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Castro, Eduardo Viveiros de - Ambos os três

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(1)

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..

AMBOS OS TREs:

SOBRE ALGUMAS

TIPOLOGICAS

E SED SIGNIFICADO ESTRUTURAL NA

TEORIA DO PARENTESCO

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO Museu Nacional, UFRJ

R6tuIos, tipos e modelos

Este trabalho1 anaJisa as formais entre algumas configura-r;aes de parentesco reconhecidas peia antropol6gica - as varieda-des 'dravidiana', 'kariera' e'h"oquesa'do esquema terminol6gico dito 'fu-sao bifurcada' (bi/urcaJe merging) - e as discute no quadro da leOria estru-rural da desenvolvida por C. Levi-Strauss e

L.

Dumont. Ap6s esta-belecer as entre estas variedades, examino dois pares conceiruais centrais da teoria do parentesco, a saber, 'consangilineo/afim' e 'paraJelo/ cruzado'; em seguida, avan", uma conjetura sobre os correlatos matrirno-niais possiveis das terminologias com cruzarnento iroques; por fim, evoco uma variante do sistema dravidiano difundida

na

Ambica do Sui indigena, concluindo com algumas considera¢es sobre a possibilidade de diferentes principios classificat6rios coexistirem em uma mesma social, 0 que pOe em questiio a ideia cornum de que a cada unidade emognifica de tipo 'sociedade' corresponderia urn modelo terminol6gico unico. Embora se

1. A vema original deste ensaio deve ser pubJicada no livro TransfofJflO1ions of Kin.rhip Systems: Dravidian. Australian, Iroquois and Crow-Omoha (Trautmann, Godelier & Tjon Sic Fat [orgs.] [1996]), que re6ne as comunicaeoesa uana mesa-redonda havida na Maison Suger (Paris). em junbo de 1993.

Anuario Antropol6gico/9S

Rio de Janeiro: Tempo Brasileir-o, ]996

9 UFRGS

(2)

ED! ;ARDO VIVEIROS DE CASTRO

concentre em problemas gerais de elucidac;ao conceitual, 0 presente texto

deriva das sobre as estruturas sociais indigenas que venha realizando de<;de 1985. juntarnente com outros antropologos formados no Museu Naciona12. LIe !"ctoma, reformula c fUlldamema proposicoes elubo-radas neste contexto ctnogritfico regional: esper('l assim que ele possa seI

util aos pesquisadores que se vern dedicando a redespenar a etnologia brasi· leira para os desalios in({'krlUais propostos pelos sistemas de parentesco amerindios.

Assentemos de inicio uma questao onoma.';;tica.

a

U!;o ele etiqucl2.s

como 'dravidiano' ou 'iroques' para designar tipos tenninol6gicos nao pressupoe que os povos cponimos scjam os exemplares mais 'puros' dos tipos, e muito menos que eles tenham qualquer papel hist6rico na prodU9aO de seus anruogos morfol6gicos. Estas sao designa90es convencionais, que nao deixam cenamente de ter seus problemas, comentados

a

saciedade por autoridades de peso (Needham 1971). Com efeito, houve quem suspeitasse que os lroqueses nao usavam Ilma terminologia 'iroquesa' (Kronenfeld 1989); a generalidade do paradigma 'dravidiano' proposto por Dumont e Trautmann foi questionada

para

a propria india do Sui (Good 1980, [s.d.]); e vereni.os abaixo que os Kariera nao sao urn born exemplo da terminologia homonima. Urn sul-arnericanista interessado no parentesco amerindio ficarla assim tentado a propor ep6nimos de seu proprio continente: talvez fosse melhor mesrno trocarrnos 'dravidiano' por 'arnaz6nico nonna!', 'iroqu';s' por 'alto-xinguano', 'kariera' por 'pano' e assim por diante.

Mas nao

e

prcciso perder muito tempo com rotulos, que refletem as contingencias hist6ricas da disciplina mais que qualquer outra coisa. Tam-bern nao M por que terner alem da conla a projC9lio indevida das panicula-ridades etnogrnficas dos casos-tipo sobre seus wlogos a1hures: 'dravidiano' ou 'iroqu;;s' deveriarn fundonar para os antrop6logos mais ou· menos Como 'devoniano' ou 'cambriano' para os ge6logos e paleont610gos; quando estes usam lais lennos, cenamente nao estao pensando que 0 solo do Pais de Gales possua qualquer poder nonnativo (ou genetico) sobre a fisiografia de outras regifies do planela. Note-sc, por fim e sobretudo. que as alternativas onorn.asticas mais ncutras de que dispomos naD sao tao melhores assim. Ao

2. VeT Viveiros dc: Castro 1993a. Viveirns de Castro & Fausto 19Q3. e os SCtc esrudos reuni-dos em Viveiros de Castro 1995.

10

.,-AMBOS

as

TREes

delinir 0 conceito de "fusao bifurcada", por cxcmplo. Lowic entendeu que a bifurC393.0 em causa opoe parentes patemos e maternos de G + 1, 0 que

e

crroneo (Dumont 11953] 1975: 86). As expre<soes "sistemas de duas sc· 'tOes" au '"duas linhas", favorecidas por Needham e seguidores para dc-signar de tipo dravidiano Soao igualmcnlc as; Ie-f·

minologias dravidianas se distinguem de outras nomcnclamras ·bifida. ... · precisamente por 000 exibircm ou <linhas'. Por tim, a recente propost. alfanumerica de Trautmann & Barnes (i 1996]), que substitui ·dra·

vidiano' por "cruzamemo de tipo A'" e 'iroques' por "'cruzamento de tipo

B", e bastante incomOOa: em Dravidian Kinship, Trautmann (1981)ja havia distinguido entre 0 "modelo A" e 0 "modew B" da configura¢iio dravidiana (diferen93 ponanto in/erna ao 'cruzarnento lipo A'); como Good (1980, [s.d.]) sugeriu por sua vez a existencia de urna distin¢iio interna ao modelo

A - sUas versoes 'alfa' e 'beta\ digamos -. corre-se 0 risco de tenninar

afogado em cifras, tipos e mOOelos, ainda mais se considerarmos que 0 lipo B (iroques) possui pelo menos quatro variantes, devidamente numeradas por Trautmann & Barnes3.

o

que impona, enfim,

e

prOOuzir uma defmi¢iio apropriada dos tipos, nao discutir seus nomes. Aqui eslli 0 verdadeiro problema: precisamos de modelos menos ic6nicos, isto

e,

de mOOelos estruturais menos dependentes da generaliza¢iio empirica dos paradigmas ep6nimos. Tais modelos, embora

3. rapidameme 0 conteudo destas distinc;oes cifradas, antes que 0 leitor, se aqui chegou, desista. A diferenc;a entre 'dravidiano' (ou 'cruzamento de tipo A') e

('cruzamento de tipo B') diz respeito essencialmeme ao car-iter 'pantlelo' ou 'cruzado' de algumas posiCOes siruadas aicm da esfera dos primos de primeiro grau: assim. por

pto. em urn sistema dravidiano os fdhos de primos cruzados de mesmo sexo des mesmos cruzados entre si. e os filhos de primos cruzados de sexn oposto sao parcl.lelos

(assimilados a gennanos); em urn sistema iroquts da-se 0 inverso, A distincao de Traub1lann entre urn "dravidiano modele A" e urn "modelo BO> d,iz respeito

a

cxtensao (caso B) au nao (caso A) do conttaste paraleloS/cruzados ate G±2 dos avOs e dos Detos), A distincao de Good entre duas versOes do -modelo A" diz respei-to

a

incidencia tenninologica do casamento avuncular em varios casos etnogrificos. As quatro variantes numeradas da iroquesoa (ou "cruzamento de tipc.)'S';)

tas JXlr Trauanann & Bames se distinguem pela maior au menor do conttas-te paralelo/cruzado nos diferenconttas-tes niveis geracionais: as varianconttas-tes mais comuns sio a de mimero 1 (oomraste panleloS/cruzados operativo n, 5 tres niveis centrais) e a de numero 3 (desaparecimento do contraste em GO, ou seja. uma classifJcac;io de primos de ripo

'ha-\'aiano' coexiSie com a fusao bifurcada em G± I),

(3)

.... ; /' '. .

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

devam derivar da amili"c de caws e.tnoe,raficcs. na0 p('c'::-m reprodu-zi-hs -- pois, descre .... em sut!. - . nero s(>rl.'m meras ah<;tnj('l)es

indmivas. mas sirn capa:.ft;'c;" ry(" exemplos com.retos ern uma serie de transfonna¥5es especificadas por restric;5es loeais.

