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Palavras-chave: Metáforas primárias. Linguagem. Cognição. Processo de ensinoaprendizagem.

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O PROCESSO COGNITIVO DE CONSTRUÇÃO DAS METÁFORAS PRIMÁRIAS: RESSIGNIFICANDO A APRENDIZAGEM

Autora: Ilana Souto de Medeiros (UnP) ilanasouto@hotmail.com Orientador: Ricardo Yamashita Santos (UnP)

r.yamashita@unp.br

RESUMO

Pretendemos investigar, nesta pesquisa, os processos cognitivos que subjazem a conceptualização de sentimentos abstratos relacionados às nossas emoções, tal qual o amor, a raiva, a felicidade, etc. Situada no campo da Linguística Cognitiva, tem por objetivo analisar o processo de construção da metáfora primária e sua implicação no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem. A partir dessa perspectiva, iniciaremos nosso estudo tratando da vertente clássica aristotélica, datada do século IV a.C., cuja compreensão reduz a metáfora a mero ornamento do discurso, dispondo de artifícios capazes de confundir o homem; continuaremos discutindo sobre o realismo experiencialista que, a partir da obra Metaphors we live by de George Lakoff e Mark Johnson (1980 [2002]), propôs uma nova compreensão a respeito da metáfora – graças a noção de mente corporificada, passando a considerá-la um recurso cognitivo, oriundo das experiências sensório-motoras dos sujeitos para com o mundo externo; em seguida, apoiados na teoria cognitiva da linguagem e nos estudos de Grady e Narayanan (1997), discorreremos sobre a noção de esquemas imagéticos – assim como o conceito de frames, evidenciando nestes o caráter substancial que assumem no que concerne à construção da linguagem e, principalmente, no processo cognitivo de construção das metáforas primárias. Finalmente, nosso estudo culminará em uma reflexão acerca da relevância destas últimas nos aspectos tocantes ao processo de ensino-aprendizagem. Desejamos, ao final, incitar reflexões e debates acerca desta temática, bem como promover posteriores discussões em torno do tradicionalismo existente no ensino da língua.

Palavras-chave: Metáforas primárias. Linguagem. Cognição. Processo de ensino-aprendizagem.

INTRODUÇÃO

Produzir linguagem – capacidade especificamente humana, se configura, aparentemente, como algo trivial para os indivíduos, uma vez que tal processo é construído e apreendido de modo inconsciente. Não obstante, a partir do momento que se reflete, mesmo que minimamente, sobre os aspectos sob os quais a linguagem se constitui, fica evidente o quão sua natureza é complexa e profunda.

A linguagem é um processo multifacetado que transcende a simples articulação entre elementos gramaticais. Podemos pensá-la como um sistema extremamente arquitetado, regulado pela interação entre as experiências socioculturais do sujeito com a sua estrutura cognitiva. Em outras palavras, a linguagem emerge das relações estabelecidas entre fatores exógenos (meio) e endógenos (mente).

Partindo dessa premissa e do fato da existência de incontáveis elementos linguísticos, trataremos neste texto especificamente da metáfora, evidenciando nesta as modificações ocorridas no plano semântico ao longo dos séculos que culminaram na

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elaboração de um conceito mais atual, expresso por Grady e Narayanan (1997) como metáfora primária.

Para tanto, iniciaremos nosso estudo com um breve apanhado histórico, no intuito de evidenciar a evolução conceitual sobre a metáfora – iniciada no século IV a.C. por Aristóteles; continuaremos abordandoas pesquisas desenvolvidas por Lakoff e Johnson (1980 [2002]) que, cerca de dois mil anos mais tarde, revolucionaram a compreensão a respeito das metáforas, trazendo à tona a noção de que nossa mente é corporificada; e, finalmente, discutiremos acerca da perspectiva de Grady e Narayanan(1997) em relaçãoàs metáforas primárias.

A grande problemática criada ao longo desses séculos esteve centrada no eixo principal das questões voltadas ao funcionamento da mente e, consequentemente, à construção da linguagem: seria a mente autônoma, como propôs Aristóteles, ou, como propõem Lakoff e Johnson, corporificada? Destacaremos, assim, os aspectos abordados no Realismo Objetivista aristotélico bem como aqueles relacionados ao Realismo Experiencialista de Lakoff e Johnson.

