Varela, RLJ 129º/51. Indicam-se entre parênteses as correspondentes alíneas e quesitos. Onde falte essa indicação, trata-se de factos aditados na sentença ao abrigo do disposto no art.659º, nº3º, CPC.

(2) Que cita assim Ac.STJ de 4/4/95, BMJ 446/245. Aditou que para Oliveira Ascensão (" Direitos Reais ", 5.ª ed., 306 ) e Menezes Cordeiro ( " Direitos Reais ", II ( 1979), 721), o direito de acessão é um direito potestativo que depende, para se concretizar, de manifestação de vontade nesse sentido por parte do respectivo titular, posição igualmente defendida em ARL de 8/5/97, CJ, XXII, 2º, 77, e por Quirino Soares, em " Acessão e Benfeitorias ", CJSTJ, IV, 1º, 20 -22 ( salvo quanto ao caso previsto no nº3º do art.1340º, em que entende estar prevista uma forma de aquisição automática ). Pires de Lima e Antunes Varela , no seu " C. Civ. Anotado ", III, 165, sustentam que com a acessão se dá uma aquisição automática do direito de propriedade, não se exigindo qualquer negócio jurídico ou uma manifestação de vontade. V., a este respeito, ARP de 17/12/92, CJ, XVII, 5º, 242.

(3) Cita Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e vol. cits, 164, Antunes Varela, "Acessão Industrial Imobiliária " (parecer), CJSTJ, VI, 2º, 5 e ss., Carvalho Fernandes, " Lições de Direitos Reais ", 3.ª ed., 321 ss, e Quirino Soares, estudo cit., 12 ).

(4) Refere Ac. STJ de 19/1/93, citado por Quirino Soares, p. 19, nota 52.

(5) Cita ARC de 8/2/2000, CJ, XXV, 1º, 17.

(6) Ob. e vol. cits, 164.

(7) E no convencimento, enfim, de que tinha direito bastante para justificar a sua actuação e não lesava o direito de ninguém .

(8) V., sobre essas presunções, Vaz Serra, BMJ 110/190 e RLJ, 108/352 e 355, Lopes Cardoso, RT, 86º/112, e sobre o seu uso pelas instâncias, Antunes Varela, RLJ, 122º/314 (-3. ) ss. Contra o que o recorrente aparentemente supõe (pág. 6, não numerada, da alegação respectiva, a fls.294 dos autos, 2º a 4º par.) , pois tal refere logo depois do verbo " presumir ", não se estará propriamente " no campo das meras apreciações subjectivas e raciocínios opinativos sobre as questões jurídicas em discussão nos autos " ( destaque nosso ), mas, em boa verdade, no domínio da " fixação dos factos materiais da causa ", que, como diz, " não teria cabimento impugnar nesta sede ".

(9) Como elucidado em Acs.STJ de 20/9 e 9/10/94, BMJ 439/538-I e 543, e 440/361 e 365, este último com a anotação de que se trata de jurisprudência pacífica - idem, 366.

(10) Res non verba, ou seja, cada vez mais necessários actos, e não palavras, o vocábulo " diálogo " corre risco sério de desvalorização.

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