Para merecerem 0 adjetivo 'estrutural', os modelos de parentesco devern conter ao mesmo tempo menos e mais informac;:ao que os sistemas

concrelOS que subsumem. Menos, porque abslraem panicularidades

resul-tames da coalescencia de miiliipias djrr.ensees no rea] emografico (Ifngua,

ideologias, nesta medida. os modelos sao relativamente subes-pecificados. Mais, porque admitem urn mimero de possibilidades transfor-macionais que nao podem se manifestar simultanearnente - e nesta medida os modelos, por incorporarem diferentes estados de uma

estrutura, sao mais ricas que qualquer sistema concreto. Observe-se ainda que as estruturas descritas por estes modelos nao coincidem com urn 'niveI'

panicular do objeto. As entre "conceitos", "regras" e "compona-menton (Schneider apud Trautmann 1981: 21), ou entre os niveis "catego-rial", "jural" e "componarnental" do parentesco (Needham 1973), embora talvez metodologieamente nteis, tenninam por tomar estes aspectos de um fenameno complexo como se consistissem em objetos reais distintos, e freqlientemente privilegiam um deles como sendo 0 'verdadeiro' locus da

estrutura. Contra a das do parentesco, entende-se

aqui que os fenamenos observaveis "nao

sao

mais que a repercussao super-ficial da de estruturas profundas que nao correspondem a nenhum dos Ires niveis. Estes niveis sao apenas os reveladores, os indices de tais estru-turas, isto quando nao as travestem ou oferecem imagens falseadas delas" (Levi-Strauss 1984: 223)4.

o

que significa dizer que a estrutura sO pode ser apreendida n>

interfa-ce dos niveis, nas

ou

entre eles. ou

'complexidade' sao assim propriedades intrinsecas de um modelo estrutural, nao de sua 'passagem' ao real: pois nem 0 modelo coincide com 0 compo-nente taxonomico ou normativo de superficie, oem 0 real com 0

comporta-4. Uvi-Strauss esti-se referindo

a

de Leach enue "comportamenros reais, normas estatisticas e regras ideais" e a esquemas analogos de Firth. que derivam. como as

supra-rnencionadas estratificat;:oes de Schneider e Nee1halJ). da famosa distincao malinowsldana

entre "0 que as pessoas dizem a respeito do que fazem. 0 que elas realmente fazem. e 0

que elas pensam" (Kuper 1983: 16).

12

,

I

T

AMBOS OS TRES

mento, individual ou agregado. Uma estrutura e a lei das varia¢es entre as diferentes panes de urn sistema.

Embora este trabalho se conccntre nas tenninoiogi3S. assumo a

exis-tencia de uma complexa entre as dimens5es terminologica, socio-logica e ideosocio-logica do parentesco. Recuso ponanto a escolha entre 'reflexionistas'. segundo as quais as terminologias 'exprimem' outras institui9Oes. e 'autonomistas', sejam as que se contentam em insistir sobre a heterogeneidade entre os diferentes 'niveis' do objelo, sejam as que reduzem os sistemas terminoI6gicos a seus termos, e estes a

produtos sociologicarnente vazios de regras formais. Adoto como principio que "a de urn sistema de parentesco [i.e. uma terminologia)

e

gerar possibilidades

ou

impossibilidades de casamento' (Levi-Strauss 1966: 14). Longe ponanto de ser urn efeito ou reflexo passivo de causas extrinsecas ou de realidades mais fundarnentais, uma tennino10gia "age como operador de urn sistema matrimonial dentro de uma comunidade" (ibid.). Contra os

autonomistas, defendo entiio a ideia de que 0 parentesco

e

um sisterrw. de social; contra os reflexionistas, nao creio que tal sistema seja

uma totalidade de tipo causal ou expressivif.

Esta da tenninologia como dispositivo operat6rio dentro de urn sistema de

e

essencial para que os modelos menos ic6nicos adiante propostos admitarn inlerpreta¢es nao-triviais.

E

imponante subli-nhar que ela nao se restringe aos casos 'prescritivos'; a enfase no contraste estruturalmente secundano- entre e 'preferencia' confunde

mo-mentos

de analise de urn sislema com

propriedades

concretas globais abso-lutamente distintivas. A possibilidade de uma matrimonial de terminologias 'nao-prescritivas'

e

uma das teses que defenderei aqui. Os modelos de prescritiva' sao, a1em de "demasiado holisticos"

5. A analise das tUminologias em tennos de suas funcoes DC interior de sistemas de

nio exclui o\tviamente sua auxiliar por regras de equivaJencia; tampouco

exclui a elucidacio de suas correlacoes com outras dimensOes de organizacoes sociais

especificas: ret.acOes de producao. arranjos resideociais. cicio de desenvolvimento dos

grupos domesticos. afiliacao a grupos. ideologias etc. Mas. entre a expJicacao das termino· logias por principios taxonOmicos socioiogicamente vanos (0 que lOma a

trivial) e sua interpretar;ao em termos culturalmente particularistas (0 que lOrna a compa-racaa impossivel) - entre '''113 extensio e uma compr:eenslo igualmenre excessivas. diga-mos -, deve haver espaco para uma analise onde fonna e significacao. 16gica e sociolo-gia. sejam apreendidas em suas implica¢es rnuruas.

(4)

.. ... ;,, • -:->k'. ",.,

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

(Scheffler [1971: 253

J.

evocando Schneider [1965)), demasiado simplislas, urn defeito alias tambem presente no formalismo de Scheffler: em ambos os

casos, ou se acha uma relayao imediaca entre 'regra de casamento' e

termi-nologia, ou so nega

qua/quer

conexiio entre nomenclatura de parentesco e estrUturas de Mas as entre terminologia e alian<;a cena-mente niio se limitam aos casos 6bvios de ocorrencia de

'spouse-equation

rules "

Dravidiano, iroques, kariera

Como niio se trata aqui de fazer uma hist6ria exaustiva da classifica<;iio dos sistemas de fusao bifurcada isogeracional6, tomemos convencionalmen-te como ponto-zero a assimila<;iio feita por Murdock (1949), sob 0 r6tulo de "dakota-iroques", dos tipos hoje conhecidos como 'iroques', 'dravidiano' e 'Ja.riera'. Urn celebre artlgo de Lounsbury ([1964] 1969: 210-11 n.4) foi 0 responsavel pela primeira grande separa<;iio, ao distinguir os tipos iroques e dravidiano em fun<;iio de seus respectivos ciilculos de cruzamento. 0 autor chegava a esta decisao ao cabo de uma critica

a

"visao classica mas equivo-cada" que associava 0 "sistema de parentesco de tipo iroques"

a

presen<;a de grupos unilineares como metades ou cla.. Ap6s demonstrar que tal nao era 0 casc, ele observava que

Exisrem efetivamente. sistemas que classificam os parentes [kin-types} da maneira que se imaginava ser a do tipo iroques. Tratam-se dos sistemas de ripo "dravidia-no'. E interessante notar que eles niio dependem em geral de critirios de

a ells ou metades, mas de urn modo de que. ao conttirio do modo iroques. leva em conta 0 sexo de todos os parentes de ligal;io. Os sislemas dra"j-diano e iroques I ... ] estao baseados ern principios de cilcul0 muilO diferentes. e derivam de estrururas sociais fundamentalmentediversas I: 211).

6. Estarei portanto deixando de fora da discussao os sistemas de tipo ·cro\\'--<>nkIha'. que combinam a fusao bifurcada e a obliqua (skewing); para uma

siSlemas aniloga

a

presente. ver Viveiros de Castro 1990 e J993b.

