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CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO INSOLVÊNCIA

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Tribunal da Relação de Évora

Processo nº 1940/17.3T8EVR-H.E1 Relator: JOSÉ MANUEL BARATA Sessão: 03 Dezembro 2020

Votação: UNANIMIDADE VENDA EXECUTIVA

CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO INSOLVÊNCIA

Sumário

I.- O artigo 1057.º do CC consagra o princípio emptio non tollit locatum, ou seja, a locação não caduca com a venda, corolário da natureza real do instituto do arrendamento, uma vez que lhe confere uma característica de que só os direitos reais beneficiam – o direito de sequela: o arrendamento acompanha o bem independentemente de quem seja o titular do direito real de base,

propriedade.

II.- A regra sofre, contudo, restrições, como a prevista no artigo 824.º/2, do CC, relativo à venda executiva, segundo a qual, não caduca o arrendamento (seja direito real ou obrigacional), apenas nos casos em que o contrato de locação foi celebrado anteriormente à constituição de arresto, penhora ou garantia (como a hipoteca voluntária ou judicial).

(Sumário do Relator)

Texto Integral

Procº 1940/17.3T8EVR-H.E1

Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Recorrente: (…), que também usa (…). Recorridos: (…) e mulher (…).

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*

No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Local Cível de Évora – Juiz 2, no âmbito de processo de liquidação (CIRE) foi proferido despacho que

terminou da seguinte forma:

Nestes termos e face ao exposto, a antiga arrendatária, (…), não possui qualquer título jurídico que lhe permita continuar a habitar no imóvel em questão, devendo desocupá-lo imediatamente e entregá-lo, livre de pessoas e bens, aos actuais proprietários do mesmo, (…) e (…).

Évora, d.s.

*

Não se conformando com o decidido, a arrendatária do imóvel recorreu da decisão, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

I - Em 27 de Julho de 2020, vieram (…), e mulher, (…), apresentar requerimento aos autos, pronunciar-se sobre a questão em litígio.

II - De tal requerimento não foi a ora recorrente notificada, apenas tomando conhecimento da sua existência quando, no dia de hoje, percorreu os autos, via Citius, e constatou tal facto.

III - O Tribunal "a quo" proferiu decisão, sem que tenha dado a conhecer à Recorrente os novos argumentos aduzidos no requerimento de 27 de julho de 2020.

IV - Em causa está, pois, a violação do princípio do contraditório pelo facto do tribunal ter decidido sem previamente permitir à recorrente pronunciar-se sobre a nova matéria, vendo-se confrontada com uma decisão-surpresa. V - Ora, no respeito pelo exercício do contraditório, impunha-se que a Recorrente tivesse sido notificada da apresentação do requerimento e seu conteúdo.

VI - Deste modo, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, foi preterida a prática de um ato que a Lei prescreve e, consequentemente, ocorreu nulidade.

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VII - Nos presentes autos, existia um prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua (…), nº 35, Quinta da (…), em Évora, que era propriedade dos insolventes (…) e mulher (…).

VIII - Sobre tal imóvel, foram constituídas três hipotecas favor do Banco (…), desde 16/09/2002.

IX - Resulta também que, em 1 de maio de 2007, foi celebrado um contrato de arrendamento a favor da Recorrente, pelo período de um ano, renovável. X - Resulta ainda que, posterior à celebração do contrato de arrendamento, várias eram as penhoras que passaram a incidir sobre o imóvel.

XI- Foi publicitada a venda do imóvel, com menção à existência de um arrendamento.

XII - O imóvel foi objeto de venda, no âmbito do processo de insolvência. XIII - Em 8 de Maio de 2020, foi celebrada a escritura pública de compra e venda, a titular a alienação do imóvel, por compra de (…), e mulher, (…). XIV - Tendo presente tal vicissitude, entendeu o Tribunal "a quo", a nosso ver mal, que existindo hipotecas anteriores ao contrato de arrendamento, este caduca com a venda do imóvel.

XV - A venda agora em apreço teve lugar no âmbito de um processo de insolvência, o qual é regulado por diploma próprio, só sendo aplicável o

regime geral, se o caso não for expressamente regulado no CIRE, conforme se alcança do artigo 17.º deste diploma legal:

XVI - O art.º 109.º do CIRE dispõe em particular sobre os efeitos da

insolvência sobre a locação em que o insolvente é o locador, determinando expressamente que "a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância", sendo que a doutrina vem considerando unanimemente que os direitos reconhecidos pela lei civil são a manutenção da posição contratual do arrendatário e o direito de preferência do arrendatário.

