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CAPÍTULO 11: Introdução

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CAPÍTULO 11:

Geração e uso de indicadores de monitoramento de agroflorestas por agricultores associados à Cooperafloresta

Walter Steenbock, Rodrigo Ozelame da Silva,

Carlos Eduardo Seoane, Luís Cláudio Maranhão Froufe,

Priscila Cazarin Braga, Rômulo Macari da Silva.

Introdução

O desenvolvimento local se constitui em um processo coevolucionário entre elementos associados ao ambiente, à tecnologia, aos valores, ao conhecimento e à organização social nas comunidades locais (NOORGARD E SIKOR, 2002). Estes fatores são interdependentes e influenciam-se mutuamente, determinando diferentes aspectos da vida cotidiana e das paisagens.

Neste contexto, o saber, especialmente o saber ecológico, é fruto de um processo adaptativo e interativo com os ecossistemas e populações humanas, e de diferentes percepções sobre a natureza (VIVAN e FLORIANI, 2006). São estas percepções que geram os conhecimentos transmitidos sobre espécies, comunidades, processos ecológicos, ciclos e fenômenos. Este saber dá sustentação à criação e ao uso das tecnologias, as quais viabilizam a reprodução física e têm um papel fundamental na cultura como um todo. Os componentes e significados do saber são assim tanto tangíveis como intangíveis, e ambas as dimensões podem se fundir como partes de um todo lógico para a tomada de decisão (VIVAN e FLORIANI, 2006).

Desde 1996, famílias de agricultores de Barra do Turvo e de Adrianópolis vêm experimentando a prática agroflorestal, transformando-a em base produtiva – além dos vínculos sociais e culturais, já descritos nos capítulos anteriores – de sua reprodução social. Diagnosticar este saber pode ser útil em vários sentidos, entre os quais o uso deste saber na amplificação de si próprio. Para tanto, o saber agroflorestal deve ser considerado em meio à complexidade acima apresentada, sendo um grande desafio.

Neste desafio, é importante considerar que quem faz um diagnóstico é o primeiro a ter clareza dos pontos fortes e fracos, ou das vantagens e desvantagens do

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objeto ou da realidade diagnosticada e, portanto, é o primeiro a ser capaz de transformá-la. Em outras palavras, diagnosticar com clareza é parte do empoderamento para direcionar ações e atitudes. Neste sentido, o envolvimento comunitário dos agricultores associados à Cooperafloresta no diagnóstico de aspectos relacionados à sua realidade é fundamental.

Eyben et al. (2008) definem empoderamento como um processo que ajuda indivíduos ou grupos de indivíduos a adquirir e ampliar o controle sobre suas próprias vidas, aumentando a capacidade de trabalhar com assuntos que eles mesmos definam como importantes. Se se busca o empoderamento em um processo de diagnóstico, em meio a uma realidade complexa, a preocupação da inclusão e da participação é inerente.

Para que haja participação e envolvimento para o empoderamento, a questão da linguagem e da metodologia utilizados em um diagnóstico é de especial importância. Hersch-Martinez e Chevez (1996) propõem que “quando, por uma questão metodológica, se desvincula o saber da população acerca de seu recurso (com todos os seus valores inclusos), esta se converte em objeto informante. Este saber será decifrado e recodificado em um processo de apropriação e interpretação de dados que forma parte da realidade construída pelo mundo acadêmico. Tal redução implica não somente em desrespeito ao mundo de crenças e instituições do informante, mas na retirada da condição de sujeito do conhecimento que o mesmo efetivamente é. Acreditando que não tem conhecimento, o ex-sujeito não confia na sua utilização, passando a ser influenciado por um suposto conhecimento mais elevado de quem o expropriou” (HERSCH-MARTINEZ & CHEVEZ, 1996). Assim, é fundamental que o empoderamento gere autonomia, definida como a construção de si próprio a partir de seus sentidos para a ação e para a autogestão da base de recursos, tanto os materiais como os imateriais (PLOEG, 2008).

Tendo tais premissas apontadas como eixo, procurou-se desenvolver um método de diagnóstico e monitoramento de agroflorestas, a partir de indicadores construídos de forma participativa, junto a agricultores associados à Cooperafloresta.