14

J

AMBOS OS

Yo-se aqui 0 problema implicilo: os Seneca (Iroquescsl, que podcm l<:r

tido metades e certamente tinham

clas.

usavam uma terminologia <transver-sal' a esta morfologia. classificando com os mesmos termos parcntcs

situa-dos em cia. ou metades diferentes; os sistemas de tipo dravidiano, embora apresentando urn caJculo de cruzamento (supostamente) isomorfo a uma algebra de inclusao em classes recrutadas por unifilia<;iio, nao es!lio "em geral" associados com destes tipo. Lounsbury nao se aventura a dizer de que estrutura social 0 tipo dravidiano "derivaria"7

As nomenclaturas de fusao bifurcada foram associadas a unilineares e ao casamento de primos cruzados desde Fison e Tylor, no seculo passado. No caso da india, a conexiio entre vocabularios dravidianos e regras de casamento de primos data pelo menos de Rivers, e e aceita ate hoje pela maioria dos antrop610gos; mas muitos 1igaram esse tipo terminol6-gico a metades exogamicas ou a sistemas de dupla descendencia. No perio-do classico da teoria perio-do parentesco, a similaridade entre os sistemas dravi-dianos e austraJianos (0 dito 'kariera' em particular) foi repetidarnente afirmada: Radcliffe-Brown (1953) definiu urn tipo

"Australian-Dravidian",

indicando 0 casamento com primos cruzados bila!erais e a ausencia de termas especificos para os afIDS como caracreristicas deste tipo; Uvi-Strauss ([1949] 1967: 114-15) sublinhou iguaJmente a "harmonia perfeita" entre as tenninologias classificat6rias scm termos distinlos para afms, 0

casamento de primos cruzados e as

7. Com base em argumentos virtual mente ideDticos aos de Lounsbu-ry. a rese de doutorado de

Gertrude Dole (1957: 164-<55, 178-791ople a "bijuralte merging kinship nonumdatu,,'

(esquema iroques) 80 tipo que cbama. seguindo Hocan. de -cross-cousin

nomenclature-(dnvidiano). Dole agradece a Roben Carneiro por)be baYer chamado a atencao para essa diferenca. Nao sei se Dole e Carneiro coobeciam 0 umaIbode Lounsbw: .... que, publicado apenas em 1964, teve sua primeira veISio apresentada oraImemc em 1956. Sobre 0 'recal-que' da diferenya dravidiano/iroquesem Morgan. verTrammann 1987.

8. Apoiando-sc. contudo, em uma de Rivers.. squndo a qual ba\'eria na Melane-sia uma distribuU;io complemc::ntar entte casamento de primos e sistemas de metades. Uvi-Slrauss introduz conhecida distir.;io entre 0 "mC:Iodo de rela¢es- e 0 -metodo de classes". 0 casamento de primos cruzados bilaterais

c

dc:finido em us Srructllres elimen-!aires de la parente como urn "procedimcnto ... ou uma "'"tendCncia" local. em conttaste com a "f6flIlula global" das organiz.:acOes dualistas (1967: 118-19). Esta sO ganbari urn valor estrategico com Dumont. pois para LCvi-Suauss as solul;Oes local e global sio intercambiiveis, visro codificarr.m 0 mesmo principia de troca restrita - e

e

iSIO que autorizaria a concentral;ao de Les Struaura III. "ptteisio e niridez" (: 528) das

(5)

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

que os padroes australiano e dravidiano eram identicos parece tef side consensual ate 0 final dos anos sessenta9, quando Dumon! propiie a segunda grande clivagem.

Foi Dumont (11953, 1957] 1975), como se sabe, quem dissociou 0 conceito de sistema dravidiano da de 'descendencia', ao definir a alian93 de casamento, principio eslruturanle das tenninologias desle tipo, como independente de quaisquer configura,oes unilineares particulares, sendo meramente infletida por eslas (quando existem) no plano de sua empirica elou nonnativa. As an3.Iises de N. Yalman (1962, 1967) dos sistemas cognati cos do Sri Lanka complelaram esle trabalho de Mas foi urn anigo posterior de Dumont ([1970]1975) que, retomando urn antigo debate com Radcliffe-Brown, consagrou a diferen"a entre a "f6nnula local" indiana e a "fonnula global" australianalO.

A questio aqui dizia respeito

a

associa.9ao entre 0 sistema dravidiano e

organiza,oes dualistas ou esquemas de dupla exogamia unilinear. Desenvol-vendo uma de 1953 (1975: 97 n. 5), Dumont argumentava que as terminologias dravidiana e

kariera

se assemelham no exprimirem ambas uma de intercasamento, mas diferem

na

classifica,ao. dos parentes em G±2: a do contraste nestes itiveis, no

caso

dravidiano, revelaria

urn

tempo geracionaJ linear e uma visiio egocen-trada da alian93, ao passo que a do contraste e a auto-reciproci-dade dos tennos de G ±2, no

caso kariera,

exprimiria uma circu-lar do tempo e uma de intercasamento sociocentrica, coletiva, enlre as 'metades' terminologicas.

Onze anos depois, entretanto, no magistral Dravidian Kinship,

Trautmann iria retomar iI. fusao de Radcliffe-Brown, acrescentando-Ihe a de Lounsbury: dravidiano

+

kariera versus iroques. Entendendo que as teI1llin,ologtaS dravidianas [D) e iroquesas [I] "sao de tipos funda-mental mente diferentes" (1981: 88), Trautmann explica tal difereD93 pela presen93 (D) ou ausencia (I) de uma regra de casamento de primos dos, que se manifestaria na diferen93 entre os respectivos c31culos de

cruza-classes matrimoniais australianas .

9. Vcr por exemplo 0 manual de Buchler & Selby (1968: 238). onde 0 cruzamento dravidiano t ilustrado por "dois sistemas de tipo dnlvidiano: kariera e njamal-.

10. Esta foi generalizada pelo autor (Dumont 1971) em sua critica a

us

Struaures elimenIaires de /a parmti.

16

AMBOS OS TRl?S

mento e na prcsenc;a (I) OU ausencia (D) de uma tcrminologia scparada de afinidadc. POT outro lado, a c1assifica<;:ao dos parcnlcs paralclos/cruzados

dos sistemas kariera seria identica ados dravidianos (ibid.). estando. como neste caso, associada a uma regra de casamento de primos e it auseocia de tennos separados de afinidade.

o

golpe etnografico decisivo contra a tese de Dumont viria da analise das terminologias de alguns povos dravidianos da india Central. Trautmann propOe urn "dravidiano modelo B" para elas que, diferentemente do -mo-delo A" sul-indiano tornado por Dumont como paradigma, exibe a mcsma

'kariera' em G±2 (FF

+

MM I oSCh

+

'i'DCh como 'parale-los', MF

+

FM I oDCh

+

'i'SCh como 'cruzados') elegida pelo indologis-ta france') como crucial para a entre os dais. tipos. Trautmann apresenta a terminologia dos Kariera no apendice de Dravidian Kin.ship,

concluindo que eIa

e

identica ao seu "'modelo B"; acrescenta que as classes matrimoniais australianas poderiam seT vistas como transformacOes sociq-centricas de supercategorias presentes em certos sistemas centro-indianos (: 237,434-37). Com isto 0 'local' e 0 'global' se juntam novamente, apesar de Dumont II.

" :",

Nlio hoi duvida que a terminologia dos Kariera registrada por Radcliffe-Brown em 1913 - usada por Dumont e Trautmann em suas compara,Oes _ e estruturalmemte homologa ao 'dravidiano-B'. A questao, contudo.

e

a seguinte: esta tenninologia e urn exemplo do tipo geral usualmente chamado

de

" j ' .

11. Emt>ora nao chegue a dize-Io explicitamente, Trautmann parece conceber 0 sistema

proto-dravidiano como possuindo a em G±2 (198J: 232. 235-37). 0 -modeio B- de Dravidian Kinship seria por assim dizer mais 16gico que a variante tamil (-modelo A -).

por estender 0 contraste fundamental a rodas as Analogamente. Trautmann & Barnes «19961) consideram a variante 3 do esquema iroques como mais coerente que a variante 'classica' 1. pois assimila os primos cruzados a germanos nao apenas como p<:Iren. res de ligacao. mas como parentes designados. Desta forma, os autores sugerem urn dlsran-ciamento maximo entre os tipos dravidiano (cuja versio forte seria 0 mcddo B) e iroques

(cuja versao forte seria a variante 3). e urn distanciamemo minim(, emre dr.l"Khano e

kanera.

(6)

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO Dravldiano e australiano

Ao analisar 0 vocabulario kariera. Dumont notava que "irmao e inna designam como

ngaraia

[oZD= pessoas situadas em duas metades diferentes" ([1970] 1975: 105). Em outras palavras, a nepotica desta terminologia

e

idenrica

a

dravidiana

(e, quanto a isto, li. iroquesa): os conjuntos reciprocos em G± 1 sao F

+

M I Ch e MB

+

FZ I oZCh

+

Isto faz 0 dualismo terminologico dos Kariera, como 0 dravidiano, nao-isomorfQ a qualquer \ipo de dualismo sociocentrico exogamico (isto

e,

que classifique

I-l

e W em metades opostas)t2. Mas como Dumont perse-guia 0 contraste entre dravidiano e kariera, teve que se concentrar em, e se contentar com, diferenc;a nas classifica96es em G ±2 que as pesqui-sas posteriores na india mostrararn nao ter valor diagnostico. Por isso, sua conclusao sobre a terminolog,ia kariera

e

a1go decepcionante, visto ter de admitir que a correspondencia entre terminologia e socioJogia

e

meramente anaIogica:

Esta dicotoPlia, evidentemenrc, em alguma medida.

a

dicotomia da

sociedade Cat nio que os circulos terminologicos correspondam cada

um a uma [ ... ] mas no sentido de que a sociedade, de Urn

Iado, e a tenninola,ia. de outro·, operam ambas uma dicotomia do corpo social em sua totalida.d.Q. e que 0 vinculo entre as duas panes

e

0 mesmo nos dais casos:

o intercasame.1O [(1970) t975: 109).