Em seguida, por corroborar da noção experiencialista que compreende os produtos mentais – inclusive a linguagem, como sendo concebidos através de nossas experiências corpóreas, apresentaremos, no campo da Linguística Cognitiva, a Teoria da Metáfora Primária proposta por Grady e Narayanan (1997) destacando sob quais aspectos construímos metáforas, assim como sua natureza cognitiva e corporificada.

Finalmente, buscaremos ressaltar a relevância dessa teoria no que diz respeito ao processo de aprendizagem. Acreditamos que as metáforas primárias formam as bases da linguagem e, consequentemente, auxiliam na nossa compreensão a respeito do mundo.

Nessa perspectiva, desejamos ressaltar que o estudo das metáforas – não enquanto ornamento do discurso, mas enquanto resultado de interações sociocognitivas, é capaz de romper com o ensino tradicional das mesmas que, uma vez reduzidas apenas ao plano linguístico, minimiza o potencial crítico e criativo de quem as produz.

Pretendemos, ao final, colaborar com o crescimento de produções científicas acerca da linguagem, promovendo reflexões e debates sobre o estudo das metáforas, bem como incitar posteriores discussões em torno do tradicionalismo existente no ensino da língua.

1. A METÁFORA SOB O PRISMA REALISTA OBJETIVISTA

ARISTOTÉLICO

A etimologia da palavra “metáfora” deriva do grego meta (mudança) e pherein (carregar). Em seu sentido restrito, o verbo metapherein corresponde, em latim, ao verbo transferire – transferir, em português.

A primeira concepção sobre a metáfora foi desenvolvida por Aristóteles e data do século IV a.C. Segundo o filósofo, o processo de construção da metáfora “[...] consiste no transportar para uma coisa o nome de outra [...]” (ARISTÓTELES, 1996, p.92).

A teoria aristotélica é objetivista por postular que a realidade independe da consciência, sendo captada pelos sentidos e por acreditar que a essência das coisas reside nas próprias coisas. Com Aristóteles, tem início o esforço sistemático em analisar a estrutura do pensamento enquanto capaz de forjar provas racionais1.

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Nesse sentido, Aristóteles fazia uma distinção entre a linguagem poética e a linguagem formal. Na primeira, considerada um dom especial dos poetas, estariam inseridos elementos da linguagem figurada que, assim como as metáforas, possuíam a capacidade de confundir o homem.

Analisando os trechos do poema de Camões, para quem o “amor é um fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente...”, constataríamos, sob uma ótica aristotélica, que essa construção constitui apenas um jogo de palavras, uma vez que a essência do amor estaria no próprio amor e não no fogo ou na ferida, por exemplo.

Nessa perspectiva, as relações feitas pelo poeta para explicar o amor (amor/fogo; amor/ferida; amor/contentamento descontente), se distanciariam do mundo real e usurpariam a substância individual do conceito “amor”.

A concepção tradicional sobre a metáfora – herança aristotélica, ainda permanece presente no Ocidente mesmo após mais de dois mil anos. As metáforas, quando estudadas, ainda são situadas apenas no plano estrutural da língua como figura de linguagem e não como um elemento inerente à mente.

2. LINGUISTICA COGNITIVA: AVANÇOS EPISTEMOLÓGICOS RUMO À UMA NOVA COMPREENSÃO SOBRE A METÁFORA

Os avanços epistemológicos trouxeram, para a ciência da linguagem, inúmeras contribuições através da Linguística Cognitiva, ao considerar a linguagem como algo inerente ao conteúdo cognitivo dos indivíduos. Diferentemente da abordagem estruturalista – cujo cerne se volta para um estudo descritivo dos aspectos linguísticos, a Linguística Cognitiva parte do pressuposto de que a linguagem aflora das relações existentes entre o corpo humano e as nossas experiências no mundo. Nesse sentido, Silva (1997, p. 59) assinala que

as unidades e as estruturas da linguagem são estudadas, não como se fossem entidades autônomas, mas como manifestações de capacidades cognitivas gerais, da organização conceptual, de princípios de categorização, de mecanismos de processamento e da experiência cultural, social e individual.