XVII - Assim, resulta claro que a afirmação constante desse normativo de que a venda não priva o arrendatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil, inculca a ideia de que o legislador pretende assegurar ao arrendatário estabilidade na sua posição contratual, não sendo a mesma afectada pela venda no processo de insolvência.

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XVIII - O artigo 1057.º do Código Civil consagra o princípio 'emptio non tollit

locatum' sem estabelecer qualquer distinção quanto ao modo de aquisição do

direito com base no qual foi celebrado o arrendamento, pelo que não se vê motivo para restringir o seu âmbito de aplicação, salvo nos casos

expressamente previstos na lei - se o arrendamento foi celebrado depois da penhora (artigo 819.º do CC) ou se a coisa ainda não tiver sido entregue ao locatário (artigo 109.º, n.º 2, do CIRE).

XIX - Por outro lado não temos como existente uma relação de especialidade entre o artigo 824.º, n.º 2, do CC (norma especial para a venda em execução) e o artigo 1057.º do CC (norma genérica do arrendamento), considerando que a existir essa relação de especialidade ela será antes entre o art° 1057.º do CC (regra especial para o arrendamento) e o artigo 824.º, n.º 2, do CC (regra geral para a venda executiva).

XX - Ao contrário do que ocorre no usufruto e no uso e habitação, no arrendamento o senhorio (adquirente) tem a possibilidade de por acto exclusivo de sua vontade proceder à respectiva denúncia, pondo termo ao arrendamento; o que arreda a similitude de situação a impor, por força do princípio da igualdade, a solução da caducidade.

XXI - Entendemos que (em face da evolução da regulamentação do contrato de arrendamento que tem esbatido o seu carácter vinculístico e acentuado o seu carácter temporário) não se pode ter como regra geral que a locação implica uma desvalorização para o bem a que se reporta constituindo um pesado ónus de que o senhorio não pode libertar-se a breve prazo, assim se impedindo ou dificultando a cobrança do crédito por parte daquele que tem tal crédito garantido por hipoteca sobre o imóvel locado.

XXII - Por outro lado não se compreende porque se haverá de considerar como negativa (ostracizar mesmo) uma circunstância que não só é lícita como, até, considerada como boa prática.

XXIII - É consensual o entendimento de que resulta das disposições legais reguladoras da hipoteca que o devedor não fica inibido de dispor do imóvel hipotecado e de praticar relativamente a ele actos de mera administração (ordinária).

XXIV - O arrendamento por prazo inferior a seis anos é qualificado legalmente como acto de administração ordinária (artigo 1024.º do CCiv) e é tido como

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medida de racionalidade económica, penalizando-se, nomeadamente a nível fiscal, a existência de imóveis devolutos.

XXV- Mas, se assim é, não se encontra justificação para considerar a atitude do titular do imóvel que, não intentando utilizá-lo directamente, o destine arrendamento como violadora dos direitos do credor hipotecário (que, como se verá de seguida, tem meios próprios para se defender de eventuais práticas abusivas) determinante da caducidade do arrendamento em caso de venda executiva.

XXVI - Numa outra perspectiva, não vislumbramos que o interesse do

adquirente do imóvel arrendado previamente hipotecado em venda executiva que não seja o credor garantido seja diferente do de qualquer outro

adquirente, que terá de assumir a posição de senhorio por força do artigo 1057.º do CC, tanto mais que o adquirente foi advertido de que sobre o imóvel impendia um contrato de arrendamento, com prazo de duração de um ano, renovável por iguais períodos.

XXVII - Pelo que carece de justificação a imposição da caducidade do arrendamento de uma forma genérica para todas as situações de venda executiva, estabelecendo uma situação de privilégio para o adquirente do imóvel arrendado previamente hipotecado.

XXVIII - Por último, não podemos deixar de ter em conta que com a reforma do processo executivo levada a cabo através do DL 38/2003, de 30ABR, o

legislador incluiu o arrendamento no elenco dos actos inoponíveis à execução constantes do artigo 819.º do CPC (acolhendo posição que já era doutrinal e jurisprudencialmente defendida) mas já não o fez relativamente à inclusão do arrendamento no elenco dos direitos que caducam com a venda executiva previstos no artigo 824.º do CC, assim manifestando a sua intenção de não acolher tal posição.