Naquele mesmo ano, contudo, W. Shapiro pubJicava urn artigo onde comparava, sob 0 rotulo geral de "sistemas de duas uma termino-Jogia amerindia de tipo dravidiano - a dos Beaver do Canada (Ridington

1969) - com as terminologias australianas. Ele notava que as categorias 'filho' e'filha', no caso australiano, MO eram as mesmas para urn homem e para sua esposa: "Esta, de fato,

e

uma das caracteristicas distintivas de quase tadas as terminologias australianas conhecidas - marido e mulher nUDca usam 0 mesmo termo para designar urn outro individuo qualquer. Irmao e irma, em troca, usualmente 0 fazem" (Shapiro 1970: 384).

12. 0 mesmo ponto fai observado por Goodenough (1970: 133): "Os rermos para 'filho' e

'filha'. que sao os mesmos para Ego masculino e feminino. attavessam as divis6es de

metade au 18

,

I

Ii

1

AMBOS OS TRES

o

autor

da

como cxcmplo uma tcrminoiogia da Terra de Arnhem. De fato, embora fale de 'Kariera' e se refira a Radcliffe-Brown. Shapiro nao discute 0 vocabulario desta sociedade; em uma publica<;lio posterior (1979: 48-50), entr"tanto, ele distinguini a dos Kariera (F

+

M I Ch, etc.) do padrao australiano comum. De qualquer modo, em seu anigo de 1970 Shapiro declara que as diferenc;as entre os tipos australiano e dravidia-no em G±2 seriam "sociologicamente triviais"; a divergencia crucial estaria em G± I, como ressalta nos dois esquemas que ele apresenta, com apenas as

!res

geracQes centrais:

F FZ M MB

BS BD ZD ZS

F M FZ MB

B Z MBSIFZS

s

.D oZD/2BD oZS/2BS

Figura

1.

Australiano e Dravidiano segundo Shapiro

o

aUlor cpama as doas colunas da esquerda de cada diagrama de

"lineal section",

e as da direita de

"affinal section".

Notando que, se 0 esquema "kariera" pode ser visto como duas patri-seqiiencias, a terminolo-gia dos Beaver "carece de qualquer estrutura linear" , ele conclui:

Diferentemenre do sistema kariera, no qual as calegorias de pais e sogms [parents and parents in-law] e de fdhos e c60juges de filbos [chiltren and children-In-law] estio divididas equitaIivamente entre as secOes" 0 sistema beaver coloca as

carego-rias de pais e filhos em uma e as categoriasafms [in-law] na outra { ... } Em suma, a oposicio entre as deste ultimo sistema e de tir" 'iineares'/afins

(7)

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

Jimplicilef. all qUI! t!Slli no caso kariaa

c

'diluida' por um demc:n-lO de 11970: 3861.

Shapiro sugere que a maioria de, Use nao todos" , os sistemas de duas

se90es fora da Australia exibe uma estrutura semelhante

a

dos Beaver, e que

o isomorfismo entre organiza,6es dualistas e terminologias de 'duas se,6es' s6 se verifica no tipo australiano.

Esm

claro que 0 contraste entre os dois esquemas acima op5e uma terminologia estruturada pelo par consangiiinidade/afinidade (dravidiano) e outra por urn principio diferente (australiano). Os termos "lineal" e

"affinal" sao inadequados: apenas 0 esquema austraJiano admite 0 rotulo

"linea/" para uma de suas 'se;:<ies', visto que 0 esquema dravidiano "carece

de qualquer estrutura linear". Por outro lado, a terminologia austraJiana nao parece admitir 0 rotulo "affinal" para a se;:ao oposta - pelo menos nao no mesmo sentido que 0 tipo dravidiano. E a nO;:3o de 'se;:ao' nao pode se aplicar do mesmo modo aos dois tipos: a terminologia dravidiana e inconsis-.. tente com metades elou sua subdivisao em

se;:oes;

ela nao mostra nem duas

'linhas' nem duas sens conjuntos reciprocos alestam que F e M slio parentes do mesnw tipo, opostos, como paraJelos ou consangiiineos, a MB e FZ, ambos cruzados ou afins 13.

A ohserva;:3o de Shapiro segundo a qual "quase todas as terminologias austraJianas conhecidas usam uma classifica;:3o nepOtica diferente" - F(B)

+

FZ I BCh; MB

+

M(Z) I ZCh - pode ser confirmada por uma consulta

a Australian Kin Classification (Scheffler 1978)14. Achamos estes

conjun-13. Os sistemas dravidianos nao mostram duas 'linhas' sequer no sentido puramente fonnal de

"'descent line" adotado por Radcliffe-Brown (Scheffler 1978: 43-51). Se as lines",

como Leach ([1951] 1%1: 51) observou. "sao meramerue urn rlispositivo diagramarico

para se dispor as categorias do sistema de parentesco em a urn individuo central { ... J 0 numero de linhas de descendencia btsicas ern urn diagrama deste tipo depende mcramente de quanros tip<.>s diferentes de parentes sao reconhecidos na gera-;io dos avos", entia 0 dravidiano modelo A scria urn ·one·line system', pois de 56 reconhece urn tipo de parente (por sexo) em G + 2.

14. Os tennos para G·l no esquema australiano sao independentesdo sexo de Ego: o(B)Ch

=

9BCh #- aZCh

=

9(Z)Ch. Estarei doravante usando, exceto quando explicita.mente indi-car 0 contririo, 0 simbolo 'F' de modo a incluir as de F e FB, e igualmerue 'M' para M e MZ - assume-Sf aqui a regra de identificacao estnJturaJ entre germanos de mesmo sexo. caracteristica dos modelos 'elementares' de parentesco {Lorrain 1975:

127-20

1

,

l

AMBOS OS TRES

tOS reciprocos em sete dos oito grandes tipos terminologicos analisados no livro: "kariera" (Scheffler usa 0 esquema dos Mari'ngar como exemplo). nyulnyul, karadjeri, arahana, mumgin, walhiri, ngarinyinl5

A exce;:ao it c1assifica;:3o normal em G± l e o tipo chamado "pitjanjara" por Scheffler (e de "aluridja" por Elkin), difundido no Deserto Ocidental. Trata-se de uma terminologia iroquesa com assimila;:3o dos pri-mos cruzados de primeiro grau a germanos (semelhante portanlO it 'variante 3 do cruzamento de tipo B' de Trautmann & Barnes [1996])16. 0 cruza-mento e c1aramente de tipo iroques: "os primos paraJelos e cruzados do pai saO c1assificados como 'pai' e 'irma. do pai'; e os primos paraJelos e cruza-dos da mae sao classificacruza-dos como 'mae' e 'irrniio da mae'" (I978: 88). A classifica;:ao em G±2 e de tipo dravidiano-A ou iroques: FF

=

MF, MM

=

FM, etc. A terminologia nepotica mostra F

+

M I Ch e MB

+

FZ I oZCh

+

2BCh. Mas a distin;:3o paralelo/cruzado pode desaparecer em G-1, com todos os parentes sendo ali assimilados a 'Ch'; a mesma distin;:3o pode se neutralizar em G+ 1, mas apenas para os 'irmlios' distantes de M e as 'irmlis' distantes do F, designados como 'F' e 'M'17. Isto se aproxima

29; Tjon Sie Fat 1990: 40). A entre os conjuntos reciprocos dravidiano e austra-liano em G±1 pode ser visualizada nos esquemas abaixo, onde 'a' e 'b' represeDtarn os tennos usados pelos membros da ascendente para os da descendente:

ro

1'- /1

!X?

o

0

1'-. /1

Dravidiano/lroques Australiano

15. 0 autor Dio discute 0 problema posto pelos Kariera 'etnograftcos' no que respeita

a

classi·

nep6tica, decisio curiosa se se recordar que cIe ja havia enfatizado (Scheffler

1971: 233) a irnpossibilidade de se explicar as tenninologias dravidianas pela "moiety or IWO-uaion system hypothesis . ..

16. Esta variante

e

muito cornum nos sistemas amerindios: ua America do Norte ja foi chama-da de"'tipo cheyenne", e na America do Sui, algo irnpropriamentc., de -ripo tupj".

