O bom relacionamento entre a Contabilidade e o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas
(IRPJ) tem futuro? Se depender do Grupo Técnico (GT) Contábil, a resposta é sim. Constituído,
há pouco mais de um ano, pela Receita Federal (RFB), o GT tem a finalidade de evitar a
ocorrência de novas defasagens entre o tratamento contábil e o fiscal, quando da adoção
de novos métodos ou mudanças de critérios contábeis, o que pode ocorrer em função do
processo de convergência das normas brasileiras ao padrão International Financial Reporting
Standards (IFRS). Com o trabalho do GT, o fantasma do Regime Tributário de Transição (RTT)
não deve voltar a assombrar o mercado e os seus profissionais.
Por Maristela Girotto
O GT Contábil foi criado pela Portaria RFB n.º 1.805, de 14 de ou-tubro de 2014, e conta com repre-sentantes das entidades que com-põem o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), entre elas, o Con-selho Federal de Contabilidade.
O contexto que levou a Receita Federal a criar o GT contém uma sé-rie de fatos que envolvem a conta-bilidade e o IRPJ com base no lucro real. Essa história é recheada de atos normativos, que vão desde a Lei n.º
6.404/1976, Lei n.º 11.638/2007, Lei n.º 11.941/2009, Medida Provi-sória (MP) n.º 627/2013 até a Lei n.º 12.973/2014.
Na entrevista a seguir, a coorde-nadora-geral substituta de Tributa-ção da RFB, Claudia Lúcia Pimentel Martins da Silva, fala sobre várias questões dessa realidade meio con-turbada que envolveu o Fisco e a convergência das normas brasilei-ras ao padrão IFRS até as véspebrasilei-ras da criação do GT.
A representante do Conselho Federal de Contabilidade no CPC e no Grupo Técnico, Verônica Souto Maior – que foi vice-presidente Téc-nica do CFC de 2012 a 2015 –, for-nece a opinião do Conselho sobre a atuação do GT Contábil.
Ainda, o auditor-fiscal da Recei-ta Federal do Brasil (RFB) Paulo Edu-ardo Nunes Verçosa, que também participa do GT, faz uma interpreta-ção peculiar da história que antece-deu à constituição do Grupo.
ENTREVISTA
Claudia Pimentel,
Coordenadora-geral de
Tributação da Secretaria da
Receita Federal do Brasil
RBC – Partiu da Re-ceita Federal do Bra-sil a iniciativa da criação do Grupo de Trabalho (GT) Contá-bil – constituído por membros da Recei-ta Federal do Bra-sil (RFB) e represen-tantes das entidades que compõem o Co-mitê de Pronuncia-mentos Contábeis (CPC). Quais foram os motivos que leva-ram a RFB a propor a criação do GT? Claudia Pimentel – Sim, partiu da RFB a iniciativa da criação do GT Contábil, cujo objetivo é debater a compreensão das novas regras societá-rias, publicadas após a edição da Medida Provisória n.º 627, de 2013, ou seja, a partir do dia 12 de novem-bro de 2013. O mo-tivo que levou a essa proposição foi o vo-lume e a velocidade
das alterações das normas societá-rias. O Art. 58 da Lei n.º 12.973, de 2014, determina que a RFB faça um acompanhamento muito próximo das normas contábeis. Cabe enfati-zar que o GT Contábil, constituído pela RFB e pelos membros do CPC, não discute os reflexos tributários, mas unicamente societários. Os des-dobramentos tributários são debati-dos internamente na RFB. Assim, o GT tem a finalidade de acompanhar e analisar as modificações ou ado-ções de métodos e critérios contá-beis, por meio de atos administra-tivos emitidos com base em com-petência atribuída em lei comercial, que sejam posteriores a 12 de no-vembro de 2013, data da publicação da Medida Provisória n.º 627.
RBC – A sra. poderia fazer um re-trospecto do trabalho realizado até agora pelo GT? Quantas reu-niões foram realizadas? Quais do-cumentos já foram analisados e qual foi o tratamento dado a es-ses documentos?
Claudia Pimentel – Já foram
reali-zadas quatro reuniões do GT, ocorri-das em dezembro de 2014 e março, junho e outubro de 2015. Os docu-mentos analisados foram: Revisão de Interpretações Técnicas n.º 01; Revisão de Pronunciamentos Técni-cos n.º 03, n.º 04, n.º 05, n.º 06 e n.º 07; OCPC 07 e OCPC 08; ICPC 09 (R2), ICPC 19 e ICPC 20. O tra-tamento dado a esses documentos está previsto no Ato Declaratório Executivo Cosit n.º 20, de 2015.