XXIX - Razões pelas quais somos do entendimento de que a venda executiva de prédio previamente hipotecado, não determina a caducidade do

arrendamento entretanto celebrado, em contrário do decidido na decisão recorrida, que deve ser revogada.

XXX - Ao decidir de forma diversa, violou o Tribunal a quo, por erro de

interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 824.º, n.os 1 e 2, 1057.º do CC, 195.º do CPC, artigo 109.º do CIRE e artigo 65.º da CRP.

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*

Os recorridos contra-alegaram, concluindo que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser integralmente confirmada, com a consequente improcedência do recurso.

*

Foram dispensados os vistos. *

As questões que importa decidir são: 1.- A violação do princípio do contraditório;

2.- Saber se a venda executiva de prédio hipotecado determina ou não a caducidade do arrendamento

*

A matéria de facto a considerar é a que resulta dos autos sendo a seguinte: 1.- No âmbito da liquidação da massa falida, nos autos principais, foi vendido o seguinte bem imóvel:

Prédio Urbano sito em (…), Quinta da (…) – Rua (…), n.º 38, ‘T4’. Afetação: habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados. Composição: Rés-do-Chão, 1 divisão, cozinha, instalação sanitária, garagem, logradouro, 1.º andar, 4 divisões, 2 instalações sanitárias, com a área total de 142,35 m2, área coberta: 75,50 m2 e área descoberta: 66,85 m2, freguesia (…)-concelho Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora com o n.º 360/(…) e inscrito na matriz predial urbana com o artigo (…), da freguesia de União das Freguesias de (…) e Horta das (…).

2.- O bem foi vendido aos recorridos (…) e (…), em 8 de maio de 2020. 3.- O mesmo imóvel estava arredando à recorrente (…), que não exerceu o direito de preferência na aquisição.

4.- Sobre o imóvel incidiam três hipotecas voluntárias, registada a primeira em 16/09/2002, a favor do Banco (…), SA, um dos credores dos insolventes.

5.- O contrato de arrendamento foi celebrado em 01-05-2007. ***

Conhecendo.

Quanto à questão da violação do princípio do contraditório, o tribunal a quo conheceu da nulidade argumentando que a ausência de notificação à parte de um requerimento a que não poderia responder, conjugada com o facto de que a omissão de notificação não teve qualquer influência na decisão proferida,

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leva a concluir pela inexistência de qualquer nulidade processual por violação do princípio do contraditório.

Compulsados os autos, constata-se que os recorridos, após aquisição do imóvel, formularam um requerimento onde pediam a entrega do locado por caducidade do contrato de arrendamento.

A recorrente respondeu a este requerimento, defendendo-se por exceção. Os recorridos, por sua vez, responderam à matéria da exceção em

requerimento datado de 12-06-2020.

Este requerimento não foi notificado à recorrente.

A questão está em saber se, como dispõe o artº 3º/ do CPC, a omissão pode ser excecionalmente admitida por se tratar de caso de manifesta desnecessidade, como entende o Tribunal a quo, ou se a omissão determina a nulidade do processado após a sua ocorrência, como entende a recorrente.

Sobre esta questão, Rui Pinto in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, pág. 41 opina o seguinte: “No quadro da ampla formulação do nº 3, o conceito restrito de decisão-surpresa relevará essencialmente para delimitar a dispensa de audição prévia por “manifesta desnecessidade”: o tribunal não deve notificar as partes para pronúncia prévia quando o fundamento decisório foi previamente considerado pelas partes (ainda que implicitamente) ou estas o não podiam ignorar, por evidente. Em qualquer circunstância, a dispensa de audiência prévia por “manifesta desnecessidade” é excecional: o seu uso deve ser parcimonioso; na dúvida deve o tribunal ouvir antes de decidir.”

Delimitada a questão facilmente se chega à conclusão que a notificação à recorrente deveria ter sido efetuada, para cumprimento da trave-mestra que constitui o princípio processual do contraditório, tratando-se de um errore in

procedendo, ou seja, uma nulidade que pode afetar a decisão.

Contudo, a marcha do processo acabou por sanar a nulidade transformando-a numa mera irregularidade, com os argumentos que muito bem o tribunal a

quo ponderou.

Em primeiro lugar, porque a recorrente não poderia responder ao

requerimento, pelo que não foi causado qualquer prejuízo à sua pretensão, uma vez que no requerimento consta apenas a posição dos recorridos acerca de matéria alegada pela recorrente, e, por isso, matéria do seu perfeito

conhecimento.