Esse campo da linguística dialoga com outras ciências cognitivas, cujo cenário é bem delimitado por duas vertentes. Na primeira, conhecida como ciência cognitiva clássica, observam-se elementos fortemente marcados pelo dualismo cartesiano – caracterizado pela desassociação entre corpo e mente (ARAÚJO; PINHEIRO, 2010).

Nessa fase, os estudos se voltaram a uma inteligência artificial, ou seja, por meio de modelos computacionais, buscou-se compreender o funcionamento da mente. Nesse contexto, como destacam Koch e Lima (2011, p. 264), “[...] a ideia de investigar a mente como um sistema de manipulação simbólica foi finalmente amadurecida [...]”.

A segunda abordagem se refere à ciência cognitiva corporificada2, cujo eixo principal se apoia na premissa de que as experiências corpóreas subjazem os processos de construção da linguagem. Nessa perspectiva, Duque e Costa (2012, p. 8) afirmam que

2 Vertente das ciências cognitivas iniciada de modo amplo na obra Metaphors we live by (LAKOFF;

JOHNSON, 1980) e mais profundamente discutida em Philosophy in the flesh (LAKOFF; JOHNSON, 1999) – traduzida por “Filosofia na carne”.

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de acordo com esse enfoque, as habilidades cognitivas e comunicacionais dos sujeitos são interpretadas como fenômenos resultantes de sua existência como sistemas físicos em contínua interação com seu ambiente humano e não humano.

Situar a linguagem no campo da cognição foi, sem dúvida, a maior contribuição trazida pelas duas vertentes das ciências cognitivas, e fator determinante na busca em compreender os processos linguísticos, inclusive as construções metafóricas, como sendo inerentemente corporificadas.

Nesse sentido, Carvalho (s.d, p.2), assinala que a metáfora “[...] começa a ser vista como um elemento importante no processo de entendimento da própria compreensão humana e não mais como um simples ornamento do discurso”. A metáfora migra da esfera estrutural para a esfera cognitiva da língua, passando a ser considerada um instrumento facilitador à construção da linguagem e, consequentemente, à compreensão do mundo.

Esse novo entendimento a respeito das metáforas emerge da premissa de que sem experiência corpórea, não há conhecimento. Em outras palavras, rompendo com a concepção aristotélica, Lakoff e Johnson (2002) compreendem que corpo e mente não se separam, uma vez que a mente opera através de um embasamento corpóreo, atrelado a aspectos socioculturais.

3. REALISMO EXPERIENCIALISTA: COMO A NOÇÃO DA MENTE

CORPORIFICADA PERMITIU OS AVANÇOS EM TORNO DA

COMPREENSÃO DAS METÁFORAS

A obra intitulada Metaphors we live by (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002]) – considerada um divisor de águas no que se refere à compreensão sobre metáforas, trouxe para o campo da Linguística Cognitiva, dentre outras contribuições, a percepção de que a mente é corporificada. A partir dessa perspectiva, a metáfora passa a ser entendida como um elemento multidimensional, sendo compreendida como resultado das interações entre mecanismos cognitivos, experiências corpóreas, fatores socioculturais e elementos linguísticos. Em outras palavras, essa concepção “[...] evidencia uma interdependência entre corpo e mente no processo de formação de nossa linguagem” (SANTOS, 2011, p. 18).

Lakoff e Johnson (2002) advogam que a metáfora é uma propriedade de conceitos e não de palavras. Nesse sentido, a definem como

[...] um dos mais importantes instrumentos para tentar compreender parcialmente o que não pode ser compreendido em sua totalidade: nossos sentimentos, nossas experiências estéticas, nossas práticas morais e nossa consciência espiritual [...] (LAKOFF; JONHSON, 2002, p. 303).

As pesquisas de Lakoff e Johnson – sobretudo a compreensão de mente corporificada – foram fundamentais e embasaram os estudos de Grady e Narayanan (1997) que lançaram luz sobre a ciência da linguagem, trazendo o conceito de metáfora primária.