RBC – Quando será a próxima reunião do GT e quais assuntos estão na pauta atual de dis-cussão?
Claudia Pimentel – A
próxima reunião será em março de 2016. En-tre os principais temas a serem debatidos estão o IFRS 15 (Contabilização de Receitas) e a minuta da Revisão CPC 09, com destaque para a possível alteração do CPC 02.
RBC – A Lei n.º 11.638, de 28 de dezembro de 2007, provocou o “di-vórcio” entre a Conta-bilidade e o Imposto de Renda Pessoa Jurí-dica com base no lu-cro real. Em 2009, veio a Lei n.º 11.941 e criou o Regime Tributário de Transição (RTT), que acabou durando qua-se qua-seis anos, até a edi-ção da Medida Provi-sória n.º 627, em 12 de novembro de 2013, convertida na Lei n.º 12.973/2014. Pode-se afirmar que, a partir de 2014, houve um novo “casamento” entre a Con-tabilidade e o IRPJ e que foi es-tabelecida a neutralidade entre a Contabilidade Tributária e a So-cietária?
Claudia Pimentel – Até 31 de
de-zembro de 2007, o IRPJ era apura-do a partir da escrituração elabo-rada com observância da legislação comercial e fiscal. O divórcio veio com a Lei n.º 11.941/2009, quando foi instituído o Regime Tributário de Transição (RTT). Por esta regra, para fins tributários, o que valia eram as regras contábeis previstas em 31/12/2007 e, não, as novas regras societárias advindas, principalmen-te, da Lei n.º 11.638/2007. O RTT
Claudia Lúcia Pimentel Martins da Silva, coordenadora-geral de Tributação da Secretaria da Receita Federal do Brasil
foi extinto pela Medida Provisória n.º 627, de 2013, convertida na Lei n.º 12.973/2014. Pode-se afirmar, sim, que houve um novo casamento entre a Contabilidade e o IRPJ com o advento da Lei n.º 12.973/2014, que estabeleceu o tratamento tri-butário dos novos critérios contá-beis. Portanto, com o advento da Lei n.º 12.973/2014, o IRPJ voltou a ser apurado a partir da escritura-ção elaborada com observância da legislação comercial e fiscal.
RBC – Há autoridades da área contábil que afirmaram que a Europa contou com 20 anos para implementar as normas IFRS en-quanto o Brasil teve apenas três dias. Considerando que a Lei n.º 11.638 foi publicada no dia 28 de dezembro de 2007, para vigência a partir de 1º de janeiro de 2008, a sra. considera que pode ter ha-vido precipitação na implanta-ção das normas contábeis inter-nacionais no Brasil, uma vez que a Contabilidade Fiscal ficou para trás, ou seja, não teve tempo de se preparar para acompanhar a implementação das IFRS?
Claudia Pimentel – Acredito que
poderia ter havido mais tempo para discussão. Se tivesse tido mais tem-po para debater as alterações que estavam por vir, talvez o RTT não
ti-vesse surgido como uma solução, mas, sim, a publicação de lei espe-cífica com o tratamento tributário das novas regras contábeis. Cabe lembrar que o RTT atingiu o seu ob-jetivo de garantir a neutralidade tri-butária no período de 2008 a 2014. Contudo, a implementação das no-vas regras já é uma realidade e as normas tributárias já alcançam esse novo contexto nacional.
RBC – A Lei n.º 12.973 tornou seus efeitos obrigatórios a partir de janeiro de 2015, mas foi opcio-nal no ano de 2014. O número de empresas que adotou os critérios dessa lei em 2014 pode ser consi-derado relevante?
Claudia Pimentel – A
quantida-de quantida-de empresas que optou por antecipar a aplicação da Lei n.º 12.973/2014 para o ano de 2014 não foi expressiva. Atribuímos a bai-xa adesão à complexidade do tema e à necessidade de adaptação de sis-temas informatizados das empresas.