Indicadores agroflorestais

A Cooperafloresta atua, tecnicamente, em sete núcleos de formação, que se constituem em conjuntos de bairros em que as capacitações, trocas de experiências, reuniões e mutirões ocorrem de forma integrada. Para identificar como os agricultores

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da Cooperafloresta definem as agroflorestas, foi realizado, durante oficinas de capacitação que ocorrem mensalmente em cada núcleo, um levantamento dos conceitos associados ao termo “Agrofloresta”. Este levantamento ocorreu entre os meses de março e abril de 2011.

Para tanto, foi proposto que os agricultores indicassem respostas à seguinte pergunta: “que indicadores definem o que é uma boa agrofloresta?; ou, “o que é uma boa agrofloresta?”, “o que tem numa boa agrofloresta?”.

Esta pergunta foi feita em cinco oficinas de capacitação, que agregaram os sete núcleos de formação. As respostas foram indicadas em tarjetas e, após dispostas em conjunto, foram priorizadas coletivamente (de acordo com a metodologia de priorização coletiva – Geilfus, 1997).

Na Figura 1, estão representados os indicadores que definem boas agroflorestas, de acordo com os agricultores presentes nas cinco oficinas de capacitação. Junto a cada indicador, são apresentados valores da priorização, relativizados em forma de percentagem.

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Figura 1: Indicadores de boas agroflorestas, destacando a priorização dada a cada indicador pelos agricultores familiares associados à Cooperafloresta.

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Analisando a Figura 1, percebe-se a grande quantidade e diversidade de indicadores que descrevem “boas agroflorestas”. Excluindo-se os termos repetidos ou que aparentam o mesmo significado, foram citados 29 indicadores, agrupados na Figura 2.

Figura 2: Síntese dos indicadores de boas agroflorestas, citados pelos agricultores associados à Cooperafloresta.

É interessante notar a diversidade de abordagens para definir “boas agroflorestas”. Existem critérios relacionados à diversidade biológica, ao envolvimento dos agricultores, ao trabalho em grupo, ao manejo e à produtividade, entre outros aspectos.

No exercício de buscar identificar a relação entre estes indicadores, é possível identificar eixos temáticos. Na tabela 1, estes eixos são propostos e, na Figura 3, apresenta-se um esquema, considerando os descritores de cada eixo e a priorização dada pelos agricultores a cada um.

Quando estes eixos são propostos, verifica-se que, embora os indicadores que os constituem tenham sido priorizados de forma diferenciada em cada oficina, há uma

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tendência de maior priorização de parâmetros voltados ao manejo e à biodiversidade, e uma tendência de menor valorização dos parâmetros relacionados com a produção das agroflorestas. Ambos os eixos apresentam valores de priorização maiores do que o dobro dado aos parâmetros que constituem o eixo “produção”.

Tabela 1: Indicadores de boas agroflorestas, citados por agricultores associados a Cooperafloresta, agrupados em eixos

Eixos * Conjunto de parâmetros

MANEJO (136) Área completa (11), área rejuvenescida (13), manejo/poda (22), deixar reservas na beira dos rios (14), tirar sementes (12), planejamento (10), poda (8), trocar sementes (7), plantio completo (3), poda para entrar sol (13), vários andares (6), reflorestamento do terreno (13), área firme aberta com mais sol para produzir miudezas (11)

BIODIVERSIDADE (130)

Bastante variedade (11), vários tipos de plantas (9), quantidade de coisa plantada-biodiversidade (24), diversidade (4), produção diversificada (31), variedade de frutas, adubadeiras, árvores (13), diversidade de bichos (10), muitas frutas, árvores (7), miudezas (11), árvores nativas (10)

CUIDADO E CARINHO (81)

Gostar do trabalho (11), Cuidar das plantas dos companheiros como se fosse a própria (11), vontade de plantar (8), grupo reunido (4), carinho, dedicação e amor (24), viver bem da agrofloresta (11), meio de sobrevivência (12)

TERRA BOA (63) Terra boa (12), , terra úmida (8), cobertura do solo (8), cobertura (8), melhoria da terra (7), terra fofa, solta, cheia de adubo (6), cheiro de tatu (2)

PRODUÇÃO (55) Produção (32), produção (14), produção (9)

* os valores entre parêntesis representam o número de votos, relativizados em percentagem, dados a cada parâmetro e agrupados em cada eixo.