As metáforas primárias resultam da relação entre esquemas imagéticos e frames. Em outras palavras, elas revelam um mecanismo cognitivo inerente a cada indivíduo, que os permite atribuir à conceitos mais abstratos, elementos mais próximos de sua própria realidade. Uma expressão do tipo “Hoje estou pra cima!”, por exemplo,

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revela a habilidade da natureza humana em utilizar variadas estratégias cognitivas no intuito de simplificar a compreensão daquilo que foi dito (FELIZ É PARA CIMA). Desse modo, a construção metafórica resultante das conexões estabelecidas entre um estado de espírito (estar feliz) e uma noção espacial (cima), minimiza possíveis dificuldades no ato de expressar e de compreender um sentimento abstrato, tal qual a felicidade.

Isso só se torna possível, como já dito anteriormente, graças à compreensão a respeito da corporalidade que, grosso modo, diz respeito ao estreito vínculo existente entre corpo e mente. Logo, “[...] a cognição humana é baseada na corporalidade, o que ajuda a determinar a natureza da compreensão e do pensamento” (DUQUE; COSTA, 2012, p. 148).

Expressões desse tipo são construídas a todo instante, de modo inconsciente, pelas conexões estabelecidas entre o cérebro humano, as experiências corpóreas e o entorno sociocultural. É por meio desse engenhoso maquinário cognitivo-cultural que produzimos linguagem e, mais que isso, nos tornamos capazes de trabalhar com as mais diversas sortes de conceitos abstratos.

4. ESQUEMAS IMAGÉTICOS: ORGANIZANDO O SISTEMA CONCEPTUAL HUMANO

Compreendemos por esquemas imagéticos os padrões cognitivos criados na mente humana – desde os primeiros anos de vida, provenientes de experiências concretas, experimentadas a todo instante pelo corpo físico em relação ao ambiente. Em outras palavras, “[...] são estruturas oriundas de experiências sensório-motoras, facultadas pelas características biológicas da espécie humana” (DUQUE; COSTA, 2012, p.78).

Os padrões criados por outras espécies não serão os mesmos, dada a singularidade das percepções em relaçãoàs noções específicas, tais quais a de orientação e a de movimento.Assim, ao pensarmos em uma cobra, facilmente se evidencia que a percepção do que é “andar”, para esta, será diferente da nossa, visto que a primeira rasteja e não possui membros inferiores, tais quais as pernas, como nós humanos, por exemplo.É a partir de tal compreensão que Kövecses (2005) atribui aos esquemas o princípio da universalidade.

Essas estruturas estão organizadas em nossa mente sob um modo de constante alerta, sendo imediatamente acionadas quando produzimos linguagem e, principalmente, quando elaboramos construções metafóricas. Junto aos esquemas, são acionados os frames – cenários construídos culturalmenteque atuam na construção de sentido. Em outras palavras, os frames moldam o modo pelo qual vemos o mundo a nossa volta. (LAKOFF, 2004).

Os esquemas imagéticos mais frequentemente observados, como relembram

Duque e Costa (2012), são: CONTÊINER, PARTE/TODO, LIGAÇÃO,

CENTRO/PERIFERIA, ORIGEM/CAMINHO/META, e ESCALAS.

O esquema CONTÊINER diz respeitoàs noções perceptuais do corpo físico que o compreendem ora como recipiente, CONTÊINER, ora como conteúdo. Graças a esse esquema, somos capazes de construir, expressar e nos fazer compreender, por exemplo, frases do tipo “João está dentro do carro”. Nesse caso, o corpo de João representa o conteúdo existente dentro de um recipiente – o carro. O esquema CONTÊINER pode, assim, ser representado através da seguinte figura:

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CARRO

No esquema PARTE/TODO, verificamos o modo pelo qual situamos os elementos do mundo: como partes pertencentes a um todo. Nossa própria constituição corpórea é compreendida através do esquema PARTE/TODO, uma vez que o corpo (TODO) possui, por exemplo, cabeça, tronco, braços, pernas, etc. (PARTE) (DUQUE; COSTA, 2012). Outro exemplo que ilustra o esquema imagético PARTE/TODO é aquilo que nossas consciências compreendem por família – grupos (PARTE) pertencentes a uma determinada sociedade (TODO):

O esquema LIGAÇÃO, experimentado mesmo antes do nascimento através do cordão umbilical, revela, como lembram Duque e Costa (2012, p.81), “[...] uma relação de dependência entre duas entidades”. Nesse sentido, o esquema LIGAÇÃO pode ser considerado um dos esquemas basilares da construção sígnica e, consequentemente, da estruturação da linguagem, uma vez que ao nomearmos os elementos do mundo estabelecemos uma ligação direta entre um significante e um significado.