RBC – A partir de 12 de novem-bro de 2013, quando foi editada a Medida Provisória n.º 627, as novas regras que mudam os cri-térios contábeis não podem ter efeitos tributários até que uma lei preveja o tratamento. Essa de-terminação, que está no Art. 58
da Lei n.º 12.973, não vale apenas para os documentos expedidos pelo CPC e chancelados pelo CFC e CVM, mas vale também para as normas do Banco Central e ou-tros órgãos normatizadores. O GT Contábil também está estudando documentos desses órgãos? Po-deria citar alguns exemplos? Claudia Pimentel – Está no
esco-po do trabalho do GT Contábil da RFB o estudo de atos administrati-vos emitidos com base em lei co-mercial. Um exemplo seria a altera-ção das regras dos correspondentes bancários, aplicáveis a certas insti-tuições sob a normatização do Ban-co Central do Brasil.
RBC – Para os casos não tratados pela Lei n.º 12.973/2014, vale a contabilidade?
Claudia Pimentel – Conforme já
mencionado, o IRPJ é apurado a par-tir da escrituração elaborada com observância da legislação comercial e fiscal. Dessa forma, o ponto de partida para se apurar o IRPJ é a con-tabilidade elaborada com base nos pronunciamentos, interpretações e orientações do CPC aprovados pela CVM e CFC, mas considerando tam-bém o que está previsto na legisla-ção fiscal. O conceito de receita bru-ta, por exemplo, está estabelecido na própria Lei n.º 12.973, de 2014.
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Até 31 de dezem
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2007, o IRPJ era apurado a
partir da escrituração elaborada com observância da
legislação comercial e fiscal. O divórcio veio com a
Lei n.º 11.941/2009, quando foi instituído o Regime
Há também a questão das perdas no recebimento de créditos – disposto nos arts. 9º a 12 da Lei n.º 9.430, de 1996, que continua valendo.
RBC – Após a Lei n.º 12.973, se houver uma nova norma contá-bil e não existir uma lei dando o tratamento tributário, isso pode-rá gerar novo RTT?
Claudia Pimentel – A primeira
ques-tão a ser analisada é se a nova nor-ma contábil tem efeito tributário. Se tiver efeito tributário e se não hou-ver lei dando tratamento a esta nova norma contábil, a RFB disporá sobre os procedimentos para anular os efeitos desta nova norma contábil. Os novos procedimentos irão acar-retar ajustes (adições ou exclusões) no Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur), diferindo do antigo RTT.
RBC – Muito se tem discutido so-bre a implementação da IFRS 15 – o que deve ocorrer, no Brasil, a par-tir de 2018 – , uma vez que, ao se alterar a forma de reconhecimento de receitas, poderá ser alterada a base de cálculo de vários tributos. Considerando a grande complexi-dade dessa IFRS, os próximos dois anos serão suficientes para pacifi-car os pontos entre critérios contá-beis e aspectos tributários? Claudia Pimentel – Esperamos que
sim. Já iniciamos o estudo e os de-bates acerca desse tema desde o primeiro semestre do ano de 2015. Estão previstas algumas reuniões ao longo do ano de 2016 para maior compreensão da norma.
RBC – A IFRS 9, que trata da con-tabilidade para instrumentos
fi-nanceiros, também já está em discussão no GT Contábil? Claudia Pimentel – Sim, está em
pauta para debate nos próximos en-contros ao longo do ano de 2016.
RBC – Para finalizar, a sra. acredita que o trabalho do GT Contábil po-derá fazer com que o futuro do re-lacionamento entre a Contabilida-de e o IRPJ seja, se não “eterno”, pelo menos longo e harmonioso? Claudia Pimentel – Sim, sem
dú-vidas. Os trabalhos do GT Contábil possibilitam um conhecimento pré-vio das alterações contábeis futuras. É importante que as alterações con-tábeis que estão por vir sejam co-nhecidas e compreendidas pelo Fis-co Fis-com tempo suficiente para que seja dado o adequado tratamento tributário, se for o caso.
Era uma vez um casamento entre a sra. Contabilidade e o sr. Imposto sobre a Renda das Pes-soas Jurídicas (IRPJ) com base no lucro real. Essa história re-monta à década de 1970, quan-do surgiu a Lei n.º 6.404/1976 e, um ano depois, o Decreto-Lei n.º 1.578/1977. Tudo transcorria nor-malmente nesse matrimônio até que a sra. Contabilidade, que, como toda mulher, é dinâmica, re-solveu se modernizar, se interna-cionalizar. E assim o fez com a pu-blicação da Lei n.º 11.638, em 28 de dezembro de 2007. Isso provo-cou sério desentendimento entre os pares. Essa Lei, que entrou em vigor três dias depois, em 1º de janeiro de 2008, abriu as portas, para a sra. Contabilidade, da lin-guagem mundial das normas, as
International Financial Reporting Standards (IFRS). Com isso, a sra.