Outra maneira de visualizar os parâmetros identificados é através do grau de importância de cada indicador, como segue:

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Figura 3: Esquema representando os indicadores de boas agroflorestas, de acordo com os agricultores associados à Cooperafloresta. O tamanho dos círculos define a importância relativa de cada parâmetro citado.

Note-se que há uma maior priorização de indicadores relacionados ao carinho, ao cuidado e ao envolvimento social que a agrofloresta proporciona (valor de priorização = 81) do que à própria produção originada da mesma (valor de priorização = 55).

É importante observar a existência de indicadores bastante subjetivos para caracterizar “boas agroflorestas”, se vistos a partir de uma lógica técnico-científica. Dificilmente um técnico ou cientista definiria que uma “boa agrofloresta” é aquela em que as pessoas “cuidam das plantas dos companheiros como se fossem as próprias”, ou aquelas “em que se gosta de trabalhar”, ou ainda aquelas que têm “cheiro de tatu”.

Além disso, observa-se que, mesmo em meio às alterações do Código Florestal de 1965 (discutido no capítulo 15), sobretudo quanto à Reserva Legal e às Áreas de Preservação Permanente, esses produtores consideram, como “boa agrofloresta”, aquela que “deixa reservas na beira dos rios”.

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Vale ressaltar também que, enquanto autoridades, ONGs e a sociedade civil discutem mecanismos para a sustentabilidade mundial na Conferência Rio+20, os produtores agroflorestais da Cooperafloresta já guardam o consenso de que uma boa agrofloresta é aquela que é realizada com planejamento, apresenta biodiversidade (produtos, plantas, animais), promove a melhoria do solo, conserva os recursos naturais (água, solo) e permite o desenvolvimento social (“viver bem da agrofloresta”, “meio de sobrevivência”). De fato, visando selecionar agroflorestas de agricultores vinculados à Cooperafloresta para a realização de levantamentos em um projeto de pesquisa, a mesma pergunta (que indicadores definem uma boa agrofloresta?) foi feita a um grupo de pesquisadores das áreas biológicas e sociais, do ICMBio, da Embrapa-Florestas e da UFPR. Os indicadores apontados, em forma de questões, foram: o Sistema é completo?; O Sistema é Produtivo?; É grande a variedade de produtos?; É grande a biodiversidade?; Tamanho da área (a área é grande)?; Há facilidade de acesso?;

Além da expressiva diferença entre o número de indicadores citados, nota-se que todos os indicadores citados pelos pesquisadores estão relacionados com a produtividade, biodiversidade e localização das agroflorestas, todos fatores de ordem material.

Analisando os indicadores propostos pelos agricultores, é possível perceber a inserção do saber ecológico nas dimensões culturais, sociais e econômicas, de uma forma sistêmica. Nesta inserção, reconhece-se que a racionalidade capitalista, ou a visão meramente produtiva das agroflorestas, não é hegemônica. Pelo contrário, esta racionalidade está inserida em um contexto social e ambiental muito mais amplo.

É importante notar que, como resposta a uma pergunta objetiva (que indicadores definem uma boa agrofloresta?) as respostas dos agricultores tenham ido muito além de uma descrição de elementos materiais concretos e quantificáveis, reiterando a noção de que a “objetificação” da natureza, comum ao processo de análise cartesiana, não é o principal mecanismo de análise dos agricultores da Cooperafloresta. Conforme identificado por Vivan e Floriani (2006), os componentes e significados do saber ecológico são tanto tangíveis como intangíveis, e ambas as dimensões podem se fundir como partes de um todo lógico para a tomada de decisão. Elementos sensoriais (como “cheiro de tatu”, “terra fofa”), de ordenamento (como “planejamento”), de solidariedade e senso comunitário (como “cuidar das plantas dos companheiros como se fosse a própria”, “grupo reunido”, “carinho, dedicação e amor”) e de bem-estar (como “viver bem da agrofloresta” e “vontade de plantar”) caracterizam, para os agricultores, o que,

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na objetividade cartesiana, são apenas espaços geográficos em que um sistema de manejo da natureza foi implantado. Estes indicadores dilatam o arcabouço de visões de mundo acerca dos vínculos das relações de mulheres e homens entre si e a natureza.