Repare-se que se a recorrente tivesse respondido, o seu requerimento deveria ser mandando desentranhar e ser-lhe devolvido, com custas a seu cargo pelo incidente anómalo a que teria dado causa, o que mostra à evidência a muito fraca relevância da omissão.

E em segundo lugar, porque o teor do requerimento chegou ao conhecimento da recorrente, porque integrado no Citius, logo do conhecimento de todos os

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sujeitos processuais, mas, principalmente, o desconhecimento do teor do requerimento não teve qualquer influência no sentido da decisão tudo porque a recorrente estava impedida de se pronunciar sobre o teor do dito

requerimento.

Assim sendo, por estes motivos estamos em presença de uma irregularidade e não de uma nulidade, irregularidade que ficou sanada com a própria marcha do processo, não tendo a pretensão da recorrente sofrido qualquer diminuição ou enfraquecimento da defesa.

Tudo porque a decisão não sofreria alteração caso a recorrente tivesse sido notificada do teor do requerimento, uma vez que os pressupostos também não seriam alterados.

O que vale por dizer que, declarar nesta fase processual a nulidade do processado com a notificação omitida resultaria num ato inútil, não querido pela ordem jurídico-processual (artigo 130.º CPC), tudo porque, como se disse, a dita notificação não alteraria sob qualquer circunstância a realidade

material que permaneceria inalterada.

Assim se impede a prática de atos que, não tendo, em concreto, utilidade para a realização da função processual têm, ao invés, o efeito de complicar o

processo, impedindo-o de atingir rapidamente o seu termo, concretizando-se o princípio da economia processual, na vertente relativa aos atos a praticar no processo. Neste sentido Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4ª Ed., 2017, pág. 205 e 224, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2, pág. 32 onde distingue “economia de atos” e “economia de

formalidades” e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, pág. 108, onde elabora acerca da “redução da nulidade à mera irregularidade do acto, sem consequências, sempre que o acto haja atingido o seu fim”.

O que encontra também apoio no que se estipula no artº 195º/1, in fine, do CPC, onde se prevê que a omissão de um ato que a lei prescreva só produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Assim sendo, a arguida nulidade convolou-se em mera irregularidade, sanada pela marcha do processo, sem influência na decisão, o que implica a

improcedência das conclusões nesta parte.

Neste sentido Ac. STJ de 04-07-2019, José Rainho, Processo n.º

5762/13.2TBVFX-A.L1.S1, e, em diferente jurisdição, mas em decisão baseada nos mesmos princípios essenciais, Ac. TCAN de 17-01-2020, Processo n.º 00094/09.3BEPRT:

(“…) verificando-se que o parecer vinculativo foi emitido, ainda que temporalmente desadequado, em sentido favorável, e que a obra foi

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integralmente executada, sempre a eventual repetição do ato levaria à prolação do ato de teor idêntico, o que, manifestamente, constituiria um ato inútil, já que a realidade material sempre permaneceria inalterada.”

*

Quanto a saber se a venda executiva de prédio hipotecado determina ou não a caducidade do arrendamento.

O artigo 1057.º do CC consagra o princípio emptio non tollit locatum, ou seja, a locação não caduca com a venda, corolário da natureza real do instituto do arrendamento, uma vez que lhe confere uma característica de que só os

direitos reiais beneficiam – o direito de sequela: o arrendamento acompanha o bem independentemente de quem seja o titular do direito real de base,

propriedade.

Mas esta regra geral sofre restrições.

Dispõe o artigo 824º/2, do CC, relativo à venda executiva:

2.- Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.

O que significa não caducar o arrendamento (direito real), apenas nos casos em que o contrato de locação foi celebrado anteriormente à constituição de arresto, penhora ou garantia (como a hipoteca voluntária ou judicial).

Ora, no caso dos autos, o arrendamento foi celebrado (01-05-2007)

anteriormente ao registo das penhoras que oneravam o bem imóvel vendido, pelo que, por esta via, como bem alega a recorrente, o arrendamento não caducou.

Mas é posterior ao registo das hipotecas voluntárias que também oneravam o bem, a primeira registada quase cinco anos antes do arrendamento, em

16-09-2002, a favor de um dos credores dos insolventes.

Logo, nos termos da disposição citada, não assiste razão à recorrente, pelo que o arrendamento caducou com a venda executiva.

Com efeito, a jurisprudência e a doutrina são unânimes na consideração de que o arrendamento de prédio sobre o qual incide hipoteca, registada anteriormente à celebração do contrato de arrendamento, caduca com a venda judicial, em processo executivo, nos termos do artigo 824.º/2, do CC, sendo, por isso, inoponível ao comprador.