17, Baseado neste Scheffler prop6e duas supett:lasses em G+l: "PAl" (F + MB) e

"MAE- (M + FZ). ISlO poderia sugerir 0 terceiro tipo possivel de tenninologia nepfltica simetrica com apenas duas categorias (ver Trautmann 1981: 176-77 para os trcS casos):

LO

L .!

o

0

(8)

r

! EDUARDO VIVEIROS DE C ASTRQ

da 'variante 4 do cruzamento B' de Trautmann & Barnes, com seu perfil 'havaiano' rnais pronunciadol8 Todos os primos de primeiro e segundo gran, assimilados a gennanos,

sao

matrimomalmente interditos; primos alem destes graus podem receber urna designac;ao especifica,

waljira,

e sao considerados desposaveis. Embora estes parentes sejarn definidos como filhos de 'MB' e 'FZ' distantes·, Scheffler consigna uma informac;ao segun-do a qual

qualquer

primo distante seria urn

warjira,

nao imponando 0 esta-tuto de cruzamento de seus pais em relac;ao a Ego. Em suma: a tenninolo-gia de primos

e

'iroquesa variante 3', mas apenas para primos pr6ximos; para os primos distantes encontrarnos, ou a identificac;ao classica entre 'pri-mo cruzado de sexo oposto' e 'cOnjuge', ou a assimilac;lio de lados os pri-mos distantes, 'paraJelos' ou 'cruzados', a parceiros rnatrimoniais, 0 que

invene a situac;lio prevalecente para os primos proximos, assimilados todos a germanos. Ve-se como 0 parfunetro da distiincia

e

fundamental em ambos

os casos.

A excec;lio pitjanjara tern vanas anaJogias com casos sul-arnericanos, como veremos. Por ora, observe-se que ela fecha 0 triiingulo tipol6gico na Austcilia: se a tenninologia dos Kariera e na verdade 'dravidiana', 0 tipo pitjanjara e 'iroquCs', enquanto todos os dernais l!Dalisados por Scheffler sao varia¢es do padriio

are

agora charnado 'kariera', e que deveria obviarnente ser melbor charnado de 'australiano'. 0 tipo dravidiano (modelo B) pode ser identico

a

tenninologia dos Kariera, mas esta nao e identica ao tipo 'austra-liano normal'. Ou seja: Dumont escolheu 0 exemplo errado para sua tese, e

Trautmann urn exemplo nao-exemplar para a sua.

o

tipo terminologico australiano basico

e

efetivarnente consistente com (0 que nao quer dizer implicado ou causado por) urna (ou quadri-panic;ao) sociocentrica. Concor<lo com os argumentns que sustentarn serem

Aqui os conjuntos reciprocos seriam: F + MB J deb + dZCh, e M + FZ I 2Ch +

2BCh. Este ndo

e

exatamentc 0 caso pitjanjara, onde. como

ja

observei, F e M usam 0 mesmo tenno para Ch (MB e FZ usam em comum um outro tenno para 1; ou .. d'ZCh = 2BCb". au simplestnente "Ch"). Mas este poderia ser 0 case de uma tcrminologia

'ha-vaiana' em que 0 sexo absoluro do falanre distinguisse os tennos para Alter em 0-1. 18. Scheffler (: 113·18) compara os tipos pitjanjara e iroques, mas conclui que as semelhanc;:as

sao superficiais, pois. como 0 segundo possui caregorias especificas para os primos cruza· dos. ali MB e FZ nao seriam subclasses de "F" e M". Considerando·se. entretanto, a "variante 3" do tipo iroques indicada por Trautmann & Barnes. parece·me que a seme· lhanc;a entre os ripos

e

pe:rfeitamenre admissivel.

22

II

I

Ii

!,

:',.

!l

" f

"

if

t

}>

l

AMBOS OS TREs

as terminologias de parentesco necessariamente egocentricas (Trautmann 1981: 75-76) - 0 que nao significa que elas nao possarn trazer marcas de

ordenamentos institucionais sociocentricos - . e acho verossimiI a tese de que os sistemas de sao de superclasses terminol6gicas (Scheffler 1978: cap. 12). Mas tais reificac;5es supCiem que a tenninologia seja organizada segundo principios formaimente equivaleotes a urn c31culo sociocentrico de 'classes' matrimoniais (0 que mesmo Scheffler tern que admitir - : 473). As classificac;5es do dravidianato, em troca, exprimem urn 'metodo das rela¢es' irredutivel ao 'metodo das classes'.

Criticando uma afirmac;lio de Ridington sobre 0 sistema beaver, Shapiro observava:

Ele {R.] afinna que "os conjuges dos parentes cruzados de urn individuo devem estar na categoria dos parentes paralelos deste indivfduo. e Os c6njuges dos paren· tes paralelos na categoria dos cruzados." Mas. em vista do que precede, iSlO nao pode ser verdadeiro. pois a esposa de um 'MB' (que

e

um parente cruzado)

e

presumivelmente uma 'FZ' (tambem cruzada), e a esposa de urn 'F' (paraleJo)

e

presumivelmente uma OM' (tambim paralela). Esta passagem indica ademais uma confusiO. cia parte de RidingfOn, entre a 16gica da social beaver e a 16gica kariera - confusio que, como obServei, perpassa boa parte da Jdemura

sobre os sistemas de duas [1970: 385-86].

Este ponto tarnbem foi marcado por Trautmann para 0 dravidianato

indiano:

IA] classificac;:ao de cruzame!!to feita poT parentes de geta¢es adjacenaes Dio

e

coordenada. Isto

e,

diante dos mesmo parentes, Ego distingue paralelos de cruza· dos de urn modo que diverge sistematicamente das discriminac;:6es feitas por seu pai, sua mae, e por qu?'quer outro membro da deles. Da perspecti\'3 de

seu pai, i>Or exemplo, a mae de Ego, bern como as innis e irmaos dcsta. sao

todos puentes cruzados, 80 passo que, para Ego, sua mae e as innis desta

. parentes paralelos, mas 0$ irmios de sua mie

sao

cruzados. Esta ausCncia de fronteir2S isom6rficas de cruzaIDento entre puentes de gerac;:Oes sucessivas mostra que 0 cruzamenfO nio e, em si, uma questio de descendcnciaunilinear [1981: 47· 48].

o

dlculo calegorial dravidiano, ponanto, naO e transgeracionalmente coorrlenado. Isto se traduz em uma algebra de cruzamento relativamente complexa: as regras 2, 4, 6, 8B e 9B de Trautmann (1981: 179-85,190-93)

(9)

.,!i

EDL'ARDO VIVEIROS DE CASTRO

exprimem esta propriedade. 0 caJculo por 'adi.ao mooulo-2' caracteristico de GO - consangOineo de afim e afim, afim de afim e consangOineo, etc. (a regra I de Trautmann) - nao pode se aplicar sem restri.ao geracional e

sexual. 0 metoda 'australiano' de cruzamemo, em troea, e simples:

e

0 conhecido cilculo de Kay (1965, 1967), que 0 imputou erronearnente aos

sistemas dravidianos. Tal cilculo (no qual qualquer par BIZ tern 0 mesmo jndice de cruzamento) s6 prediz corretamente as em contextos

unilineares. ou antes. s6 permite predizer se urn Alter

e

'mesmo' ou 'outro'

que Ego, conforme sua inclusao real ou formal em categorias sociocentricas - mais precisamente, em metades exogiimicas (Tyler 1966). Mas, como observou Trautmann, este nao e 0 caso do esquema dravidiano. A aJgebra de Kay s6 coincide com 0 caJculo dravidiano quando Ego e Alter estao n. mesma gera.ao, coincidindo com 0 australiano sem desse genero.

o

problema e que as (ou metades) australianas nao op6em 'paralelos'

a 'cruzados'. au 'consangiiineos' a 'arms'; 0 contraste F

+

FZ versus M

+

MB nao e interpreravel por estes pares conceiruais, mas quando muito em termos da oposi.ao· que os sistemas dravidianos ni!o

usam,

aquela entre

'metades'ou

materna.