Assim, longe de serem analisados como critérios meramente subjetivos, os elementos apontados implicam uma relação que se opera numa lógica de reciprocidade com o meio, denotando uma forma diferente de abordagem da Natureza e do conhecimento, uma vez que este, para ser efetivado, não se desvincula de um sentimento ou de um sujeito. A cultura aparece assim como termo de mediação entre as práticas produtivas e o potencial natural de um dado ecossistema, elaborando respostas diferenciadas para tais relações. As concepções daí originadas são fecundas por que demonstram percepções que muitas vezes escapam às analises científicas habituais, uma vez que baseadas em outras redes de relações. Desse modo podem contribuir para enriquecer o panorama de nossa compreensão acerca da Natureza, mas também acerca da relação entre o ser humano e o seu ambiente (LEFF, 2007)

A análise dos indicadores construídos permite a reflexão da orientação de um processo de diagnóstico e planejamento, não somente voltado para o aumento de produtividade e conservação ambiental a partir das práticas agroflorestais, mas também voltados à identificação, percepção e amplificação do bem estar no trabalho e no grupo, a partir de fatores de necessidade e satisfação endogenamente valorados, considerando a multidimensionalidade das características das agroflorestas e contribuindo para tecer novos caminhos para a emancipação social.

Avaliando e planejando agroflorestas

Nos eventos de capacitação subsequentes às oficinas em que os indicadores de boas agroflorestas foram apontados, foi proposta a avaliação pessoal/familiar de cada uma de suas agroflorestas, a partir dos eixos apontados na Tabela 1.

Neste processo, inicialmente o agrupamento dos indicadores em eixos foi apresentado e discutido, utilizando-se de cartazes com fotos e desenhos específicos por eixo.

Então, foi proposto que cada indivíduo ou família hierarquizasse, em pontuação variando de 0 a 5, como cada um enxergava cada uma de suas agroflorestas, a partir dos cinco eixos de indicadores.

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Para tanto, para cada agrofloresta a ser analisada, cada agricultor ou família recebeu um papel com os eixos de indicadores, representados graficamente por retas de igual comprimento, graduadas de 0 e 5 e dispostas a partir de um ponto comum, formando, em conjunto, uma estrela de cinco braços. O ponto 0 de cada eixo é o ponto comum entre os mesmos, e o ponto 5 é o ponto mais distante do centro da “estrela”, em cada eixo (Figura 4).

Figura 4: “Estrela” utilizada para avaliação de agroflorestas no âmbito da Cooperafloresta, ainda sem nenhuma marcação

Após a pontuação em cada eixo, propôs-se que se ligasse, por retas, os pontos dados, formando uma nova “estrela”. Quanto maior e mais harmônica a estrela desenhada após esta ligação, mais próximo de “uma boa agrofloresta” a agrofloresta sob análise se encontra (Figura 5).

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Figura 5: “Estrela” relacionada a um das agroflorestas de Pedro de Oliveira, agricultor associado à Cooperafloresta

Após o desenho das “estrelas”, cada agrofloresta foi discutida em grupo, identificando quais os conjuntos de indicadores que devem ser melhor trabalhados em cada agrofloresta, por cada agricultor e pelo grupo, em mutirões.

Para um melhor entendimento deste processo, a próxima seção trás o estudo de caso de uma oficina.

Estrelas no Ribeirão Grande e Cedro – Estudos de caso

A oficina de “Construção das estrelas”, nos bairros Ribeirão Grande e Cedro, foram realizadas no dia 15 de abril de 2011. A discussão inicial promoveu uma reflexão sobre o processo produtivo como um todo, considerando os eixos manejo, produtividade, cuidado e carinho (dedicação), biodiversidade e terra boa.

Os resultados da pontuação de cada eixo, nas “estrelas” construídas na oficina dos bairros do Cedro e Ribeirão Grande estão dispostos nas Tabelas 2 e 3.