É o corolário da regra ínsita no referido preceito legal, ou seja, o princípio da transmissibilidade dos bens livres de ónus para o adquirente.

E o regime é o mesmo quer se considere o arrendamento como um direito real, como é o nosso caso (seguindo O. Ascensão), ou se considere como um

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direito de natureza obrigacional (segundo M. Pinto), como o revela o

entendimento do AC. STJ de 10-10-2018, Rosa Tching, Procº 12/14.7TBEPS-A.G1.S2, que entende tratar-se de direito obrigacional:

I. O contrato de arrendamento, na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do respetivo proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito ao regime previsto no artigo 824º, n.º 2, do Código Civil, cujo espírito ou ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos.

II. Não se trata, porém, de estender, por via analógica, o efeito extintivo previsto neste artigo 824.º, n.º 2, a direitos de natureza obrigacional, mas apenas de considerar aplicável esse efeito a direitos não reais relativamente aos quais, pela sua especificidade possam proceder as mesmas razões

justificativas da extinção.

III. A interpretação dada ao nº 2 do art. 824º do Código Civil, no sentido de que o mesmo abrange também o contrato de arrendamento, é a que melhor responde às exigências de justiça e aos interesses teleológicos nele

subjacentes, na medida em que assegura um equilíbrio adequado e

proporcional entre os vários interesses em jogo: o interesse do proprietário do bem hipotecado, em celebrar o contrato de arrendamento; o interesse do arrendatário, que sabe ou pode saber pela publicidade registral que o bem objeto do arrendamento está sujeito à execução e o interesse do credor hipotecário, que não vê o bem hipotecado sofrer desvalorização em consequência do arrendamento.

IV. A relação locatícia estabelecida após constituição de hipoteca sobre o imóvel objeto do contrato, por aplicação do art. 824º, nº 2, do Código Civil, caduca automaticamente com a venda do imóvel arrendado no processo executivo, inviabilizando, por isso, a dedução dos embargos por parte do arrendatário, de harmonia com o disposto no artigo 344.º, n.º 2, 2ª parte, do CPC.

O que vale por dizer que a relação jurídica locatícia, constituída

posteriormente ao registo da hipoteca, direito real de garantia, implica o afastamento da regra geral prevista no acima referido artº 1057º do CC relativa à transmissibilidade da posição do locador e, consequentemente, a inclusão da venda judicial no elenco das causas não taxativas de caducidade do contrato de arrendamento, previstas no artigo 1051.º do CC.

Tudo porque esta é a interpretação do preceito que melhor responde às

exigências de justiça e aos interesses teleológicos do nº 2 do artº 284º, do CC, cuja ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos, como já se disse.

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O arrendatário sairá prejudicado com esta solução, mas no confronto dos interesses em jogo, como se disse no acórdão do STJ acima transcrito, “fará menos sentido protegê-lo, em detrimento do credor hipotecário, tendo em consideração que ele não ignorava ou não devia ignorar a hipoteca que onerava o bem locado e que o credor se vê confrontado com uma

desvalorização do imóvel decorrente do arrendamento, entretanto celebrado sem a sua intervenção e vontade.”

De onde se conclui que a decisão em crise não violou, por erro de

interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 824.º/1 e 2 e 1057.º do CC, 195.º do CPC, 109.º do CIRE e 65.º da CRP, como alegado pela recorrente. O que implica a improcedência da apelação e a confirmação da decisão.

No mesmo sentido, cfr. também os Ac. desta Relação:

- Processo n.º 38/19.4T8EVR.E1, de 30-01-2020, Cristina Dá Mesquita; - Processo n.º 2560/09.1TBLLE-C.E1, de 30-05-2019, Isabel Peixoto Imaginário;

-Processo n.º 43/16.2T8FAL-F.E, de1 13-09-2018, Tomé Ramião; - Processo n.º 311/12.2TBRDD.E1, de 26-04-2018, Tomé de Carvalho; - Processo n.º 16/09.1T2ODM.E1, de 10-03-2010, Ribeiro Cardoso;

- Processo n.º 701/16.1T8PTG-C.E1, de 30-05-2019, Rui Machado e Moura.

***

Sumário: (…)

***

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida.

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Notifique. ***

Évora, 03-12-2020

José Manuel Barata (relator) Conceição Ferreira

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