Isto me leva a concluir que 0

meto-do de Kay nao concerne a no.ao de

cniZamento,

mantendo no maximo uma rela.ao· extrinseca com esse conceitol9,

o

cilculo de Kay e assumido diretamente em urn conhecido anigo de Kronenfeld (1989). Ali, 0 autor diz que "[a]s categorias de cruzado e para-lelo sao baseadas na descendenda" e acrescenta que "[0] sistema dravidia-no produz categorias que sao transgeradonaimenIe consisremes e que sao

consisremes com uma afilia,iio a merades· (1989: 87, 88). Como vimos, os

19. Tome-se por exempJo 0 kin-type oFFZSDD: esta seria uma parenta paraJela pelo dJculo dravldiano (seria uma "D"). e uma parenta cruzada pdo dlculo iroques (uma

indepcndenremente de qualquer regra de descenclencia; peW. metodo de Kay. eta seria 'cruzad!' em urn contexto matrilinear, e 'parateta' em urn conb:xto patrilinear. Em urna terminologia australiana nonnaI. esta parenta seria, como no esquema dravidiano, uma 'filha': se tivermos metades patrilineares, ela penencera

a

metade de Ego, e

a

metade oposta em caso de matrilinearidade. Mas isto nada tem a ver com paralelismo e cruzamen· W. e sim com 0 confraSll! 'mesma merade I metadeoposta'. Obser\'e-se. de passagem. que

(IS sistemas de quatm secoes australianos sao independentes da presenca de metades

(Scheffler ]978: 434, 446): a dos parenles em cada sec;ao e ponanto os con· juntos redprocos sao exatamenre os mesmos se tivermos metades pamlineares,

matrilinea-res. ou nenhuma metade: apenas a 'alinhamento' das consecuu\'as mudaria.

24

:

;

':;' OJ

l

:1' ;', ..

,

AMBOS OS TRios

predicados por mim grifados nao sao exatos; sua reitera<;ao em urn trabalho laO recente atesta a persislcncia do da descendencia subjacenle" (Dumont 11966]1975) na analise do dravidianatifo.

Enquadrando as categorias

As ao arranjo F

+

M versus MB

+

FZ proposto por Dumont para as terminologias dravidianas se fizeram sentir muito cedo. K. Gough (1959: 202; 1966: 334-35), por exemplo, sugeriu substituir a oposi.ao "consangUineos/afms" por "parentes lineares ou pseudo-Iineares" versus .. afins", argumentando que a dicotomia "esti sempre relacionada a grupos unilineares·, e classificou a irma do pai juntO com 0 pai. Keesing (1975:

107-09) perpetuou a confusao entre uma leitura dumontiana e uma de tipo 'duas se¢es' ou 'Iinearista'. Assim, apOs notar que 0 lipo dravidiano "esta freqiientemenle associado a metades exogiimicas" (0 que e empiricamente falso), ele opOe os contrastes "parentes/afins" ("kin/affine") e "paralelosl cluzados", dizendo que nos sistemas dravidianos a M seria paralela e 'afim', ao passo que a FZ seria cruzada e "kin" (em uma situa.ao patrili-near); mas logo em seguida ele apresenta urn diagrarna genealogico (: 109 fig. 30) onde M e MFBD sao indicadas como "cruzadas", e MFZD como "paralela" .. 21

20. Kronenfeld (: ]01 n.5) descarta-se das de Scheffler (1971: 233)

a

derivacao das terrninologias dravidianas a partir da "moiety or twtrsection hypothesis" dizenda que. rnesmo can urn sistema de metadel>, "consideracoes de expediencia cognitiva" explicariam par que F e M classificam sua prole pelos mesmos temtOs: "[uma] terminologla pode ser 'consistente corn' [ ... ] urn sistema de metades [ ... ] sem ter que ser necessariamente sua replica exata. 0 genitor de sexo oposto (the cross sa parent] pode 'saber' que seus 'fi·

1hos' sao do gropo aposto (,outros·)." Mas tais considencoes de confarto cognitivo Ilia explicam por que ambos os germanos de sexa oposlO dos pais (MH, FZ) c1assificam pelo rnesmo tenno oS filbos de seus gennanos (oZCh, 9BCh). Acrescente-se que hli tenninolo-gias realmente 'consistentes com' urn sistema de metades, isto e, onde F e M nilo c:assifi-cam sua prole pelo mesmo tenno.

21. Os mal-entenclidos sabre a configuracao dravidiana mosttam uma acenruada tendencia

a

propagac;:ao. A famasa gafe te6rico--etnogrifica de Buchler & Selby (1968: 135). tao casti-gada par Needham (1971: c-ci), reaparece inc61ume em L 'Eurcice de la parente (Heritier

1981: 176), aumentada de uma imprecisio extra. Assim, de acorda com Heritier (que esci

(10)

I

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

Mesmo autores que dissociam a dravidiana de metades ou

de principios de descendencia invertem as posi¢es da M e da FZ nos dia-gramas, baseando-se em considera90es que chamariamos esteticas. Este e 0 caso de Good (1980, 1981; Barnard & Good 1984: 56) e Allen (1975, [1996]). Good chegou a situar F e FZ na categoria dos 'parale10s', M e MB na dos 'cruzados' (1981: 114), como na Figura abaixo (dou os kin-types 'marcadores' dos terrnos tami1 usados no original; as categorias de G±2 e as distin¢es de idade relativa em GO n30 sao reproduzidas):

F FZ M MB

B

z

MBDfFZD MBS/FZS

S D oZSl9BS

Figura

2.

Uma outra versiio

tUz

'caixa' dravidiana

(atkzptado de Good 1981: 114)

Esta solUl;ao que redne pares de germanos de cada lade do eixo cen-tral, esta menor no arranjo des parentes femininos" que su-postamente exprimiria melhor que os diagramas de tipo Dumont -Trautmann a rela9iio de (Good 1980: 479,483), termina por fazer do

cruza-mento uma propriedade transgeracionalrnente coordenada, e da uma rela9iio global e sociocentrica - 0 que MO parece adequado para 0 caso dravidiano22• Os diagramas de tipo Good-Allen violam a reciprocidade

falando dos casos indianos}, os sistemas dravidianos "associam rerminologia iroquesa e patriJinearidade f. .. J ao casamento pre!erendoJ com a prima cruz/1IitJ matrilateral" feu

grifol. Retifique-se: as tcnninologias dravidianas nao pertencem ao tipo iroques, como ja

vimos; elas nOo estio necessariamente associld.as

a

patrilinearidaJe (na India do SuI elas estio presentes em sociedades patrilineares ou matri.lineares. no Sri Lanka em sociedades

cognQticas); elas estio associadas ao casamento 'prescritivo' com primos cruzados bilate-rais, e com 'preferencias' ora matrilaterais. oraparrilaterais (cf. Dumont [1957) 1975. que

a autora aparentemente ignora).

22. Ver Cood 1980 (:479): "Embora defendendo a opiniio de que as terminologias de paren· tesco nao estao diretamente relacionadas com a estrubJra de grupos sociais. Dumont trata

26

.,,:,", -'I

:'.::'

,

,

i

.'"'"

• <

l

AMBOS OS TREs

tcrminol6gica, colocando os reciprocos em divis6es opostas; cles nao des-crevem correramente nem mesmo a c1assificac;ao australiana. Oll uma Situ3-9;;0 arbirrariamente 'patrilinear' - pOis nesre caso 'i'BCh deveriarn estar do mesmo lado que F

+

FZ e B

+

Z.

Ao discutir os diferentes arranjos da 'caixa' dravidiana. Allen ([1996]) observou judiciosamente que "a estrutura semmllica da rerminologia MO e uma fun9iio dos diagramas usados para evidencia-Ia" . Sem duvida; mas este nao e 0 ponto. 0 ponto e que os

diagraTrUlS devem ser

uma

funrtio

da

estru-lura semimtica da deixam de ser modelos e se tomam arranjos completamente arbitriirios. E 0 unico procedimento intrinseco para a determina9iio inicial de uma estrutura terminol6gica e 0 estabelecimento dos conjuntos reciprocos23•

Allen esta, e claro, cienre do problema. Seu artigo no volume Transformations of Kinship Systems ([19%]) e precisamenre uma tentativa de determinar a passagem 16gica (e historical entre configura90es 'australia-nas' e 'dravidia'australia-nas'. Ele proi:ura minimizar, mas MO consegue neutralizar, a que os dois esquemas exibem ern G±l, e termina obrigado a concluir que 'cruzarnento' quer dizer coisas diferentes

nas

gera¢es pares e impares, que e impossivel achar

"uma

categoria de G±l que seja intrinse-camente cruzadaft

, e mesmo que 0 cruzamento nao

e

"intnnseco ft

a

proto-estrutura tetnidica que propae.

Estas dificuldades derivarn aparenternente do fate de que ha uma efeti-va descontinuidade formal entre uma estrutura egocentrada, onde as oposi-90es nao sao transgeracionalmente coordenadas, e uma estrutura sociocentri-ca, onde 0 universe social

e

consistentemente dividido em duas ou rnais

'parentesco' e 'afinidade' como se fossem arributos de grupos, em lugar de simples modos egocentrados de Se nao fosse assim, como poderia ele descrever tais atribu· tos em termos de suas dimensOes diacronicas?" Mas na mesma pagina nosso autor argu.

menta em favor de seu proprio diagrama (onde F + FZ se opaem a M + MB etc.),

dizendo que estc exprimiria melhor que 0 de Dumont a dimensio diacronica da

-au seja, a propria .ideia que acabara de criticar.