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Parâmetro

Eixo

Produção Manejo Cuidado e

Carinho Terra Boa Biodiversidade

Média 2,67 2,56 3,22 3,11 2,56

Desvio padrão 0,87 0,88 0,44 0,78 1,01

Valor Mínimo 2 1 3 2 1

Valor Máximo 4 4 4 4 4

(Moda) (2) (3) (3) (3) (2)

Tabela 3: Pontuação de cada eixo, nas “estrelas” do bairro Cedro

Parâmetro

Eixo

Produção Manejo Cuidado e

Carinho Terra Boa Biodiversidade

Média 2,88 3,06 3,35 3,29 2,88

Desvio padrão 1,17 0,83 0,79 1,05 1,32

Valor Mínimo 1 2 2 1 1

Valor Máximo 5 5 5 5 5

(Moda) (2) (3) (3) (3) (2)

No bairro Ribeirão Grande, os produtores não enxergam, em suas agroflorestas, pontuação máxima em nenhum dos eixos que caracterizam uma “Boa agrofloresta”. Por outro lado, nenhum desses produtores considera que suas agroflorestas esteja em nível basal (“zerado”) em seus atributos. Nota-se que os eixos mais problemáticos são “Manejo” e “Biodiversidade” (menor pontuação média, menor pontuação mínima e maior desvio padrão), ao passo que o eixo “Cuidado e Carinho” é entendido por eles como sendo o mais positivo (maior pontuação média, maior pontuação mínima e menor desvio padrão) (Tabela 2)

No bairro Cedro, observa-se que a pior avaliação é para os eixos de “Produção” e “Biodiversidade”, enquanto que “Cuidado e Carinho” segue a mesma tendência do bairro anterior (Tabela 3).

Nas discussões realizadas após os desenhos, percebeu-se que, em geral, os agricultores identificam que, muitas vezes, apesar do envolvimento e cuidado com as agroflorestas, nem sempre as mesmas apresentam elevada produtividade ou diversidade.

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Nem por isso, estas agroflorestas deixam de ser avaliadas como “boas agroflorestas”, pois a dimensão social e cultural faz parte da definição das mesmas.

Durante as oficinas, foi possível perceber um processo de autocrítica na maioria das exposições. Ficou evidente nos discursos uma inclinação em acreditar que as áreas atuais, “agroflorestadas”, são sempre melhores que antes da implantação da agrofloresta. Nesse ponto podemos perceber que se, como dissemos, apesar do cuidado, consideram que as agroflorestas ainda não apresentam uma alta produtividade, veem ainda assim tal fato compensado pela melhoria do solo, da água, na volta dos pássaros e animais, demonstrando uma tendência a encarar o sistema desde uma perspectiva mais integral e menos produtivista.

O exercício despertou uma reflexão geral sobre os trabalhos de cada um, especialmente em relação à dedicação empreendida, sobre a produtividade e também pela possibilidade de visualizar as necessidades de cada uma das agroflorestas estudadas.

Considerando que as práticas agroflorestais têm como princípio básico a utilização de recursos próprios na produção oriundos da propriedade e procura favorecer todos os sistemas de vida em seu entorno (GÖTSCH, 1997), pode-se dizer que o exercício realizado possibilitou aos envolvidos medir quais os pontos positivos e negativos da relação com sua base de recursos e permite orientar a gestão em prol da sustentabilidade e autonomia. De acordo com Ploeg (2008), ao refletir sobre sua relação com a base de recursos, o agricultor pode compreender e transformar sua ação sobre o meio. Neste sentido, ao se analisar a prática de “construção de estrelas” sob a perspectiva da construção da autonomia do sujeito, identifica-se que ao refletir sobre todo o contexto de seu trabalho e encontrando resultados positivos, o agricultor sistematiza mentalmente alguns sentidos do mesmo e se constitui como o protagonista deste. O elemento de autoafirmação das práticas é fundamental para a geração de autonomia porque essa autoafirmação é fruto do conhecimento dos significados de suas práticas para si mesmo, para o grupo e para o ambiente.

Na perspectiva coletiva da autoavaliação, é possível identificar os sentidos ocultos das práticas coletivas, como por exemplo, o respeito pela avaliação do outro, fundamentais para a autonomia do sujeito (TOURAINE, 2004, 2007, 2011).

O exercício também suscitou um encontro com os próprios sentimentos e dificuldades aflorados ao grupo. Entretanto, tais adversidades se converteram em motivações para os agricultores orientarem suas ações, após a força que receberam do

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projeto coletivo de agrofloresta desenvolvido por meio da Cooperafloresta. Aparentemente, a situação de adversidade e conflito consigo mesmos os aproximam de um sujeito autônomo (TOURAINE, 2004) porque enfrentam essas situações de maneira positiva e ativa, no engajamento coletivo e na defesa de seus direitos.