JOÃO

Figura 1: esquema CONTÊINER

Sociedade

Família A Família B Família C Família D Família E Família G

Figura 2: esquema PARTE/TODO

Fam

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O esquema CENTRO/PERIFERIA diz respeito à nossa compreensão corpórea em estabelecer uma divisão entreas coisas consideradas essenciais (CENTRO) com aquelas que não o são (PERIFERIA). Há, nesse sentido, uma relação de dependência da PERIFERIA para com o CENTRO. O esquema CENTRO/PERIFERIA serve de base, por exemplo, para construções metafóricas do tipo “esta é a ideiaprincipal do texto”. Analisando essa expressão, observamos que embora existam outras ideias (periféricas), há aquela que se sobressai em termos de relevância (central):

O esquema ORIGEM/CAMINHO/META envolve uma trajetória, ondese situam sempre um ponto de partida (ORIGEM), um percurso (CAMINHO) e um ponto de chegada (META). Acionamos este esquema, por exemplo, ao construirmos expressões metafóricas como “o nosso amor chegou ao fim”. No caso do exemplo anterior, o atributo acionado pelo esquema é a META.

Figura 3: esquema LIGAÇÃO (DUQUE; COSTA, 2012, p. 80).

Figura 4: esquema CENTRO/PERIFERIA

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O esquema ESCALAé a base da nossa compreensão que relaciona nossas experiências concretas de acordo com graus de intensidade. Nesse sentido, normalmente associamos que “mais” equivale a “acima” e “menos” a “abaixo” (DUQUE; COSTA, 2012). No cenário econômico, são comuns os usos de expressões metafóricas cuja base se encontra no esquema ESCALA como, por exemplo, “os preços estão em alta” ou “os preços caíram”.

As construções metafóricas – eixo central de nossa pesquisa, possuem em suas bases um ou mais esquemas imagéticos associados aos frames. Visto que esse processo se desenvolve a partir de experiências sensório-motoras próprias da espécie humana, ele auxilia na consolidação do sentido, facilitando, por exemplo, a compreensão de conceitos mais abstratos tal qual o amor.

5. METÁFORAS PRIMÁRIAS

São inúmeras as teorias que tratam sobre as metáforas. É um longo caminho que se inicia no século IV a.C com Aristóteles e adentra o século XXI com diversos estudos a partir da perspectiva neurocientífica. Como bem lembra Sardinha (2007, p. 19), “[...] reunir todas as teorias de metáfora em um único capítulo é tarefa impossível [...]”. Desse modo, discutiremos nesse texto, de modo sucinto, acerca das metáforas primárias – no intuito de reforçar os conceitos de frames e de esquemas imagéticos.

A noção que sustenta a compreensão sobre as metáforas primárias é a de corporalidade. Buscando no estudo de Grady e Narayanan (1997) o melhor entendimento acerca das metáforas primárias, Santos (2011, p. 44) relembra que para o teórico, estas últimas

[...] seriam formadas inconscientemente, através de nossa experiência cotidiana, visto que as experiências corpóreas que os seres humanos realizam são universais: vemos o mundo direcionados para frente, andamos para frente, temos dois braços, duas pernas, deitamos, levantamos etc.

Em outras palavras, nossas sensações e percepções físicas experimentadas e interiorizadas através de nossa relação com o meio ambiente, refletem diretamente no modo pelo qual produzimos linguagem e, principalmente, quando exteriorizamos construções metafóricas.

As metáforas primárias são de natureza universal e resultam da relação entre esquemas imagéticos e frames (SANTOS, 2011). Embora presentes em diferentes culturas, o ponto de partida que motiva a construção metafórica é o corpo físico, comuma todos da espécie humana. A partir dos estudos desenvolvidos por Narayanan

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(1997), Lakoff e Johnson (1999) trazem algumas metáforas primárias apresentadas a seguir3:

AFEIÇÃO É CALOR: “Eles me receberam calorosamente”. FELIZ É PARA CIMA: “Eu estou para cima hoje”.

INTIMIDADE É ESTAR PRÓXIMO: “Não nos vemos há anos e por isso nós estamos desafeiçoados”.