23. Diga·se de passagem que 0 debate sobre a universalidade do "principio da unifonnidade dos reciprocos" nao tern qualquer peninencia para a presente questio.

E

curioso observar Que 0 exceJeme manual de Barnard & Good \1984: 49-53. 56) insisle com justic;:a no estabeiecimento dos conjuntos reciprocos. mas am continuo apresenta urn diagrama dra"j·

diano onde estes sao irnpavidamente vioiados_ VeT ainda Good (l980: 478), Que censura Dumont por tratar "os termos de parentesco separadamente de seus .

UFRGS

27

(11)

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

categorias. 0 contraste de Dumont entre as perspectivas local e global permanece, portanto, peninente - 0 que nao quer dizer que elas nao pos-sam estar presentes em urn mesmo sistema concreto.

Af"midade

Dumont nao deixou de contribuir para a do contraste australiano/dravidiano. Sua teoria da alian9a de casamento, ao definir 0 sentido primilrio da n0930 de afinidade (e ponanto de consangiiinidade) como se referindo a uma rela930 entre individuos do mesmo sexo (1975: 88-89, 50-52), pareceria estar sugerindo 'metades' unissexuais paralelas, consistentes com ambos os tipos terminol6gicos24 Se 0 tratarnento equiva-lente de Fe M como consangiiineos prova que "0 vocabulario [dravidiano] nao tern nada a ver com a descendencia unilinear" (1975: 144 n. h), a defini930 da alian9a como uma unissexual nao deixa de enfraquecer este argumento e de abrir a porta para a 'soIU930 global' australiana - que

e

igualmente, vale lembrar, uma f6rmula de intercasamento. Isto deixaria Dumont

iIpenas

com a suposta diferen93 em G±2 para garantir 0 contraste que perseguia.

Penso porem que 0 principio unissexual da alian9a de casamento foi, acima de tudo, 0 modo de Dumont resolver problemas suscitados por seu objeto etnogrMico: sociedades com uma nomenclatura perfeitamente 'bilate-ral', mas com grupos unilineares e unilocais e com preferencias unilaterais de casamento. Assim, 0 autor dizia dos Prarnalai Kallar, patrilineares e patrilocais: "A terminologia, aqui, leva a considerar a irma do pai como ja casada, e como mae de primos aliados. Entretanto, ela ao mesmo tempo permanece, em certa medida, uma parenta consangiiinea, ela nao

e

tao claramente { ... ] urn aliado como 0 irmao da mae" (1975: 54).

Entre os Kondaiyam Kottai Maravar, matrilineares e patrilocais,

e

0 tio materno "que se reveste do carater ambiguo que marcava a tia paterna entre os Pramalai Kallar. Aqui, ao contrario, a tia

e

que

e

0 aliado

princi-24. Essa inrerpretaCio. a meu ver ilus6ria. foi explorada amplamente por Homborg em suas

amilises dos sistemas de parentesco (1988. 1993).

28

"'I

j

"

\..;

I;

i

....

'c,,', ':; A

I

AMBOS OS

pa!.. .. · (: 55). ISlo

c:

no primciro caso, 0 par focal de aliados " F

+

MB: no segundo, M

+

FZ. Nao se deve enlretanto conduir, da idha de que a alian(a

e

uma re/a(ao entre afins de mesmo sexo, que ela so

e

"erdada par

consangii.fneos de mesmo sex:025. Os diagramas pelos quais Dumont con-trasta as situac;6es kal1ar c maravar mostram. ambos, Egos masculinos na

gera930 descendente (1975: 56). No caso maravar, a consangiiinidade inter-geracional conecta urn S a uma M, e ali "a tia

e

0 aliado principal" de seu BWS26: r---11..-'--,

() t

L

=

OJ

A I

1

Pramalai Kallar

• [b=l...-;,

..!I

-i

A

Kondayam Konai Maravar

Figura 3. Principais 1a(os de afinidade em dais sistemas dravidianos (Dumont 1975: 56)

Como 0 autor ja havia dito em 1953, ao glosar 0 'atomo de

parentes-co' em clave dravidiana patrilinear:

Ego e seu pai estao ligados poT um quo! aclui a e que proponho chamar de consangiiinidade".

E

preciso fazeT uma ressa!va relath'a ao sexo

[ ... J As duas gerac6es que se opeem no interior do gropo de consanguinidade sao uma de gennanos masculines e a geracao de seus filhos. sejam estes masculinos ou femininos. Em Oulros pa/Dvros. a sao, se

e

a contii-pio preliminar do distiJl.(oo consangiiinidade, noo rem com a distinrao de Rerap:io; eis of urn ponto aue se deve ter sempre em mente (1975: 93-94: eu grifoJ.

25. Comeri tal equivoco alhures (Viveiros de Casrro 1994: 185).

26. 0 que Dumont tern em menle aqui sao as diferentes preferencias unilaterais de casamenTO,

correlacionadas ao peso das insriruicoes unilineares: casamento matrilateral nos grupos patrilineares. patrilateral nos matrilineares, com modula9kS ligadas

a

regra de residencia .

o

MB

e

0 aliado principal no primeiro caso porque 0 F

e

°

consanguineo principal. sendo o parente que transmite a descendencia, 0 mesmo sucedendo com a FZ versus a (e nan.

note-se, FZH versus F) no segundo caso.

(12)

·ff

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO

Isro demonslra. a meu vcr, que Dumont nao reintroduz nenhum

princi-pio sociocentrico de descendencia na do conceito de de

casamento, contrariamente ao que YaIman e outros sustentaram. A

trans-missiio da tampouco sUpOe grupos ou categorias ligadas por unissexuais:

a

parte as inflexOes produzidas por unilineares

supervenientes, os filhos de

ambos

os sexos herdam as de alian9as de

Qmbos

os pais27 •

Note-se entretanto aquela curiosa cia FZ em uma patrilinear como uma parenta

consangiiinea

"em certa medida" (: 54). Esta confusiio entre os fenamenos muito diferentes que poderiamos chamar 'aparentamento' (ou 'consangfiinidade' e grupal' assola a literatura. Dumont, como acabamos de ver, nao esra livre dela, mesmo sendo quem mais a1ertou para a impropriedade de se reduzir 'paren-tesco' a 'consangiiinidade' (1971: 13-15), e quem mais insistiu no fato de que a consangiiinidade dravidiana "nao tern naturalmente nada a ver com grupos reais" (1975: 95)28.

o

contraste

dravidiano

entre 'consangfiinidade' e 'afmidade'

sensu

Dumont

e

urna

motrimonial

e

coJegorial

que niio envolve nenbuma 'cultural' de consangfiinidade como partilha de substfulcia, e muito menos sUpOe uma mutuamente exclusiva entre 'parentesco' e 'afinidade'. Urn parente como 0 MZH

e

tao consangilineo como 0 FB ou 0 F; 0 MB

e

tao afim como 0 FZH ou 0 WF. 0 contraste pertinente aqui

e

FB

=

MZH

versus

MB

=

FZH; nao se trata, portanto, de uma entre parentes 'consangfiineos', no sentido de parentes de na<;cen9a ou cognatos (ligados por uma serie de la90s de e/ou germanidade), e 'afins',

'in-laws'

e

'slep-kin'

(parentes ligados por rel"96es que incluem pelo menos urn conjugal) - pois neste caso FB e MB se oporiarn conjuntarnente a

27. 0 mesmo raciocinio se repere para a "matrilinear' M FZ: "0 gNpo de consangiiinidade que aparece aqui sera fonnado por uma de gennanos de sexo

feminino. as 'maes' (opostas a seus aliados de sao feminino), e da geracio de seus fithos, de ambos os sexos" (: 95; verdiagrama na p.96).

28. Ha ainda urn problema de traduc;io entre 0 frances e 0 ingles, sabre 0 qual Dumont insis-tiu (1971: 13-16), mas que contribuiu para perperuar. escrevendo -kin- nas versoes

ingle-sas de seus trabalhos, ondc 0 original frances tenia "consanguiJu"; note-5e que

"consanguinity"

e

palavra corrente no vocabulirio antropo16gico inglcs desde Morgan, e que autores como Trauunann usam nonnalmente ·consanguine- no sentido dumontianode "consanguin" . 30

I

i

"C:>, .;j;:

l., •.