Considerações finais

Muito além de um sistema produtivo, as agroflorestas são, para os agricultores associados à Cooperafloresta, um conjunto de elementos que integram dimensões sociais, culturais, ambientais e econômicas, inseridos na estratégia de reprodução social. A complexidade constitutiva dessas relações que se tornam singulares ao partirem de diferentes formas de hibridação e apropriação dos saberes, demanda, para uma compreensão mas aproximada, a apreensão dos valores e princípios que norteiam os sujeitos de sua produção.

O estabelecimento de indicadores de forma participativa pode ser decisivo para a avaliação e monitoramento de agroflorestas, considerando a multidimensionalidade de suas características. No âmbito deste trabalho, caso os indicadores não tivessem sido propostos pelos próprios agricultores, qualquer sistema de monitoramento participativo provavelmente seria inadequado, pois seria estabelecido a partir de parâmetros e instrumentos exógenos e incompletos, além de não terem a mesma riqueza de possibilidades. A introdução de tal método pode desenvolver a capacidade de autorreflexão e autoavaliação continuada, favorecendo a autonomia do agricultor e sua permanência no campo. Pode-se dizer ainda que a autoavaliação, que é ao mesmo tempo uma avaliação do e pelo grupo, promove uma síntese de um processo de assimilação do conhecimento que começa com o saber socialmente herdado e construído, passa pelo diálogo com o saber técnico e então sua re-elaboração e aprimoramento na relação cotidianamente atualizada com o meio, permitindo assim a apreensão das próprias lacunas e dificuldades a serem superadas.

O monitoramento periódico, a partir de novos desenhos de “estrelas”, caracteriza-se como uma ferramenta útil à gestão das propriedades. Por outro lado, permite uma discussão e avaliação coletiva dos elementos que devem ser melhor trabalhados nos processos de capacitação e nos mutirões de trabalho.

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Dentro deste contexto, cabe ressaltar que tal metodologia é uma possibilidade de solução encontrada na tentativa de equacionar a complexidade presente nas analises socioambientais, envolvendo sistemas agroflorestais encontradas no âmbito das ações da Cooperafloresta. Assim, a análise de todas as avaliações das “estrelas” também pode ser um instrumento de planejamento da Cooperafloresta, orientando os investimentos e ações, além de refletir os resultados dos projetos realizados, especialmente sob uma perspectiva socioambiental. Mediante a continuidade da avaliação, as “estrelas” também podem refletir novas respostas e propostas para a geração de políticas públicas.

Muito embora não haja um modelo único para realização de pesquisas em relação à sociobiodiversidade, pode-se indicar que o método da “estrela” é uma estratégia que pode contribuir para o fortalecimento do conhecimento local, autonomia, autogestão, valorização e empoderamento dos sujeitos que dela participam, tanto técnicos como agricultores ou pesquisadores.

REFERENCIAS

Eyben, R.; Kabeer, N.; Cornwall, A. 2008. Conceptualising empowerment and the

implications for pro poor growth: A paper for the DAC Poverty Network. Institute

of Development Studies.

GÖTSCH, Ernst. Homem e Natureza: Cultura na Agricultura. Recife: Recife Gráfica Editora, 1997.

HERSCH-MARTINEZ, P.; CHÉVEZ, L.G. 1996. Investigación participativa en etnobotánica: algunos procedimentos coadyuvantes en ella. Dimensión Antropológica, 3(8).

LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. 4 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2007. NORGAARD, R.B. & SIKOR, T.O. 2002. Metodologia e prática da agroecologia. In: Altieri, M. Bases científicas para uma agricultura sustentável. p.53-83. Guaíba: Agropecuária

PLOEG, Van Der. Camponeses e Impérios Alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

______________.Entre a dependência e a autonomia: o papel do financiamento para a agricultura familiar. In: Agriculturas. V. 7 n°2 julho 2010.

TOURAINE, A. Após a Crise. A decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais. Petrópolis: Vozes, 2011.

____________. Crítica da Modernidade. 3°ed. Petrópolis: Vozes,1995.

____________. Igualdade e diversidade: O Sujeito Democrático. Bauru, São Paulo: EDUSC, 1998.

____________. Um novo paradigma. Para compreender o mundo de hoje. 3ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

VIVAN, J. L. e FLORIANI, G. Construção participativa de indicadores de sustentabilidade em sistemas agroflorestais em rede na mata atlântica. VI Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia. Anais. Porto Alegre, 2006.

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