DIFICULDADE É ALGO PESADO: “Ela está sobrecarregada de atividades”. MAIS É PARA CIMA: “Os preços estão altos”.

CATEGORIAS SÃO CONTÊINERS: “O João está inserido no grupo dos homens”. SIMILARIDADE É PROXIMIDADE: “A cor de sua blusa está parelha com a de Joana D’arc”.

ESCALAS LINEARES SÃO CAMINHOS: “A inteligência de Raimundo vai além da conta”.

TEMPO É MOVIMENTO: “Nem vi a hora passar”.

ESTADOS SÃO LUGARES: “Eu estou imerso em uma depressão muito forte”. MUDANÇA É MOVIMENTO: “Meu carro está indo fazer a revisão do chassi”.

PROPÓSITOS SÃO DESTINOS: “Ele ainda vai chegar ao mesmo lugar que o Pelé jogando bola”.

CAUSAS SÃO FORÇAS FÍSICAS: “Eles empurraram o projeto de lei por todo o Congresso”.

CONHECER É VER: “Eu vejo o que você me diz”.

É valido ressaltar que às metáforas primárias éagregado o viés cultural de cada grupo social. Nesse sentido, o exemplo “Ele ainda vai chegar ao mesmo lugar que o Pelé jogando bola” que representa a metáfora primária PROPÓSITOS SÃO DESTINOS, provavelmente não será o mesmo em outros países que não o Brasil.

Como já dito, as construções metafóricas são constituídas por padrões cognitivos conhecidos como esquemas imagéticos. A fim de ilustrar tal premissa, selecionaremos alguns dos exemplos apresentados anteriormente para breve análise.

CATEGORIAS SÃO CONTÊINERS: “O João está inserido no grupo dos homens”.

Neste exemplo é possível constatarmos a presença de dois esquemas imagéticos. O primeiro, o esquema CONTÊINER, pode ser evidenciadona construção “estar inserido em”, quenos dá a ideia da existência de um conteúdo (no caso João), dentro de um recipiente (o grupo dos homens). Além do esquema CONTÊINER, observamos também a presença do esquema LIGAÇÃO – ligando João ao grupo dos homens; e do esquema PARTE/TODO – situando João enquanto PARTE e o grupo dos homens enquanto TODO.

3Exemplos retirados de SANTOS, R. Y. Metáforas primárias e metáforas congruentes:integrações

cognitivo-culturais. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/shXIX/anais/GT39/semana%202011.pdf>. Acesso em: 05set. 2014.

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MAIS É PARA CIMA: “Os preços estão altos”.

Neste outro exemplo verificamos o esquema ESCALA que, como já mencionado, diz respeito à relação que estabelecemos com nossas experiências concretas e graus de intensidade. Aqui, o “mais” dos preços, está relacionado com “altos” – acima.

ESCALAS LINEARES SÃO CAMINHOS: “A inteligência de Raimundo vai além da conta”.

O primeiro esquema observado nesse exemplo é o CONTÊINER, se considerarmos que a inteligência de Raimundo está inserida nele próprio. Em seguida, o verbo “ir” nos passa automaticamente a ideia de um trajeto – logo, há, também, o esquema ORIGEM/CAMINHO/META. Além disso, podemos considerar que se a inteligência de Raimundo vai além da conta, a MESMA possui um ponto de partida (ORIGEM), um CAMINHO a ser feito e meta (ir além da conta).

Refletindo mesmo que brevemente sobre o processo cognitivo de construção das metáforas primárias, acreditamos na real possibilidade em se introduzir, no campo do ensino, novas metodologias e abordagens a respeito do ensino da língua, sob uma perspectiva macro e não fragmentada como as que parecem estar enraizadas no tradicionalismo presente no ato de ensinar.

6. REFLETINDO O PROCESSO DE APRENDIZAGEM À LUZ DAS METÁFORAS PRIMÁRIAS

Etimologicamente, aprendizagem – do latim apprehendere, refere-se, no senso comum, ao processo de aquisição de conhecimentos e habilidades. Seria este, apenas, sua única função? No intuito de embasar tal discussão e de promover maiores reflexões acerca desta temática, revisitaremos, inicialmente, o período da Grécia Antiga – cenário onde foi desenvolvido o conceito de paideia.