A\1BOS

os

TREs

MZH c FZH, por excmplo. Pode scr 0 caso que idcologias iocois de ·,ubs· tancia' distingarn secundariamente FB de MZH (e F de FB), ou FBS de WZH, enquanto parentes designados, mas tais distin96es sao em principio neutraliuiveis no plano da estrutura terminol6gica e das regras de casamento (reciprocos identicos, equivalencia como parentes de etc.). A consangfiinidade/afinidade

lampouco

e

uma unifiliativa entre 'meu gropo' e 'outro grupo' - pois neste caso FB e FZ se oporiam conjun-tamente a MZ e MB.

Pade

ser 0 caso que ideologias unifiliativas compli-quem a Em uma dravidiana matrilinear, por exem-plo,

e

verossimil que 0 MB seja urn parente da categoria 'meu grupo' e 0 FB urn parente da categoria 'gropo aliado'; mas isto

nao

faz do primeiro urn 'consangiiineo' e do segundo urn 'afim'. Aqui, 0 MB

e

ao mesmo tem-po urn parente uterino

e urn afirn lerminol6gico

(MB

=

WF); 0 FB seria urn parente agmitico

e um consangiiineo

(FBS = MZS = B): a

termi-nol6gica consangiifneo/afim nao coincide com a sociologica

uteri-no/agml.tico. Em uma configura9ao dravidiana cogniitica, por Outro lado, FB e MB seriam

igualmeme

cognatos de Ego, sem prejuizo do primeiro ser urn consangiiineo, 0 segundo urn afim; urn MBS seria aqui ao mesmo tempo urn

anm

terminol6gico e urn parente proximo, enquanto nm WBWB cognatica-mente distante, por exemplo, seria urn 'irmiio' terminologico sem ser consi-derado urn 'parente de verdade' .

E

essencial que niio se ·confunda a dravidiana consangiiineol

afim com aquelas entre 'parente' e 'nao-parente'. e ou

'mesma metade' e 'metade oposta,29. Tal confusiio

e

perigosa precisamente porque 0 contraste consangiiineo/aflID

e

freqiientemente sobredeterminado pelas outras oposi96es, 0 que produz

tof96es

e tensiies e define linhas de instabilidade que canalizarn a deriva historica dos sistemas de parentesco (Tyler 1984). Embora sejam distintas, as oposi96eS em

29. Esta.

e

precisamente a confusao que subjaz a imagem dos sistemas de se9ks dos Pano feira por Homborg (1993). De modo mais geral, ela se encontra tamt>em em aulores como Leach ([1959] 1961) e Goody (f1956] 1969) quando estes interpretam, COntra 0 conceiro de

complememar" de Fortes. a unilinear cone 'meu grupo' e ',grupo do genitor por quem nio passa a des.::endencia· como sempre isomorfa a uma distinc;ao entre 'filia.;ao· (entendKla como fundando 0 'verdadeiro' parenresco) e 'afinidade·. Pelde ser que, em Trobriand, 0 pai. e entre os Lakher, a mae, sejarn considerados 'afins' de Ego, como quer Leach; mas esre certamente Ilio

e

0 case ern sistemaS. dravidianos. mesmo quando acoplados a morfologias unilineares.

(13)

,

VI\"EJROS DE CASTRO

quesffio possucm ccrlas hOll1ologias: ·consanguinco· cvoca urn conceito de 'mesmo', 'afim' urn conceito de 'outro'. Nos sistemas dravidianos acoplados a morfologias unilinearcs, aquelcs parentes determinados

simultaneamente como 'mesmos' (pel a regra de afilia<;ao grupal) e 'afins' (pela terminologia e regras de casamento) - a FZ em urn regime patrilinear, 0 MB em urn matrilinear -, ou como 'outros' e 'consangiiineos' (M na situa<;ao patri-, F na situa<;ao malri-) podem vir a ser vistos como 'ambiguos', como observou Dumont. Em ambientes cognaticos, por outro lado, a oposi<;ao entre afinidade e consangiiinidade podera ser fonemente sobredetenninada por urn gradiente de distfulcia geneal6gica e/ou residencial, ao ponto de introduzir distin,oes 'heterodoxas' do ponto de vista do esquema dravidiano cIassico (ver Viveiros de Castro 1993a, Silva 1995, e adiante).

Cruzamento

E

provavel que a oposi<;ao dravidiana entre consangiiinidade e afinida-de, e seu c3.iculo subjacente, s6 se exprimam de modo puro (simpliciler,

como diria Shapiro)

em

algumas poucas terminologias de referencia -

necessariamente indianas. alias - consideradas fora de seus contextos

insti-tucionais e pragmaticos. Refletindo melhor, entretanto, ve-se que esta pure-za urn tanto anificial ja contem uma mistura: a assimilafiio de 'consanguf-neo' e 'afim' a 'paralelo' e 'cruzado', conceitos que pressupoem um refe-rente genea16gico ultimo.

Heritier (1981: 175) observou que "para a1em da esfera dos primos de primeiro grau, hi criterio simples e universal que permita definir 0 cararer objetivamente paralelo ou cruzado de uma rela<;ao de consangiiinida-de" (ou de cogna<;ao, como seria melbor dizer). Isto e verdade; mas existe urn criterio "simples e universal" para detenninar se urn dado parente e

lemlinologicamente paralelo ou cruzado: sua equivalencia aos parentes

geneaiogicamente prim3rios, isto

e,

aqueles "objetivamente" paralelos ou cruzados. Eu argumentaria (com Taylor 1989, [1996]), entretanto, que este isornorfisrno entre a oposi<;ao categorial consangiiineo/afirn e a oposi<;ao

genea16gica paralelo/cruzado nao deve ser vista como exprimindo uma

identidade essencial, e normalivamente definidora do tipo dravidiano, mas

32

1

,

I

I

I

i AMBOS OS TRES

como urn caso-limite de uma rcia93.0 mais complcxa que pade ·dcrivar' em diversas scm que iSla signiHquc uma absolula autonomia entre os

dois pares conceituais.

Isto nos conduz it questao do conteudo primariamente afim das

catego-rias terminol6gicas que denotam parentes 'cruzados', tese sustentada por Dumont. Ha especialistas que discordam dele no plano etnografico (Tyler 1984: 93 n. 2); outros, confundindo cogna<;ao com consangiiinidade e dando

a este ultimo conceito uma substancialista 'emica'. afirmam que

os afins dravidianos sao 'consangiiineos' antes de serem 'afins' (Yalrnan, David, Caner). Por conta de tais maJ-entendidos, Good (1980: 481; 1981: 115) prefere definir a oposi,ao dravidiana como 'paralelo/cruzado', que Dumont havia rejeitado como genealogista e etnocentrica. Trautmann (1981: 173-ss.) tambem formula a questao em termos de paralelisrno e cruzamento, embora use os simbolos 'C[onsanguineo]' e 'A[fim]' em suas regras de equivalencia. Enquanto permanecemos no interior do marco etnografico classico, os meritos respectivos destas duas oposi¢es nao sao 6bvios; como Trautmann demonstra, 0 que caracteriza 0 cruzarnento dravidiano

e

precisa-mente a regra de casamento sobre a qual Dumont tanto insistiu. 0 problema surge alhures: hi outros tipos formais de cruzarnento que sao normalmente considerados como nada tendo a vcr com regimes de a1ian93 - este

e

justa-mente, alias, 0 caso do c3.iculo iroques. Tal independencia pareceria suge-rir, seja a primazia de jure da oposi<;ao parale\o/cruzado frente a oposi<;ji.o consangiiineo/afim, seja a absoluta heterogeneidade das formas de cruza-mento presentes nas diferentes variantes do tipo 'fusao bifurcada'.

Trautmann (1981: 173-75, 184) tern razao em dizer que a terminologia dravidiana enquanto tal nao autoriza a defini<;ao 'restrita' (unissexual) de afinidade implicada pelo conceito de 'alian93 de casamento', e que Dumont e obrigado

a

justifici-Io apelando para institui9Qes extra-terminol6gicas (as presta¢es matrimoniais, por exemplo). Mas note-se que 0 cilculo de cruza-mento proposto pelo autor de Dravidian Kinship, na medida que depende de

uma "cross cousin marriage rule", faz de uma rela<;ji.o de consangiiinidade

entre individuos de mesma gera<;ji.o e sexo oposto 0 equivalente de uma rela<;ao de afiDidade entre individuos de mesmo sexo e gera,ao (: 185). Apenas afms de mesmo sexo (e consangiiineos de sexo oposto) produzem afins Da gera<,:ao seguinte; afins - conjuges termino16gicos - de sexo oposto (e consangiiineos de mesmo sexo) produzem consangiiineos: a

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