Contabilidade entrou em rápido
processo de modernização e dei-xou para trás o IRPJ, um sr. conser-vador e de difícil adaptação a pro-cessos de amplitude global.
Foi então que outra Lei, a n.º 11.941, de 27 de maio de 2009, provocou o rompimento do
ca-samento. Esse divórcio recebeu o nome de Regime Tributário de Transição – o RTT.
A separação entre a sra. Con-tabilidade e o IRPJ durou até a edi-ção da Medida Provisória n.º 627, em novembro de 2013, que foi convertida na Lei n.º 12.973/2014. E assim a sra. Contabilidade pas-sou, novamente, a conviver com o IRPJ sob o mesmo cobertor.
Essa história foi contada as-sim, de forma meio didática, meio anedótica, pelo auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB) Paulo Eduardo Nunes Verçosa, durante o painel “Novidades do Grupo de Estudos CPC/Receita Fe-deral do Brasil”, realizado no dia 9 de novembro, em São Paulo, no XII Seminário Internacional do Co-mitê de Pronunciamentos Contá-beis, em uma livre interpretação do contexto que levou à criação do GT Contábil pela RFB.
Contabilidade & IRPJ: a história de um casamento
Flávio Guarnieri/Divulgação CPC
Paulo Eduardo Nunes Verçosa, auditor-fiscal da Receita Federal
A contadora Verônica Cunha de Souto Maior é, em 2016, a representante do CFC no Comitê de Pronunciamentos Contábeis e no GT Contábil. Porém, no perí-odo de 2012 a 2015, ela foi vi-ce-presidente Técnica do CFC e coordenadora de Operações do CPC, acompanhando, portanto, todos os fatos que resultaram na criação do GT Contábil.
Parabenizando a Receita Fe-deral do Brasil, que participa do CPC como entidade observado-ra, pela criação do Grupo, Verô-nica afirma que essa ação da RFB revela uma postura bastante de-mocrática frente ao processo de convergência da contabilidade brasileira ao padrão IFRS.
“É válido esclarecer que o grande objetivo do GT é permi-tir um posicionamento célere da Receita Federal sobre a defi-nição do tratamento tributário que deve ser dado, a cada
emis-são, pelo CPC, de documento – pronunciamento, interpretação, orientação e documento de re-visão – que será aprovado pelo CFC como Norma Brasileira de Contabilidade (NBC) e pela CVM como Deliberação”, explica a contadora.
As discussões e os estudos prévios que são realizados pe-los Grupos de Trabalho do CPC e da RFB, segundo Verônica, ser-vem de apoio e base para que a RFB possa emitir os seus atos e instruções normativas, de forma tempestiva, definindo e estabe-lecendo o tratamento fiscal que deve ser dado a cada nova NBC emitida pelo CFC, que seja resul-tante do processo de convergên-cia implementado pelo CPC.
Na opinião da contadora, o resultado gerado pelo GT Con-tábil não ajudará na implantação das normas contábeis efetiva-mente ditas, mas, sim, no
pro-cesso de implementação como um todo, uma vez que possibi-litará o pronto conhecimento e o correto tratamento tributário que deve ser dado, pelas empre-sas e pelos profissionais da con-tabilidade, em face dos reflexos advindos da implementação das normas convergidas.
“Isso ajudará os responsá-veis pela implantação das nor-mas, no âmbito das suas empre-sas, uma vez que torna possível a discussão e análise prévia de todos os reflexos decorrentes, sejam societários ou tributários, da implementação de cada nova norma, possibilitando um ade-quado planejamento e os ne-cessários ajustes dos seus sis-temas de controles internos, o que envolve as várias áreas de um ambiente empresarial, haja vista que esse processo não está restrito ou circunscrito às áreas contábil e fiscal”, destaca.
Representante do CFC comenta sobre a relevância
do GT para o processo de convergência
Flávio Guarnieri/Divulgação CPC
Verônica Souto Maior, em mesa do painel “Novidades do Grupo de Estudos CPC/Receita Federal do Brasil”, ao lado de Edison Fernandes e de Paulo Verçosa