Em “A República”, Platão conceitua a educação como um instrumento apto a desenvolver o homem. Nesse sentido, o termo paideia está estritamente relacionado à formação de todas as potencialidades do indivíduo, ou seja, aprender corresponde à constituição de um ser biológico, pensante e social.

No entendimento de Lefrançois (2013, p. 6), a aprendizagem “[...] é o que acontece ao organismo (humano ou não humano) como resultado da experiência”. Analisando essas duas vertentes, concluímos que o processo de aprendizagem se constrói em uma via de mão dupla, onde aquele que ensina compartilha e propicia experiências com aquele que aprende – vislumbrando sua formação enquanto sujeito biopsicossocial.

A partir desse pequeno recorte a respeito da compreensão que envolve a concepção de aprendizagem, desejamos refletir sobre o conceito mais atual que, a nosso ver, ainda não superou a prática da corrente tradicional. Embora consideremos importante, não discutiremos – no intuito de não nos distanciarmos do eixo central desse texto, sobre os aspectos políticos, econômicos e ideológicos que gravitam em torno dessa temática.

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Consideramos tradicional o ensino mecanicista que não requer esforço

cognitivo e cuja aprendizagem é reduzida na tríade

decodificação/memorização/transmissão de informações. Esse modelo corresponde ao que Ausubel, em sua teoria da assimilação cognitiva, denominou de “aprendizagem memorística”. Esta última ocorre quando as novas informações assimiladas pelo sujeito não se relacionam de forma lógica com aquelas preexistentes no seu conteúdo cognitivo.

Nesse contexto, esse tipo de aprendizagem é considerado não-flexível, arbitrário e normalmente transitório, uma vez que ao não estabelecer sentido, a nova informação é memorizada e não aprendida (SOUZA et al., s.d). Diante disso, permanece emergente a existência de contínuas discussões voltadas à dicotomia informação/conhecimento.

Retornando ao nosso pilar teórico, observamos que as metáforas – quando estudadas, são situadas exclusivamente no plano linguístico, minimizando, assim, o potencial crítico e criativo de quem as produz. Pensar metaforicamente é, além de um processo natural, um meio de expandir nossa estrutura cognitiva.

Nessa perspectiva, acreditamos que a compreensão acerca das metáforas primárias abarca elementos suficientes para desenvolver uma proposta de aprendizagem pautada na estimulação do potencial criativo do indivíduo – normalmente podado pelos métodos tradicionais.

Refletir sobre a construção metafórica implica, portanto, um esforço cognitivo que permite ao indivíduo ser agente ativo na elaboração dos saberes. Pensar sobre as metáforas primárias responderia afirmativamente, a nosso ver, ao questionamento feito por Wittgenstein (2000, p. 205) ao se indagar: “Se se pode explicar a formação de conceitos por fatos da natureza, não nos deveria interessar, em vez de gramática, aquilo que na natureza lhe serve de base?”.

Romper com o tradicionalismo enraizado no ensino da língua nos parece o primeiro passo em direção a uma aprendizagem que, além de significativa, é emancipatória, no sentido em que se faz capaz de devolver ao indivíduo, algo de valor incalculável, mas, muitas vezes negado: o direito de pensar, de refletir, de construir, reconstruir e desconstruir conhecimentos.

Partindo da afirmação feita por Vilela (2003, p. 319), para quem a linguagem é uma “[...] forma de simbolização de capacidades naturais [...] de conceptualizar a experiência corporizada [...], a acção sobre o mundo e a capacidade de relacionar analogicamente domínios conceptuais entre si”, concluímos que as metáforas primárias formam as bases da linguagem e, consequentemente, auxiliam na nossa compreensão a respeito do mundo.

Nessa perspectiva, acreditamos ser essencial que o estudo de tal teoria compreenda não apenas o campo linguístico, mas, também, outras áreas do saber, tendo em vista que a língua é o instrumento básico no processo de construção do conhecimento.

REFERÊNCIAS

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PLATÃO. A república. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

SANTOS, R. Y. Construções metafóricas de vida e morte: cognição, cultura e linguagem. 2011. 79 p. Dissertação (Mestrado em Estudos das Linguagem) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. 2011.

______. Metáforas primárias e metáforas congruentes: integrações cognitivo-culturais. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/shXIX/anais/GT39/semana%202011.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2014.

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